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Formação de um grupo de pesquisa em enfermagem na área da saúde da mulher e gênero

Formación de un grupo de investigación en enfermería en el area de salud de las mujeres y de género

Resumos

Trata-se do relato da experiência sobre a formação de um grupo de pesquisa por meio da estratégia metodológica participativa e emancipatória da oficina de trabalho. Concebida no âmago da epistemologia feminista, esta opção encerra a possibilidade efetiva da construção de um produto compartilhado e reconhecido como pertencente a todas as participantes, dentre outros inúmeros qualificativos. Foram estabelecidos eixos estruturantes em torno dos quais se desenvolveram os conteúdos e as atividades. Os resultados mostram que, a despeito da diversidade de visões de mundo e experiências, de dificuldades pessoais e institucionais, as participantes tinham uma perspectiva bastante positiva em relação à formação de um grupo de pesquisa para incrementar e difundir o conhecimento de gênero na saúde da mulher. A oficina as instrumentalizou para o empreendimento num clima agradável, leve e prazeroso, nem por isso, menos compromissado com uma inovadora forma de fazer ciência.

Enfermagem; Conhecimento; Gênero; Feminismo


Es el relato de una experiencia de formación de un grupo de investigación utilizando como estrategia la metodología participativa y emancipadora durante talleres de trabajo. Idealizada a partir de la epistemología feminista; esta opción posibilita, efectivamente la construcción de un producto donde existe cooperación y pertenencia, entre otras descripciones expresadas por las propias participantes. Fueron establecidos ejes estructurales alrededor de los cuales se desarrollaron los contenidos y las actividades. Los resultados demuestran que, sobre la diversidad de visiones de mundo, experiencias, dificultades personales e institucionales; las participantes tenían una perspectiva muy positiva en relación a la formación de un grupo de investigación para incrementar y difundir el conocimiento de género en la salud de la mujer. El taller las instrumentalizó para el emprendimiento en un clima agradable, leve y placentero, pero no por ello fue asumido con menos compromiso esta nueva forma innovadora de generar ciencia.

Enfermería; Conocimiento; Género; Feminismo


This is an experience report concerning the establishment of a research group through the participatory and emancipating methodology of workshopping. It was conceived within a feminist epistemology. Such an option provides the effective possibility of building a product that is shared and recognized as belonging to all the participants, among other attributes. Structuring axes were defined, around which the content and activities were developed. The results show that despite the diversity of world perceptions and experiences, of personal and institutional difficulties, the participants had a fairly positive perspective in relation to creating a research group to improve and disseminate gender knowledge on women's health. The workshop enabled the participants to enjoy a pleasant and gentle environment and yet be very committed to an innovative way of making science.

Nursing; Knowledge; Gender; Feminism


RELATO DE EXPERIÊNCIA

Formação de um grupo de pesquisa em enfermagem na área da saúde da mulher e gênero

Formación de un grupo de investigación en enfermería en el area de salud de las mujeres y de género

Rosa Maria Godoy Serpa da FonsecaI; Kleyde Ventura de SouzaII; Clara de Jesus Marques AndradeIII;Marta Araújo AmaralIV; Vânia de SouzaV;Laíse Conceição CaetanoVI

ILivre Docente em Enfermagem em Saúde Coletiva. Professora Titular do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Pesquisadora 1 do CNPq. E-mail: rmgsfon@usp.br

IIDoutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Departamento Materno Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: kleydev@enf.ufmg.br

IIIDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Departamento Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da UFMG. E-mail: clara@enf.ufmg.br

IVDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Departamento Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da UFMG. E-mail: marta@enf.ufmg.br

VDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Departamento Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da UFMG. E-mail: vaniaxsouza@yahoo.com.br

VIDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Departamento Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da UFMG. E-mail: laise13@yahoo.com.br

Correspondência Correspondência: Rosa Maria Godoy Serpa da Fonseca Av. Dr.Enéas de Carvalho Aguiar, 419 04522-000 – Cerqueira César, São Paulo, SP, Brasil E-mail: rmgsfon@usp.br

RESUMO

Trata-se do relato da experiência sobre a formação de um grupo de pesquisa por meio da estratégia metodológica participativa e emancipatória da oficina de trabalho. Concebida no âmago da epistemologia feminista, esta opção encerra a possibilidade efetiva da construção de um produto compartilhado e reconhecido como pertencente a todas as participantes, dentre outros inúmeros qualificativos. Foram estabelecidos eixos estruturantes em torno dos quais se desenvolveram os conteúdos e as atividades. Os resultados mostram que, a despeito da diversidade de visões de mundo e experiências, de dificuldades pessoais e institucionais, as participantes tinham uma perspectiva bastante positiva em relação à formação de um grupo de pesquisa para incrementar e difundir o conhecimento de gênero na saúde da mulher. A oficina as instrumentalizou para o empreendimento num clima agradável, leve e prazeroso, nem por isso, menos compromissado com uma inovadora forma de fazer ciência.

Descritores: Enfermagem. Conhecimento. Gênero. Feminismo.

RESUMEN

Es el relato de una experiencia de formación de un grupo de investigación utilizando como estrategia la metodología participativa y emancipadora durante talleres de trabajo. Idealizada a partir de la epistemología feminista; esta opción posibilita, efectivamente la construcción de un producto donde existe cooperación y pertenencia, entre otras descripciones expresadas por las propias participantes. Fueron establecidos ejes estructurales alrededor de los cuales se desarrollaron los contenidos y las actividades. Los resultados demuestran que, sobre la diversidad de visiones de mundo, experiencias, dificultades personales e institucionales; las participantes tenían una perspectiva muy positiva en relación a la formación de un grupo de investigación para incrementar y difundir el conocimiento de género en la salud de la mujer. El taller las instrumentalizó para el emprendimiento en un clima agradable, leve y placentero, pero no por ello fue asumido con menos compromiso esta nueva forma innovadora de generar ciencia.

Descriptores: Enfermería. Conocimiento. Género. Feminismo.

INTRODUÇÃO

Gênero como categoria analítica vem sendo utilizado para explicar as diferenças biológicas e a construção social da feminilidade e da masculinidade internalizadas por homens e mulheres. Isso significa que ser homem ou ser mulher se constitui nas relações entre ambos os sexos, numa dada realidade e num determinado tempo e contexto. A categoria gênero foi desenvolvida no âmago das teorias feministas com a finalidade de compreender a situação das desigualdades entre os sexos, a realidade na qual ela se desenrola e o intuito de interferir no conjunto das relações sociais.1-2

Historicamente, no campo da saúde, as diferenças entre os sexos têm sido naturalizadas como resultado da hegemonia de teorias biologicistas; nelas, a supremacia dos aspectos biológicos é o modelo universal. Homens e mulheres são tidos como corpos em funcionamento pré-determinados por uma herança genética, podendo ser alterados por eventos pertencentes predominantemente ao mundo natural. Quando muito, o sistema social é considerado como um dos fatores que, juntamente com o biopsíquico, podem interferir no bom funcionamento físico-corporal e nas funções e características masculinas e femininas.

A utilização da categoria analítica gênero pressupõe que o funcionamento corporal e, portanto, as diferenças entre mulheres e homens, se dão entre sujeitos inseridos num mundo social que atribui ao sexo funções e características marcadamente sócioculturais, ressignificadas pela maneira como se inserem nessa sociedade. São determinadas por relações de poder (entre homens e mulheres, homens e homens, mulheres e mulheres), deslocando o foco das questões relativas às mulheres para as relações sociais. Assim, os variados mecanismos de subordinação das mulheres pelos homens e, consequentemente, o modo de organização das relações sociais alcança visibilidade e se estende ao sistema jurídico político, à legislação, ao Estado, às relações de trabalho, às representações sociais e aos campos simbólicos.3-4

Na ciência e na produção científica relacionada a gênero as preocupações com as consequências das desigualdades entre mulheres e homens, resultantes do desequilíbrio de poder, têm tido um efeito positivo com a produção de estudos que visam compreender os fenômenos e estabelecer intervenções pertinentes na produção de políticas públicas. Na saúde e na enfermagem estas produções se inserem nos âmbitos da assistência, gerenciamento, planejamento e ensino.

Iniciada em 1990, a produção concernente a gênero encontra-se em franco crescimento com destaque para as áreas temáticas da reprodução e contracepção; da violência de gênero e outras a elas relacionadas como a violência doméstica, familiar, conjugal e sexual; de DST/Aids, do trabalho e da saúde. A despeito disso, outros temas como vulnerabilidade social, saúde mental, envelhecimento e gerenciamento ainda são pouco explorados.5

A enfermagem tem acompanhado pari passu o avanço dessa produção, contribuindo para a transformação e o redirecionamento do ensino, da assistência e da investigação. Ao conceber homens e mulheres como sujeitos sociais, investidos de poder nas relações sociais que estabelecem entre si e com a sociedade, objetiva transformá-las.6

A redução das desigualdades sociais e a urgente superação do paradigma de liberdade e poder para os homens e obediência e subordinação para as mulheres são compromissos assumidos também pela enfermagem brasileira, por meio de sua representação de classe, a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn). Esses compromissos vêm ecoando fortemente na categoria, de forma que a ampliação da consciência coletiva e o reconhecimento da transversalidade dessa articulação estão sendo incorporados em todos os seus campos de atuação/assistência, ensino e pesquisa.7

Levando em consideração o exposto, integrantes da disciplina Saúde da Mulher e do Recém-nascido, do Departamento Materno-Infantil e Saúde Pública (EMI) da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (EE/UFMG), propuseram a realização da oficina de trabalho "Eixos estruturantes e conformação de grupo de pesquisa na área de saúde da mulher e gênero", com vistas a subsidiar a criação de um grupo de pesquisa para pesquisar, ensinar e assistir no campo da Saúde da Mulher, com enfoque na articulação entre gênero, saúde e educação.

Para o alcance dessa finalidade foram estabelecidos os objetivos específicos: a) refletir acerca do uso de gênero como categoria analítica para a compreensão dos fenômenos relativos à saúde e enfermagem, com ênfase na saúde da mulher; b) refletir sobre questões gerais e específicas referentes à produção de conhecimentos por meio da investigação e sua articulação com o processo de assistir e ensinar em enfermagem e em saúde; c) refletir acerca do conceito de grupo de pesquisa, bem como da pertinência da sua formação e o processo de constituição e linhas de pesquisa a serem adotadas; e d) delinear perspectivas da construção de projetos interdisciplinares e interinstitucionais, com enfoque na articulação gênero-saúde-educação.

Vale ressaltar que a proposta de realização da oficina era uma aspiração das docentes da disciplina Enfermagem da Mulher e do Recém-nascido. Reconhecendo a transversalidade do gênero com a qualificação profissional e compreendendo a relação intrínseca entre a formação nos níveis de graduação e pós-graduação, essas professoras envidaram esforços no sentido de viabilizá-la, visando à criação de um grupo de pesquisa voltado para temáticas ainda não contempladas explicitamente nas linhas de pesquisas da instituição.

Este artigo descreve o processo de realização da oficina e seus resultados, tecendo comentários acerca dos conteúdos que emergiram dos temas propostos e sua perspectivação para o avanço na produção do conhecimento.

A OFICINA DE TRABALHO COMO ESTRATÉGIA METODOLÓGICA PARA INTERVENÇÃO

As oficinas de trabalho têm sua gênese na abordagem educativa feminista da década de 1980, com vistas a construir e difundir um projeto para as mulheres, valorizar as experiências e conhecimentos das participantes, em especial na área da saúde. O intuito era distanciar-se da visão biologicista, centrada na função procriativa, privilegiando o conteúdo individual, a subjetividade e a visão das mulheres como sujeitos sociais, sem abandonar o suporte coletivo das ações pedagógicas.

A modalidade de oficina de trabalho tem sido utilizada pelas propositoras da oficina no seu cotidiano profissional, não apenas em suas atividades docentes e assistenciais, como também nas atividades de pesquisa, na coleta e na análise preliminar dos dados, obedecendo a um conteúdo ético de intervenção, transformando e sendo transformadas neste processo investigativo, como sujeitos da ação.8-9 Na concepção adotada, a oficina de trabalho, como estratégia metodológica de intervenção e investigação, guarda determinadas características que a colocam entre as opções privilegiadas no campo da educação e da emancipação dos sujeitos, a saber:

  • a estruturação de um processo que leva à compreensão e valorização dos participantes como sujeitos sociais, artífices da sua própria identidade e subjetividade, na relação com os demais sujeitos vistos como histórica e socialmente determinados pela situação de classe, gênero, raça/etnia e geração;

  • o estabelecimento de uma relação de cooperação entre coordenadores e participantes permeada pela confiança, elemento fundamental para o processo e suas articulações com as vivências dos sujeitos envolvidos;

  • o estabelecimento de um processo educativo e emancipatório que permita reconhecer e decodificar o conhecimento e a experiência, visando levar os participantes a compreender os elementos essenciais das situações vivenciadas e por meio deles reconhecer e proceder às transformações necessárias, construindo assim o produto desejado;

  • a reconstrução do conhecimento baseada na dialética da internalidade e da externalidade dos fenômenos, nas diferentes dimensões da realidade objetiva, quais sejam, dos sujeitos, dos grupos sociais aos quais pertencem e da estrutura social como um todo;

  • a construção de um produto final que tem como autores os próprios participantes e que se dá na partilha de conhecimentos e experiências e, sobretudo, na criação conjunta. O produto é reconhecido pelo grupo, sendo valorizado e assumido coletivamente.

    7-8

Para tanto, os pilares teóricos das oficinas de trabalho são as emoções, como construtoras do conhecimento,10 o desenvolvimento da autonomia, da autoestima e do empoderamento, por meio da educação critico-emancipatória,11 e a Teoria da Intervenção Práxica em Enfermagem em Saúde Coletiva.12 Assim, a oficina foi estruturada em quatro momentos:

1. aquecimento: desenvolvimento de uma atividade objetivando preparar o grupo para os momentos subsequentes e visando ao fortalecimento das relações interpessoais. As técnicas utilizadas para aquecimento devem reportar-se a dinâmicas e temas articulados ao tema a ser desenvolvido na sessão;

2. reflexão individual: processo reflexivo pessoal, tendo como base a experiência vivida ou observada pelas participantes, representada por meio de técnicas facilitadoras.

3. reflexão grupal: condensação e acréscimo de conteúdo a partir da exposição individual para subsidiar a discussão geral e a síntese;

4. síntese: resumo e análise dos principais pontos abordados nos momentos anteriores, seguidos da introdução de novos conhecimentos.

Cada um desses momentos é importante para a construção do produto final, que deve retratar o estágio das reflexões alcançado pelo grupo, traduzindo, por sua vez, as transformações antevistas, que nortearão todo o percurso enquanto finalidade do processo de trabalho. O que se pretende é um processo participativo e emancipatório, cujo produto possa ser apropriado por todos os participantes, dado que contém conhecimentos e experiências vivenciadas pelo grupo, incluindo seus diferentes atores.

Para facilitar a expressão das representações individuais e grupais, bem como para estimular a criatividade dos participantes, podem ser usadas dinâmicas e estratégias facilitadoras da expressão do conteúdo individual e subjetivo que formam a base sobre a qual será construído ou ampliado o conhecimento. As estratégias devem reportar-se à experiência, à escolaridade e à possibilidade de abstração do grupo. Constituem instrumentos e não um fim em si mesmas.

No caso presente, por tratar-se de um grupo altamente escolarizado e com grande poder de abstração, foram utilizadas dinâmicas que podem ser consideradas refinadas, como a reflexão a partir de textos e exposição de conteúdos cientificizados.

DESCRIÇÃO DA OFICINA

A oficina de trabalho foi realizada nas dependências da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (EE/UFMG), em dezembro de 2009, com carga horária de 16 horas e com conteúdos distribuídos em quatro sessões de quatro horas. O desenvolvimento das sessões se deu a partir da delimitação de eixos estruturantes para as atividades, visando seus objetivos. Além de servir de linha de condução, os eixos estruturantes nortearam a definição dos conteúdos e atividades realizadas e a seleção do material bibliográfico de apoio, conforme o quadro a seguir.

Quadro 1


Em todas as sessões foram utilizadas estratégias facilitadoras da expressão individual e grupal, com diferentes finalidades: integração das participantes, sensibilização para desenvolvimento do tema central; e avaliação parcial, conforme mostra o quadro a seguir:

Quadro 2


Ao final de cada sessão foi feita uma avaliação parcial, oportunidade em que cada participante citou uma palavra para representar sua percepção daquela parte. Na última sessão realizou-se a avaliação final, por meio de relato livre acerca do evento, seu processo e seu produto.

Participaram da Oficina 13 pessoas: nove docentes da EE/UFMG, uma aluna de graduação, duas enfermeiras do Hospital Sofia Feldman e uma enfermeira do Hospital das Clínicas da UFMG, instituições onde se realizam atividades de ensino clínico e de estágio da Disciplina Enfermagem da Mulher e do Recém-nascido e do Curso de Especialização em Enfermagem Obstétrica da EE/UFMG.

A despeito da oficina de trabalho prescindir do seguimento das normas estabelecidas pela Resolução do CNS 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, através da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), usualmente seguimos todas as suas recomendações. Assim, também neste caso, as participantes foram convidadas e aceitaram livremente participar da oficina. Na abertura, foram esclarecidos seus objetivos e finalidade, bem como detalhados os procedimentos de coleta e registro dos dados. Para a divulgação pública dos resultados o procedimento ético adotado foi a ampla discussão no grupo sobre a pertinência da elaboração de um artigo de divulgação relatando a experiência. Houve concordância, por unanimidade, com manifestação explícita e espontânea de todas. Além disso, várias sugeriram que além da divulgação escrita, o material seja apresentado em outros espaços científicos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados são apresentados a partir de cada um dos eixos estrurantes, pois em torno deles foram identificados os problemas, desafios, perspectivas e ações visando ao alcance dos objetivos.

Eixo estruturante 1 - O conceito de gênero e sua utilização como categoria analítica

Esse eixo norteou a fase inicial da oficina de trabalho. Durante as discussões pode-se destacar que o grupo reconhece a importância na atualidade do conceito de gênero, sua articulação e incorporação nos estudos acadêmicos em saúde, particularmente, no campo da saúde da mulher, da saúde coletiva13 e da educação.14 Com relação ao conceito de gênero e sua utilização como categoria analítica destacou-se que o seu desenvolvimento oferece marcas distintas a serem consideradas no âmbito da enfermagem e da saúde: a interdisciplinaridade, o compromisso com as demandas da sociedade, o diálogo com os trabalhadores de saúde, a consonância com as atuais políticas de saúde do Brasil,15 e ainda, os compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro.

Nessa fase evidenciou-se a compreensão das participantes quanto à luta das mulheres para se tornarem pesquisadoras e produzir ciência a partir de sua própria ótica, incorporando a pluralidade de sentidos, visões de mundo, inclusive do desenvolvimento da ideia de masculino e feminino, de oposição, complementaridade e superação. O desafio é a diminuição das consequências das iniquidades de gênero, possibilitando a desconstrução da ordem hierarquizada ainda presente na sociedade.2 O feminismo na ciência e a presença da mulher na produção científica foram citados como elementos fundamentais e disparadores para a visibilidade e superação das desigualdades e injustiças relativas às relações de gênero.

Identificou-se ainda que o conceito de gênero tem fundamentado ou tangenciado pesquisas realizadas por algumas das participantes, particularmente durante a formação no nível stricto sensu (doutorado), podendo ser estabelecido como linha de condução de pesquisas, tanto em andamento quanto em futuras.

Os aspectos relativos à produção de conhecimento científico, à formação de grupos de pesquisa e à definição de suas linhas foram discutidos com base no Eixo estruturante 2 - Concepções de grupo e linha de pesquisa.

Eixo estruturante 2 - Concepções de grupo e linha de pesquisa

No desenvolvimento desse eixo o grupo reconheceu que o processo de produção de conhecimento científico no interior das universidades deve revestir-se na atualidade de um processo hierarquizado e organizado na forma de grupos de pesquisa, exigindo novos modos de interação16 e de organização do processo de trabalho de docentes, que cada vez mais devem inserir-se na prática da pesquisa. A formação de grupos de pesquisa é um caminho efetivo para dar visibilidade a estudos no âmbito da assistência, do ensino e da extensão universitária; ampliar e fortalecer a produção científica de um determinado conjunto de pesquisadores; possibilitar a integração nos seus diferentes níveis de formação, com vistas ao avanço do conhecimento; e desenvolver e fortalecer a produção científica entre pares e de forma multidisciplinar.17-19 A linha de pesquisa foi explicitada pelo grupo como um fio condutor para os processos de investigação. O tema gênero, por exemplo, foi citado como a linha condutora de projetos de pesquisas relativos à saúde, à violência e a grupos populacionais, como adolescentes e mulheres adultas.

Eixo estruturante 3 - A produção científica do grupo e seus pontos de vulnerabilidade

A produção científica foi o tema abordado em torno deste eixo. As participantes apresentaram seus projetos de pesquisas elaborados sob a categoria gênero e em andamento. Foram citados nove estudos em diversas áreas de atuação das participantes. Havia estudos com a participação de estudantes de graduação e pós-graduação e um dos estudos foi caracterizado como multicêntrico. A abordagem qualitativa foi predominante, identificando-se como referenciais teóricos a humanização, o gênero, a violência e a integralidade. O positivismo foi a visão de mundo predominante, a despeito de alguns estudos terem sido feitos sob a égide do materialismo histórico e dialético. Em suma, há diversidade de temas, tipos de pesquisa e referencias teórico-filosóficos.

As dificuldades elencadas referiram-se à falta de tempo e à limitação ou ausência de recursos financeiros. Quanto à organização do grupo para o desenvolvimento de pesquisas foram apontadas como dificuldades a falta de um grupo de pesquisa organizado; de liderança para formação de grupo de pesquisa e de experiência na captação de recursos para os financiamentos. Ficou evidente a dificuldade de articulação e interlocução entre os profissionais da academia e da assistência para elaboração e execução conjunta de projetos de pesquisas.

A consequência imediata dessas dificuldades é o isolamento na elaboração e desenvolvimento das pesquisas. As participantes relataram que sentem-se isoladas, principalmente quando chegam à instituição na condição de docentes recém-contratadas ou quando retornam após o doutorado, prosseguindo assim durante sua vida acadêmica. Outro fato que corrobora com a individualização do trabalho é o tempo prolongado entre a formação de mestrado e doutorado.

Vale ressaltar que na enfermagem, pela predominância de mulheres, a maternidade, bem como a dupla ou tripla jornada de trabalho, são elementos que contribuem para uma trajetória acadêmica com interrupções, consequentemente mais lenta que no caso dos homens. Estes, em geral, além de poderem dedicar-se quase integralmente às atividades extra lar, pelo próprio processo social de construção da masculinidade e dos papéis de gênero, têm nas mulheres pontos de apoio para seus empreendimentos. Isso nem sempre ocorre no caso contrário. Dado que as participantes da oficina pertencem à mesma sociedade androcêntrica que as demais mulheres, vale também para elas essas considerações.

Foram identificadas várias estratégias para superação das dificuldades constatadas: fazer alianças entre pares; fazer articulações com instituições e profissionais de reconhecimento na pesquisa; inserção em um grupo de pesquisa consolidado, e incrementar a busca de financiamento. A crítica das participantes quanto ao que pensam e sentem a respeito de sua produção científica revelou sentimentos de insatisfação e frustração como consequências do isolamento frente às demandas institucionais. Ficou evidente a necessidade de fortalecimento individual e coletivo.

Dado o contexto e o que motivou a realização da oficina, foi constatada uma perspectiva bastante positiva quanto à possibilidade de novas articulações para a superação dos limites e dificuldades, com a formação de um grupo de pesquisa.

Eixo estruturante 4 - Identidade do grupo a ser formado: abrangência e temas de pesquisa (interesse e realidade do grupo)

Nesse momento foram identificadas ações visando à formação de um grupo de pesquisa como um espaço de desenvolvimento de recursos humanos em pesquisa mediante a participação de docentes, estudantes de graduação e pós-graduação, profissionais técnico-administrativos da própria instituição e de outras, nacionais e internacionais. Foram citados vários temas cujas pesquisas poderiam ser articuladas, bem como outros a serem explorados. A categoria gênero foi reconhecida uma vez mais como determinante para a construção de novos conhecimentos efetivamente transformadores dos campos de ensino, extensão e da própria investigação. O grupo identificou ainda a necessidade de ampliar a qualificação específica em gênero e em metodologia de pesquisa.

Eixo estruturante 5 - Estratégias para incrementar e potencializar a produção do grupo

A última fase da oficina de trabalho abrangeu este eixo que teve como foco as estratégias para incremento da produção do grupo. Discutiu-se a importância do grupo de pesquisa como ponto de partida para o incremento e potencialização da produção científica de quem o integra ou com ele se articula. Nessa perspectiva decidiu-se realizar eventos voltados para o fortalecimento da prática da pesquisa, capacitação de pesquisadores, captação de recursos em órgão de fomento para pesquisa, dentre outros. Outras atividades deverão ser realizadas com a finalidade de provocar a reflexão acerca da produção científica e intelectual do grupo para apresentação, discussão e divulgação da produção gerada.

Finalmente, a inserção de integrantes do grupo a ser formado no Programa de Pós-Graduação da instituição de origem das participantes, o estabelecimento e a consolidação de parcerias com grupos de pesquisas internos e externos, também foram identificados como estratégias para o incremento e a potencialização da produção científica do grupo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta oficina constituiu uma importante estratégia para a concretização da criação de um grupo de pesquisa – atualmente consolidado e denominado Núcleo de Pesquisas e Estudos em Saúde da Mulher e Gênero (NUPESMeG), formado em 2010 e registrado no Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil, do Centro Nacional de Desenvolvimento Tecnológico (CNPq).

Tal concepção coaduna-se com o objetivo do evento realizado, na medida em que sua solidificação pode constituir um dos pilares para o fortalecimento e para a ampliação nos âmbitos da assistência, ensino e pesquisa, articulando gênero, saúde e educação nos campos da enfermagem e da saúde.

As participantes reconhecem que a produção acadêmica e científica na universidade demanda um processo organizado, exigindo novas formas de interação intra e interinstitucional. A criação de um grupo de pesquisa foi apontada como um dos requisitos para incrementar a produção e visibilidade do conhecimento.

A oficina de trabalho foi avaliada como estratégia metodológica privilegiada para envolver as participantes num processo em que o produto final pode ser reconhecido como pertencente a todas e, portanto, possibilitando um engajamento real no compromisso assumido. Também gerou um espaço de interação; o aprofundamento dos aspectos teóricos necessários ao desenvolvimento da tarefa; o desfrute de momentos prazerosos, colorizados pelo dinamismo das técnicas pedagógicas; a consonância entre os conteúdos e as necessidades das participantes; e a troca de experiências e a satisfação pessoal e coletiva pelo trabalho realizado.

Espera-se que esse relato de experiência possa motivar grupos de pesquisadoras a se organizarem para a formação e fortalecimento de grupos de pesquisa, para o incremento e a potencialização de produção científica, bem como para o avanço e fortalecimento do conhecimento em gênero, enfermagem e saúde. Isso compartilhado numa vivência coletiva capaz de dar prazer, edificar e ressignificar a difícil arte de produzir e disseminar o saber das mulheres, dado que generificado no seu processo e produto.

Recebido: 10 de Março de 2011

Aprovação: 20 de Abril de 2012

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  • Correspondência:

    Rosa Maria Godoy Serpa da Fonseca
    Av. Dr.Enéas de Carvalho Aguiar, 419
    04522-000 – Cerqueira César, São Paulo, SP, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      10 Mar 2011
    • Aceito
      20 Abr 2012
    Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós Graduação em Enfermagem Campus Universitário Trindade, 88040-970 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil, Tel.: (55 48) 3721-4915 / (55 48) 3721-9043 - Florianópolis - SC - Brazil
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