Acessibilidade / Reportar erro

Qualidade de vida, sintomas depressivos e religiosidade em idosos: um estudo transversal

Resumos

Qualidade de vida e depressão são relevantes na saúde do idoso. Estudos indicam uma associação positiva entre religiosidade e saúde. Este estudo investigou a qualidade de vida, os sintomas depressivos e a relação destes com a religiosidade em idosos. Participaram do estudo 287 idosos de uma unidade da Estratégia Saúde da Família. Na coleta de dados, utilizaram-se os instrumentos: Escala de Qualidade de Vida de Flanagan, Escala de Depressão Geriátrica Abreviada e Escala de Religiosidade de Duke. Os idosos apresentaram elevado índice de religiosidade, o que, de acordo com o Coeficiente de Correlação de Pearson, se associou de forma positiva à qualidade de vida (p<0,004), mas não teve relação com os sintomas depressivos. Os resultados indicaram alto grau de satisfação em relação à qualidade de vida, embora 83% dos idosos tenham apresentado depressão leve. Conclui-se que a religiosidade está relacionada a melhores índices de qualidade de vida em idosos.

Enfermagem; Idoso; Qualidade de vida; Depressão; Religião


Quality of life and depression are relevant to the health of the elderly. Studies indicate a positive association between religiosity and health. This study investigated quality of life, depressive symptoms and their relationship with religiosity in the elderly. The study included 287 older people from a unit of the Family Health Strategy. Data were collected by means of the instruments: John Flanagan's Quality of Life Scale, the short Geriatric Depression Scale and the Duke University Religion Index. The elderly showed high levels of religiosity, which, according to Pearson's product-moment correlation coefficient, was positively associated with quality of life (p<0.004), but not related to depressive symptoms. Results indicated a high degree of satisfaction among the elderly subjects with their quality of life, whereas 83% showed mild depression. In conclusion, religiosity is related to improvement in quality of life in the elderly.

Nursing; Aging; Quality of life; Depression; Religion


Este estudio investigó la calidad de vida, síntomas depresivos y su relación con la religiosidad en los ancianos. El estudio incluyó a 287 personas mayores de una unidad de la Estrategia Salud de la Familia. Durante la recolección de datos, se utilizaron los instrumentos: Escala de Calidad de Vida de Flanagan, Escala de depresión Geriátrica y la Escala Abreviada de Religiosidad de Duke. Las personas mayores mostraron altos niveles de religiosidad, que, de acuerdo con el coeficiente de correlación de Pearson, se asoció positivamente con la calidad de vida (p<0,004), pero no se relaciona a los síntomas depresivos. Los resultados indican un alto grado de satisfacción con la calidad de vida, mientras que el 83% de las personas mayores han demostrado la depresión leve. Llegamos a la conclusión que la religiosidad se relaciona con mejoras en la calidad de vida en las personas mayores.

Enfermería; Ancianos; Calidad de vida; Depresión; Religión


INTRODUÇÃO

O Brasil vive uma nova realidade social retratada pela mudança do perfil demográfico e epidemiológico da sua população. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a população idosa representa pelo menos 10% da total brasileira, e a expectativa é que em 2025 o Brasil ocupe o sexto lugar quanto ao contingente de pessoas com mais de 60 anos.1Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (BR). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD. Brasília (DF): IBGE; 2010. [acesso 2012 Dez 20]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2008/default
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
A velocidade desse processo traz uma série de questões cruciais como o aumento das doenças crônicas e de enfermidades típicas da idade, as quais influenciam de modo significativo a qualidade de vida (QV) dos idosos e podem, frequentemente, levar ao desenvolvimento de sintomas depressivos.2Faller JW, Melo WA, Versa GLGS, Marcon SS. Quality of life for elderly registered in the Family Health Strategy (FHS) of Foz do Iguaçu-PR. Esc Anna Nery. 2010 Out-Dez; 14(4):803-10. - 3Campolina AG, Dini PS, Ciconelli RM. Impacto da doença crônica na qualidade de vida de idosos da comunidade em São Paulo (SP, Brasil). Ciênc. Saúde Coletiva. 2011 Jun; 16(6):2919-25.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a QV é definida como "a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações".4:1405 Já a depressão, é um distúrbio da área afetiva ou do humor. Em idosos, ela é constantemente ignorada, pois os profissionais de saúde entendem que os sinais e os sintomas depressivos seriam manifestações normais da senescência, no entanto tais sintomas podem levar a uma perda da autonomia e a um agravamento de morbidades já existentes.5Alvarenga MRM, Oliveira MAC, Faccenda O. Depressive symptoms in the elderly: analysis of the items of the Geriatric Depression Scale. Acta Paul Enferm. 2012; 25(4):497-503. É importante ressaltar que a depressão tem sido apontada repetidamente como a principal determinante da piora da QV em idosos.6Marchi KC. Impact of depression on quality of life and levodopa adherence in patients with Parkinson's disease [dissertação]. Ribeirão Preto (SP): Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto; 2011. Assim, faz-se necessária a busca de medidas que possam evitar ou reduzir a problemática da depressão entre os idosos. Destaca-se neste estudo a religiosidade como possível recurso a ser utilizado nesse contexto.

O conceito de religiosidade se refere ao quanto um indivíduo acredita, segue e pratica uma determinada religião.7Koenig HG, McCullough M, Larson DB. Handbook of religion and health: a century of research reviewed. New York (NY): Oxford University Press; 2001. Em relação ao idoso, estudos indicam que as crenças religiosas contribuem para a busca do equilíbrio pessoal, além de propiciar maiores condições ao indivíduo idoso de lidar com a dependência e com a tendência ao isolamento.8Barricelli ILFOBL, Sakumoto IKY, Silva LHM, Araújo CV. Influência da orientação religiosa na qualidade de vida de idosos ativos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012 Jul-Set; 15(3):505-15.

A importância deste estudo reporta-se à necessidade de ampliar o conhecimento e a discussão sobre as possíveis formas de promover melhorias na QV do idoso, de prevenir e de reduzir os sintomas depressivos nessa população. Ainda, espera-se contribuir para a discussão, entre os enfermeiros e demais profissionais de saúde, sobre como a religiosidade pode ser utilizada para promover a saúde do idoso, afinal, esta exerce um papel significativo frente aos desafios cotidianos geradores de estresse, propiciando maiores condições ao indivíduo de lidar com as dificuldades típicas dessa faixa etária.8Barricelli ILFOBL, Sakumoto IKY, Silva LHM, Araújo CV. Influência da orientação religiosa na qualidade de vida de idosos ativos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012 Jul-Set; 15(3):505-15. Este estudo teve como objetivo investigar a qualidade de vida e a presença de sintomas depressivos em idosos e identificar a relação destas variáveis com a religiosidade.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo transversal, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alfenas, sob o protocolo n. 030/2011. A população do estudo foi composta pelos 497 idosos cadastrados em uma unidade da Estratégia Saúde da Família da cidade de Alfenas, interior de Minas Gerais, no ano de 2011. A amostra foi dimensionada de forma aleatória simples, com um erro máximo de 3,8% e 95% de confiança, contabilizando 287 idosos que preencheram os critérios de inclusão estabelecidos: ter idade igual ou superior a 60 anos independentemente do sexo; e estar orientado no tempo, no espaço e na pessoa, e conseguir expressar-se verbalmente. Após convite e concordância em participar do estudo, todos os sujeitos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Para a coleta de dados foram utilizados os seguintes instrumentos: Escala de Qualidade de Vida de Flanagan (EQVF); Escala de Depressão Geriátrica Abreviada (EDG-15); Escala de Religiosidade de Duke (DUREL); e um formulário contendo informações sociodemográficas, para a caracterização da amostra.

A EQVF foi criada nos Estados Unidos9Flanagan JC. Measurement of quality of life: current of art state. Arch Phys Med Rehabil. 1982 Fev; 23(1):56-9. e traduzida para o português por um grupo de pesquisadores.1010 Hashimoto H, Guedes SL, Pereira VC. O ostomizado e a qualidade de vida: abordagem fundamentada nas dimensões da qualidade de vida proposta por Flanagan [monografia]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 1996. Essa escala aborda a QV, por meio da satisfação do indivíduo em relação a diversos aspectos da vida, os quais são contemplados pelas cinco dimensões do instrumento: bem-estar físico e material; relações com outras pessoas; atividades sociais, comunitárias e cívicas; desenvolvimento pessoal e realização; e, por fim, a recreação. Tais dimensões são mensuradas por meio de quinze itens e as respostas são dadas em escala do tipo Likert, de sete pontos (1-muito insatisfeito a 7-muito satisfeito). A pontuação máxima alcançada é de 105 pontos e a mínima, de 15 pontos, de modo que quanto maior o valor maior a satisfação do indivíduo.

A EDG-15 é de autoria de Sheikh e Yesavage.1111 Sheikh JI, Yesavage JA. Geriatric Depression Scale (GDS): recent evidence and development of a shorter version. Clin Gerontol. 1986; 5(1/2):165-73.A versão brasileira do instrumento abreviado foi proposta em 1999 por Almeida e Almeida.1212 Almeida OP, Almeida SA. Confiabilidade da versão brasileira da Escala de Depressão Geriátrica (GDS) versão reduzida. Arq Neuro-psiquiatr. 1999; 57(2-B):421-6. Utilizada para investigar a presença de sintomas depressivos, a escala possui 15 perguntas com respostas objetivas (sim ou não) a respeito de como a pessoa idosa tem se sentido durante a última semana. A cada resposta afirmativa deve ser somado 1 ponto. Uma pontuação entre 0 e 5 é considerada normal; de 6 a 10 indica depressão leve; e 11 a 15, depressão severa. De acordo com o Caderno de Atenção Básica Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa, a Escala de Depressão Geriátrica não é um substituto para uma entrevista diagnóstica realizada por profissionais da área de saúde mental, e sim, uma ferramenta útil de avaliação rápida para facilitar a identificação da depressão em idosos.1313 Ministério da Saúde (BR). Cadernos de atenção básica: envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília (DF): MS; 2006.

A DUREL1414 Koenig H, Patterson G, Meador K. Religion index for psychiatric research: a 5-item measure for use in health outcomes studies. Am J Psychiatry. 1997; 154(1):885-6. foi originalmente desenvolvida nos Estados Unidos. No Brasil, foi validada por Lucchetti e colaboradores,1515 Lucchetti G, Lucchetti ALG, Peres MFP, Moreira-Almeida A, Leão FC, Koenig HG. Validation of the Duke Religion Index DUREL (Portuguese version). J Relig Health. 2012 Jun; 51(2):579-86. em 2012. A escala possui cinco itens que captam três das dimensões de religiosidade que mais se relacionam com desfechos em saúde: religiosidade organizacional (RO - frequência a encontros religiosos como missas e cultos); religiosidade não-organizacional (RNO - frequência a atividades religiosas privadas como orações e outras); e religiosidade intrínseca (RI - busca de internalização e vivência plena da religiosidade como principal objetivo do indivíduo). Na análise dos resultados da DUREL, as pontuações nas três dimensões (RO, RNO e RI) devem ser analisadas separadamente e os escores das mesmas não devem ser somados em um escore total.

O formulário de caracterização dos sujeitos foi elaborado com base no Caderno de Atenção Básica Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa1313 Ministério da Saúde (BR). Cadernos de atenção básica: envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília (DF): MS; 2006. e submetido a um processo de avaliação de aparência e de conteúdo, realizado por três juízes que estudam as temáticas em questão. Todas as sugestões foram incorporadas e se relacionavam à forma de apresentação do formulário. Foi realizado um pré-teste com os instrumentos citados anteriormente, junto a 29 idosos que não fizeram parte da amostra, com o objetivo de averiguar o entendimento dos itens pelos mesmos. Não foram detectadas dificuldades de compreensão por parte dos participantes.

A coleta dos dados foi realizada por meio de entrevista durante visita domiciliar aos idosos, quando foi explicado o objetivo do estudo e solicitada a participação dos sujeitos. Optou-se pela entrevista com o objetivo de facilitar a participação dos indivíduos, visto que a maioria apresentava algum comprometimento visual, o que dificultaria a leitura e a escrita das respostas. Vale ressaltar que não houve interpretação das questões por parte do entrevistador.

A análise dos dados foi precedida da elaboração de um banco de dados em planilha eletrônica para codificação das variáveis e validação mediante dupla digitação. Para a análise estatística utilizou-se o programa SPSS 17.0. A estatística descritiva permitiu resumir os dados obtidos caracterizando a população em estudo. A verificação da pressuposição de normalidade dos dados foi realizada com o teste de Kolmogorov-Smirnov e para a pressuposição de homocedasticidade, o teste Bartlett. A existência de associação estatística entre as variáveis qualidade de vida, presença de sintomas depressivos, religiosidade e entre as variáveis sociodemográficas foi investigada usando-se o coeficiente de correlação de Pearson, coeficiente de correlação de Spearman, teste de Kruskal-Wallis seguido do teste de Dunn e do teste de Mann-Whitney. O nível de significância estabelecido foi de 5%.

RESULTADOS

Características sociodemográficas

Participaram do estudo 287 sujeitos com média de idade de 72 anos (dp=8 anos). Do total de participantes, 60% são do sexo feminino; 24% nunca estudaram e 76% têm no máximo o ensino fundamental completo; 56% são casados e 33% viúvos; 7% solteiros e 4% divorciados. Quanto à renda mensal, 52% recebem apenas um salário mínimo e 42%, de dois a três salários (salário mínimo: R$ 545,00 no período da coleta de dados). Ainda, 89% dos idosos moram com a família e 83% não exercem qualquer tipo de atividade profissional, seja ela remunerada ou não, e apenas 8% dependem de cuidador.

Qualidade de vida

No que se refere aos resultados obtidos com a EQVF, em um intervalo possível de 15 a 105, no qual, quanto maior o valor, maior a satisfação do indivíduo, obtiveram-se como resposta valores entre 63 e 105, com média 86,4 (dp=7,3). Os valores (médias) obtidos na EQVF, de acordo com as dimensões da escala, foram: 5,8 (dp=1,4) para bem-estar físico e material; 6,0 (dp=1,2) para relações com outras pessoas; 5,2 (dp=1,2) para atividades sociais, comunitárias e cívicas; 5,7 (dp=1,1) para desenvolvimento pessoal e realização; e 5,8 (dp=1,2) para recreação. A média de todos os 15 itens foi de 5,8 (dp=0,56). Ambos os resultados, soma total dos itens da escala ou da média dos itens, refletem alto grau de satisfação com os aspectos abordados pelo instrumento, de modo que os participantes estão entre satisfeitos e bastante satisfeitos com a qualidade de suas vidas.

Os itens levantados como fontes de maior satisfação entre os participantes e suas respectivas médias foram: conforto material (6,2; dp=1,1) e construir família: ter e criar filhos (6,2; dp=1,1); amigos próximos: compartilhar interesses, atividades e opiniões (6,2; dp=0,7); e socialização: "fazer amigos" (6,3; dp=0,7). Os de menor satisfação foram: participação em associações e em atividades de interesse público (4,6; dp=1,0); aprendizado: frequentar outros cursos para conhecimentos gerais (4,9; dp=1,2); e participar em recreação ativa (5,0; dp=1,2). Quanto à confiabilidade da escala, o valor obtido para o alfa de Cronbach foi de 0,72, o que confirma sua confiabilidade para a amostra estudada.

Segundo o coeficiente de correlação, a QV está relacionada de forma inversa à idade (r=-0,195; p=0,001) e diretamente ao nível de escolaridade (r=0,143; p=0,016). A QV, quando relacionada ao estado civil, se mostrou maior entre os idosos casados; já em relação à dependência de cuidador, a QV se apresentou diferente entre dependentes de cuidador profissional e não-dependentes, sendo que o idoso que depende de cuidador profissional apresentou menor QV, de acordo com o teste de Kruskal-Wallis, seguido do teste de Dunn (Tabela 1).

Tabela 1
Rank médio e mediana segundo o teste de Kruskal-Wallis para as medidas de Escala de Qualidade de Vida de Flanagan em relação ao estado civil e dependência de cuidador. Minas Gerais, 2012

Depressão

Os sintomas depressivos investigados pela EDG-15 foram observados em 88% dos participantes (83% depressão leve e 5% depressão severa). Os idosos com escores menores que cinco foram considerados sem sintomatologia depressiva presente, o que compreende 12% dos participantes. 92% dos entrevistados afirmaram que se sentem satisfeitos com a vida; 91% sentem-se de bem com a vida a maior parte do tempo e 97% acham que é maravilhoso estar vivo. O item negativo "teme que algo ruim lhe aconteça" foi relatado por 91% dos idosos.

Religiosidade

Em relação às variáveis relacionadas à religiosidade, 78% professam o catolicismo; 15%, o protestantismo, 4%, o espiritismo e 3% consideram-se sem religião, mas espiritualizados. Entre os participantes do estudo, 97% consideram a religião como importante ou muito importante em suas vidas. Quanto aos resultados da avaliação da religiosidade pela DUREL, estes são apresentados na tabela 2.

Tabela 2
Distribuição das respostas dos sujeitos entrevistados de acordo com a Escala de Religiosidade de Duke. Minas Gerais, 2012

Empregando-se o Coeficiente de Correlação de Pearson (Tabela 3), apreende-se que a religiosidade (RO, RNO e RI) associou-se de forma direta e positiva à QV. Ainda, a RO associou-se diretamente à idade; a importância que os indivíduos deram à religiosidade em suas vidas esteve associada de forma direta à QV. A religiosidade não teve associação com os sintomas depressivos.

Tabela 3
Coeficientes de correlação de Pearson para a religiosidade, qualidade de vida, depressão e idade. Minas Gerais, 2012

De acordo com o teste de Kruskal-Wallis (Tabela 4), os divorciados e os que dependem de cuidador apresentaram maiores níveis de religiosidade.

Tabela 4
Rank médio e mediana segundo o teste de Kruskal-Wallis para as medidas da Escala de Religiosidade de Duke em relação ao estado civil e à dependência de cuidador. Minas Gerais, 2012

O teste de Mann-Whitney, seguido do teste de Dunn (Tabela 5), demonstrou que a religiosidade associou-se ao sexo, de modo que os homens apresentaram maior religiosidade que as mulheres.

Tabela 5
Rank Médio segundo o teste de Mann-Whitney para as medidas da Escala de Religiosidade de Duke em relação à variável sexo. Minas Gerais, 2012

DISCUSSÃO

Na população idosa, a religiosidade pode ter uma relação direta com a QV.8Barricelli ILFOBL, Sakumoto IKY, Silva LHM, Araújo CV. Influência da orientação religiosa na qualidade de vida de idosos ativos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012 Jul-Set; 15(3):505-15. Essa relação pode ocorrer devido ao fato de que níveis mais elevados de envolvimento com a religião estão associados positivamente a indicadores de bem-estar psicológico como satisfação com a vida, felicidade, afeto positivo e moral elevados.1616 Moreira-Almeida A, Neto FL, Koenig HG. Religiousness and mental health: a review. Rev Bras Psiquiatr. 2006; 28(3):242-50. Além disso, como obtido nos resultados deste estudo, o próprio idoso reconhece o papel da religiosidade em sua vida. Portanto, a religiosidade da pessoa idosa é um aspecto que deve ser levado em consideração no planejamento da assistência à saúde dessa população, com o objetivo de melhorar a QV dos mesmos e como forma de respeito àquilo que lhes é importante.

Neste estudo, os indivíduos divorciados apresentaram maior religiosidade, o que colabora com a reflexão de que métodos de enfrentamento religioso positivo, como a prática da oração e de rituais espirituais, são relevantes para os indivíduos que vivenciam o divórcio, uma vez que a religiosidade ajuda a transcender os sentimentos de raiva, de mágoa e de medo.1717 Mahoney A, Krumrei EJ, Pargament KI. Broken vows: divorce as a spiritual trauma and its implications for growth and decline. In: Joseph S, Linley PA. Trauma, recovery, and growth: positive psychological perspectives on posttraumatic stress. Hoboken (US): Wiley; 2008. Ainda, a religiosidade pode atenuar os efeitos deletérios do divórcio1818 Webb AP, Ellison CG, Mcfarland MJ, Lee JW, Morton K, Walters J. Divorce, religious coping, and depressive symptoms in a conservative protestant religious group. Family Relations. 2010 Dec; 59(5):544-57. por ser um meio de buscar perdão, reduzir o sentimento de culpa, restabelecer o sentido de integridade e aumentar o senso de ligação com forças transcendentais, os quais são aspectos importantes para diminuir os sentimentos de isolamento.1717 Mahoney A, Krumrei EJ, Pargament KI. Broken vows: divorce as a spiritual trauma and its implications for growth and decline. In: Joseph S, Linley PA. Trauma, recovery, and growth: positive psychological perspectives on posttraumatic stress. Hoboken (US): Wiley; 2008.

Em relação ao gênero, estudos indicam que as mulheres são mais religiosas que os homens.1919 Moreira-Almeida A, Pinsky I, Zaleski M, Laranjeira R. Envolvimento religioso e fatores sociodemográficos: resultados de um levantamento nacional no Brasil. Rev Psiq Clin. 2010; 37(1):12-5. No entanto, neste estudo, os homens apresentaram maior religiosidade em relação às mulheres. Historicamente, elas apresentam maior envolvimento religioso que os homens, o que pode ser explicado pelos papéis atribuídos à mulher durante a vida. Afinal, desde criança, são educadas para serem mais passivas, o que facilita a aceitação de crenças e o envolvimento religioso.2020 Miller AS, Stark R. Gender and religiousness: can socialization explanations be saved? Am Journal Sociol. 2002 Mai; 107(6):1399-423. No entanto, isso não significa que os homens não busquem a religiosidade em algum momento da vida. Homens em situação de adoecimento crônico relatam que a religiosidade, entre outros fatores, compõe suas redes de apoio para o enfrentamento da doença.2121 Burille A. Itinerários terapêuticos de homens em situação de adoecimento crônico: (des) conexões com o cuidado e arranhaduras da masculinidade [dissertação]. Porto Alegre (RS): Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2012.

De acordo com este estudo, à medida que a idade avança, o aspecto organizacional da religiosidade diminui, no entanto ter um cuidador pode amenizar essa situação. Pode-se inferir que o idoso que conta com alguém para auxiliá-lo em suas incapacidades funcionais tem maior possibilidade de realizar atividades extradomiciliares, como por exemplo, a participação em atividades religiosas comunitárias. Ainda, os resultados da avaliação da QV apontam que as para atividades sociais apresentaram-se como ponto crítico para os idosos, uma vez que esta foi a dimensão de menor pontuação, o que corrobora com o fato de que os idosos associam uma boa QV à oportunidade de convivência social.8Barricelli ILFOBL, Sakumoto IKY, Silva LHM, Araújo CV. Influência da orientação religiosa na qualidade de vida de idosos ativos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012 Jul-Set; 15(3):505-15.Destaca-se aqui que frequentar atividades religiosas pode favorecer a convivência social do idoso. Afinal, a participação em tais atividades promove o encontro com amigos e o envolvimento em atividades comunitárias.2222 Fernandes MGM, Nascimento NFS, Costa KNFM. Prevalence and determinant of depression symptoms in aged people attended in primary health attention. Rev Rene. 2010 Jan-Mar; 11(1):19-27.

Devido às condições de fragilidade física impostas pela senescência, muitos idosos deixam de participar de grupos de vivência, o que é prejudicial à saúde mental, afinal, o engajamento social, por meio de sentimentos de utilidade, de identificação com os anseios e com os valores do grupo e de inserção e de realização pessoal, favorece a vivência de um estado de plenitude e de bem-estar que possibilita ao idoso um reforço em seu estado existencial.2222 Fernandes MGM, Nascimento NFS, Costa KNFM. Prevalence and determinant of depression symptoms in aged people attended in primary health attention. Rev Rene. 2010 Jan-Mar; 11(1):19-27. Ainda, a participação ativa na comunidade e a formação de redes de apoio social são fatores que podem influenciar de maneira significativa na QV dos idosos.2323 Vicente FR, Santos SMA. Avaliação multidimensional dos determinantes do envelhecimento ativo em idosos de um município de Santa Catarina. Texto Contexto Enferm. 2013 Jun [acesso 2014 Fev 18]; 22(2):370-8. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v22n2/v22n2a13
http://www.scielo.br/pdf/tce/v22n2/v22n2...

A idade também foi um aspecto importante observado na avaliação da QV dos idosos entrevistados. Certamente, o aumento do número de morbidades, consequência do avanço da idade da pessoa idosa, irá influenciar os diferentes domínios da sua QV em decorrência da alteração na capacidade funcional.3Campolina AG, Dini PS, Ciconelli RM. Impacto da doença crônica na qualidade de vida de idosos da comunidade em São Paulo (SP, Brasil). Ciênc. Saúde Coletiva. 2011 Jun; 16(6):2919-25. Em contrapartida, estudos apontam que idosos mais jovens, entre 60-70 anos, também podem ter sua QV comprometida por ainda não terem percebido o significado de sua existência.2Faller JW, Melo WA, Versa GLGS, Marcon SS. Quality of life for elderly registered in the Family Health Strategy (FHS) of Foz do Iguaçu-PR. Esc Anna Nery. 2010 Out-Dez; 14(4):803-10.

Já em relação à escolaridade, este estudo encontrou que, quanto maior o nível desta, maior a QV, o que tem sido atribuído ao fato de que idosos com maior escolaridade têm melhor acesso aos cuidados médicos, às atividades que contribuem para o estímulo das funções cognitivas e mentais, além de terem maior nível de participação social, obtendo, assim, melhores índices de QV.2222 Fernandes MGM, Nascimento NFS, Costa KNFM. Prevalence and determinant of depression symptoms in aged people attended in primary health attention. Rev Rene. 2010 Jan-Mar; 11(1):19-27.

O estado civil também influenciou na QV dos idosos. A vida conjugal pode indicar companheirismo e maior regularidade e satisfação nas relações sexuais desses idosos.2222 Fernandes MGM, Nascimento NFS, Costa KNFM. Prevalence and determinant of depression symptoms in aged people attended in primary health attention. Rev Rene. 2010 Jan-Mar; 11(1):19-27. Da mesma forma, a dependência de um cuidador também foi um fator influente na QV, pois o fato de depender de outra pessoa para a realização de atividades cotidianas gera no idoso um sentimento de desilusão.2424 Michel T, Lenardt MH, Betiolli SE, Neu DKM. Significado atribuído pelos idosos à vivência em uma instituição de longa permanência: contribuições para o cuidado de enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2012 Jul-Set; 21(3):495-504.

No que diz respeito à investigação dos sintomas depressivos, aspecto importante a ser atribuído no cuidado à saúde do idoso, foi observado que, apesar de se sentirem satisfeitos e de bem com a vida a maior parte do tempo e acharem que é maravilhoso estar vivo, os participantes da pesquisa apresentaram sintomas que indicam depressão leve. O medo de que algo ruim lhes aconteça demonstra apreensão por parte dos idosos em relação ao futuro, afinal, questões como saúde, situação financeira e medo de abandono podem gerar angústia e preocupação no idoso2525 Souza Junior MRR, Bezerra SMMS, Alves ERP, Sales PC, Lucena Filho A, Borges MGB. Tendência à depressão em idosos hipertensos fisicamente ativos. Rev Pesq Cuid Fundam. 2011 Out-Dez; 3(4):2536-45. e, por conseguinte, agravar os sintomas depressivos.

CONCLUSÃO

Os idosos que participaram deste estudo apresentaram elevado índice de religiosidade, o que se associou de forma positiva à qualidade de vida, mas não teve relação com os sintomas depressivos. Particularmente, no que se refere à qualidade de vida, os resultados refletiram alto grau de satisfação com as dimensões abordadas no estudo, embora a maior parte dos idosos entrevistados tenha apresentado sintomas depressivos que indicam depressão leve.

A religiosidade apresenta-se como uma ferramenta importante que pode contribuir para a abordagem de problemas relacionados à saúde e ao envelhecimento, já que esta apresenta uma relação positiva com a qualidade de vida do idoso e pode contribuir de modo inegável para a promoção de sua saúde. Portanto, quando o indivíduo possui crenças religiosas que influenciam de forma direta sua vida, estas podem ser identificadas pela enfermagem como um possível recurso a ser utilizado para a melhoria da qualidade de vida do idoso. Assim, torna-se importante o reconhecimento, por parte dos profissionais de saúde, da religiosidade como recurso que pode ser incluído no cuidado à saúde do idoso.

Trata-se de um estudo transversal, o que impossibilita o estabelecimento de relações causais. Recomenda-se, portanto, a realização de pesquisas que possam investigar a existência de relações causais entre as variáveis estudadas e de mais estudos que busquem investigar a influência da religiosidade sobre os diversos aspectos da saúde humana.

REFERENCES

  • 1
    Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (BR). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD. Brasília (DF): IBGE; 2010. [acesso 2012 Dez 20]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2008/default
    » http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2008/default
  • 2
    Faller JW, Melo WA, Versa GLGS, Marcon SS. Quality of life for elderly registered in the Family Health Strategy (FHS) of Foz do Iguaçu-PR. Esc Anna Nery. 2010 Out-Dez; 14(4):803-10.
  • 3
    Campolina AG, Dini PS, Ciconelli RM. Impacto da doença crônica na qualidade de vida de idosos da comunidade em São Paulo (SP, Brasil). Ciênc. Saúde Coletiva. 2011 Jun; 16(6):2919-25.
  • 4
    The WHOQOL Group The Word Health Organization Quality of Life Assessment (WHOQOL): position paper from the Health Organization. Soc Sci Med. 1995 Nov; 41(10):1403-9.
  • 5
    Alvarenga MRM, Oliveira MAC, Faccenda O. Depressive symptoms in the elderly: analysis of the items of the Geriatric Depression Scale. Acta Paul Enferm. 2012; 25(4):497-503.
  • 6
    Marchi KC. Impact of depression on quality of life and levodopa adherence in patients with Parkinson's disease [dissertação]. Ribeirão Preto (SP): Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto; 2011.
  • 7
    Koenig HG, McCullough M, Larson DB. Handbook of religion and health: a century of research reviewed. New York (NY): Oxford University Press; 2001.
  • 8
    Barricelli ILFOBL, Sakumoto IKY, Silva LHM, Araújo CV. Influência da orientação religiosa na qualidade de vida de idosos ativos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012 Jul-Set; 15(3):505-15.
  • 9
    Flanagan JC. Measurement of quality of life: current of art state. Arch Phys Med Rehabil. 1982 Fev; 23(1):56-9.
  • 10
    Hashimoto H, Guedes SL, Pereira VC. O ostomizado e a qualidade de vida: abordagem fundamentada nas dimensões da qualidade de vida proposta por Flanagan [monografia]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 1996.
  • 11
    Sheikh JI, Yesavage JA. Geriatric Depression Scale (GDS): recent evidence and development of a shorter version. Clin Gerontol. 1986; 5(1/2):165-73.
  • 12
    Almeida OP, Almeida SA. Confiabilidade da versão brasileira da Escala de Depressão Geriátrica (GDS) versão reduzida. Arq Neuro-psiquiatr. 1999; 57(2-B):421-6.
  • 13
    Ministério da Saúde (BR). Cadernos de atenção básica: envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília (DF): MS; 2006.
  • 14
    Koenig H, Patterson G, Meador K. Religion index for psychiatric research: a 5-item measure for use in health outcomes studies. Am J Psychiatry. 1997; 154(1):885-6.
  • 15
    Lucchetti G, Lucchetti ALG, Peres MFP, Moreira-Almeida A, Leão FC, Koenig HG. Validation of the Duke Religion Index DUREL (Portuguese version). J Relig Health. 2012 Jun; 51(2):579-86.
  • 16
    Moreira-Almeida A, Neto FL, Koenig HG. Religiousness and mental health: a review. Rev Bras Psiquiatr. 2006; 28(3):242-50.
  • 17
    Mahoney A, Krumrei EJ, Pargament KI. Broken vows: divorce as a spiritual trauma and its implications for growth and decline. In: Joseph S, Linley PA. Trauma, recovery, and growth: positive psychological perspectives on posttraumatic stress. Hoboken (US): Wiley; 2008.
  • 18
    Webb AP, Ellison CG, Mcfarland MJ, Lee JW, Morton K, Walters J. Divorce, religious coping, and depressive symptoms in a conservative protestant religious group. Family Relations. 2010 Dec; 59(5):544-57.
  • 19
    Moreira-Almeida A, Pinsky I, Zaleski M, Laranjeira R. Envolvimento religioso e fatores sociodemográficos: resultados de um levantamento nacional no Brasil. Rev Psiq Clin. 2010; 37(1):12-5.
  • 20
    Miller AS, Stark R. Gender and religiousness: can socialization explanations be saved? Am Journal Sociol. 2002 Mai; 107(6):1399-423.
  • 21
    Burille A. Itinerários terapêuticos de homens em situação de adoecimento crônico: (des) conexões com o cuidado e arranhaduras da masculinidade [dissertação]. Porto Alegre (RS): Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2012.
  • 22
    Fernandes MGM, Nascimento NFS, Costa KNFM. Prevalence and determinant of depression symptoms in aged people attended in primary health attention. Rev Rene. 2010 Jan-Mar; 11(1):19-27.
  • 23
    Vicente FR, Santos SMA. Avaliação multidimensional dos determinantes do envelhecimento ativo em idosos de um município de Santa Catarina. Texto Contexto Enferm. 2013 Jun [acesso 2014 Fev 18]; 22(2):370-8. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v22n2/v22n2a13
    » http://www.scielo.br/pdf/tce/v22n2/v22n2a13
  • 24
    Michel T, Lenardt MH, Betiolli SE, Neu DKM. Significado atribuído pelos idosos à vivência em uma instituição de longa permanência: contribuições para o cuidado de enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2012 Jul-Set; 21(3):495-504.
  • 25
    Souza Junior MRR, Bezerra SMMS, Alves ERP, Sales PC, Lucena Filho A, Borges MGB. Tendência à depressão em idosos hipertensos fisicamente ativos. Rev Pesq Cuid Fundam. 2011 Out-Dez; 3(4):2536-45.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2012
  • Aceito
    20 Set 2013
Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós Graduação em Enfermagem Campus Universitário Trindade, 88040-970 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil, Tel.: (55 48) 3721-4915 / (55 48) 3721-9043 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: textoecontexto@contato.ufsc.br