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A aplicação do método do arco da problematização na coleta de dados em pesquisa de enfermagem: relato de experiência

La aplicación del método del arco de la problematización en la colecta de datos en investigación de enfermería: relato de experiencia

Resumos

Estudo desenvolvido com 152 trabalhadores de um hospital psiquiátrico da rede estadual do Paraná, em 2008. Objetivo: relatar a experiência da aplicação do Método do Arco na coleta de dados de uma pesquisa em enfermagem. Os dados utilizados para a descrição da experiência foram obtidos mediante a aplicação do Método do Arco. O desenvolvimento das etapas deste método requer análise criteriosa e reflexão do objeto de estudo e um planejamento bem delineado para que os resultados sejam alcançados. A experiência de aplicar o Método na pesquisa para construção de um marco de referência para o cuidado em saúde mental permitiu a reflexão-ação-reflexão, a partir das experiências do cotidiano de trabalho dos sujeitos, bem como apresentou uma possibilidade de coleta de dados em pesquisa. Contribuiu para a humanização do cuidado prestado e mobilizou os envolvidos para uma aprendizagem significativa da realidade, de forma dinâmica e complexa.

Metodologia; Coleta de dados; Pesquisa; Enfermagem


Estudio desarrollado con 152 trabajadores de un hospital psiquiátrico de la red estatal del Paraná, Brasil, en 2008. Objetivo: relatar la experiencia de la aplicación del Método del Arco en la colecta de datos de una investigación en Enfermería. Los datos utilizados para la descripción de la experiencia se obtuvieron mediante la aplicación del Método del Arco. El desarrollo de las etapas de este método requiere análisis juicioso y reflexión del objeto de estudio y un planeamiento bien delineado para que los resultados sean alcanzados.La experiencia de aplicar el Método en la investigación para construcción de un marco de referencia para el cuidado en salud mental permitió la reflexión-acción- reflexión a partir de las experiencias del cotidiano de trabajo de los sujetos, así como presentar la oportunidad de recoger los datos en la investigación. Contribuyó para la humanización del cuidado prestado y movilizó los envueltos para un aprendizaje significativo de la realidad de forma dinámica y compleja.

Metodología; Recolección de datos; Investigación; Enfermería


This study was developed with 152 employees of a psychiatric hospital of the state network of Paraná in 2008. Aim: to report the experience of applying the Arch Method in the data collection of a nursing study. The data used for the description of the experience were obtained through the application of the Arch Method. The development of the steps of this method requires critical analysis and reflection of the study object and well-designed planning so that the results are achieved. The experience of applying the Method in the research to construct a benchmark for mental healthcare allowed the reflection-action-reflection, from the experiences of the work quotidian of the subjects, and presented a possibility for research data collection It contributed to the humanization of the care provided and mobilized those involved for the significant learning of the reality, in a dynamic and complex form.

Methodology; Data collection; Research; Nursing


RELATO DE EXPERIÊNCIA

A aplicação do método do arco da problematização na coleta de dados em pesquisa de enfermagem: relato de experiência1 1 Artigo baseado na dissertação - Construção de marco de referência para o cuidado em saúde mental com a equipe de um hospital psiquiátrico, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGENF) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 2008.

La aplicación del método del arco de la problematización en la colecta de datos en investigación de enfermería: relato de experiencia

Dayane Carla BorilleI; Tatiana BrusamarelloII; Marcio Roberto PaesIII; Verônica de Azevedo MazzaIV; Maria Ribeiro LacerdaV; Mariluci Alves MaftumVI

IMestre em Enfermagem. Paraná, Brasil. E-mail: dayaneborille2006@yahoo.com.br

IIMestranda de Enfermagem do PPGENF/UFPR. Bolsista CAPES. Paraná, Brasil. E-mail: tatiana_brusamarello@yahoo.com.br

IIIDoutorando de Enfermagem do PPGENF-UFPR. Enfermeiro do Hospital de Clínicas da UFPR. Paraná, Brasil. E-mail: marropa@ufpr.br

IVDoutora em Enfermagem. Docente Adjunto da UFPR. Paraná, Brasil. E-mail: mazzas@ufpr.br

VDoutora em Filosofia da Enfermagem. Docente Adjunto da UFPR. Paraná, Brasil. E-mail: lacerda@milenio.com.br

VIDoutora em Enfermagem. Docente Adjunto da UFPR. Paraná, Brasil. E-mail: maftum@ufpr.br

Correspondência Correspondência: Mariluci Alves Maftum Rua João Clemente Tesseroli, 90 81.520-190 - Jardim das Américas, Curitiba, PR, Brasil E-mail: maftum@ufpr.br

RESUMO

Estudo desenvolvido com 152 trabalhadores de um hospital psiquiátrico da rede estadual do Paraná, em 2008. Objetivo: relatar a experiência da aplicação do Método do Arco na coleta de dados de uma pesquisa em enfermagem. Os dados utilizados para a descrição da experiência foram obtidos mediante a aplicação do Método do Arco. O desenvolvimento das etapas deste método requer análise criteriosa e reflexão do objeto de estudo e um planejamento bem delineado para que os resultados sejam alcançados. A experiência de aplicar o Método na pesquisa para construção de um marco de referência para o cuidado em saúde mental permitiu a reflexão-ação-reflexão, a partir das experiências do cotidiano de trabalho dos sujeitos, bem como apresentou uma possibilidade de coleta de dados em pesquisa. Contribuiu para a humanização do cuidado prestado e mobilizou os envolvidos para uma aprendizagem significativa da realidade, de forma dinâmica e complexa.

Descritores: Metodologia. Coleta de dados. Pesquisa. Enfermagem.

RESUMEN

Estudio desarrollado con 152 trabajadores de un hospital psiquiátrico de la red estatal del Paraná, Brasil, en 2008. Objetivo: relatar la experiencia de la aplicación del Método del Arco en la colecta de datos de una investigación en Enfermería. Los datos utilizados para la descripción de la experiencia se obtuvieron mediante la aplicación del Método del Arco. El desarrollo de las etapas de este método requiere análisis juicioso y reflexión del objeto de estudio y un planeamiento bien delineado para que los resultados sean alcanzados.La experiencia de aplicar el Método en la investigación para construcción de un marco de referencia para el cuidado en salud mental permitió la reflexión-acción- reflexión a partir de las experiencias del cotidiano de trabajo de los sujetos, así como presentar la oportunidad de recoger los datos en la investigación. Contribuyó para la humanización del cuidado prestado y movilizó los envueltos para un aprendizaje significativo de la realidad de forma dinámica y compleja.

Descriptores: Metodología. Recolección de datos. Investigación. Enfermería

INTRODUÇÃO

O ser humano possui a capacidade de interagir com o objeto do conhecimento, com os fenômenos presentes em sua realidade e de estabelecer relações sociais. Esse contexto revela a importância de conhecer as concepções prévias e/ou do senso comum, descritas pelos sujeitos envolvidos no processo ensino-aprendizagem, a fim de se alcançar a melhor forma de apropriação do conhecimento científico e de superação dos obstáculos epistemológicos.1-3

Para tanto, o investigador, ao lançar mão de práticas educacionais, conjuntamente ao da pesquisa, deve escolher um método de trabalho que o oriente, o conduza a resultados satisfatórios, e que seja condizente com os objetivos propostos. Assim, a Metodologia Problematizadora, cujos princípios teóricos e filosóficos são fundamentados no humanismo, na fenomenologia, no existencialismo e no marxismo, constitui recurso metodológico para a realização de projetos da prática assistencial e de pesquisa.3-5

Essa Metodologia enseja a participação ativa dos sujeitos, considera o seu contexto de vida, a sua história e experiências, respeitando o ritmo de aprendizado de cada um. Dessa forma, pela problematização do conhecimento vulgar mediado pela teoria, é possível promover reconstruções conceituais neste saber, apreensão e aprofundamento do conhecimento científico.3-6

Pautado no humanismo, a Metodologia Problematizadora reconhece o homem e os valores humanos acima de todos os outros valores. Da fenomenologia, adota o postulado básico da noção de intencionalidade da consciência humana, ao afirmar que o objeto só existe para o sujeito que lhe dá significado e que a consciência do objeto se desvela progressivamente, e nunca acaba, se tornando uma exploração exaustiva do mundo. Do existencialismo, utiliza a crença de que o homem se constrói e pode ser sujeito. Quando integrado em seu contexto, reflete a respeito dele e com ele se compromete na busca de realização do trabalho de conscientização, pelo processo de tomada de consciência crítica da realidade que se desvela progressivamente. Por fim, do marxismo utiliza o conceito de práxis como uma atividade transformadora, ao tornar possível a passagem da teoria à prática, consciente entre pensamento e ação intencionalmente realizada.5 Por consistir em um conjunto de métodos, técnicas, procedimentos ou atividades selecionados e organizados de modo intencional, a Metodologia Problematizadora tem propósito precípuo de "preparar o [...] ser humano para tomar consciência de seu mundo e atuar também intencionalmente para transformá-lo".4:10 Desse modo, o homem se torna ser ativo no processo transformador do mundo e sociedade com vistas a melhorar a qualidade da vida humana.3,6

Na utilização da Metodologia da Problematização, o sujeito é levado a se voltar para a realidade que o cerca, refletir sobre ela e indagar as razões daquilo que lhe parece problemático.3,4,7 Portanto, esse método tem como ponto de partida a realidade do sujeito, o cenário no qual está inserido e onde os vários problemas podem ser vistos, percebidos ou deduzidos, de maneira que possam ser estudados em conjunto ou em pares. A observação da realidade depende da visão de mundo e das experiências de vida de cada pessoa, podendo ser diferentes de um observador para o outro.6

O esquema de trabalho construído por Charles Maguerez, denominado Método do Arco,6 tem sido amplamente utilizado por profissionais da área da saúde, inclusive os da enfermagem. Destarte, esse recurso tem sido aplicado em projetos oriundos da prática profissional com envolvimento de usuários na educação em saúde, com profissionais na capacitação e educação permanente, na formação e na pesquisa.7-18

O Método do Arco traz como ponto de partida a observação da realidade, de maneira ampla, atenta, em que se busca identificar o que precisa ser trabalhado, investigado, corrigido, aperfeiçoado. A partir dos aspectos verificados, são eleitos problemas a serem estudados. A segunda etapa é a identificação dos pontos-chave, quando se define o que vai ser estudado a respeito do problema. A teorização, terceira etapa, consiste na investigação aprofundada dos pontos-chave definidos. É nesta etapa que se incentivam leituras de pesquisas e estudos a fim de buscar o esclarecimento da situação-problema.6,15

Depois do aprofundamento teórico, com análise e discussão do problema, procede-se à elaboração de pressupostos ou hipóteses de solução. Na quarta etapa, os participantes utilizam sua criatividade para realizar mudanças no contexto observado. A quinta etapa é a aplicação à realidade, em que as soluções viáveis são implementadas e aplicadas com a finalidade da transformação, mesmo que pequena, naquela parcela da realidade.3,4,6

Conquanto a Metodologia Problematizadora e o Método do Arco tenham ampla utilização nos estudos de enfermagem,7-17 há que se considerar que o desenvolvimento de todas as suas etapas, bem como a inclusão do sujeito como partícipe, torna sua aplicação tarefa complexa e difícil. Isto ocorre por diversos motivos como, por exemplo, o fato de a maioria dos profissionais da saúde ter sua formação acadêmica pautada no modelo da pedagogia transmissora. Para trabalhar com esta Metodologia, são necessárias flexibilidade e disponibilidade internas, para estabelecer diálogo com os sujeitos, e se colocar na posição de mediador, facilitador da aprendizagem, considerando os vários pontos de vista e conhecimento de cada pessoa. Também suscita que o facilitador e/ou investigador tenha aprofundamento teórico sobre o conteúdo que será problematizado, bem como a clareza sobre o método a ser utilizado.

Diante do exposto, o objetivo deste artigo é relatar a experiência da aplicação do Método do Arco da Problematização na coleta de dados de uma pesquisa em enfermagem.

METODOLOGIA

Trata-se de relato da experiência do uso do Método do Arco em uma pesquisa qualitativa de prática assistencial, desenvolvida em 2008, em um hospital especializado em Psiquiatria, de internação integral, da rede pública estadual do Paraná.

A instituição na qual se desenvolveu o estudo comunicou a necessidade da implementação de um programa de educação permanente para seus funcionários, em forma de capacitação, e assim, solicitou ao Departamento de Enfermagem da UFPR apoio a essa demanda. Com isto, abriu-se a oportunidade do desenvolvimento da proposta de sensibilização da equipe de enfermagem daquela instituição, a respeito do cuidado em saúde mental. Contudo, a instituição preconizou que estas capacitações fossem extensivas a todos os trabalhadores daquele hospital - médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, assistentes sociais, fisioterapeutas, inclusive os que ocupavam cargos administrativos, técnicos e operacionais. Isto porquanto se considerou importante que todos os trabalhadores tivessem uma visão mais abrangente sobre o trabalho da enfermagem. Essa abordagem vai ao encontro do que é preconizado atualmente pelas políticas públicas em saúde mental, que versam sobre maior integração entre os profissionais de saúde mental, com ênfase na interdisciplinariedade de cuidados.

Deste modo, participaram deste estudo 152 trabalhadores, das diversas categorias profissionais, cargos e funções, conforme as normas da instituição (Quadro 1).


O maior contingente dos participantes deste estudo é do gênero feminino, com idade entre 41 e 60 anos. O tempo de formado e de atuação em saúde mental é proporcional e há predomínio de 69 (45,39%) dos participantes que atua na instituição, campo de estudo, há mais de 21 anos, 65 (42,76%) de cinco meses a 20 anos e 18 (11,85%) não informaram.

As informações relatadas tornam-se importantes e justificam a necessidade de proporcionar momentos para reflexão e discussão sobre a prática do cuidado em saúde mental, considerando que algumas das principais mudanças nas legislações e política nacional de atenção à saúde mental têm acontecido, especialmente, nos últimos 15 anos.

Os dados foram coletados pelo Método do Arco de Maguerez, em quatro encontros para cada um dos oito grupos de trabalhadores daquela instituição, totalizando 32, com a seguinte organização: Grupos A.1, A.2, B.1 e B.2, para os trabalhadores do período diurno; e Grupos C.1, C.2, D.1 e D.2, para os do noturno. Os encontros foram gravados em fita cassete e complementados pelos registros dos relatos e expressões não-verbais dos sujeitos, no diário de campo do pesquisador.

Os encontros ocorreram durante a jornada de trabalho; por isso a divisão dos grupos ocorreu, a fim de repetir duas vezes cada encontro, para cada plantão, devido à escala ser de 12 horas trabalhadas e 36 horas de descanso. O serviço se organiza em quatro plantões: dois diurnos e dois noturnos. Dessa forma, os profissionais foram divididos em dois grupos por plantão, em que parte mantinha as atividades de cuidado junto aos pacientes, e a outra participava do encontro.

Os aspectos éticos foram salvaguardados por meio do consentimento formal da direção do hospital e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, observando-se as normas legais e éticas para pesquisa científica que envolve seres humanos.19 O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Setor de Ciências da Saúde da UFPR (CAAE 2035.0.000.091.0).

TRAJETÓRIA DA APLICAÇÃO DO MÉTODO DO ARCO

Observação da realidade e elaboração da situação-problema - 1ª etapa do Método do Arco

No primeiro encontro foram apresentados os objetivos e a metodologia do trabalho. Para a etapa inicial do Método do Arco, que consiste na observação da realidade, utilizaram-se recursos audiovisuais para argumentar com os participantes sobre o desenvolvimento do cuidado pela equipe, a quem é desenvolvido o cuidado e como é trabalhar em equipe.

Naquele momento, os participantes relataram que sentiam a necessidade da discussão de conceitos que sustentassem o cuidado em saúde mental e, assim identificou-se a situação-problema, qual seja, a construção de um marco de referência para o cuidado ao paciente psiquiátrico da instituição em que trabalham.

Definição dos pontos-chave - 2ª etapa do Método do Arco

Nesta etapa, foram identificados os pontos-chave a serem estudados e discutidos, que sustentariam a resolução da situação-problema. Os participantes consideraram relevantes para sua prática os conceitos: enfermagem, ser humano, saúde-doença, ambiente, equipe e relação interpessoal.

A escolha de conceitos, realizada de forma compartilhada com a equipe e sustentada em um referencial teórico, enseja a reflexão sobre a prática profissional, bem como o uso consciente de um marco teórico e, assim, uma prática crítico-reflexiva.

Destarte, um marco de referência é uma relação de conceitos que se entrelaçam e através desta mutualidade cria-se uma correlação de significados e valores para uma determinada prática profissional e tem a finalidade de sustentar o cuidado de enfermagem. Deste modo, direciona as ações dos profissionais de enfermagem e constitui uma importante "ferramenta" de representação e identificação das características do saber/fazer de uma profissão que possibilita construir conhecimento científico por meio da reflexão dos conceitos que circundam seu processo de trabalho.20-21

Teorização - 3ª etapa do Método do Arco

Na terceira etapa, ocorreu a discussão dos conceitos eleitos pelos sujeitos: enfermagem, ser humano, saúde-doença, ambiente, equipe e relação interpessoal.

Devido à pluralidade da composição dos sujeitos nos encontros, para a discussão do conceito de enfermagem, foi utilizada para os profissionais de enfermagem a frase afirmativa incompleta enfermagem para mim é... , e para os demais participantes, percebo o trabalho de enfermagem... Os outros conceitos elencados pelo grupo, como inerentes à prática dos trabalhadores em saúde mental, foram problematizados de uma única maneira: ser humano para mim é..., saúde e doença para mim é..., equipe para mim é..., ambiente para mim é..., relação interpessoal para mim é....

Foram formados três grupos e a todos foi fornecido papel sulfite, com cores diferentes (verde, amarelo e rosa), para facilitar a mediação das atividades e a organização dos dados de pesquisa. Os grupos cujos integrantes eram da equipe de enfermagem receberam papel de cor verde, os compostos de técnicos/profissionais (psicólogos, médicos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, farmacêuticos), de cor amarela, e para os outros funcionários (telefonista, agente de manutenção, copa e serviços gerais, assistentes administrativos), de cor rosa.

Esta etapa se desenvolveu em momento individual e grupal. No individual, foi solicitado que refletissem a respeito da realidade que vivenciavam no cotidiano do seu trabalho em saúde mental na instituição e complementassem a afirmativa: enfermagem para mim é...., e percebo o trabalho de enfermagem... Essa estratégia se repetiu até a discussão do último conceito. Desta maneira, cada participante expressou sua vivência e experiência a respeito dos conceitos mediante a escrita, sendo que alguns complementaram com desenhos.

Na sequência, fez-se a discussão grupal dos pontos-chave (conceitos) eleitos pelos participantes na segunda etapa do Método do Arco. Para o desenvolvimento das atividades, os participantes que tinham papel sulfite da mesma cor se reuniam. Quando o grupo ultrapassava o número de oito, sugeria-se a divisão em dois ou mais grupos para proporcionar uma melhor participação, valorização, compartilhamento de ideias na discussão de cada conceito/pontos-chave.

Após a formação dos grupos, os integrantes compartilharam entre eles o conteúdo que haviam registrado individualmente e, na sequência, formularam um conceito que representava a ideia de todos que era escrita em papel cartolina. Após finalizarem essa atividade, cada grupo apresentava o conceito construído para os demais grupos. Na medida em que era realizada a apresentação, o grupo afixava o cartaz em um varal de barbante que circundava as paredes da sala. Os cartazes foram enumerados de acordo com a categoria profissional/cargo e ocupação dos participantes.

Essa dinâmica foi mantida durante as demais construções, relacionando cada conceito com o cuidado em saúde mental desenvolvido pelos trabalhadores da instituição, e procurando valorizar a experiência de cada participante.

Após a construção no grupo, cada conceito era teorizado à luz da Teoria das Relações Interpessoais.22 Após cada encontro, retiravam-se os cartazes e recolhiam-se os papéis sulfite da produção individual, para serem analisados, e fazer um agrupamento das ideias centrais a serem discutidas e validadas pelos grupos que participariam nos encontros seguintes.

Elaboração de pressupostos solução - 4ª etapa do Método do Arco

Nesta etapa foi elaborado o pressuposto de solução, qual seja, a proposta de construção do marco de referência para sustentar o cuidado em saúde mental da equipe.

Respeitando a realidade e as condições da instituição, descritas anteriormente, buscando a viabilidade do pressuposto de solução, a prática dos trabalhadores da instituição foi problematizada à luz do referencial de Joyce Travelbee22, que descreve a enfermagem como processo interpessoal, mediante o qual o enfermeiro ajuda uma pessoa, família ou comunidade, com o objetivo de promover a saúde, prevenir ou enfrentar a experiência da doença e sofrimento mental. Para tanto, o enfermeiro necessita criar um ambiente social, biológico, psicológico, cultural e físico, propício às relações recíprocas, por intermédio do qual cada ser humano pode aprender. O ser humano é único e insubstituível, semelhante e, ao mesmo tempo, diferente, em relação a outra pessoa. Portanto, cada ser deve ser valorizado e respeitado em sua individualidade. Equipe é constituída por membros de diversas disciplinas da saúde, que podem compartilhar e exercer a relação terapêutica, a fim de ajudar a pessoa a se reintegrar na sociedade.

Em relação ao conceito de saúde, Travelbee a considera "algo que a pessoa é, como demonstram certos comportamentos e atitudes",22:7 sendo essas atitudes relacionadas à capacidade para amar, para enfrentar a realidade e para descobrir um propósito ou sentido na vida. A experiência do adoecer ajuda o ser humano a crescer e se fortalecer, reconhecendo, assim, suas limitações e potencialidades. Neste sentido, as interações devem ser planejadas com vistas a um cuidado que possibilite ao ser humano compreender, lidar e enfrentar as situações de doenças e ou conviver com as limitações impostas por elas.

Aplicação à realidade - 5ª etapa do Método do Arco

Para desenvolver as atividades da última etapa do Método do Arco, foram afixados no varal todos os cartazes que continham os conceitos construídos pelos grupos nos encontros anteriores. Foi mantida uma ordem, como, por exemplo, todos os conceitos de enfermagem próximos e, assim, sucessivamente, com os demais.

Quando os participantes chegavam ao local dos encontros, expressavam surpresa em relação à quantidade de material produzido por eles, bem como a satisfação em ler o que os colegas de outros grupos e turnos haviam produzido.

Foi solicitado aos participantes que circulassem pela sala para fazer a leitura dos conceitos expressos nos cartazes e que deviam iniciar pelos de enfermagem, dando continuidade na ordem pela qual os mesmos foram discutidos e construídos durante os encontros.

Na sequência, foi apresentado o conceito preelaborado pelo pesquisador, a partir das ideias centrais de todos os cartazes. Foi solicitado que lessem e validassem a ideia, conforme o que foi expresso no conjunto dos conceitos contidos nos cartazes. Houve intensa participação. Foram sugeridas inclusões, substituições e exclusões de termos, de modo que, ao final da etapa, obtivemos um conceito que expressava a concepção daquele grupo.

Devido ao fato de esse processo se repetir com os outros grupos, mantinha as modificações nos conceitos destacadas em cores diferentes para serem validadas pelos grupos subsequentes. Cada grupo repetia o processo descrito anteriormente e apresentava primeiro o conceito prévio elaborado pelo pesquisador e acatava as colaborações do grupo e, no andamento, reapresentava o conceito com as alterações sugeridas pelo grupo que antecedeu a ele. Assim, ao final do encontro, tínhamos o conceito daquele grupo, considerando as contribuições do grupo anterior até culminar no conceito final, após todos os grupos terem vivenciado o mesmo processo.

Esta atividade desenvolvida era seguida em cada grupo, novamente, à luz do referencial de Joyce Travelbee, o que gerava novas discussões, sugestão de inclusões, substituições e exclusões a respeito dos conceitos e ainda reflexões da prática do cuidado em saúde mental, culminando no conceito final do grupo. Esse processo se repetiu com os conceitos de enfermagem, ser humano, saúde-doença, ambiente, equipe e relação interpessoal, resultando no marco de referência.

Síntese da trajetória percorrida

A experiência de aplicar o Método do Arco na coleta de dados na construção de um marco de referência para o cuidado em saúde mental, nos permite reafirmar sua importância na realização desta proposta. Há que se destacar que pelo caráter dialógico-problematizador intrínseco à Metodologia Problematizadora, no qual todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem envidam esforços e a possibilidade de compreensão e superação das situações que fazem parte do objeto de estudo, a construção que ocorreu pela vivência coletiva foi igualmente de construção para ambos, sujeitos e pesquisador.

Para este estudo, o Método do Arco foi utilizado, a fim de nortear a trajetória metodológica para a realização de um projeto que aliasse prática assistencial de enfermagem e pesquisa, o que se assemelha a maior parte dos estudos que utilizaram tal recurso metodológico.7-14 Todavia, o local de estudo propiciou a oportunidade de abranger, além dos profissionais de enfermagem, outros profissionais e trabalhadores ligados direta ou indiretamente ao trabalho da equipe de enfermagem, o que deu condições para que vários olhares fossem descritos na problematização. Outro aspecto considerado neste estudo e corroborado por outros,7-17 consiste na aprendizagem significativa caracterizada pela construção, necessidade de transformação e reconstrução dos saberes, em um movimento que a consciência ingênua passa para a crítica e há reconhecimento dos profissionais em sua participação dos cuidados em saúde.

Portanto, como resultado, os sujeitos ganham com a apropriação de novos conhecimentos, e o pesquisador/mediador se aprofunda no objeto de estudo, sobre os seus significados e o que passou a significar para os sujeitos sobre como ensinar.1

Contudo, esse estudo teve como limitação a impossibilidade de avaliar a influência da aplicação dos conceitos na prática dos sujeitos, uma vez que a última etapa se trata da aplicação dos conceitos construídos na realidade sem dar condições à avaliação.

Para exemplificar a aplicação, em especial a descrição das etapas, de acordo com a proposta de Maguerez, optou-se por formular a representação gráfica organizada pelos autores e adaptada para este artigo. Assim, a figura 1 mostra a trajetória percorrida na coleta dos dados da pesquisa, utilizando as etapas do Arco pela Problematização, com os trabalhadores da instituição, como campo deste estudo.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Metodologia Problematizadora sustentou a construção do processo educativo-reflexivo, que contribuiu para a humanização do cuidado, a partir da vivência de experiências significativas dos participantes no cotidiano da instituição, bem como apresentou uma possibilidade de coleta de dados em pesquisa.

Refletir a respeito da experiência vivida implica voltar a atenção à essa Metodologia, por sua contribuição ao processo de construção do conhecimento e por ensejar a reflexão-ação-reflexão sobre a prática do cuidado em saúde mental.

É preciso que se construam, no dia a dia dos serviços, espaços potenciais de renovação, discussão, reflexão do fazer em saúde mental, o que fornecerá a possibilidade de compartilhar informações entre os trabalhadores, o uso da criatividade, espontaneidade, a construção/desconstrução de novas/velhas utopias no fazer dos trabalhadores, para o avanço e consolidação desse novo modelo de atenção em saúde mental.

Na construção dos conceitos que compõem o marco de referência, emergiu durante as discussões a visão que alguns trabalhadores possuem da imagem e da identidade dos profissionais de enfermagem. Neste sentido, este trabalho constituiu uma oportunidade para refletir e discutir com a equipe a respeito da concepção que eles possuem se estendendo ao imaginário da sociedade a respeito da profissão, em especial na área de saúde mental.

O diálogo estabelecido nos encontros evidenciou um pensar da equipe a respeito do contexto em que ela está inserida, da relação com a pessoa com transtorno mental, com a instituição, com os colegas e consigo próprio. Possibilitou também que ambos, pesquisadora e participantes, se mobilizassem para aprendizagem significativa da realidade de forma dinâmica e complexa.

Recebido: 20 de maio de 2010

Aprovado: 15 de setembro de 2011

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  • Correspondência:
    Mariluci Alves Maftum
    Rua João Clemente Tesseroli, 90
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    Artigo baseado na dissertação - Construção de marco de referência para o cuidado em saúde mental com a equipe de um hospital psiquiátrico, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGENF) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 2008.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      20 Maio 2010
    • Aceito
      15 Set 2011
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