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Acidentes de trabalho ocorridos entre adolescentes

Accidentes laborales producidos entre adolescentes

Resumos

Objetivou-se identificar acidentes de trabalho ocorridos entre adolescentes em uma fundação de educação para o trabalho. Estudo transversal, descritivo e quantitativo que investigou 117 adolescentes trabalhadores, através de um questionário multidimensional. Dos entrevistados, 72, 6% eram mulheres, 80, 3% tinham 15 anos de idade, 60% eram pardos e 62, 4% não trabalhavam anteriormente. As atividades mais exercidas foram recepcionista (46, 2%) e auxiliar administrativo (37, 6%). Sofreram acidentes no trabalho atual ou anterior 11% dos entrevistados, dos quais, 76, 9% foram típicos e ocorreram à tarde (61, 5%). Pernas e pés foram os segmentos mais lesados (46, 2%), e as escoriações, os principais agravos (30, 8%). O trabalho infanto-juvenil pode apresentar agravos, caracterizados como acidentes de trabalho. O enfrentamento desta questão não pode ser pensado apenas no plano da fiscalização dos ambientes de trabalho, de políticas voltadas para a saúde do trabalhador; há necessidade de transformação maior na estrutura da sociedade, para que o trabalho não prejudique a saúde.

Saúde do trabalhador; Trabalho de menores; Acidentes de trabalho


Este estudio tuvo como objetivo identificar los accidentes de trabajo producidos entre los adolescentes en una fundación de educación para el trabajo. Estudio descriptivo, cuantitativo que investigó 117 adolescentes trabajadores a través de un cuestionario multidimensional. De los encuestados, el 72, 6% eran mujeres, el 80, 3% tenían 15 años, el 60% eran pardos y el 62, 4% no trabajaba anteriormente. Las actividades más populares realizadas fueron las siguientes: Recepcionista (46, 2%) y auxiliar administrativo (37, 6%). Sufrieron accidentes en el trabajo o antes de llegar a este el 11% de los encuestados, de los cuales 76, 9% eran típicos y se produjeron en la tarde (61, 5%). Las piernas y los pies fueron los miembros mas heridos (46, 2%), seguido por abrasiones y lesiones graves (30, 8%). El trabajo de niños y adolescentes pueden presentar agravios, que se clasifican como accidentes. El enfrentamiento de este problema no puede ser pensado sólo en términos de vigilancia de los lugares de trabajo y de las políticas dirigidas a la salud del trabajador; hay una necesidad de una mayor transformación en la estructura de la sociedad, de modo que el trabajo perjudique la salud.

Salud laboral; Trabajo de menores; Accidentes de trabajo


This study was aimed at identifying occupational accidents involving teenagers and carried out in a professional training organization. Cross-sectional, descriptive and quantitative study which investigated 117 teenage workers, using a multidimensional questionnaire. Of all the respondents, 72.6% were women, 80.3% were 15 years old, 60% were dark colored and 62.4% had not worked before. The most popular positions were receptionist (46.2%) and administrative assistant (37.6%). Among those interviewed, 11% had had accidents in the current or previous job and, from these, 76.9% were involved in typical accidents that took place in the afternoon (61.5%). The most injured body parts were legs and feet (46.2%), and the most common injuries were abrasions (30.8%). Children and youth's labor may result in injuries that are known as occupational accidents. This issue should not be viewed only in terms of workplace inspection and occupational health policies. In addition, a greater change is needed in the structure of society to avoid working from being detrimental to health.

Workers' health; Under-age labor; Workplace-related accident


ARTIGO ORIGINAL

Acidentes de trabalho ocorridos entre adolescentes1 1 Estudo financiado pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da Universidade de São Paulo (USP).

Accidentes laborales producidos entre adolescentes

Aline Alcântara PimentaI; Fabiana Cristina Taubert de FreitasII; Aida Maria de Oliveira Cruz MendesIII; Vera Lúcia NavarroIV; Maria Lúcia do Carmo Cruz RobazziV

IEnfermeira. São Paulo, Brasil. E-mail: aline.pimenta@usp.br

IIDoutoranda em Ciências pela EERP/USP. São Paulo, Brasil. E-mail: ftaubert@eerp.usp.br

IIIDoutora em Psicologia da Educação. Docente Coordenadora da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Portugal. E-mail: acmendes@esenfc.pt

IVDoutora em Ciências Sociais. Professora Doutora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. São Paulo, Brasil. E-mail: vnavarro@usp.br

VDoutora em Enfermagem. Professora Titular da EERP/USP. São Paulo, Brasil. E-mail: avrmlccr@eerp.usp.br

Correspondência Correspondência: Maria Lúcia do Carmo Cruz Robazzi Universidade de São Paulo - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto Av. Bandeirantes, 3900 14042-900 - Ribeirão Preto, SP, Brasil E-mail: avrmlccr@eerp.usp.br

RESUMO

Objetivou-se identificar acidentes de trabalho ocorridos entre adolescentes em uma fundação de educação para o trabalho. Estudo transversal, descritivo e quantitativo que investigou 117 adolescentes trabalhadores, através de um questionário multidimensional. Dos entrevistados, 72, 6% eram mulheres, 80, 3% tinham 15 anos de idade, 60% eram pardos e 62, 4% não trabalhavam anteriormente. As atividades mais exercidas foram recepcionista (46, 2%) e auxiliar administrativo (37, 6%). Sofreram acidentes no trabalho atual ou anterior 11% dos entrevistados, dos quais, 76, 9% foram típicos e ocorreram à tarde (61, 5%). Pernas e pés foram os segmentos mais lesados (46, 2%), e as escoriações, os principais agravos (30, 8%). O trabalho infanto-juvenil pode apresentar agravos, caracterizados como acidentes de trabalho. O enfrentamento desta questão não pode ser pensado apenas no plano da fiscalização dos ambientes de trabalho, de políticas voltadas para a saúde do trabalhador; há necessidade de transformação maior na estrutura da sociedade, para que o trabalho não prejudique a saúde.

Descritores: Saúde do trabalhador. Trabalho de menores. Acidentes de trabalho.

RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo identificar los accidentes de trabajo producidos entre los adolescentes en una fundación de educación para el trabajo. Estudio descriptivo, cuantitativo que investigó 117 adolescentes trabajadores a través de un cuestionario multidimensional. De los encuestados, el 72, 6% eran mujeres, el 80, 3% tenían 15 años, el 60% eran pardos y el 62, 4% no trabajaba anteriormente. Las actividades más populares realizadas fueron las siguientes: Recepcionista (46, 2%) y auxiliar administrativo (37, 6%). Sufrieron accidentes en el trabajo o antes de llegar a este el 11% de los encuestados, de los cuales 76, 9% eran típicos y se produjeron en la tarde (61, 5%). Las piernas y los pies fueron los miembros mas heridos (46, 2%), seguido por abrasiones y lesiones graves (30, 8%). El trabajo de niños y adolescentes pueden presentar agravios, que se clasifican como accidentes. El enfrentamiento de este problema no puede ser pensado sólo en términos de vigilancia de los lugares de trabajo y de las políticas dirigidas a la salud del trabajador; hay una necesidad de una mayor transformación en la estructura de la sociedad, de modo que el trabajo perjudique la salud.

Descriptores: Salud laboral. Trabajo de menores. Accidentes de trabajo.

INTRODUÇÃO

O trabalho infanto-juvenil é tema de relevância social e abrange múltiplos aspectos tais como econômicos, culturais, psicológicos, físicos, entre outros. Cada vez mais este tipo de trabalho tem chamado a atenção da sociedade para sua necessária erradicação, especialmente quando envolve a realização de atividades insalubres e degradantes.1

Por outro lado, ele continua a ser percebido, em diversas instâncias, como algo naturalizado e necessário para as famílias de níveis socioeconômicos mais baixos. Tal visão desconsidera as implicações do trabalho na saúde, na constituição da identidade e na vida acadêmica dos jovens. Diante disso, torna-se importante a adoção de medidas legais e de políticas públicas que objetivem a proteção do trabalhador adolescente.1

Nos últimos anos, o combate ao trabalho realizado em idade precoce vem ocupando cada vez mais espaço na agenda política pública mundial, principalmente a partir do advento da Declaração Universal dos Direitos da Criança, em 1989. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 proíbem expressamente este tipo de trabalho. Tais marcos regulatórios permitem que adolescentes com mais de 14 anos trabalhem como aprendizes e que jovens com mais de 16 anos exerçam funções consideradas seguras.2

O Decreto 5.598, de 1º de dezembro de 2005,3 regulamenta a contratação de aprendizes, o que fez ampliar seus direitos, garantindo-lhes maior grau de escolaridade, formação profissional, vínculo empregatício e condições laborais compatíveis com seu desenvolvimento físico, moral e psicológico.

Apesar da legislação nacional estar à frente das de outros países, existem no Brasil crianças e adolescentes economicamente ativos, inseridos em contextos de vida e de trabalho que lhes impõem complexas situações de vulnerabilidade ambiental, social e cultural. Um dos efeitos perversos dessa realidade refere-se às exposições aos ambientes laborais insalubres e ao trabalho infanto-juvenil realizado em situações de risco, que comprometem o desenvolvimento biológico e psicológico dos jovens e os expõem aos agravos à saúde, situações que ameaçam o principal direito humano que é o direito à vida.2

A inserção que acontece em idade precoce no ambiente laboral, muitas vezes, repercute desfavoravelmente na saúde do jovem trabalhador e pode lhe ocasionar doenças e expô-lo aos acidentes que, muitas vezes, resultam em sequelas. Alguns desses problemas são latentes e podem se manifestar posteriormente, às vezes ocasionando danos irreversíveis. É importante destacar que os Acidentes de Trabalho (AT) causam danos físicos e psíquicos, temporários ou permanentes.4

Relatório realizado pela Organização Internacional do Trabalho divulgou que a cada minuto uma criança em regime de trabalho infantil sofre um acidente de trabalho, doença ou trauma psicológico. São mais de 1400 acidentes por dia e um total de quase 523 mil por ano. No Brasil há cerca de 4, 2 milhões de crianças trabalhando, sendo que mais da metade executa atividades perigosas. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, em 2011 os auditores fiscais do trabalho afastaram 3, 7 mil crianças e adolescentes do trabalho. Em 2010, 5.620 crianças e adolescentes foram resgatados desta situação. O relatório também afirma que, embora o número total de crianças entre cinco e 17 anos em trabalhos perigosos diminuiu entre 2004 e 2008, o número de crianças entre 15 e 17 anos nestas atividades teve um aumento real de 20% no mesmo período, passando de 52 milhões para 62 milhões.5

Estudo realizado em Salvador-BA evidenciou a elevada incidência anual de ATs não fatais em adolescentes (6, 4%), diminuindo com a idade em ambos os sexos.6 Esta incidência tornou-se igual na faixa de 10 a 13 anos, reduziu-se para 4, 1% no grupo de 14 a 17 anos e chegou a 4, 8% entre os de 18 a 24 anos, para um ano de referência.7 Maior frequência anual de AT não fatais (18, 9%) foi encontrada em jovens com menos de 16 anos de idade, trabalhadores da zona rural do Rio Grande do Sul.8 A comparação com resultados de outros países é limitada em decorrência das diferenças na participação de crianças e adolescentes no mercado de trabalho.6

Acresce-se a isto que no Brasil existe uma realidade que notoriamente prejudica as análises sobre AT; é conhecido o fato da subnotificação acidentária, mostrada em investigações, com trabalhadores de idades variadas.9-10 A não contabilização de acidentes entre trabalhadores do mercado formal é apenas um aspecto da dificuldade em se obter informações válidas sobre os AT no país. Existe desconhecimento a respeito do que acontece no setor informal da economia brasileira, sobre o qual não existe um sistema eficaz de informação. O poder público, em seus diferentes níveis apresenta, como uma de suas atribuições, o controle destes eventos acidentários e a preservação e promoção da saúde da população trabalhadora. A formulação de políticas públicas para o enfrentamento dessa questão requer informações confiáveis sobre a distribuição, caracterização e determinantes dos AT.9

Diante do exposto, tornam-se necessários outros estudos voltados ao trabalho realizado por crianças e adolescentes com o intuito de disseminar mais informações sobre tão complexo tema, o que motivou a realização da presente investigação.

OBJETIVO

Identificar os AT ocorridos entre adolescentes em uma fundação de educação para o trabalho, mediante a identificação do seu perfil sóciodemográfico e de atuação profissional, tipos de acidentes que sofreram, local e horário de ocorrência destes eventos, parte do corpo lesada e tipo de agravos.

MATERIAL E MÉTODOS

Estudo quantitativo, descritivo e transversal, realizado em uma Fundação Municipal de Educação para o Trabalho, localizada em Ribeirão Preto-SP, Brasil. Tal instituição apresenta como finalidade promover o direito à profissionalização do adolescente; por meio de inscrições, cadastra jovens que a procuram, insere-os no mercado de trabalho e encaminha-os aos cursos de aprendizagem profissional oferecidos pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC).11

Em abril de 2010 existiam 330 adolescentes cadastrados nesta instituição. Constituíram-se critérios de inclusão dos sujeitos no presente estudo: os presentes nos cursos de aprendizagem profissional do SENAC no período da coleta de dados, com idade entre 14 e 17 anos; os que compreenderam as questões formuladas no questionário apresentado e os que estavam ativos no mercado de trabalho por, no mínimo, três meses.

Obedecidos tais critérios tornaram-se sujeitos 117 adolescentes. Para a realização da coleta de dados foi adotada uma parte de um questionário multidimensional,12 devidamente autorizado, a fim de alcançar, de forma efetiva, o objetivo delineado. Este abordava os seguintes temas: aspectos sociodemográficos e condições de trabalho (local e tempo de atuação no trabalho, se sofreu algum AT, suas características ou se teve algum agravo à saúde relacionado ao trabalho).

A coleta de dados ocorreu entre abril e maio de 2010. Os adolescentes foram recrutados para preencherem o questionário no SENAC. Primeiramente foi-lhes oferecida uma explicação minuciosa do instrumento de coleta de dados e do TCLE, com a finalidade de sanar as suas dúvidas, e para que eles pudessem repassar tais informações a seus pais ou responsáveis. Os TCLEs foram levados pelos jovens aos seus responsáveis legais para a autorização e, os que deram o consentimento, foram incluídos no estudo. Os questionários foram aplicados pela primeira autora desse estudo que sanou aos jovens, individualmente, as dúvidas encontradas para seu preenchimento.

Antes de ser iniciada a coleta de dados, o projeto foi enviado e aprovado (protocolo nº 1046/2009) ao Comitê de Ética em Pesquisa de uma Instituição de Ensino Superior e encaminhado à chefia da fundação; a coleta de dados no SENAC foi também autorizada.

Os dados obtidos foram codificados e inseridos em planilha do aplicativo Microsoft Excel®; posteriormente, foram transportados e analisados de forma descritiva no programa Epi Info® versão 3.5.1. Os agravos foram caracterizados conforme a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10)13 e as atividades exercidas, codificadas segundo denominações da Classificação Brasileira de Ocupações.14

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em relação ao objetivo de identificação do perfil sóciodemográfico dos trabalhadores e de atuação profissional, constatou-se que 80, 3% tinham 15 anos, com a idade mínima de 14, máxima de 16 e a média de 15, 15(±0, 42); 72, 6% eram mulheres; 74, 4% cursavam o ensino médio e 25, 6% o fundamental. A maioria (51, 3%) atribuiu a si a coloração parda, o que coincidente com outros estudos sobre jovens trabalhadores;15-16 58% residiam em casa com cinco a sete pessoas e informaram também (92, 3%) ter renda pessoal de meio salário mínimo mensal (o valor do salário mínimo quando da coleta dos dados era de R$ 510, 00) e renda familiar de até dois salários mínimos mensais (63, 2%).

Afirmaram não ter sido empregados antes de seu ingresso na Fundação de Educação Para o Trabalho, 65, 8% dos sujeitos; as atividades que desenvolviam na época das entrevistas eram: recepcionista (46, 2%), auxiliar administrativo (37, 6%), contínuo (12, 8%), telefonista (1, 7%), digitador (0, 9%) e auxiliar de almoxarifado (0, 9%), atividades não consideradas prestigiosas. Tais atividades, principalmente as três primeiras, são similares as realizadas por adolescentes trabalhadores de Uberaba-MG.12

Pesquisa realizada em Pelotas-RS entrevistou 4.924 indivíduos com idade entre seis e 17 anos. De 466 jovens trabalhadores, 70% tinham entre 14 e 17 anos, 25% entre 10 e 13 anos e 5% entre seis e nove anos; 88% encontravam-se no mercado informal, o que demonstra que iniciavam suas atividades laborativas antes da idade recomendada pela legislação nacional.17

Grande parte dos entrevistados (87, 2%) afirmou que frequentava a mencionada fundação entre seis meses a menos de um ano. A fundação garante aos jovens até dois anos de permanência. No entanto, alguns conseguem outro emprego antes do término deste prazo ou se desligam da entidade por outros motivos.

Quanto ao objetivo de identificar os tipos de acidentes que sofreram, local e horário de ocorrência destes eventos, parte do corpo lesada e tipo de agravos, tais resultados encontram-se apresentados a seguir.

Dos 117 sujeitos entrevistados, 13 (11, 1%) relataram ter sofrido AT no trabalho atual ou anterior.

Na tabela 1 são descritas algumas das características dos AT informados pelos entrevistados.

Grande parte dos AT (76, 9%) foram descritos como típicos, ou seja, aconteceram no próprio local do trabalho ou no trajeto para o trabalho (23, 1%), informações essas que são coincidentes com outras investigações.7-9, 18-19 Mais da metade destes eventos (61, 5%) ocorreram no período da tarde e as partes do corpo mais atingidas foram as pernas e pés (46, 2%); em relação aos tipos de agravos, quatro (30, 8%) relataram escoriações.

Os AT constituem-se em grave problema de saúde, pois acometem grande número de trabalhadores, entre os quais jovens em idade produtiva. São eventos súbitos ocorridos no exercício de atividade laboral, independentemente da situação empregatícia e previdenciária do trabalhador acidentado, acarretando danos à saúde, potenciais ou imediatos, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que causam, direta ou indiretamente, a morte ou perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Incluem-se ainda os acidentes ocorridos em qualquer situação em que o trabalhador esteja representando os interesses da empresa ou agindo em defesa de seu patrimônio; assim como aquele ocorrido no trajeto da residência para o trabalho ou vice-versa.20

Estudo com dados obtidos durante um ano, em prontuários de atendimento de um pronto socorro municipal em Ribeirão Preto-SP, demonstrou que 56 crianças e adolescentes sofreram AT que lesaram mais os meninos (64, 3%), com idades entre 11 e 17 anos, dos quais 12, 4% foram registrados nos prontuários como "ajudantes" de alguma pessoa quando da ocorrência do acidente. A maioria dos eventos acidentários (60, 7%) foi típico e 51, 8% dos sujeitos lesaram os membros superiores, em decorrência de materiais cortantes.19

Pesquisa realizada no município de Ipatinga-MG, em 2008, investigou a ocorrência de AT em adolescentes, constatou que 42% desses trabalhadores alegaram ter sido vítimas de acidentes no ambiente laboral e 14, 9% tiveram que se afastar do trabalho por esse motivo. Mais da metade (51, 4%) não tinha registro em carteira de trabalho; os cortes e perfurações foram os eventos que mais ocorreram (27, 5%); as queimaduras constituíram os principais agravos sofridos (26, 9%); e as partes do corpo mais afetadas foram mãos e dedos (40, 4%). Os jovens do sexo masculino foram mais acometidos que os do feminino; a faixa etária da maioria encontrava-se entre 16 e 17 anos. Observou-se expressivo número de acidentes de trajeto (18, 5%), o que aponta estreita relação do processo produtivo com a violência urbana.18 Tais dados diferem dos encontrados no presente estudo que evidenciou o período da tarde como sendo o de maior ocorrência de AT (61, 5%), as pernas e pés (46, 2%) como as partes do corpo mais atingidas e as escoriações (30, 8%) como o tipo de agravo predominantemente encontrado.

CONCLUSÃO

Apesar de todas as campanhas empreendidas para erradicar e/ou regulamentar o trabalho infanto-juvenil no Brasil esta é uma realidade que ainda preocupa. O trabalho de crianças e adolescentes continua a acontecer, em diversas regiões e em diferentes setores produtivos, no país, em geral, sob condições precárias e que colocam em risco a saúde deste segmento vulnerável da população. Os acidentes de trabalho que os afetam podem ser considerados como a ponta do iceberg que permite conhecer a real condição de exploração destes trabalhadores precoces.

No presente estudo os acidentes registrados apresentaram as características de ser, em sua maioria típicos, ocorrendo predominantemente no período da tarde e atingindo os membros inferiores, provocando escoriações. Ainda que não se tenha registrado acidentes de alta gravidade entre os pesquisados, estas ocorrências indicam as condições laborais precárias e arriscadas, às quais estes trabalhadores estão inseridos e que os colocam em risco.

Diante deste quadro, faz-se necessário a intensificação da fiscalização dos órgãos competentes para que os ambientes de trabalho não sejam inseguros, arriscados e insalubres e para que se faça cumprir a legislação que proíbe e/ou regulamenta o trabalho de crianças e adolescentes no país. Também é bom lembrar a importância de políticas públicas voltadas para a criação de empregos, aumento salarial e melhoria da renda da população, o que auxiliaria na erradicação deste tipo de trabalho e, consequentemente, dos seus efeitos deletérios à saúde das crianças e adolescentes.

Por outro lado, o enfrentamento desta questão não pode ser pensado apenas no plano da fiscalização dos ambientes laborais, de políticas voltadas para a saúde do trabalhador, ainda que não se possa prescindir delas. A erradicação desta forma de trabalho e de formas desumanas de exploração do trabalho de adultos passa por uma transformação maior na estrutura da sociedade, em que o trabalho possa ser fonte de vida e prazer e não alienante, destruidor de potencialidades, prejudicial à saúde e ceifador de vidas, como indicam as estatísticas alarmantes de acidentes de trabalho no país.

REFERÊNCIAS

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20. Ministério da Saúde (BR). Notificação de acidentes de trabalho fatais, graves e com crianças e adolescentes. Brasília (DF): MS; 2006.

Recebido: 08 de Agosto de 2011

Aprovação: 10 de Agosto de 2012

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    Maria Lúcia do Carmo Cruz Robazzi
    Universidade de São Paulo - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto
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    Estudo financiado pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da Universidade de São Paulo (USP).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      08 Ago 2011
    • Aceito
      10 Ago 2012
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