Acessibilidade / Reportar erro

Políticas voltadas às DSTs/AIDS e sua integração político-assistencial no contexto do SUS: um estudo sobre o município de Florianópolis-SC

Resumos

Estudo qualitativo com perspectiva sociohistórica, que objetivou analisar como o processo de descentralização das ações em DST/aids se deu no município de Florianópolis-SC, e suas repercussões no nível assistencial e administrativo. Para coleta de dados foram utilizadas fontes documentais e orais. Foram entrevistados 11 profissionais de saúde que exerceram atividades de assistência e/ou gestão vinculadas às DSTs/aids, no período do estudo (2006-2010). Os resultados foram analisados segundo análise de conteúdo, chegando a duas categorias: A descentralização administrativa do Programa Municipal DST/aids; A descentralização da assistência em DST/aids. A reestruturação do Programa DST/aids fez parte do processo de reordenação do sistema de saúde do município e incorporação do conceito ampliado de Vigilância em Saúde. A descentralização das ações foi percebida como condição necessária para a integração das políticas em DST/aids à macropolítica do SUS, porém requer um monitoramento contínuo sobre os direcionamentos da epidemia a partir da nova conformação desta política assistencial.

Descentralização; Sistema Único de Saúde; Política de saúde


This qualitative study, with a socio-historical perspective, aimed to examine how the process of decentralization of STD/AIDS actions took place in Florianópolis, SC, Brazil, and its effects on the level of care and administration. The data collection was based on documentary and oral sources. A total of 11 health professionals were interviewed, who performed care and/or management activities linked to STD/AIDS, during the study period (2006-2010). The results were analyzed using content analysis, resulting in two categories: The administrative decentralization of the Municipal STD/AIDS Program; The decentralization of STD/AIDS care. The restructuring of the STD/AIDS Program was part of the reorganization process of the municipal health system and the progressive incorporation of the concept of Health Surveillance. Decentralization of the actions was perceived as a condition necessary for the integration of STD/AIDS policies into the macropolitics of the SUS, however, continuous monitoring of the directions of the epidemic from the new conformation of this care policy is required.

Decentralization; Unified Health System; Health policy


Estudio cualitativo de perspectiva socio-histórica, con el fin de examinar cómo el proceso de descentralización de las ETS/SIDA tuvo lugar en Florianópolis-SC, Brazil, y sus efectos sobre la salud y administrativos. Para recopilar los datos basados en fuentes documentales y orales. Entrevistamos a 11 profesionales de la salud que ejercen actividades de asistencia y/o gestión vinculada ETS/SIDA durante el período de estudio (2006-2010). Los resultados se analizaron mediante análisis de contenido, llegando a dos categorías: Programa de descentralización administrativa municipal de ETS/SIDA, la descentralización de asistencia de ETS/SIDA. La reestructuración del Programa Nacional de ETS/SIDA fue parte del proceso de reorganización del sistema de salud municipal y la incorporación progresiva del concepto de Vigilancia de la Descentralización de la Salud de las acciones que se percibía como una condición necesaria para la integración de las políticas de ETS/SIDA en la macropolítica SUS, pero requiere un control continuo sobre las indicaciones de la epidemia de la nueva conformación de la política de asistencia.

Descentralización; Sistema Único de Salud; Política de salud


INTRODUÇÃO

As políticas de saúde pública voltadas à aids, no Brasil, tem passado por transformações ao longo dos anos, influenciadas tanto pela evolução do Sistema Único de Saúde (SUS), quanto pela própria evolução da doença. Em relação ao sistema de saúde, a institucionalização das ações voltadas à aids ocorreu de forma coevolutiva com o campo de emergência do SUS, tendo como aspecto diferencial os recursos do Banco Mundial, permitindo o avanço na implementação de ações de prevenção, diagnóstico e tratamento. Neste contexto, uma das preocupações da atualidade é a aproximação desta política setorial à macropolítica do SUS, no sentido de integrar estas políticas e integralizar à atenção a saúde.1Couto MH. Brasil: a estratégia brasileira de enfrentamento à epidemia de HIV/AIDS e sua integração com o Sistema Único de Saúde [online]. 2009. [acesso 2011 Out]; 02 Disponível em: portalses.saude.sc.gov.br/index.php?option=com_docman&task
portalses.saude.sc.gov.br/index.php?opti...
- 2Campos CEA. O desafio da integralidade segundo as perspectivas da vigilância da saúde e da saúde da família. Ciênc Saúde Coletiva. 2003 Abr; 8(2):569-84.

Em relação à doença em si, nestes mais de trinta anos de epidemia, a ciência em muito avançou em relação à prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, fazendo com que a aids, de doença antes letal, seja considerada atualmente uma doença de caráter evolutivo, crônico e potencialmente controlável.3Nemes MIB, Souza MFM, Kalichman AO, Granjeiro A, Souza RA, Lopes JF. Prevalência da aderência e fatores associados. In: Noleto D (editor). Aderência ao tratamento por anti-retrovirais em serviços públicos no Estado de São Paulo. Brasília (DF): Ministério da Saúde/Secretaria de Políticas de Saúde/Coordenação Nacional de DST e Aids; 2000. Estes novos direcionamentos da epidemia e das políticas de saúde têm repercutido diretamente sobre a assistência, buscando-se a perspectiva da descentralização das ações voltadas à aids aos demais serviços de saúde do SUS, inclusive no atendimento aos portadores assintomáticos do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) na Atenção Primária de Saúde, tendo em vista a consolidação dos princípios de universalidade, integralidade e descentralização, preconizados pela política do SUS.4Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil: artigo 196. Senado Federal, 05 Out 1988 [acesso 2009 set 14]. Disponível em: http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_196_.shtm
http://www.senado.gov.br/legislacao/cons...

A descentralização das ações no campo da aids foi uma preocupação manifestada pelo Programa Nacional DST/aids já na década de 1990, como forma de manter a sustentabilidade das ações e controle da epidemia. No entanto, pode-se dizer que a política voltada à aids tem evoluído, segregada das outras áreas da saúde. Tal situação se expressa na fragmentação da organização das ações e serviços de saúde, representando um desafio para a sedimentação dos princípios norteadores do SUS. Este desafio, crucial para a saúde no país, precisa ser enfrentado por gestores, profissionais de saúde, bem como pelos usuários dos serviços de saúde e a comunidade em geral.5Cherchiglia ML, Acurcio FA, Melo APS. O desafio de construir a integralidade das ações de saúde mental e IST/AIDS no Sistema Único de Saúde. In: Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância à Saúde. Programa Nacional de DST e aids. Prevenção e atenção às IST/aids na saúde mental no Brasil: análises, desafios e perspectivas Projeto PESSOAS. Brasília (DF): ASCOM, 2008. p.19-29.

Embora os serviços especializados em DST/HIV/aids, no Brasil, sejam norteados por diretrizes nacionais, na prática estes serviços possuem arranjos organizacionais dos mais diversos, buscando atender as diferentes necessidades de cada realidade.6Borges MJK, Sampaio AS, Gurgel IGD. Trabalho em equipe e interdisciplinaridade: desafios para a efetivação da integralidade na assistência ambulatorial às pessoas vivendo com HIV/aids em Pernambuco. Ciênc Saúde Coletiva. 2012 Jan; 17(1):147-56. Neste estudo, apresentamos o caso do município de Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, situado na região Sul do Brasil, que notificou o primeiro caso de aids em 1986, passando a estruturar oficialmente o seu Programa Municipal em DST/aids a partir de 1993. Este Programa configurou-se inicialmente em uma unidade administrativa sediada na Secretaria Municipal de Saúde e em unidades assistenciais localizadas na rede de atenção municipal, como o Ambulatório Municipal DST/aids e o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA). A partir da progressiva consolidação do Sistema Único de Saúde buscou-se implementar uma nova abordagem assistencial no município, baseada no conceito de Vigilância em Saúde, buscando-se reunir todas a ações de vigilância, prevenção e controle de doenças em uma mesma estrutura, visando a ampliação do objeto da vigilância.7Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Vigilância em Saúde - Parte 1 / Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Brasília (DF): CONASS; 2011.

A partir da reorganização dos serviços no serviço municipal de saúde de Florianópolis, o Programa DST/aids municipal foi integrado a Área Técnica de Agravos Crônicos da Vigilância Epidemiológica do município e a assistência aos pacientes portadores de HIV/aids referenciada aos serviços de atendimento especializados nas policlínicas de referência da cidade. As mudanças geradas por esta nova perspectiva político-assistencial provocaram diferentes reações entre os profissionais de saúde, envolvidos tanto no processo de formulação dessa política, quanto no âmbito das práticas profissionais.

Considerando que mudanças organizacionais podem gerar resistências e conflitos, bem como levantar questionamentos, este estudo norteou-se formulando as seguintes perguntas de pesquisa: como se deu o processo de descentralização das ações em DST/aids no município de Florianópolis? Que repercussões na assistência e na organização dos serviços foram ocasionadas com esse processo?

Deste modo, este estudo teve por objetivo analisar como o processo de descentralização das ações em DST/aids ocorreu no município de Florianópolis, bem como suas repercussões nos níveis assistencial e administrativo.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo qualitativo de natureza sociohistórica, que utilizou as bases filosóficas da nova história.88. Le Goff, J. A história nova. São Paulo (SP): Martins Fontes; 2005. A nova história vem representar uma história problemática, explicativa, que busca não apenas narrar os acontecimentos, mas analisar as estruturas.9Padilha MICS, Borenstein MS. O método de pesquisa histórica na enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2005 Out-Dez; 14(4):575-84. A perspectiva histórica tem valorizado a análise qualitativa e a importância das experiências individuais, abrindo espaço para o estudo do presente, do político, da cultura, sendo aplicável a diversos temas de interesse social, reincorporando o papel do indivíduo nos processos estudados, tendo em vista sua abertura para o uso das fontes orais.1010 Ferreira MM. História, tempo presente e história oral. Topoi. 2002 Dez; 3(2):314-32.

Para coleta de dados utilizamos fontes documentais primárias, secundárias e orais. Foram fontes documentais primárias as leis, portarias, resoluções, Planos de Ações e Metas (PAM) do Estado e Município, atas, projetos, relatórios que pudessem contribuir para elucidação do momento estudado. As fontes secundárias foram teses, dissertações, cartilhas, livros, anais de eventos, matérias da mídia escrita, especialmente aqueles que referenciavam a epidemia da aids e políticas públicas no município de Florianópolis.

A nova história permite a utilização de variadas fontes para a compreensão do objeto estudado, sendo uma importante fonte o depoimento oral. Neste sentido, foram entrevistados 11 sujeitos, dentre eles quatro enfermeiras, três médicos, duas psicólogas e duas assistentes sociais que exerceram atividades de assistência e/ou coordenação no Programa DST/aids do município e viveram estes processos de transformação do Programa DST/aids. As entrevistas foram realizadas segundo a técnica da História Oral Temática.1111 Alberti V. Manual de história oral. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): FGV; 2005. No decorrer do texto, os depoimentos das enfermeiras estão identificados como E1, E2, E3, E4, dos médicos como M1, M2 e M3, das psicólogas como P1 e P2, e das assistentes sociais como AS1 e AS2. Para análise dos dados utilizou-se a técnica de análise de conteúdo.1212 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa (PT): Edições 70; 2004.

O momento histórico estudado se inicia no ano de 2006, quando foi instituído no município o código de Vigilância em Saúde, organizando as cinco vigilâncias (Vigilância Sanitária, Epidemiológica, Nutricional, Ambiental em Saúde e Saúde do Trabalhador), e dentro da Vigilância Epidemiológica ocorre uma reorganização administrativa, em que o Programa Municipal DST/aids é incorporado ao Setor de Agravos Crônicos Não Transmissíveis, sendo destituída sua coordenação oficial. Este ano é marcado também pela desativação do Ambulatório DST/aids, repercutindo-se em novos direcionamentos para a assistência em DST/aids no município. O recorte final é 2010, devido a intensificação do debate acerca do acompanhamento ao paciente HIV positivo assintomático na rede de atenção primária.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, sob o número 592-315996, em 22 de Fevereiro de 2010. Foram observados todos os princípios éticos de pesquisa, em todas as fases do estudo, conforme resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde.1313 Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 196, de 10 de outubro de 1996. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. [Acesso 2009 fev 18]. Disponível em: http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/legislacao/arquivo/Resolucao_196_de_10_10_1996.pdf
http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/legi...
Os resultados são produto do tratamento das entrevistas, onde foram classificadas as unidades de análise previamente selecionadas (palavras-chave), com agrupamento das semelhanças, constituição de subcategorias e seu reagrupamento para formação das categorias. A análise dos relatos orais foi sustentada também por informações obtidas nos documentos primários e secundários, tendo como referencial de análise a Política Nacional de Saúde, especialmente dos conceitos de universalidade, integralidade e descentralização, conhecidos como princípios doutrinários e organizacionais do SUS.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados estão organizados em duas categorias: A descentralização administrativa do Programa DST/aids no município de Florianópolis; e A descentralização da assistência em DST/aids no município de Florianópolis.

A descentralização administrativa do Programa DST/aids no município de Florianópolis

Em relação ao Programa Municipal DST/aids do município de Florianópolis, a equipe administrativa foi estruturada na SMSF ainda em 1993, sendo composta por um coordenador (cargo que na trajetória do programa foi ocupado sequencialmente por quatro enfermeiras e após por uma médica) e outros profissionais técnicos de nível superior (enfermeiros, psicólogos), técnico administrativo, técnico de enfermagem e estagiários. Estes profissionais desenvolviam diversas atividades, como campanhas de prevenção entre a população geral e grupos específicos, treinamentos na rede assistencial do município, atividades de vigilância epidemiológica, planejamento das ações do PAM, coordenação técnica no Centro de Testagem e Aconselhamento e Ambulatório DST/aids, além de outras articulações com a rede municipal e estadual de saúde e organizações não governamentais atuantes no município.1414 Maliska ICA. A implantação das políticas públicas de saúde em aids no município de Florianópolis-SC: um estudo do período de 1986 a 2010 [tese]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2012.

Antes da adesão oficial ao Pacto pela Saúde, ocorrido em 2007, alguns processos foram desencadeados no sistema municipal de saúde em 2006, a partir de uma nova gestão na SMSF, como a extinção do Departamento de Saúde Pública, a reorganização ascendente da Atenção à Saúde de acordo com a Estratégia de Saúde da Família, a reestruturação da Vigilância em Saúde, entre outros. Como resultado destes processos, o Plano Municipal de Saúde (2007-2010) apresentou algumas modificações na estrutura administrativa, como a consolidação das Regionais de Saúde no Organograma Oficial da SMSF, e a criação de uma Gerência de Vigilância Epidemiológica, que passou a coordenar todas as áreas técnicas envolvidas, dentre elas a Área de Agravos Crônicos Transmissíveis, na qual ficou vinculada a aids.1212 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa (PT): Edições 70; 2004. Nesta época, a coordenação do Programa Municipal DST/aids foi perdendo sua força, até sua incorporação ao novo arranjo administrativo:

[...] quando entrou o novo secretário, ele colocou uma chefia no departamento de saúde publica e uma chefia na vigilância em saúde. Eram dois médicos que achavam que o programa de aids estava empoderado e que tinha que diminuir o poder do programa de aids. Entre essa diminuição do poder, eles colocaram no organograma sem a coordenação de DST/aids (E6).

Uma das interpretações sobre a dissolução da coordenação do programa situava-se na questão da sua autonomia e visibilidade quando comparada aos demais programas municipais, relacionada especialmente aos recursos financeiros recebidos regularmente através do PAM. Apesar de estas questões fazerem parte do senso comum no ambiente da SMSF, a questão não se limitava apenas a estes aspectos, mas a necessidade de reordenar o sistema de trabalho dentro da própria instituição, o que envolvia todos os setores, visando acompanhar o recente movimento de constituição e consolidação da Vigilância em Saúde no Brasil, incorporando as ações de vigilância, prevenção e controle de doenças, promoção da saúde, vigilância epidemiológica, agravos transmissíveis e não transmissíveis, vigilância em saúde ambiental, informações epidemiológicas e análise de situação de saúde.1515 Prefeitura Municipal da Florianópolis. Secretaria Municipal de Saúde. Plano Municipal de Saúde 2007-2010 [documento institucional] Florianópolis (SC); 2007.

Frente a esta reorganização da SMSF, o Programa Municipal DST/aids integrou-se a Vigilância Epidemiológica do município, agregando-se a Área Técnica de Agravos Crônicos Transmissíveis:

[...] então desde 2006 era um programa, e daí saiu a coordenação. A gente ficou fazendo parte da vigilância como um todo, e em 2007 assumiu a nova coordenadora da vigilância, que transformou em setor de crônicos, e a aids ficou dentro do setor de crônicas. Então as pessoas que trabalhavam no setor de crônicas e com a aids antes, ficaram também responsáveis pela hanseníase, pela tuberculose, pela leishmaniose e aids, DST's (P1).

[...] então essa foi uma coisa que acabou tendo um ganho grande com a integração entre os programas, porque o foco passou a ser a população que estava em risco e não o programa (M6).

O destaque conferido à aids, seja pela história da doença, financiamento próprio, autonomia e visibilidade, passou a se diluir a partir do momento que houve a integração ao Setor de Agravos Crônicos Transmissíveis, pois o campo de visão estava restrito apenas a este agravo, e começa-se a perceber concretamente que o mesmo individuo vulnerável à aids também é vulnerável a outros agravos ou já apresenta outras comorbidades, a exemplo das hepatites. Esta foi uma tendência que se concretizou inclusive no próprio Programa Nacional DST/aids, que agregou o Programa Nacional das hepatites virais em 2009, e a Gerência Estadual DST/aids de Santa Catarina, que acrescentou as Hepatites Virais em 2010. No entanto, um dos desdobramentos da reorganização dos programas, foi a falta de recursos humanos para corresponder a esta nova demanda:

eu acho que a gente teve um ganho grande com relação à compreensão do que é a vigilância epidemiológica e do papel da vigilância epidemiológica, inclusive em relação à aids, ao HIV. Tuberculose, hanseníase, leishmaniose, hepatite. Em compensação, eu acho que a gente perdeu autonomia e capacidade de trabalho. Eu acho que não foi necessariamente por causa dessa mudança, mas foi porque essa mudança não foi acompanhada por uma reestruturação real da vigilância, no sentido de trazer mais profissionais, de dimensionar a equipe em relação a quantidade de trabalho (P2).

a equipe diminuiu consideravelmente. Por conta disso, algumas ações deixaram de ser feitas, e isso era o carro-chefe do Programa. Ao mesmo tempo, acho que isso nos fez pensar na possibilidade de retransformar isso, inserindo nas Unidades Básicas o trabalho na prevenção, que elas têm muito mais condições de estar atingindo a sua comunidade do que a gente lá no Programa(P1).

A partir desta nova conformação do serviço, os profissionais reconheceram que agregaram conhecimento em relação à Vigilância Epidemiológica, mas perceberam a necessidade de uma reestruturação do próprio setor, no sentido de redimensionar o volume de trabalho e pessoal. As ações de educação e prevenção, percebidas como pilares do Programa Municipal DST/aids, estavam em prejuízo face a todo o trabalho agregado e a própria dificuldade de se definir quais as prioridades do serviço. Durante todo o período de atuação do Programa DST/aids no município, diversas atividades foram desenvolvidas nas escolas, como o Projeto Saúde na Escola, em empresas, como o projeto Prevenção S/A, junto à terceira idade e demais segmentos populacionais, além de diversas campanhas pontuais dedicadas a população em geral.1414 Maliska ICA. A implantação das políticas públicas de saúde em aids no município de Florianópolis-SC: um estudo do período de 1986 a 2010 [tese]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2012.

Porém, se considerou também que esta nova condição se mostra como possibilidade para assunção das atividades de prevenção na Atenção Primária, visto que as Equipes de Saúde da Família estão inseridas na comunidade. Nesta percepção, cria-se, portanto, maiores condições de atingir a população para realização da prevenção primária, uma vez que esta se constitui em uma rede de serviços capilarizada e suas equipes trabalham com enfoque na promoção da saúde, tendo uma grande inserção na comunidade.1616 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigilância em Saúde no SUS: fortalecendo a capacidade de resposta aos velhos e novos desafios. Brasília (DF): MS; 2006. Embora alguns profissionais tenham se sentido inseguros em relação a nova configuração da política municipal de saúde, outros perceberam esta mudança como algo bastante positivo:

[...] então essa foi uma coisa que acabou tendo um ganho grande com a integração entre os programas, principalmente do que foi feito dentro da vigilância. Fora da vigilância a velocidade ainda não é desejada, o pessoal da aids não ser mais o pessoal da aids, mas o pessoal da vigilância junto com o pessoal da tuberculose, junto com o pessoal da hepatite, junto com o pessoal da imunização, porque o foco passou a ser a população que estava em risco e não o Programa (M6).

Sobre a formação de programas de saúde específicos, ainda na década de 80 já se chamava a atenção para as estratégias de saúde pública de países latino-americanos voltados para o desenvolvimento de modelos assistenciais verticais ou específicos para cada enfermidade. Embora estas estratégias sejam reconhecidas positivamente, já se afirmava que elas pouco contribuíam para o desenvolvimento de serviços permanentes de saúde para a população em geral.1717 Castellanos PL. Epidemiologia y organización de los servicios: la formacion en epidemiología para el desarrollo de los servicios de salud. Organización Panamericana de la Salud; 1990. 131 p. (OPS. Serie Desarrollo de Recursos Humanos, 88) [acesso 2013 Mar 25]. Disponível em: http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=LILACS&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=368672&index Search=ID
http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind....
Neste sentido, podemos perceber que o debate em torno da questão não é novo, e a preocupação maior reside na desconstrução da forte fragmentação da saúde construída ao longo dos anos, requerendo a adoção de uma nova perspectiva político-assistencial pautada na integralidade das ações.

Mesmo considerando a importância da especialização e das distintas áreas do conhecimento técnico das equipes, é inadmissível que estas continuem trabalhando de forma isolada, cada qual voltada para a sua área de conhecimento. Grupos técnicos que controlam mosquitos, qualidade da água, alimentos, tuberculose, meningite, aids, sarampo, hanseníase, entre outros agravos e problemas de saúde, devem buscar articulação e planejamento, visto que a realidade é indivisível e inter-relacionada.1818 Campos CEA. O desafio da integralidade segundo as perspectivas da vigilância da saúde e da saúde da família. Ciênc Saúde Coletiva. 2003; 8(2):569-84. Deste modo, a integralidade se apresenta como possibilidade concreta de relacionar a organização do trabalho nos serviços e nas práticas de saúde, buscando superar os reducionismos existentes em nosso sistema.1919 Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: Mattos RA, Pinheiro R. (org.) Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro (RJ): IMS/UERJ-CEPESC-ABRASCO; 2006. 39-64.

A descentralização da Assistência em DST/aids no município de Florianópolis

Acompanhando a reestruturação da SMSF, desencadeada a partir de 2006, as intervenções realizadas no nível administrativo do Programa tiveram como paralelo transformações também na assistência, mais precisamente na dinâmica do Ambulatório de DST/aids, iniciada em 2006, quando este deixou sua sede inicial para reforma do Centro de Saúde que foi transformado em uma Policlínica Municipal:

[...] se pensou em um atendimento para aids diferente. Então, assim, o ambulatório DST/aids aqui, isso não existe mais, foi um capitulo passado. Então aqui se estruturou como? Policlínica com atendimento especializado. Dentro das especialidades que a policlínica atende, ela atende infectologia. A infectologia está atendendo o quê? Os pacientes com HIV, com aids, e paciente com hepatite C, co-infectados né, HIV com Hepatite C. E as DSTs foram para os postos atenderem (E4).

Em 13 de agosto de 2007 foi inaugurada a Policlínica Municipal, consolidando de modo progressivo a oferta de serviços de média complexidade pela gestão municipal, respaldados tanto pela Programação Pactuada e Integrada (PPI) quanto pela própria adesão ao Pacto pela Saúde, iniciando o atendimento de diversas especialidades. Nesta oportunidade, as DSTs foram definitivamente descentralizadas para os Centros de Saúde, e o atendimento em infectologia que se restringia aos pacientes com HIV/aids do Ambulatório DST/aids, passou a ser considerado uma especialidade em infectologia. Esta especialidade foi descentralizada inicialmente em dois pontos da cidade, atendendo também outras doenças infecciosas.1414 Maliska ICA. A implantação das políticas públicas de saúde em aids no município de Florianópolis-SC: um estudo do período de 1986 a 2010 [tese]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2012.

Mediante esta nova conformação do serviço, a equipe assistencial do ambulatório, estruturada por alguns membros desde o início da década de 1990, foi dividida para atender ao princípio da descentralização, gerando uma perda de identidade e insegurança frente ao desconhecido, quebra de vínculo entre os membros da equipe e os pacientes que passariam a ser atendidos por outros profissionais, visto que alguns destes profissionais não permaneceram nestes serviços. Este fato gerou resistências e receios perante a mudança na assistência:

[...] em relação ao ambulatório, que era o serviço de referência existente na época, foi bem complicado, porque foi essa coisa da leitura da perda de identidade, do medo da perda da identidade dentro da rede. '- Ah, mas eu sei atender aids e eu vou ter que ver hepatite também, eu vou ter que ver tuberculose também?' Foi um pouquinho mais difícil essa mudança, principalmente com o envolvimento das ONGs que estavam com esse medo: 'estão acabando com o ambulatório de referência'. A ideia não era que estavam criando um ambulatório mais abrangente e nem que estava ampliando o serviço, porque no lugar de um só iam ter dois locais de referência. A ideia era: 'do jeito que a gente conhece não vai existir mais.' E mudança sempre gera medo (M6).

A mudança na assistência ao paciente com HIV/aids foi concebida de diferentes formas entre os profissionais envolvidos com o programa, configurando-se em distintas posições: aqueles que se posicionavam contra esta forma de descentralização, os que se posicionavam a favor, e ainda aqueles que não entraram diretamente no mérito da questão, mais apresentaram importantes considerações em relação a forma de organização da assistência. Ainda que esta nova configuração na assistência tenha trazido rupturas na conformação do serviço, com repercussões tanto para os profissionais quanto para os pacientes, alguns profissionais concebiam ser necessário passar por este processo para estruturar uma política municipal de assistência ao paciente com HIV/aids, o que pode ser ilustrado no depoimento a seguir:

[...] o fato de nós termos mais serviços de referência, eu acho que tinha que ser. É claro que a mudança foi meio traumática, sempre tinha sido concentrada aqui no centro, então os pacientes todos estavam muito acostumados com o esquema que tinha lá. Por outro lado,, eu acho que nós, como município, não podemos nos estruturar através de particularidades pessoais de um profissional ou outro, ou de como historicamente um serviço se organizou. Então eu acho que a gente tem que ter uma política municipal mesmo, e nesse sentido, essa mudança foi importante (P2).

Entre profissionais envolvidos com a assistência a estes pacientes, ponderou-se que o sistema de saúde ainda não está preparado para receber este paciente de forma descentralizada. Acreditavam ser necessário ainda um serviço exclusivo para atender esta demanda, a fim de garantir um efetivo seguimento ambulatorial e evitar problemas relacionados ao abandono ao tratamento, resistência a terapêutica, o que comprometeria a condução do tratamento e qualidade de vida da pessoa que vive com HIV/aids:

infelizmente existem as duas formas da epidemia, da doença, no Brasil. Existem as pessoas que tratam, que tomam o remédio e estão vivendo bem e tem um grupo grande de pessoas que não tem acesso ao remédio, por vários motivos, mas ainda não se trata, então morre igual. Então a aids continua matando igual como matava na década de 80. Porque essas pessoas ainda não têm acesso a esses medicamentos, que são ótimos. Chegam tarde, chegam doentes, a condição é complicada, não têm acompanhamento, acabam morrendo, isso é triste [...]. O diagnóstico precoce seria uma coisa importantíssima para definir. As pessoas hoje estão vivendo 20, 25 anos com o HIV e vivendo bem, mas quem faz um diagnostico precoce, quem tem todo um acompanhamento de saúde, vai viver décadas (M2).

Apesar dos recursos tecnológicos disponíveis, a aids continua ceifando vidas, especialmente entre aquelas pessoas que tiveram diagnóstico tardio, muitas vezes por dificuldade de acesso ao serviço de saúde. Os dados estatísticos e estudos relacionados a mortalidade por aids alertam para a necessidade de se observar a qualidade da assistência e o modo como a mesma é conduzida nos serviços.2020 Barboza R. Gestão do Programa Estadual DST/aids de São Paulo: uma análise do processo de descentralização das ações no período de 1994 a 2003 [dissertação]. São Paulo (SP): Programa de Pós-Graduação em Ciências da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo; 2006. Além do acesso universal e da disponibilização dos antirretrovirais, a qualidade da assistência refere-se ao processo do cuidado em sua amplitude e complexidade, articulando os preceitos da integralidade aos da universalidade.2121 Reis AC, Santos EM, Cruz MM. A mortalidade por aids no Brasil: um estudo exploratório de sua evolução temporal. Epidemiol Serv Saúde. 2007 Jul-Set; 16(3):195-205.

A assistência ao paciente com HIV/aids conta com propostas tecnológicas específicas, como os mecanismos estabelecidos para captação de casos, o aconselhamento pré e pós-teste, o acolhimento de pacientes e os grupos de adesão, conduzidos por equipes multiprofissionais formadas para este fim. Esta proposta assistencial tende a entrar em conflito com o padrão tecnológico predominante em ambulatórios de especialidade, onde a assistência é organizada em torno da abordagem clínica individual. A fragmentação dos indivíduos em especialidades perpetua modelos de prática em saúde ultrapassados, comprometendo os princípios da integralidade, resultando na fragmentação da assistência, tornando-se insuficiente para atender a complexidade do que é viver com aids, tendo em vista que trata-se de uma condição ainda estigmatizante, transmissível e incurável até o momento, com diversas repercussões psicossociais.6Borges MJK, Sampaio AS, Gurgel IGD. Trabalho em equipe e interdisciplinaridade: desafios para a efetivação da integralidade na assistência ambulatorial às pessoas vivendo com HIV/aids em Pernambuco. Ciênc Saúde Coletiva. 2012 Jan; 17(1):147-56. , 2222 Nemes MIB, Castanheira ERL, Melchior R, Alves MTSSB, Basso CR. Avaliação da qualidade da assistência no programa de AIDS: questões para a investigação em serviços de saúde no Brasil. Cad Saúde Pública. 2004; 20(2):310-21. [acesso 2011 Out 14]. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2004000800024&lng=en
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...

Atualmente, novas propostas assistenciais vêm surgindo, a exemplo do acompanhamento da Equipe de Saúde da Família a pessoa portadora do HIV, visto que a infecção pelo HIV é concebida atualmente como uma doença de caráter evolutivo crônico e potencialmente controlável.2323 Reis RK, Santos CB, Dantas RAS, Gir E. Qualidade de vida, aspectos sociodemográficos e de sexualidade de pessoas vivendo com HIV/aids. Texto Contexto Enferm. 2011 Jul-Set; 20(3):565-75.Esta proposta de assistência foi vislumbrada já no Plano Municipal de Saúde de Florianópolis em 2007, apresentando como "diretriz do programa municipal de DST/AIDS transferir gradualmente o acompanhamento dos casos de HIV para os Centros de Saúde, permitindo um melhor acesso dos pacientes aos serviços de saúde".15:57 Esta proposta tem sido implantada paulatinamente em algumas unidades de saúde, embora ainda não tenha sido colocada inteiramente em prática:

[...] o que existe é um movimento, que é de descentralizar o atendimento aos portadores de HIV, de você manter as referências, as policlínicas, realmente como referência, mas as pessoas, os portadores do HIV sem complicações, seriam atendidos nos centro de saúde, na rede toda, e aí só os casos mais complicados ou que precisassem de um outro tipo de atenção iriam para as referências. Então tem essa grande mudança que estaria acontecendo, mas que não está muito bem estruturada ainda (P2).

Em 2010, esta discussão foi iniciada junto à atenção primária, na forma de treinamento, visando qualificar os profissionais da Estratégia de Saúde da Família para o acolhimento desta demanda. No entanto, esta abordagem gerou reações diferentes entre os profissionais, pois:

[...] no treinamento, alguns profissionais se sentiram inseguros. Foi discutido que a Equipe de Saúde da Família deve se apropriar deste conhecimento, saber que pode manejar, não precisa ficar apavorado, é como tratar um paciente com tuberculose, com hipertensão, diabetes [...]. Então muitos querem se apropriar do conhecimento e entendem que o paciente é seu, outros ficaram um pouco mais preocupados e alguns manifestaram que mesmo que esteja tudo bem, encaminhariam para o infectologista. Então uns aderiram, mas a rede movimenta muito, alguns já foram embora, e isso dificulta(E7).

Uma das dificuldades para se adotar este tipo de conduta é a alta rotatividade de profissionais da ESF, o que impede a continuidade desta lógica de atendimento, bem como da formação de vínculo com o próprio paciente. Mesmo em relação às ações de prevenção das DSTs/aids nos serviços de atenção básica, ainda, neste nível de atenção, mantém-se o desafio da superação da fragmentação, em prol da integralidade das práticas de saúde. Faltam nestes serviços, além de questões estruturais básicas, como profissionais em quantidade suficiente e espaços físicos adequados, preparo técnico para abordagens desta natureza.2424 Ferraz DAS, Nemes MIB. Avaliação da implantação de atividades de prevenção das DST/AIDS na atenção básica: um estudo de caso na região Metropolitana de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2009; 25(Sup 2):240-50.

Outra questão a ser considerada é que, mesmo entre profissionais da Estratégia de Saúde da Família não há um consenso prático do que pertence ao seu campo de atuação ou não. Isto se vislumbra inclusive em questões que, teóricamente, já deveriam estar superadas, como a prática do aconselhamento e solicitação de testagem do HIV que, por vezes, ainda é encaminhado para o CTA, como podemos verificar no depoimento:

[...] eles falam na descentralização, que é uma proposta do SUS também. Só que eu vejo que essa descentralização, ela não acontece, porque quem são grande parte dessas pessoas encaminhadas que chegam para a gente [CTA]? Chegam para a gente porque eles passam pelas unidades de saúde, ou os profissionais que foram capacitados já saíram, ou ainda, estão lá e não querem fazer aconselhamento e encaminham para nós (AS1).

Questões que há muitos anos vem sendo debatidas no município, como os treinamentos na rede assistencial desde o início do Programa DST/aids para a descentralização da testagem do HIV nas unidades de saúde ainda não foram totalmente incorporadas, seja por resistência, despreparo dos profissionais, ou pela alta rotatividade que é característica neste contexto, levando a encaminhamentos desnecessários no atual contexto do sistema de saúde.

De acordo com estudo2525 Sadala MLA, Marques SL. Vinte anos de assistência a pessoas vivendo com HIV/AIDS no Brasil: a perspectiva de profissionais da saúde. Cad Saúde Pública. 2006; 22(11):2369-78. que abordou a perspectiva dos profissionais de saúde sobre a assistência a pessoas vivendo com HIV/aids, o preparo específico para atender estes usuários estaria ainda restrito aos profissionais dos centros especializados, resultando na descontinuidade da assistência para as pessoas com HIV positivo, quando as mesmas são atendidas em outros serviços do SUS. O estudo chama a atenção aos aspectos da formação profissional na área da saúde, levando a refletir sobre as competências esperadas dos profissionais da saúde no cuidado com pessoas com HIV/AIDS. Neste contexto, a enfermagem, enquanto profissão participante da equipe multidisciplinar nos diversos espaços, tem muito a contribuir, seja nas equipes de serviços especializados em DST/aids, como nas Equipes de Saúde da Família, desenvolvendo intervenções que promovam a saúde e a qualidade de vida das pessoas que convivem com HIV/aids, e instrumentalizando os sujeitos para potencializar sua capacidade de autocuidado2323 Reis RK, Santos CB, Dantas RAS, Gir E. Qualidade de vida, aspectos sociodemográficos e de sexualidade de pessoas vivendo com HIV/aids. Texto Contexto Enferm. 2011 Jul-Set; 20(3):565-75. , 2626 Martins SS, Martins TSS. Adesão ao tratamento antirretroviral: vivências de escolares. Texto Contexto Enferm. 2011 Jan-Mar; 20(1):111-8.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reestruturação do Programa DST/aids integrou o processo de reordenação do sistema municipal de saúde de Florianópolis, iniciado com a instituição do conceito ampliado de Vigilância em Saúde. Podemos considerar que, a partir da realidade político-assistencial apresentada, a reorganização administrativa do Programa Municipal DST/aids gerou uma mudança de perspectiva em que o foco deixou de ser o agravo em si, conferindo-se maior visibilidade a população exposta a diversas situações de vulnerabilidade. Uma das preocupações apontadas, no entanto, foi a estruturação da equipe para o atendimento das novas demandas geradas pelas novas conformações do serviço.

No que diz respeito à assistência, pôde-se perceber diversos pontos de tensão, tendo em vista a preocupação dos profissionais da assistência com a questão do acesso ao diagnóstico e tratamento precoce, a garantia de um seguimento ambulatorial efetivo e da formação/quebra de vinculo, frente a alta rotatividade de profissionais na Atenção Básica. De acordo com a literatura, é esperado que o acompanhamento da pessoa portadora do HIV na Atenção Primária seja realizado sob algumas condições, com equipes assistenciais treinadas, fixação dos profissionais nas equipes, predisposição e comprometimento dos profissionais, e o apoio de uma equipe interdisciplinar que possa para dar conta das demandas de cuidado destes pacientes. A integralidade, enquanto tônica das práticas de saúde, requer não apenas questões organizacionais e políticas, mas uma filosofia de cuidado que possa abarcar as especificidades do usuário a ser atendido.

A descrição do processo de descentralização das ações em DST/aids no município de Florianópolis, poderá contribuir para estabelecer elemento de comparação com outras realidades locais e, se possível, corrigir e aperfeiçoar caminhos na consolidação do Sistema Único de Saúde. Neste sentido, observamos a necessidade de uma avaliação mais precisa dos desdobramentos desta política municipal, por meio de monitoramento epidemiológico e acompanhamento programático das ações de prevenção, assistência e promoção da saúde voltadas as DST/aids, incluindo a participação popular na fiscalização do cumprimento dos direitos do cidadão.

Neste contexto, o enfermeiro, enquanto profissional envolvido no planejamento, na condução das políticas de saúde e assistência nos diversos serviços deve estar atento aos direcionamentos destas políticas, a fim de contribuir tanto para o controle desta epidemia, quanto para o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde em todos seus princípios.

REFERENCES

  • 1
    Couto MH. Brasil: a estratégia brasileira de enfrentamento à epidemia de HIV/AIDS e sua integração com o Sistema Único de Saúde [online]. 2009. [acesso 2011 Out]; 02 Disponível em: portalses.saude.sc.gov.br/index.php?option=com_docman&task
    » portalses.saude.sc.gov.br/index.php?option=com_docman&task
  • 2
    Campos CEA. O desafio da integralidade segundo as perspectivas da vigilância da saúde e da saúde da família. Ciênc Saúde Coletiva. 2003 Abr; 8(2):569-84.
  • 3
    Nemes MIB, Souza MFM, Kalichman AO, Granjeiro A, Souza RA, Lopes JF. Prevalência da aderência e fatores associados. In: Noleto D (editor). Aderência ao tratamento por anti-retrovirais em serviços públicos no Estado de São Paulo. Brasília (DF): Ministério da Saúde/Secretaria de Políticas de Saúde/Coordenação Nacional de DST e Aids; 2000.
  • 4
    Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil: artigo 196. Senado Federal, 05 Out 1988 [acesso 2009 set 14]. Disponível em: http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_196_.shtm
    » http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_196_.shtm
  • 5
    Cherchiglia ML, Acurcio FA, Melo APS. O desafio de construir a integralidade das ações de saúde mental e IST/AIDS no Sistema Único de Saúde. In: Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância à Saúde. Programa Nacional de DST e aids. Prevenção e atenção às IST/aids na saúde mental no Brasil: análises, desafios e perspectivas Projeto PESSOAS. Brasília (DF): ASCOM, 2008. p.19-29.
  • 6
    Borges MJK, Sampaio AS, Gurgel IGD. Trabalho em equipe e interdisciplinaridade: desafios para a efetivação da integralidade na assistência ambulatorial às pessoas vivendo com HIV/aids em Pernambuco. Ciênc Saúde Coletiva. 2012 Jan; 17(1):147-56.
  • 7
    Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Vigilância em Saúde - Parte 1 / Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Brasília (DF): CONASS; 2011.
  • 8
    Le Goff, J. A história nova. São Paulo (SP): Martins Fontes; 2005.
  • 9
    Padilha MICS, Borenstein MS. O método de pesquisa histórica na enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2005 Out-Dez; 14(4):575-84.
  • 10
    Ferreira MM. História, tempo presente e história oral. Topoi. 2002 Dez; 3(2):314-32.
  • 11
    Alberti V. Manual de história oral. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): FGV; 2005.
  • 12
    Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa (PT): Edições 70; 2004.
  • 13
    Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 196, de 10 de outubro de 1996. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. [Acesso 2009 fev 18]. Disponível em: http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/legislacao/arquivo/Resolucao_196_de_10_10_1996.pdf
    » http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/legislacao/arquivo/Resolucao_196_de_10_10_1996.pdf
  • 14
    Maliska ICA. A implantação das políticas públicas de saúde em aids no município de Florianópolis-SC: um estudo do período de 1986 a 2010 [tese]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2012.
  • 15
    Prefeitura Municipal da Florianópolis. Secretaria Municipal de Saúde. Plano Municipal de Saúde 2007-2010 [documento institucional] Florianópolis (SC); 2007.
  • 16
    Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigilância em Saúde no SUS: fortalecendo a capacidade de resposta aos velhos e novos desafios. Brasília (DF): MS; 2006.
  • 17
    Castellanos PL. Epidemiologia y organización de los servicios: la formacion en epidemiología para el desarrollo de los servicios de salud. Organización Panamericana de la Salud; 1990. 131 p. (OPS. Serie Desarrollo de Recursos Humanos, 88) [acesso 2013 Mar 25]. Disponível em: http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=LILACS&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=368672&index Search=ID
    » http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=LILACS&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=368672&index Search=ID
  • 18
    Campos CEA. O desafio da integralidade segundo as perspectivas da vigilância da saúde e da saúde da família. Ciênc Saúde Coletiva. 2003; 8(2):569-84.
  • 19
    Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: Mattos RA, Pinheiro R. (org.) Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro (RJ): IMS/UERJ-CEPESC-ABRASCO; 2006. 39-64.
  • 20
    Barboza R. Gestão do Programa Estadual DST/aids de São Paulo: uma análise do processo de descentralização das ações no período de 1994 a 2003 [dissertação]. São Paulo (SP): Programa de Pós-Graduação em Ciências da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo; 2006.
  • 21
    Reis AC, Santos EM, Cruz MM. A mortalidade por aids no Brasil: um estudo exploratório de sua evolução temporal. Epidemiol Serv Saúde. 2007 Jul-Set; 16(3):195-205.
  • 22
    Nemes MIB, Castanheira ERL, Melchior R, Alves MTSSB, Basso CR. Avaliação da qualidade da assistência no programa de AIDS: questões para a investigação em serviços de saúde no Brasil. Cad Saúde Pública. 2004; 20(2):310-21. [acesso 2011 Out 14]. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2004000800024&lng=en
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2004000800024&lng=en
  • 23
    Reis RK, Santos CB, Dantas RAS, Gir E. Qualidade de vida, aspectos sociodemográficos e de sexualidade de pessoas vivendo com HIV/aids. Texto Contexto Enferm. 2011 Jul-Set; 20(3):565-75.
  • 24
    Ferraz DAS, Nemes MIB. Avaliação da implantação de atividades de prevenção das DST/AIDS na atenção básica: um estudo de caso na região Metropolitana de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2009; 25(Sup 2):240-50.
  • 25
    Sadala MLA, Marques SL. Vinte anos de assistência a pessoas vivendo com HIV/AIDS no Brasil: a perspectiva de profissionais da saúde. Cad Saúde Pública. 2006; 22(11):2369-78.
  • 26
    Martins SS, Martins TSS. Adesão ao tratamento antirretroviral: vivências de escolares. Texto Contexto Enferm. 2011 Jan-Mar; 20(1):111-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    17 Set 2012
  • Aceito
    20 Dez 2012
Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós Graduação em Enfermagem Campus Universitário Trindade, 88040-970 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil, Tel.: (55 48) 3721-4915 / (55 48) 3721-9043 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: textoecontexto@contato.ufsc.br