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Análise espacial dos indicadores pactuados para o rastreamento do câncer do colo do útero no Brasil

El análisis espacial de los indicadores acordados para detección de cáncer de cuello uterino en Brasil

Resumos

O câncer do colo do útero, embora seja uma doença curável e altamente prevenível, apresenta elevado índice de mortalidade no país. Teve como objetivo analisar a distribuição espacial dos indicadores pactuados para o câncer do colo do útero no Brasil, no período de 2006 a 2009. Estudo ecológico, utilizou dados do Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero e Sistema de Informação sobre Mortalidade. Apesar de estruturado e com melhoras nos indicadores, o programa ainda se encontra abaixo das metas pactuadas em alguns Estados, configurando um padrão desigual de desempenho dos indicadores no território brasileiro. As diferenças regionais mostraram falhas na captação de mulheres, na cobertura populacional, na qualidade das amostras do exame citológico e estabilidade da taxa de mortalidade. Estados que se encontram abaixo das metas pactuadas precisam otimizar os recursos e promover acesso às mulheres que não estão inseridas no programa de rastreamento.

Neoplasias uterinas; Indicadores básicos de saúde; Enfermagem em saúde pública


El cáncer de cuello de útero, a pesar de ser una enfermedad altamente prevenible y curable, presenta alta tasa de mortalidad en el país. Este estudio tuvo como objetivo analizar la distribución espacial de los indicadores acordados para el cáncer del cuello de útero en Brasil entre 2006 y 2009. Estudio ecológico que utilizó datos de Sistema de Información del Cáncer de Cuello de Útero y Sistema de Información sobre la Mortalidad. Se considera que, si bien estructurado y con mejoras en los indicadores, el programa está todavía bajo las metas acordadas en algunos estados, que forman un patrón irregular de los indicadores de resultados en Brasil. Las diferencias regionales mostraron fallas en la detección, la cobertura de la población, la calidad de las muestras citológicas y la estabilidad en la tasa de mortalidad. Los Estados que están bajo las metas acordadas necesitan optimizar recursos y facilitar el acceso a las mujeres que no están incluidas en el programa de rastreamiento.

Neoplasias uterinas; Indicadores de salud; Enfermería en salud pública


Although cervix cancer is a highly preventable and curable disease, it shows high mortality rate in the country. The study analyzes the spatial distribution of the indicators agreed for cervix cancer, in Brazil, between 2006 and 2009. Ecological study that used data from the Information System of Cervical Cancer and the Information System on Mortality. Although structured and with indicators improvement, the program is still below the targets agreed in some States, forming an uneven pattern of indicators performance, in the country. Regional differences showed some failures on women screening, population coverage, quality of cytologic samples and mortality rate stability. States that are below the targets agreed need to optimize resources and provide access to the women who are not included in the screening program.

Uterine neoplasm; Health basic indicators; Public health nursing


ARTIGO ORIGINAL

Análise espacial dos indicadores pactuados para o rastreamento do câncer do colo do útero no Brasil

El análisis espacial de los indicadores acordados para detección de cáncer de cuello uterino en Brasil

Raíla de Souza SantosI; Enirtes Caetano Prates MeloII; Keitt Martins SantosIII

IEnfermeira. Bolsista PIBIC/CNPq da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: raila_lila@hotmail.com

IIDoutora em Ciências. Professora Adjunto IV do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP) da UNIRIO. Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: enirtes@globo.com

IIIMestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da EEAP/UNIRIO. Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: martinsksbb@hotmail.com

Correspondência Correspondência: Raíla de Souza Santos Rua Dr. Xavier Sigaud, 290, 3º andar - sala 308 22290-180 – Praia Vermelha, Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: raila_lila@hotmail.com

RESUMO

O câncer do colo do útero, embora seja uma doença curável e altamente prevenível, apresenta elevado índice de mortalidade no país. Teve como objetivo analisar a distribuição espacial dos indicadores pactuados para o câncer do colo do útero no Brasil, no período de 2006 a 2009. Estudo ecológico, utilizou dados do Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero e Sistema de Informação sobre Mortalidade. Apesar de estruturado e com melhoras nos indicadores, o programa ainda se encontra abaixo das metas pactuadas em alguns Estados, configurando um padrão desigual de desempenho dos indicadores no território brasileiro. As diferenças regionais mostraram falhas na captação de mulheres, na cobertura populacional, na qualidade das amostras do exame citológico e estabilidade da taxa de mortalidade. Estados que se encontram abaixo das metas pactuadas precisam otimizar os recursos e promover acesso às mulheres que não estão inseridas no programa de rastreamento.

Descritores: Neoplasias uterinas. Indicadores básicos de saúde. Enfermagem em saúde pública.

RESUMEN

El cáncer de cuello de útero, a pesar de ser una enfermedad altamente prevenible y curable, presenta alta tasa de mortalidad en el país. Este estudio tuvo como objetivo analizar la distribución espacial de los indicadores acordados para el cáncer del cuello de útero en Brasil entre 2006 y 2009. Estudio ecológico que utilizó datos de Sistema de Información del Cáncer de Cuello de Útero y Sistema de Información sobre la Mortalidad. Se considera que, si bien estructurado y con mejoras en los indicadores, el programa está todavía bajo las metas acordadas en algunos estados, que forman un patrón irregular de los indicadores de resultados en Brasil. Las diferencias regionales mostraron fallas en la detección, la cobertura de la población, la calidad de las muestras citológicas y la estabilidad en la tasa de mortalidad. Los Estados que están bajo las metas acordadas necesitan optimizar recursos y facilitar el acceso a las mujeres que no están incluidas en el programa de rastreamiento.

Descriptores: Neoplasias uterinas. Indicadores de salud. Enfermería en salud pública.

INTRODUÇÃO

O câncer é uma das principais causas de morbidade e mortalidade no mundo, registrando anualmente, aproximadamente 10 milhões de casos novos e 6 milhões de óbitos.1 No Brasil, está entre as primeiras causas de óbito, em todas as macrorregiões, ao lado das doenças do aparelho circulatório, causas externas, afecções perinatais e doenças infecciosas. Dois indicadores o caracterizam como um problema de saúde pública no país. Primeiro, o aumento gradativo da incidência e da mortalidade por câncer, proporcionalmente ao crescimento demográfico e ao desenvolvimento socioeconômico. Segundo, o desafio que isto representa para o sistema de saúde, principalmente na garantia do acesso da população ao diagnóstico e ao tratamento.

O câncer do colo do útero apresenta aproximadamente 500 mil casos novos por ano no mundo e corresponde a cerca de 15% de todos os tipos de cânceres femininos. Trata-se do segundo tipo mais comum entre as mulheres, sendo responsável pelo óbito de cerca de 230 mil mulheres por ano.1 É a terceira causa de morte por câncer em mulheres no Brasil, sendo o tipo mais comum em algumas áreas menos desenvolvidas do país. Concentra-se principalmente no grupo acima dos 35 anos de idade.2 Diferentemente do que ocorre nos países desenvolvidos, onde a mortalidade pelo câncer do colo do útero vem diminuindo, este ainda representa uma das principais causas de morte na população feminina em países mais pobres.3 Além dos fatores de riscos estarem intimamente relacionados com o cotidiano de mulheres de baixa condição econômica, o elevado número de casos pode ser atribuído à falta ou à deficiência de ações preventivas, em que a implementação de um programa eficaz de rastreamento permanece como um desafio.4

O câncer do colo do útero é um dos que apresenta maior potencial de prevenção e cura, devido a sua evolução lenta que passa por fases detectáveis e curáveis,¹ porém alguns problemas no desempenho do programa de rastreamento prejudicam o alcance da meta proposta.4

No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda o exame citopatológico como estratégia de rastreamento. Os dois primeiros exames devem ser realizados anualmente e, posteriormente, após dois resultados negativos consecutivos, a cada três anos. O rastreamento é preconizado a partir dos 25 anos, para as mulheres com vida sexual ativa, até os 64 anos, e interrompido quando, após esta idade, as mulheres tiverem pelo menos dois exames negativos consecutivos nos últimos cinco anos.5 Estima-se uma redução de cerca de 80% da mortalidade pelo câncer do colo de útero a ser alcançada através do rastreamento de mulheres que fazem parte do grupo de maior risco; para tanto é necessário garantir a integralidade da atenção e a qualidade do programa de rastreamento.6

A mortalidade por câncer é influenciada por fatores clínicos e socioeconômicos, como também pela disponibilidade e qualidade da assistência prestada.6 Profissionais da área de enfermagem, que atuam na gestão e no planejamento dos programas de rastreamento ou na assistência direta à mulher, participam de todas as etapas que envolvem a prevenção, a detecção precoce e o tratamento do câncer do colo do útero.2-5 Neste sentido, esses profissionais encontram-se comprometidos com a redução das desigualdades intra-regionais e com a qualidade da assistência, tanto no contexto individual quanto coletivo.

Uma questão fundamental para a análise e o planejamento do setor saúde é a vigilância dos principais fatores responsáveis pelo aumento da morbimortalidade. O monitoramento dos indicadores pactuados, que visam à organização das redes assistências nos estados, permite identificar diferenças regionais relevantes no país que configuram problemas de acesso da população. Note-se que há um crescente interesse na incorporação do elemento geográfico na análise de eventos ligados à saúde, uma vez que permite detectar contrastes entre grupos populacionais, tendências e padrões espaciais definidos, que contribuem na compreensão do problema a ser investigado, orientando e direcionando ações concretas dos serviços de saúde.7-9 A análise espacial tem sido aplicada em diferentes linhas de pesquisa, dentre elas, a investigação de padrões de distribuição de agravos de saúde e seu relacionamento com fatores de risco ambiental, tais como condições de saneamento, habitação e poluição atmosférica. Os estudos ecológicos incluem-se entre as importantes aplicações da análise espacial.7-9

Esse estudo tem como objetivo analisar a distribuição espacial dos indicadores pactuados para o câncer do colo do útero no Brasil, no período de 2006 a 2009.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo ecológico em que a unidade de análise é a população pertencente a uma área geográfica definida. Tal delineamento utiliza com frequência base de dados populacionais e procura avaliar como o contexto ambiental e social pode afetar a saúde de grupos populacionais.7

O desempenho dos indicadores pactuados para o Programa de Rastreamento do câncer do colo do útero baseou-se nos componentes de processo e resultado. Indicadores de desempenho são medidas indiretas da qualidade, utilizadas como instrumento de monitoramento para apontar processos ou serviços que necessitam de uma avaliação mais direta. Aspectos relacionados à qualidade da atenção do programa de prevenção do câncer do colo uterino foram avaliados a partir de bases de dados nacionais, a saber: o Sistema de Informação do Controle do Câncer do Colo do Útero (SISCOLO), no período de 2006 a 2009; o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), no período de 2002 a 2009; o censo de 2000 e as estimativas populacionais da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBGE). Apesar de não constituir um sistema universal, o SISCOLO possibilita o monitoramento da cobertura de exames Papanicolaou e o seguimento dos casos na população de mulheres, detendo informações sobre exames citopatológicos e histopatológicos realizados através de rede pública de serviços.

A avaliação da qualidade do processo está relacionada com as atividades realizadas pelos provedores da assistência, tanto diagnóstica, como terapêuticas e de reabilitação.10-11 Os indicadores utilizados para ao monitoramento e avaliação das ações de controle do câncer do colo do útero foram: razão de exames realizados e população-alvo, captação de mulheres sem citologia anterior, percentual de amostras insatisfatórias e distribuição proporcional de exames citopatológicos, segundo faixa etária.

A oferta de exames foi analisada através do indicador razão de exames realizados e população-alvo que corresponde à cobertura populacional de exames e é representado pela relação entre o número total de exames realizados e a população-alvo (mulheres de 25 a 59 anos) em determinado local e período.

A captação de mulheres sem citologia Anterior consiste no percentual de mulheres, de 25 a 59 anos, examinadas sem citologia anterior em relação à população-alvo, em determinado local e período. Esse indicador não está pactuado.

O indicador percentual de amostras insatisfatórias representa o número de amostras insatisfatórias em relação ao número total de exames realizados, em determinado local e período. Uma amostra é considerada insatisfatória quando não possui condições para leitura da lâmina para o diagnóstico. A Organização Mundial de Saúde preconiza índices de amostras insatisfatórias abaixo do limiar de 5%, contudo a meta nacional é não ultrapassar o limiar de 1%.

O indicador distribuição proporcional de exames citopatológicos por faixa etária permite avaliar a participação das mulheres de 25 a 59 anos, faixa etária de maior risco para lesão de alto grau, na ação de detecção. Neste caso, três grupos etários devem ser considerado idade menor ou igual a 24 anos, 25 a 59 anos e maior ou igual a 60 anos.

Indicadores relacionados à avaliação de resultados se referem ao efeito sobre as ações e procedimentos que tiveram sobre o estado de saúde dos pacientes, isto é, a mudança do estado de saúde atual e futuro do paciente. O conceito de resultado corresponde as mudanças no grupo sob maior risco, ao produto final da assistência prestada.10-11 O componente de resultado foi avaliado através do indicador taxa de mortalidade por câncer do colo do útero, no período de 2002 a 2009, que consiste na relação entre o número total de óbitos em mulheres por câncer de colo do útero e à população feminina, em determinado local e período. O indicador estima o risco de uma mulher morrer por câncer do colo do útero e dimensiona a magnitude da doença.

O processamento dos dados e mapeamento dos resultados foi realizado através do programa de código aberto TAB para Windows – TabWin, desenvolvido pelo DATASUS.

O projeto foi submetido e aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Parecer n° 133/06, Caae 0131.0.031.000-06).

RESULTADOS

No Brasil, foram realizados anualmente, na rede pública, no período de 2006 a 2009, em torno de 10.249.000 exames citopatológicos. Desse total, aproximadamente 68% (7.004.000 exames) foram realizados na faixa etária tida como prioritária (25 a 59 anos).

Foram observados valores abaixo do parâmetro nacional, estabelecido pelo Ministério da Saúde, para a razão exames realizados e população-alvo nos Estados do Pará, Maranhão, Amapá, Alagoas, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Bahia e Amazonas (razão média de 0,2 exames/mulher/ano). No Brasil, a meta para esse indicador é de 0,3 exames/mulher/ano. O desempenho mais baixo foi observado em 2009 no Rio Grande do Sul, Pará e Maranhão (razão de 0,1 exame/mulher/ano) (Figura 1).


Em relação à captação de mulheres sem citologia anterior, indicador que não é pactuado, verificou-se que os maiores valores mantêm-se nas regiões Norte e Nordeste. Nessas regiões, Tocantins, Sergipe e Piauí registram o melhor desempenho (Figura 2).


A média do percentual de amostras insatisfatórias nas regiões Norte e Nordeste mostrou-se elevada. Os Estados do Acre, Amazonas, Pernambuco, Maranhão e Amapá registraram percentual de amostras insatisfatórias acima de 3%. O Maranhão merece destaque por registrar um percentual de 5,6% de amostras insatisfatórias em 2009. Há um bem definido gradiente na distribuição desse indicador de qualidade relacionado à detecção precoce e cuja meta pactuada não deveria ultrapassar 1% (Figura 3).


No Brasil, a taxa de mortalidade bruta por câncer do colo uterino, no período de 1979 a 1999, manteve tendência de crescimento (de 3,44/100.000 em 1979 passou para 4,67/100.000 em 1999). A partir de 2002 observa-se uma tendência de estabilização da taxa de mortalidade, ainda que preservadas as variações regionais (4,61/100.000 em 2002 a 5,2/100.000 em 2009). O estado do Amazonas apresentou a maior taxa de mortalidade em todo o período; variando de 6,6/100.000 em 2002 a 11,8/100.000 em 2009 (Figura 4).


Em relação à distribuição proporcional de exames citopatológicos segundo faixa etária, nos estados das regiões Norte e Nordeste verificou-se uma ampliação da oferta de exames para mulheres na faixa etária considerada prioritária, particularmente em Tocantins e Piauí, com aumento de 7% e 6% respectivamente. No Sul e Sudeste os destaques foram os Estados de Santa Catarina (aumento de 8%), Rio de Janeiro (aumento de 8%) e São Paulo (aumento de 13%). A região Centro-Oeste manteve seu padrão inalterado ao longo do período analisado (Tabela 1).

DISCUSSÃO

Os indicadores mantiveram-se relativamente estáveis no período analisado, com discreta melhoria no desempenho. Nota-se diferenças regionais e intrarregionais relevantes no território brasileiro. O padrão revela grandes desigualdades, regiões com piores condições socioeconômicas revelam baixo desempenho dos indicadores pactuados para o controle do câncer do colo do útero. Os protocolos sobre o desempenho do programa de prevenção do câncer do colo do útero destacam como elementos fundamentais para a efetividade do programa, a cobertura e o acompanhamento das mulheres, bem como a integração com a rede de Atenção Básica.12

O programa de rastreamento do câncer do colo do útero apresenta desempenho ainda restrito em todo território nacional. A performance de países desenvolvidos que alcançaram redução as taxas de incidência e mortalidade é atribuída à efetividade dos programas de rastreamento. Para tanto, merecem destaque a cobertura e qualidade adequadas do programa. A despeito dos protocolos bem estabelecido, nem todos os países desenvolvidos conseguiram atingir o desempenho considerado adequado; países em desenvolvimento como o Brasil, o rastreamento ainda é realizado de forma oportunista e desigual, e vem acompanhado de baixas coberturas.12-13

No Brasil, o câncer do colo do útero configura-se como uma prioridade da Política Nacional de Atenção Oncológica. Desde 2006 o Ministério da Saúde enfatiza sua importância através do Pacto pela Saúde. Através desses indicadores estão pactuadas ações prioritárias e estratégias para atenção à saúde no Brasil.14-16

O principal indicador pactuado entre Ministério da Saúde, Estados e municípios brasileiros é a razão exames realizados e população-alvo.14-16 Da meta estabelecida no Brasil (razão de 0,3 exames/mulher/ano), nove Estados não atingiram a proposta pactuada no ano de 2009. Patamares mais baixos deste indicador encontram-se no Amapá, Pará, Maranhão, Distrito Federal, Alagoas, Rio de Janeiro, Amazonas e Bahia. As regiões com piores condições socioeconômicas apresentaram padrão desfavorável na distribuição desse indicador, o que parecer revelar uma baixa oferta de exames citopatológicos em relação a população-alvo. Em contrapartida observam-se razões baixas em algumas regiões com melhores condições e oferta de serviços. O caráter inusitado deste padrão pode ser explicado pela maior cobertura da saúde suplementar e por uma menor dependência da rede pública. Além de refletir a distância entre oferta atual de exames citopatológicos e a necessidade para atingir a meta preconizada.12-13

Mesmo que este dado revele a capacidade de oferta de exames para a população alvo é preciso considerar a citologia anterior e o tempo da citologia anterior. Diferenças regionais e intra-regionais precisam ser destacadas, pois mostram problemas de acesso geográfico da população, sinalizando para áreas com índices abaixo das metas pactuadas no Brasil.

As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste apresentaram elevado percentual de captação de mulheres sem citologia anterior que reflete os exames realizados pela primeira vez. Este Indicador expressa a capacidade de ampliação e manutenção da oferta de exames na rede assistencial. Proporções baixas podem refletir menor capacidade para captação e rastreamento ou, por outro lado, indica que o programa tem boa cobertura e por isso a captação de mulheres sem citologia será baixa. É importante relacionar este indicador com a cobertura atual de cada estado. Em alguns casos a baixa captação é indicativa de inadequação da oferta de exames, baixa capacidade de sensibilização e dificuldades de acesso geográfico aos serviços.

Além das desigualdades regionais apontadas, outro estudo que comparava a cobertura e iniqüidades do exame citopatológico em países com diferentes níveis de desenvolvimento econômico observou que o Brasil tem uma cobertura média de pouco mais de 70%, no entanto, quando estratificada por nível socioeconômico, observa-se que nas mulheres de baixa renda a cobertura efetiva abaixo de 60%, já nas mulheres com renda mais elevada observam-se uma cobertura efetiva de aproximadamente 90%. Em relação a cobertura do exame citopatológico, constata-se que além das desigualdades regionais apontadas, observa-se também iniqüidades por estratos sociais.12

A qualidade do método de detecção precoce foi avaliada através do indicador percentual de amostras insatisfatórias, classificado como indicador complementar e incluído em 2006 no Pacto pela Saúde.14 As regiões com pior performance foram Nordeste, Norte e Centro-Oeste. A proporção de amostras insatisfatórias está associada principalmente a problemas na etapa de coleta dos exames e conservação das amostras. Em 2009, o Estado do Maranhão registrou 5,6% de amostras insatisfatórias na rede pública, padrão considerado inaceitável pela OMS. No Brasil, a meta é não ultrapassar 1% de amostras insatisfatórias. O exame colpocitológico como método de rastreamento atingiu boa adesão, contudo muitos fatores podem influenciar de forma direta ou indireta a qualidade do resultado. Esses fatores englobam etapas que vão da coleta do material e do registro de dados clínicos até o diagnóstico laboratorial da amostra.17-18

As taxas de mortalidade mostraram-se estáveis em torno de 5%. Verificou-se no período uma dispersão dos óbitos com maior concentração nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O Rio de Janeiro é o Estado com a maior taxa de mortalidade por este câncer específico. A distribuição da taxa de mortalidade permite analisar em parte o impacto do programa de prevenção, o acesso aos serviços de saúde, a qualidade do diagnóstico e tratamento e a adesão das mulheres ao programa de rastreamento.14,16 Atingir menores taxas de mortalidade significa para o país atingir um rastreamento eficaz e aumentar a sobrevida.

Em relação à distribuição proporcional de exames citopatológicos segundo faixa etária, há de um modo geral uma manutenção do padrão observado durante todo período analisado, concentrando os exames na faixa etária de 25 a 59 anos de idade. As regiões Sul e Sudeste ampliaram a oferta de exames ao longo do período analisado para mulheres na faixa etária de risco, revelando melhor articulação do planejamento e gestão.

A localização dos serviços condiciona as possibilidades de uso, e deslocamentos mais extensos para obter tratamento comprometem a efetividade do programa. A estabilidade e a concentração da oferta do exame citopatológico, a periodicidade do exame e repetições desnecessárias em áreas com maior oferta, o aumento do percentual de amostras insatisfatórias em regiões com elevadas taxas de incidência e a concentração de exames realizados em mulheres fora da faixa etária preconizada interferem no desempenho da rede assistencial, e parecem contribuir de forma consistente no impacto ainda modesto sobre a mortalidade específica verificado nos últimos 15 anos.

Nos grupos de maior vulnerabilidade social, o acesso aos serviços de saúde constitui a principal limitação para a cobertura da população-alvo. A diferenciação no uso dos serviços de saúde, ou seja, na atitude de procurá-los, obter acesso e se beneficiar com o atendimento recebido, refletem as desigualdades individuais no risco de adoecer e morrer, assim como as diferenças no comportamento do indivíduo perante a doença e as características da oferta de serviços que cada sociedade disponibiliza para seus membros.19 A análise espacial mostrou diferenças regionais e intrarregionais relevantes pelo território brasileiro. Regiões com piores condições socioeconômicas apresentam baixo desempenho dos indicadores pactuados para o controle do câncer do colo do útero. É necessário maior investimento e implementação de outras estratégias para garantir o cumprimento das metas, a qualidade do programa e o aumento da cobertura dessas regiões que se encontram abaixo das metas pactuadas.

A alta cobertura e a flexibilidade para o emprego de grandes bases de dados secundários em diversos desenhos de investigação marcam suas vantagens. Construir, a partir dessas bases, medidas de qualidade da atenção à saúde representa um esforço que hoje integra grande volume de pesquisas voltadas para avaliação da qualidade e das tecnologias em saúde. Ainda assim, nos casos em que problemas comprometem a validade das medidas de qualidade sobre o processo de atendimento, estas bases podem representar uma ferramenta auxiliar na identificação de variações nos padrões de atendimento que devam ser investigadas em maior escala. Note-se que há estreita relação entre a qualidade das informações disponíveis nos sistemas de informação e a qualidade da atenção prestada. Neste estudo, um aspecto a ser considerado é o intervalo temporal analisado, considerado restrito para a avaliação do desempenho do programa de prevenção do câncer do colo do útero.

CONCLUSÃO

As alterações celulares para o câncer do colo do útero evoluem, na maioria dos casos de forma lenta em um período que varia entre 10 a 20 anos, trata-se, portanto, de um câncer que oportuniza o rastreamento e tratamento da mulher, sendo inadmissível sua perda ao longo do período de evolução desta doença. O desenvolvimento de estratégias de rastreamento do câncer de colo de útero implica em transpor obstáculos relacionados principalmente a captação, cobertura e desempenho. A permanência de altas taxas de mortalidade em algumas regiões aponta para insuficiências na efetividade do programa. A avaliação de alguns indicadores detectou lacunas na captação de mulheres, na cobertura populacional, na qualidade das amostras do exame citológico e, principalmente, a estabilidade com um ligeiro aumento, ao longo dos anos, da taxa de mortalidade. Além disso, aspectos relacionados à oferta e acesso aos serviços e aos procedimentos são de extrema importância, principalmente em países subdesenvolvidos, para a efetividade dos programas de rastreamento, bem como fatores demográficos, culturais e sociais.

As estratégias de execução das diversas políticas de controle de câncer, no mundo, dependem consideravelmente do estágio de desenvolvimento desses países e de suas particularidades territoriais, sócioculturais e econômicas. No Brasil, a dimensão territorial, a estrutura da rede de atenção à saúde e os fatores sócio-econômicos são condicionantes de uma estratégia própria e que deve se adequar às condições e características nacionais. A inclusão do elemento geográfico, através da sua importante contribuição na identificação de áreas e situações de risco, abre a possibilidade do redirecionamento de ações de saúde, principalmente em áreas onde se verifica maior exclusão social.

AGRADECIMENTO

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Recebido: 24 de Março de 2011

Aprovação: 15 de Dezembro de 2011

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  • Correspondência:

    Raíla de Souza Santos
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      24 Mar 2011
    • Aceito
      15 Dez 2011
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