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Produção do conhecimento em enfermagem à luz dos campos societais e do espaço quadripolar da pesquisa: um exercício reflexivo

Producción del conocimiento en enfermería bajo la perspectiva de los campos societales y espacio cuadripolar de la investigación científica: un ejercicio de reflexión

Resumos

O objetivo da reflexão consiste em analisar a produção de conhecimento na enfermagem, a partir de uma tese de doutorado, identificando os elementos dos campos societais e do espaço quadripolar que a compõem. Os campos societais referem-se à demanda social e aos campos axiológico, doxológico e epistêmico. O espaço metodológico quadripolar compõe-se dos polos epistemológico, teórico, morfológico e técnico. Na obra selecionada, identificaram-se os elementos do referencial teórico-filosófico escolhido para a análise, os quais se articulam e se complementam com a finalidade de garantir cientificidade ao conhecimento produzido. Ainda, esse tipo de análise constitui-se em estratégia que contribui na instrumentalização de pesquisadores para a produção de conhecimento.

Ciência; Conhecimento; Metodologia; Enfermagem


El objetivo de la reflexión consiste en analizar la producción del conocimiento en enfermería, a partir de una tesis de doctorado, identificando los elementos del campo societario y del espacio cuadripolar que la componen. Los campos societarios dicen respecto a la demanda social y a los campos axiológico, doxológico y epistémico. El espacio metodológico cuadripolar se compone de los polos epistemológico, teórico, morfológico y técnico. En la obra seleccionada se identificaron los elementos del referencial teórico filosófico elegido para el análisis, los cuales se articulan y se complementan con la finalidad de garantizar cientificidad al conocimiento producido. Todavía, ese tipo de análisis se constituye en estrategia que contribuye en la instrumentalización de los investigadores para la producción del conocimiento.

Ciencia; Conocimiento; Metodología; Enfermería


The reflection aims to analyze the production of knowledge in Nursing from a doctoral thesis, identifying the elements from societal field and from the quadripolar space that compose it. Societal fields refer to the social demand as well as to axiological, doxological and epistemic fields. Quadripolar methodological space is compound by epistemological, theoretical, morphological and technical poles. In the chosen text, it were identified the elements that compound the theoretical-philosophical reference chosen for the analysis. These elements are articulated and complement themselves to ensure scientificity to the produced knowledge. Thus, this kind of analysis is a (device) strategy that adds to instrumentalization of researches for the production of knowledge.

Science; Knowledge; Methodology; Nursing


REFLEXÃO

Produção do conhecimento em enfermagem à luz dos campos societais e do espaço quadripolar da pesquisa: um exercício reflexivo

Producción del conocimiento en enfermería bajo la perspectiva de los campos societales y espacio cuadripolar de la investigación científica: un ejercicio de reflexión

Isabel Cristina Pacheco van der SandI; Leila Mariza HildebrandtII; Fernanda Beheregaray CabralIII; Marlea Chagas MoreiraIV; Maria Gaby Rivero de GutiérrezV

IDoutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem. Doutorado Interinstitucional "Novas Fronteiras" (DINTER) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal do Santa Maria (UFSM). Professora Assistente do Departamento de Ciências da Saúde, do Centro de Educação Superior Norte do Rio Grande do Sul (CESNORS) da UFSM. Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: isabelvan@gmail.com

IIDoutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem DINTER UNIFESP/UFRJ/UFSM. Professora assistente do Departamento de Ciências da Saúde do CESNORS/UFSM. Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail:leilahildebrandt@yahoo.com.br

IIIDoutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem DINTER UNIFESP/UFRJ/UFSM. Professora assistente do Departamento de Ciências da Saúde do CESNORS/UFSM. Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail:cabralfernandab@gmail.com

IVDoutora em Enfermagem. Professora Associado da Escola de Enfermagem Anna Nery da UFRJ. Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: marleachagas@gmail.com

VDoutora em Enfermagem. Professora Livre-Docente Associado da UNIFESP. São Paulo, Brasil. E-mail: gaby.gutierrez@unifesp.br

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Isabel Cristina Pacheco van der Sand Rua Angelo Strapazon, 310 98700-000 - Centro, Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil E-mail: isabelvan@gmail.com

RESUMO

O objetivo da reflexão consiste em analisar a produção de conhecimento na enfermagem, a partir de uma tese de doutorado, identificando os elementos dos campos societais e do espaço quadripolar que a compõem. Os campos societais referem-se à demanda social e aos campos axiológico, doxológico e epistêmico. O espaço metodológico quadripolar compõe-se dos polos epistemológico, teórico, morfológico e técnico. Na obra selecionada, identificaram-se os elementos do referencial teórico-filosófico escolhido para a análise, os quais se articulam e se complementam com a finalidade de garantir cientificidade ao conhecimento produzido. Ainda, esse tipo de análise constitui-se em estratégia que contribui na instrumentalização de pesquisadores para a produção de conhecimento.

Descritores: Ciência. Conhecimento. Metodologia. Enfermagem.

RESUMEN

El objetivo de la reflexión consiste en analizar la producción del conocimiento en enfermería, a partir de una tesis de doctorado, identificando los elementos del campo societario y del espacio cuadripolar que la componen. Los campos societarios dicen respecto a la demanda social y a los campos axiológico, doxológico y epistémico. El espacio metodológico cuadripolar se compone de los polos epistemológico, teórico, morfológico y técnico. En la obra seleccionada se identificaron los elementos del referencial teórico filosófico elegido para el análisis, los cuales se articulan y se complementan con la finalidad de garantizar cientificidad al conocimiento producido. Todavía, ese tipo de análisis se constituye en estrategia que contribuye en la instrumentalización de los investigadores para la producción del conocimiento.

Descriptores: Ciencia. Conocimiento. Metodología. Enfermería.

INTRODUÇÃO

Esta reflexão, que tem como objeto a produção do conhecimento no campo da enfermagem e utiliza, como estratégia, a análise de uma tese, resulta das discussões realizadas durante o desenvolvimento da disciplina "A construção do campo de conhecimento da enfermagem". A disciplina tem como propósito subsidiar discussões sobre o conhecimento em geral, focalizando-o na enfermagem, analisar suas bases epistemológicas e a ampliação do saber/fazer profissional e está inserida no curso de Doutorado Interinstitucional "Novas Fronteiras", vinculado às Universidades Federais de São Paulo e de Santa Maria, em colaboração com a Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Destaca-se a importância de debates sobre a produção de conhecimento na enfermagem, visto que órgãos internacionais e nacionais, tais como o Conselho Internacional de Enfermeiras (CIE) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Profissionais de Nível Superior (Capes), vêm argumentando, nos dias atuais, em prol da produção de novos saberes de enfermagem, visando avanços que contribuam na formação desses profissionais, em sua prática, no campo da gestão e em investigações da área.1-2

Nessa perspectiva, cabe mencionar as proposições da Coordenação da Área de Enfermagem da Capes que orientam a definição de um novo perfil do Doutor em Enfermagem. Essas premissas, se levadas a cabo, poderão contribuir para o alcance de novos patamares na pesquisa nesse campo, os quais se situam no domínio de novos métodos investigativos, de práticas que se alicercem em pesquisas de naturezas diversas, resultando na produção de conhecimentos e em tecnologias avançadas, que culminem em publicações em periódicos qualificados.2 Nesse sentido, a literatura internacional enfatiza que a tarefa científica atual é organizar e melhorar os processos de publicação.3

Além disso, cabe lembrar que a enfermagem se constitui em uma ciência-em-construção, pois se fundamenta em concepções teóricas, princípios básicos, métodos de trabalho específicos e em conhecimentos de uma prática científica, legalmente reconhecida, que tem se preocupado com o alcance epistemológico dos resultados de suas investigações.4

Com base nessa justificativa, por meio da reflexão, pretende-se contribuir com subsídios que facilitem a análise da cientificidade de conhecimentos produzidos, o que parece ir ao encontro das preocupações mencionadas. Considerando-se o referencial teórico-filosófico adotado para análise, explicitado a seguir, o objetivo desta reflexão é analisar a produção de conhecimento, a partir de uma tese de doutorado, identificando os elementos que compõem os campos societais e o espaço metodológico quadripolar na obra analisada.

REFERENCIAL TEÓRICO-FILOSÓFICO PARA A REFLEXÃO

A produção de conhecimento é um processo que requer a objetivação de um dado fenômeno, situado em um campo de pesquisa determinado. Esse campo é o lugar prático da elaboração dos próprios objetos do conhecimento científico, de sua construção sistemática e empírica dos fatos que a pesquisa deu a conhecer. Toda investigação necessita ser situada em um campo epistêmico, visando ao alcance de uma objetividade de natureza científica.5

Esta reflexão ancora-se no referencial teórico-filosófico que trata dos campos societais e do espaço quadripolar metodológico da produção do conhecimento. O ambiente societal da pesquisa é composto por quatro campos, que influenciam e/ou facilitam a pesquisa e se relacionam com cada contexto particular da produção de conhecimento, por vezes, limitando ou contrariando "as escolhas metodológicas do pesquisador".5:31 Os autores desse referencial, apoiados em Touraine, explicitam que os pesquisadores são influenciados pelos conflitos políticos e sociais de uma época, assim como suas pesquisas; contudo, é preciso ressalvar que essas não se reduzem à ideologia dos atores sociais envolvidos.5

Toda prática científica conta também com um espaço metodológico quadripolar, composto pelos polos epistemológico, teórico, morfológico e técnico, os quais se articulam com a finalidade de garantir sua cientificidade.5 Em relação aos campos societais,5 esses são: o da demanda social, o axiológico, o doxológico e o epistêmico. O campo da demanda social é aquele que trará as marcas da sociedade a que o pesquisador pertence; o campo axiológico diz respeito aos valores sociais e individuais que condicionam a pesquisa científica; o doxológico é o campo do saber não sistematizado, da linguagem e das evidências da prática cotidiana, de onde as problemáticas científicas específicas emergem; e o epistêmico, por sua vez, refere-se ao campo do conhecimento científico que chegou a um grau de objetividade reconhecido, revelado por teorias ou pela reflexão epistemológica.5

Quanto ao espaço quadripolar da pesquisa, o polo epistemológico é o que se preocupa, atravessando todo o processo, com a vigilância crítica; o polo teórico é o que atenta para a elaboração de hipóteses e a construção de conceitos; o técnico é o que revela o controle da coleta e análise das informações, transformando-as em dados pertinentes à problemática pesquisada; e o morfológico, aquele que enuncia as regras de estruturação.5

MÉTODO

O caráter científico de uma pesquisa é resultado de um processo contínuo de ruptura com as pré-noções do senso comum, com os conhecimentos vagos, míticos ou ideológicos. Além disso, adverte-se que a prática científica não é redutível a uma sequência de operações, de procedimentos necessários e imutáveis ou de protocolos codificados. Ao contrário, em decorrência da complexidade inerente aos problemas do campo das ciências sociais, há uma exigência de interpenetrações e de voltas constantes entre os polos que constituem uma pesquisa - ou seja, o epistemológico, o teórico, o morfológico e o técnico.5 Sob essa perspectiva realizou-se, na disciplina "A construção do campo de conhecimento da enfermagem", uma análise da produção de conhecimento em enfermagem a partir da tese "Aproximações culturais entre trabalhadoras de enfermagem e famílias, no contexto do nascimento hospitalar: uma etnografia de alojamento conjunto".6

A escolha da obra analisada se deu a partir da vontade metodológica autônoma em verificar o conhecimento produzido em uma tese, em decorrência da proximidade com o lugar efetivo de trabalho de uma das autoras, focalizado na perspectiva da cultura no campo da enfermagem. Além disso, partiu-se do pressuposto de que uma tese contaria com elementos que lhe conferem cientificidade, possibilitando a identificação daqueles constantes no referencial teórico adotado para a análise.

Os passos seguidos para a análise foram: 1) estudo da obra "Dinâmica da pesquisa em ciências sociais", de autoria de De Bruyne P, Herman J, Schouteete M.; 2) leitura da tese escolhida para conhecimento do seu conteúdo; 3) releituras da obra em análise, procurando identificar elementos que evidenciassem os campos do ambiente societal e os polos do espaço metodológico quadripolar. Nesse processo, foram necessárias novas imersões no referencial teórico-metodológico e outras na obra analisada, num movimento de ir e vir, de onde emergiu a práxis analítica; 4) como parte dessa práxis, realizou-se apresentação do material até então produzido em seminário da disciplina antes citada e re-construção do conhecimento a partir das discussões e reflexões coletivas com professores e colegas, tendo por base o referencial teórico.

Ao iniciar a exposição da análise da obra propriamente dita, ressalta-se que esta foi realizada destacando-se partes literais do estudo, as quais, por opção metodológica e para dar destaque, se encontram entre aspas no texto. Vale frisar que a elaboração desta análise foi autorizada pela autora da tese analisada, respeitando os aspectos éticos envolvidos na prática científica.

O DIREITO E O AVESSO DA OBRA: UM OLHAR À PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO

A análise reflexiva em questão será apresentada em tópicos, quais sejam: os campos societais e o espaço metodológico quadripolar da pesquisa.

Os campos societais da pesquisa: das circunstâncias aos fatores implicados na produção do conhecimento

Contextualizar o ambiente em que foi produzida a tese em análise é importante para o alcance do objetivo desta reflexão, pois, ao separá-la desse contexto, pode-se incorrer em uma atitude reducionista que coloque em ameaça a análise propriamente dita.7 Nessa lógica, a produção de um estudo que, já no seu título sinaliza ter como pano de fundo um referencial teórico-metodológico das ciências sociais, mais especificamente relativo à cultura, parece ir ao encontro das proposições do Programa de Pós-Graduação em que foi produzido - o Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e cuja área de concentração diz respeito à interlocução entre Enfermagem, Saúde e Sociedade.

Além disso, faz-se mister buscar informações sobre quem é a pesquisadora, a fim de uma aproximação, antes da análise da obra propriamente dita, dos possíveis motivos para o seu interesse pela temática do estudo, o que informará acerca dos campos societais em que o conhecimento foi gerado. Então, quem é Marisa Monticelli?

A partir de informações contidas na Plataforma Lattes,8 verifica-se que Monticelli graduou-se em enfermagem pela UFSC, ao final de 1970. Deu continuidade a seus estudos logo após a graduação, em inícios dos anos 1980, em Itajaí-SC, por meio de pós-graduação lato sensu em Saúde Pública e, ao final da década de 1990, cursou nova especialização, então na área da educação, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Essas especializações parecem sinalizar a compreensão da pesquisadora acerca das demandas e da natureza da enfermagem, as quais solicitam interlocuções com áreas para além das ciências biológicas e/ou da natureza, ou seja, aproximações com as ciências humanas e sociais.9 Ainda, nessa trajetória de formação profissional e acadêmica, a autora cursa mestrado e doutorado em enfermagem, respectivamente nas décadas de 1990 e 2000, ambos pela UFSC. Atualmente, é professora lotada no Departamento de Enfermagem e credenciada como docente do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem dessa Instituição, com experiência e produção teórica na área de Enfermagem, com ênfase em Enfermagem Materno-Infantil.

A obra, ora em análise, tem como tema "as relações que se estabelecem entre as trabalhadoras de enfermagem e as famílias que vivenciam o processo do nascimento - em instituições hospitalares e, mais especificamente, em Unidades de Alojamento Conjunto".6:13 Suas questões de pesquisa sintetizam-se em: "quais as relações que se estabelecem entre as trabalhadoras de enfermagem e as famílias que vivenciam o período pós-parto em Unidade de Alojamento Conjunto?; e quais as perspectivas ou referências que estas trabalhadoras adotam, ao interagirem com as famílias que vivenciam o pós-parto, durante a hospitalização?".6:37

A autora, ao delimitar o tema do estudo, o faz de modo que o leitor, já no primeiro parágrafo, tenha uma ideia acerca das opções teórico-metodológicas que o sustentam, indicando a tese do estudo. Assim, refere que as relações entre as trabalhadoras de enfermagem e as famílias estão "imersas no contexto cultural de cada ser humano que participa do processo do nascimento".6:13

Em seguida, a autora possibilita que o leitor adentre no campo doxológico da pesquisa, de onde surgem inquietações sobre problemáticas específicas que poderão se constituir em objeto científico. Reporta-se ao mundo de sua profissão, dizendo que "a prática da enfermagem, inserida na complexa área da reprodução humana, necessita ser revisitada".6:13 Por meio desse argumento, menciona que seu interesse em abordar o tema de pesquisa origina-se no exercício de seu fazer profissional, em que tem se envolvido com famílias e profissionais de saúde e, consequentemente, "com múltiplas e diferentes nuances de encontros - por vezes mágicos, por vezes perversos - na realidade das instituições de saúde".6:13

Monticelli, ainda na primeira página de seu estudo, permite vislumbrar que o conhecimento, que se pretende científico, tem uma inserção profunda no campo doxológico, na medida em que demonstra sensibilidade para vivenciar um "estranhamento" do que lhe é corriqueiro, daquilo que faz parte do seu cotidiano. No entanto, cabe destacar que as demandas que se deram, a princípio, nesse campo, são apresentadas pela autora com características do campo epistêmico, pois são problematizadas à luz do referencial teórico-filosófico a que se filia, pondo em evidência as interpenetrações dos diferentes polos que constituem a pesquisa. Monticelli diz: "estas divagações impulsionam-me a olhar o cotidiano já conhecido, com os olhos de estrangeira. Isto permite que me afaste da prática, ao mesmo tempo em que dela me aproximo, procurando novos desvelamentos e trazendo um novo olhar para sentidos antes não percebidos".6:13

Constata-se que a autora vai se utilizando, na definição do problema de pesquisa, de um quadro de referência, o qual se avizinha do polo teórico, que provê, a ela, inspirações oriundas de contribuições de outros pensadores. Nessa etapa, Monticelli argumenta que a literatura relacionada ao nascimento é rica em estudos de diferentes abordagens, mas que o enfoque antropológico tem-se mostrado pertinente para a captação de como se estruturam os códigos simbólicos que regulam as relações humanas durante o processo do nascimento. Aponta que as enfermeiras têm-se mostrado sensíveis à abordagem cultural e percebem que o cuidado não é neutro, homogêneo, universal, mas embasado nas relações estabelecidas entre os sujeitos envolvidos no cuidar, ou seja, algo que se constitui em uma ação que contém uma intencionalidade.6

Ainda, com a finalidade de sustentar suas escolhas quanto ao objeto e o referencial teórico-filosófico e metodológico, lança mão de outros autores, cujas obras são consideradas, no mundo científico contemporâneo, marcos importantes para o avanço do conhecimento antropológico em saúde e, mais particularmente, na "antropologia do parto" ou "antropologia do nascimento", representados por Arthur Kleinman, Mary-Jo Delvecchio Good, Byron J. Good, Brigitte Jordan, Sheila Kitzinger, Robbie E. Davis-Floyd, Carolyn Sargent, Madeleine Leininger, dentre outros.6 Com essa atitude a autora demonstra, novamente, reconhecer que os saberes de outras áreas são essenciais para o desenvolvimento da enfermagem e de seus membros, conforme defendido na literatura especializada.9

Constata-se, a partir desse movimento, na escolha da pesquisadora, considerando o objeto de estudo, por um quadro de referência compreensivo, o que é ratificado no momento em que apresenta seu propósito, sintetizado em: "compreender o universo cultural que permeia as relações entre as trabalhadoras de enfermagem e as famílias em Unidades de Alojamento Conjunto".6:37 Essa abordagem tem como finalidade "apreender e explicitar o sentido da atividade social e coletiva, enquanto realização de uma intenção".5:139

O diálogo que se dá no interior da obra analisada, a partir da definição da autora por um marco de referência, o qual é composto também pela sua própria produção científica, produz novos questionamentos, que pretende elucidar. Isso evidencia o caráter dialético da natureza do conhecimento em si e, em particular, do estudo analisado, visto o cunho evolutivo da ciência, entendido como algo que não é apenas cumulativo, mas oferece condições para novas produções qualitativamente superiores.5 A produção de novos questionamentos no processo da pesquisa é característica também dos métodos qualitativos, adequados ao objeto do estudo proposto por Monticelli, que se ancoram na noção de algo que é flexível, plástico, em elaboração, ou seja, não acabado.

Cabe salientar que a tarefa de fazer distinções entre o que podem ou não revelar os diferentes campos do ambiente societal da pesquisa é difícil, porque, pela sua natureza e a do estudo em análise, esses campos se imbricam, não havendo entre eles linearidade.

No entanto, o campo da demanda social, entendido como aquele que revelará as necessidades da sociedade particular a que pertence o pesquisador (no caso a enfermagem e a sociedade brasileira), se explicita, entre outros espaços argumentativos da tese, quando Monticelli, embora reconhecendo as contribuições dos estudos nacionais no campo da saúde reprodutiva, refere que esses, utilizando-se inclusive do enfoque antropológico, se concentram em torno da etapa do parto propriamente dito e pouco abordam o período de internação pós-natal. Da mesma forma, sinaliza que esses estudos quase não incluem as relações com a família e nem com os outros integrantes da equipe de enfermagem que coatuam nas instituições-maternidades.6

Portanto, nessa etapa da tese em análise, consegue-se perceber elementos do campo da demanda social, uma vez que a sua argumentação traz dados da enfermagem (campo social da pesquisadora), que justificam seu interesse pela temática. Nesse sentido, refere, também, que as trabalhadoras de enfermagem, de nível médio e elementar, são quase invisíveis na literatura, constituindo-se em um "tema marginal, sobre o qual pouco ou quase nada tem sido escrito".6:17 Então, formula indagações a respeito das experiências, contribuições e significados dessas profissionais relativos ao campo do nascimento, dentre outros aspectos, que servem de motivação para a elaboração do estudo.

Os elementos, já analisados, permitem ainda vislumbrar valores individuais e sociais da autora, os quais a orientam na definição do objeto de pesquisa, o que indica a presença do campo axiológico. Esse campo engloba os valores já mencionados, que condicionam a pesquisa, uma vez que a persecução do esforço científico é por eles sustentada. Assim, o pesquisador é guiado por valores culturais da sociedade a que ele pertence, o que o influenciará na escolha de seus objetos de estudo.5

Na medida em que a autora, a fim de qualificar e clarear o problema de pesquisa, articula sua trajetória profissional e sua percepção sobre as relações que se instauram no campo da assistência de enfermagem ao nascimento, destacando as profissionais de nível médio e elementar, com o quadro de referência, identifica-se que os campos do ambiente societal da pesquisa são inseparáveis, pois se interpenetram, em constantes movimentos circulares. Além disso, a análise da tese permite perceber que esses campos fazem parte de um processo intelectual do pesquisador, desde a aproximação a um dado fenômeno, em decorrência de suas inquietações, até a configuração de um campo epistêmico.

O espaço quadripolar da pesquisa: do entrelaçamento de seus polos à tessitura da rede que ancora a objetivação do fato científico

Em busca do espaço quadripolar na obra em análise, constata-se a presença do polo teórico desde sua introdução. A autora, apoiada na literatura da área da enfermagem e da antropologia da saúde, em específico a hermenêutica e a crítica, refere que, para o delineamento do problema de pesquisa, é necessário cercar-se de elementos teóricos e práticos para dominar o objeto (colocá-lo em suspensão), de forma a obter uma ideia mais abrangente de toda a sua magnitude. Para isso, na parte introdutória, discorre, apoiada em um quadro de referência, sobre a inserção das trabalhadoras na prática institucional, aspectos do alojamento conjunto, incluindo a participação da família nesse contexto.6 Para tal, utiliza-se de literatura de cotejamento e de ancoragem.

No segundo capítulo, traz, de forma explícita, a "Sustentação Teórica", em que, dentre quatro subitens, aborda aspectos relativos aos conceitos antropológicos da saúde e da enfermagem pertinentes à elucidação do objeto de estudo. Apoia-se, de forma crítica, no modelo explanatório de Kleinman, para quem há diferentes dimensões da doença, expressas por termos da língua inglesa que são sinônimos, mas, para os quais, houve a proposição de uma distinção semântica. Os termos são: disease (processo doença), illness (doença experiência) e sickness (doença social).10

Assim, disease refere-se a anormalidades na estrutura e função dos órgãos e sistemas; é o que ocorre quando a fisiologia se afasta do 'normal' ou quando as pessoas se tornam hospedeiras de organismos que limitam suas capacidades ou sua expectativa de vida. A illness diz respeito a vivências que implicam em mudanças nos estados de ser do sujeito e na sua função social; aplica-se às dimensões mais subjetivas ou psicológicas da falta de saúde. A sickness alude à dimensão social da doença, ou seja, reporta-se à incapacidade do cumprimento das obrigações da vida em grupo, em decorrência de o indivíduo ser definido, pelos demais, como alguém não saudável.10-11

Com base no referencial teórico-filosófico da antropologia da saúde, Monticelli pressupõe que: a) "nascimento não é doença (disease), conforme vem sendo considerado e abordado pelo conhecimento profissional hegemônico"; e, ainda, que: b) embora "as pessoas e famílias estejam passando pelo mesmo evento do nascimento ou pelas mesmas anormalidades orgânicas e funcionais que possam estar envolvidas no processo de nascer, as experiências ocorrem de forma totalmente diversa (illness)".6:53 Então, a autora afirma que, com base nesses pressupostos, utiliza esses conceitos para refletir sobre o puerpério vivenciado pelas famílias dentro da instituição hospitalar e as relações com o setor profissional.

Ainda, na etapa da "Sustentação Teórica" (polo teórico), discorre sobre a realidade clínica e, nela, se utiliza de autores, cujo pensamento está ancorado na abordagem crítica da antropologia da saúde, os quais discutem as questões de poder na relação profissional de saúde e paciente e, em especial, no interior dos hospitais (e, remetido ao objeto do estudo, no cenário das maternidades).

Trata, nesse capítulo, também, da narrativa na prática clínica, entendida, a partir de teóricos da antropologia hermenêutica, como uma possibilidade de interpretar um determinado contexto social, na perspectiva de compreender os conteúdos e os sentidos sociais da experiência. Aí, Monticelli traz definições e menciona as potenciais funções da narrativa clínica, reafirmando sua opção pelo referencial de Kleinman, quando diz que "os modelos explanatórios de Kleinman (1980) podem servir de base à construção e interpretação das narrativas, em qualquer contexto de saúde-doença".6:58 Essa assertiva é corroborada por outros estudiosos do campo da saúde.12-13

Por fim, para sustentar teoricamente seu estudo,6 disserta sobre o "conhecimento autoritativo acerca do nascimento", quando menciona que, apesar da existência de vários sistemas de conhecimento, alguns, por diferentes razões, têm mais peso do que outros (consenso, eficácia, superioridade estrutural/poder). Uma das consequências dessa legitimação de determinado conhecimento (autoritativo) é a desvalorização e até o desprezo relativo a outros tipos de saberes. A construção do conhecimento autoritativo evidencia as relações de poder dentro da comunidade em que esse é produzido. Com base nesse tipo de saber, as pessoas tomam decisões e justificam suas ações. Isso não significa que o conhecimento em si se encontre em posição de autoridade, mas que está fundamentado em noções de interacionalidade e de empoderamento.6

Os aspectos tecidos no interior do polo teórico se constituem na rede sobre a qual Monticelli irá ancorar o conteúdo das narrativas, que obterá quando adentrar no polo técnico da pesquisa.

O polo morfológico se constitui na instância que exprime as regras de estruturação e formação do objeto científico, dando-lhe uma determinada forma, uma ordenação entre seus elementos. A esse polo compete a "função metodológica de fornecer uma configuração, uma arquitetônica" à pesquisa. Apresenta três características, que são, por si, indissociáveis, quais sejam: a exposição, a causação e a objetivação.5:162

Por exposição, entende-se a maneira com que o pesquisador vai delineando os passos e articulando as partes constituintes do estudo, de forma que haja uma coerência interna entre elas.5 Pode ser visualizada, de forma analógica, como um retrato da totalidade do objeto estudado, visto como um sistema e não apenas como um processo.

A causação (causalidade), por sua vez, é uma ação que possibilita que algo (acontecimento, efeito, situação, fato) aconteça sob condições teóricas determinadas.5 Permite que o pesquisador explique ou compreenda o problema que se propõe a analisar, norteado por uma determinada lente, ou seja, por meio da teoria a que recorre para examinar seu objeto de estudo (acontecimentos, práticas, significados da prática), que, no caso analisado, se refere à antropologia da saúde.

A causalidade pode ser explicativa ou compreensiva. A causalidade explicativa remete a fatores externos, tem uma sequência temporal que a orienta para estabelecer a explicação. A causalidade compreensiva considera fatores internos ao problema, compreendidos na totalidade pelo sujeito. Entretanto, há de se considerar que essa distinção tem caráter didático, pois são complementares.5 A noção de complementaridade é contemplada por Monticelli, ao definir-se pelas abordagens hermenêutica e crítica da antropologia da saúde. Na primeira, são privilegiadas as explicações acerca dos eventos a partir do entendimento do nascimento como "experiência" e sua compreensão no campo simbólico; e, na segunda, são trazidas à discussão as questões de poder e seus desdobramentos, que dizem respeito, em boa parte das vezes, aos elementos da macroestrutura a que estão submetidos os fenômenos sociais.6

A objetivação constitui-se na terceira característica do polo morfológico. Tem relação com aspectos da interobjetividade, em que a crítica intersubjetiva dos pesquisadores tem a finalidade de desempenhar um papel regulador da pesquisa. Esse aspecto do polo morfológico objetiva garantir o rigor do processo de investigação, ou seja, sua cientificidade.5

No estudo em análise, a cada vez que Monticelli se define por um determinado autor para guiar-lhe, a exemplo de sua definição pelo modelo explanatório de Kleinman, ela tem o cuidado de apresentar argumentos em prol de sua escolha, mas não deixa de trazer as críticas que são feitas àquele escolhido, o que evidencia sua atenção para esse papel regulador.5 A autora não faz uma escolha ingênua e demonstra ciência acerca das potencialidades e das limitações de qualquer modelo teórico.

Além disso, na busca do rigor científico da produção do conhecimento em enfermagem14-15 e, após a coleta das narrativas e das observações realizadas em campo, Monticelli, por meio da devolução aos atores envolvidos no processo de pesquisa, os valida, o que denota preocupação com questões da "interobjetividade". Nessa perspectiva, o subjetivo torna-se objetivo, quando toma tons de ciência.

O polo técnico envolve procedimentos de coleta das informações e transformação destas em dados pertinentes à problemática da pesquisa. "Tem a função de circunscrever os 'fatos' em sistemas significantes, por protocolos de evidenciação experimental desses dados empíricos".5:201

Nesse polo, a "informação" se tornará "dado" pela aplicação das técnicas de coleta e sua análise e interpretação, emergindo, daí, fatos científicos. A escolha dessas técnicas estará na dependência das problemáticas da pesquisa ou, ainda, das hipóteses de trabalho que orientam a elaboração e a verificação teórica. Desse modo, as informações poderão tornar-se dados e fatos científicos distintos, a depender dos campos técnico (técnicas de coleta e de análise) e teórico (teorias) definidos pelo pesquisador.5

No caso estudado, as técnicas de coleta foram as do método etnográfico, especificamente a observação participante, utilizada como guia habilitador principal, e a entrevista etnográfica, como guia complementar no levantamento dos dados.

É importante ressaltar que o termo "dado" poderia, na concepção do referencial adotado para esta reflexão, ser substituído por "apreendido", pois se trata de uma apreensão do real que a investigação, em seu polo técnico, quer assegurar. Essa apreensão não permite ao pesquisador basear-se nessa realidade, mas, sim, nela produzir efeitos específicos testáveis e controláveis.5

No estudo em análise, a autora discorre, em pormenor, os passos seguidos para buscar as informações que, a posteriori, serão o "apreendido" do estudo, o que se configura no polo técnico. Descreve sua entrada no campo de pesquisa, em que dele se aproxima para conhecê-lo, familiarizar-se (sem deixar de ter atitude de estranhamento ao observado) e tornar-se familiar ao cenário - etapa esta que denomina de "preliminares da entrada no campo".6:86

Em seguida, se dá a entrada no campo, em que ocorre a aproximação da pesquisadora com as trabalhadoras de enfermagem para explanar sobre o projeto de pesquisa, torná-lo conhecido entre elas, buscar seu aval para a aplicação das técnicas etnográficas de coleta de dados ˗ observação das suas interações com as famílias que experienciam o período puerperal intra-hospitalar e entrevista com essas trabalhadoras. Aí menciona que a aproximação com as famílias ocorre de forma concomitante ao processo de observação.

Ainda, em relação ao polo técnico, constata-se que a pesquisadora dá importância à sua permanência no campo de estudo, em que é assimilada pelo cenário, mas, ao mesmo tempo, se mantém como uma estrangeira. "Com o decorrer do tempo, fui sendo 'assimilada' como alguém que 'está ali', mas 'não está'. [...] Se no início da coleta de dados eu 'procurava' pelas oportunidades de observação, ao final de quatro ou cinco meses eu já era convidada pelas trabalhadoras para participar das situações de cuidado e interação entre elas e as famílias que ali estavam, ou de alguma outra atividade que eu nem mesmo havia planejado anteriormente". 6:92

A autora discorre, também, acerca da importância da saída gradual do pesquisador do campo e de seu compromisso ético com os atores envolvidos no processo da investigação. Percebe-se aqui sua preocupação com a vigilância epistêmica (polo epistemológico), bem como um retorno aos campos axiológico e da demanda social, ao revelar, respectivamente, alguns de seus valores pessoais para com o campo da pesquisa e mostrar as potencialidades dos resultados do estudo para a transformação do cenário estudado. "Minha saída do campo aconteceu de forma bastante gradual, pois procurei manter contato com as pessoas mesmo durante a intensa fase de elaboração escrita da etnografia. Durante este período, voltei à instituição diversas vezes, seja para aprofundar dados, dissipar dúvidas, polir o olhar analítico, assegurar a compreensão dos temas, reolhar padrões recorrentes, reconfirmar significados e interpretações, realinhar perspectivas de interpretação, garantir a confirmabilidade dos dados e proceder à validação dos achados. Em comum acordo com as trabalhadoras de enfermagem, optei por agendar encontros posteriores à defesa da tese, para compartilhar os achados da pesquisa, 'devolver' os resultados, e então propor encaminhamentos que derivem novos acordos e novas propostas de encontros".6:94-5

Do mesmo modo, o polo epistemológico se evidencia quando a pesquisadora mostra preocupação com o rigor da pesquisa, salientando que seguirá critérios estabelecidos por alguns autores, que são: credibilidade, confirmabilidade, significado em contexto, padrões recorrentes, saturação e transferibilidade.6

Nos capítulos em que a autora aborda as informações obtidas no cenário de estudo, transformando-as em "apreendidos", o faz ancorada nas teorias que lhe dão sustentação e os confronta com a literatura de cotejamento. Nesse momento, há o entrelaçamento dos polos técnico, teórico, morfológico e epistemológico.

À luz do referencial teórico utilizado nesta análise, em relação à natureza das informações do campo das ciências sociais, é importante destacar que essas são acontecimentos, fenômenos que, frequentemente, já são significantes antes de qualquer pesquisa científica. "Essa significação das 'coisas sociais' lhes advém da prática simbólica dos próprios atores sociais, prática sedimentada, codificada em conjuntos lexicais". Nessa perspectiva, o campo doxológico, ou seja, "da experiência e do saber pré-reflexivo é o dado primeiro da investigação, a ser transformado e a ser reduzido".5:202 Porém, para que a investigação se tome de caráter científico, o pesquisador terá que objetivar esse discurso para transformá-lo em ciência, não repetindo, pura e simplesmente, discursos míticos e ideológicos.5

Cabe lembrar que "a informação conserva a significação das práticas sociais efetivas, o dado deve neutralizar essa significação primeira e transformá-la em significação pertinente para a pesquisa científica".5:203 Assim, quando o pesquisador está frente ao "dado", àquilo que foi "apreendido" no campo doxológico, deve abandonar tal campo e introduzir-se nos campos teórico e epistemológico.

No processo de objetivação da informação, com a finalidade de transformá-la em dado e em fato, há três modos de fazê-lo: por meio do conhecimento fenomenológico (quando o pesquisador "pensa" sobre sua própria situação de pesquisador diante dos dados recolhidos, aderindo aos dados de forma mais íntima); do objetivista (quando o pesquisador "pensa" sobre sua situação de pesquisador, distinguindo-se radicalmente dos dados recolhidos); e do praxiológico (quando "pensa" sobre sua própria abordagem como parte integrante das observações para melhor controlar seu aparecimento).5 Nesse sentido, na obra analisada, a autora, ao decidir pela abordagem qualitativa em seu estudo, o faz numa atitude fenomenológica, pois essa, dentre suas características, é aquela em que "a pesquisadora permanece sensível aos efeitos de sua presença junto às pessoas do estudo, procurando minimizá-los, sem, contudo, ter a pretensão de eliminá-los".6:69

Ao finalizar a análise da obra de Monticelli, identifica-se que o polo epistemológico a perpassa, uma vez que representa um processo de reflexão, de vigilância crítica sobre as teorias e os procedimentos utilizados na investigação, bem como os seus resultados. Prima pelo rigor na busca da garantia da objetivação do fato científico.5

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na contemporaneidade, a pesquisa como processo social de produção de conhecimento representa um espaço profícuo na enfermagem brasileira, que tem contribuído para a formação, fortalecimento e atualização desse campo, conferindo avaliação crítica e reflexiva à prática profissional, além de maior visibilidade e reconhecimento social da profissão.

A leitura analítica dessa tese, sob a perspectiva dos campos societais e do espaço metodológico quadripolar da pesquisa, embora tenha exigido a dissociação de seus componentes, possibilitou o reconhecimento de que esses se encontram intimamente imbricados, havendo entre eles complementaridade.

O exercício teórico-prático de análise de uma obra que se quer científica, à luz de determinada lente, tal como proposto nesta reflexão, mostra-se com potencial para auxiliar na instrumentalização de pesquisadores para a produção de conhecimento, contribuindo também para a ampliação do saber/fazer profissional. Nesse sentido, a aplicação do presente exercício de reflexão volta-se para a prática acadêmica de crítica sobre a construção de conhecimento cientificamente sustentado, e não para a prática assistencial propriamente dita. Assim, o exercício, aqui desenvolvido, pode reverter na aquisição de maior "criticidade" no desenvolvimento e na análise de pesquisas, por parte dos futuros pesquisadores de enfermagem.

Além disso, a contribuição está relacionada à apresentação de uma experiência da demonstração de uma prática científica que construiu uma matriz particular de apreensão e interpretação de um fenômeno situado no campo da enfermagem.5

Nessa lógica, as bases explicativas e o quadro de referência de De Bruyne para a análise crítica da produção do conhecimento no campo epistêmico, quando aplicado per se na análise de pesquisas já realizadas, ainda que não sirva de base para generalizações, se configura como potente dispositivo para o desenvolvimento do pensamento científico e da construção de postura intelectual ancorados na dimensão práxica do saber/fazer acadêmico. Pode contribuir para a formação de novos pesquisadores para a enfermagem e do alcance epistemológico dos resultados de suas investigações e reflexões.

Desde essa perspectiva, e por considerar que não há verdades universais, absolutas e permanentes, entende-se que o presente exercício reflexivo não se esgota aqui, na medida em que se reconhece a intencionalidade de se articular outras lentes para análise de estudos científicos. Essas podem possibilitar o desvelar de circunstâncias e de fatores implicados na produção do conhecimento, inclusive de enfermagem, além de instigar novas inquietações, numa dialética constante de produção de sujeitos "aprendentes", que estão sempre em "inauguração".

REFERÊNCIAS

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9. Benjumea CC. La investigación cualitativa y el desarrollo del conocimiento en enfermería. Texto Contexto Enferm, 2010 Out-Dez; 19(4):762-6.

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12. Grossman E, Cardoso MHCA. As narrativas em medicina: contribuições à prática clínica e ao ensino da medicina. Rev Bras Educ Med. 2006 Jan-Abr; 30(1):6-14.

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14. Carvalho V. Sobre conhecimento geral e específico para uma epistemologia da enfermagem. Esc Anna Nery. 2007 Jun; 11(2):337-42.

15. Carvalho V. Sobre a objetividade na relação sujeito/objeto e a esfera instrumental/organizacional. Esc Anna Nery. 2008 Jun; 12(2):334-40.

Recebido: 16 de Agosto 2012

Aprovado: 23 de Agosto 2013

  • 1
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  • 15. Carvalho V. Sobre a objetividade na relação sujeito/objeto e a esfera instrumental/organizacional. Esc Anna Nery. 2008 Jun; 12(2):334-40.
  • Endereço para correspondência:
    Isabel Cristina Pacheco van der Sand
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    98700-000 - Centro, Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Fev 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      Ago 2012
    • Aceito
      Ago 2013
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