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Enfrentamento de mães cegas no acompanhamento dos filhos menores de 12 anos

Resumos

Objetivou-se analisar o enfrentamento de mães cegas no cuidado dos filhos menores de 12 anos, com ênfase na promoção da saúde, prevenção de riscos e educação. Trata-se de um estudo qualitativo desenvolvido em Fortaleza-CE, no domicílio de nove mães cegas. Aplicou-se uma entrevista semiestruturada, em que emergiram os núcleos de sentido: adequação do ambiente domiciliar para a prevenção de acidentes domésticos; e prevenção e tratamento de doenças e acompanhamento da vida escolar. A análise dos dados fundamentou-se nos conceitos de enfrentamento e interacionismo simbólico. Evidenciou o fato de que as mães têm consciência da adequação do ambiente domiciliar. A busca da promoção da saúde deu-se pela procura do sistema de saúde. Quanto à educação, as mães compreendem a importância do estudo e de acompanhar o seu desenvolvimento. Apesar das limitações e dificuldades, observou-se que elas cuidam e educam seus filhos com a intenção de formar pessoas de boa índole, responsáveis, para a sociedade.

Educação de pessoas com deficiência visual; Cuidado da criança; Relações mãe-filho


This study was aimed at analyzing the ways in which blind mothers cope with taking care of their children under 12 years old and is focused on health promotion, risk prevention and education. This is a qualitative study held in Fortaleza, in the state of Ceará, at the homes of nine blind mothers. A semi-structured interview was performed, from which the core meanings emerged: suitability of the home environment in order to prevent domestic accidents; prevention and treatment of diseases and monitoring of education. Data analysis was based on the concepts of coping and symbolic interactionism. The fact that the mothers are aware of the suitability of the home environment was evident. The pursuit for health promotion was done through the demand for healthcare system. Concerning education, the mothers are aware of the importance of the study and of monitoring its development. Despite the limitations and difficulties, it was observed that they care for and educate their children with the intention of raising good natured and responsible people for the society.

Education of visually disabled; Child care; Mother-child relations


Se objetivó analizar el enfrentamiento de las madres no videntes en el cuidado de los hijos menores de 12 años enfatizando en la promoción de la salud, prevención de riesgos y la educación. Estudio cualitativo desarrollado en la ciudad de Fortaleza-CE, en la casa de nueve madres no videntes. Se aplicó una entrevista semi-estructurada de la cual surgieron los núcleos de sentido: adecuación del ambiente del hogar para la prevención de accidentes; prevención y tratamiento de las enfermedades y seguimiento de la vida escolar. El análisis de datos se basó en los conceptos de enfrentamiento y en el interaccionismo simbólico. Se evidenció que las madres son conscientes de la adecuación del ambiente en el hogar. Con relación a la educación, las madres comprenden la importancia del estudio y de acompañar el desarrollo escolar. A pesar de las limitaciones y dificultades, se observó que ellas cuidan y educan sus hijos basados en buenos principios sociales.

Educación para discapacidad visual; Cuidado del niño; Relaciones madre-hijo


INTRODUÇÃO

De acordo com a Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência, o termo deficiência se refere a toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gera incapacidade para o desempenho da atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.1 1. Ministério da Saúde (BR). Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência. Brasília (DF): MS; 2008.No Brasil, segundo o último censo demográfico, existem cerca de 45 milhões de brasileiros com deficiência e, destes, 35.791.488 possuem deficiência visual.22. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (BR) [página na internet]. Censo Demográfico do ano 2010 [acesso 2011 Jul 12]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/caracteristicas_religiao_deficiencia/default_caracteristicas_religiao_deficiencia.shtm
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...

Uma mãe com deficiência visual cuida dos seus filhos com auxílio dos outros sentidos, principalmente o tato, a audição e o olfato. Estas mães são orientadas por profissionais de saúde que utilizam meios alternativos, como as mãos, para facilitar o aprendizado das informações. A literatura de cordel também pode ser citada como exemplo, uma vez que possibilita explicar temas como: técnicas do cuidado com a criança, as maneiras corretas de prevenção sobre as doenças sexualmente transmissíveis (DTSs), autoexame das mamas, dentre outros.33. Pagliuca LMF, Uchoa RS, Machado MMT. Blind parents: their experience in care for their children. Rev Latino-Am Enferm. 2009 Mar-Abr; 17(2):271-4.

O crescimento da criança está relacionado aos fatores genéticos e ao meio ambiente onde se encontra. O crescimento torna-se variável de acordo com a sua nutrição, a prática de esportes e a exposição a doenças infecciosas.44. Ministério da Saúde (BR). Saúde da criança: acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil. Brasília (DF): Secretaria de Políticas de Saúde; 2002. Para tanto, o acompanhamentodo desenvolvimento e as orientações aos familiares e cuidadores fortalecem o vínculo da família com os serviços de saúde, enfocando a promoção da saúde por meio de ações, como orientação sobre hábitos de vida saudáveis, vacinação, prevenção de problemas e agravos e provisão do cuidado em tempo oportuno.

Para as mães prestarem esse cuidado aos filhos, elas precisam mudar hábitos de vida. Segundo um estudo com mulheres cuidadoras de crianças com deficiência, elas vivenciam uma situação de sofrimento e estresse que compromete o seu bem-estar, pois uma boa mãe, sendo ela deficiente ou não, precisa seguir um padrão: ser atenciosa, dedicada, zelosa e abnegada. Nesse sentido, elas se isolam e essa atitude, por vezes, ocasiona separações conjugais e sociais, sendo necessária a reorganização da dinâmica familiar.55. Neves ET, Cabral IE. Empoderamento da mulher cuidadora de crianças com necessidades especiais de saúde. Texto Contexto Enferm. 2008 Set;17(3):552-60.

O cuidado centrado na família tem o objetivo de promover a saúde e o bem-estar de todos os seus integrantes, restaurando seu controle e dignidade. A definição de família é dada pelos próprios membros, e as ações não se restringem ao corpo biológico, enquanto o apoio emocional, social e de desenvolvimento são considerados componentes do cuidado à saúde. Embora seja centrado na família, o cuidado não elimina a competência de cada membro em relação à tomada de decisões sobre a sua saúde e as prioridades de sua vida, o que leva as mães a alterarem o seu comportamento em relação à sociedade.66. Pinto JP, Ribeiro CA, Pettengil MM, Balieiro MMFG. Cuidado centrado na família e sua aplicação na enfermagem pediátrica. Rev Bras Enferm. 2010 Jan-Fev; 63(1):132-5.

Com base nessa pressuposição, fez-se uma busca nas bases de dados online Pubmed, Scielo e Medline, em 12 de junho de 2012, usando os descritores: educação de pessoas com deficiência visual, cuidado, mães e filhos. Restaram encontrados 247 artigos, no entanto, após análise dos resumos, apenas 20 eram pertinentes à temática e foram publicados de 2008 a 2012. Enfatiza-se que nenhum desses artigos focalizava a temática específica sobre mães cegas que cuidam dos seus filhos. A escassez de publicações sobre este assunto estimulou as autoras a desenvolverem uma pesquisa com esta população vulnerável e, muitas vezes, desconhecida da sociedade.

Tendo como indicativas as recomendações do Ministério da Saúde para a promoção do cuidado da criança, e pelas dificuldades enfrentadas pela mãe com limitação visual total ou parcial, questiona-se: como as mães cegas enfrentam o cuidado com os filhos menores de 12 anos, considerando-se seus modos de cuidar e educar? Responder esta indagação foi o objetivo deste estudo, procedendo-se a análise do seu enfrentamento na situação de acompanhamento dos filhos menores de 12 anos, com ênfase na promoção da saúde, prevenção de riscos e educação.

Buscou-se a compreensão sobre o enfrentamento77. Larazus RS, Folkman S. Stress, appraiasal and coping. New York (US): Springer; 1984. e associando-o aos conceitos de interação e interpretação dos significados revelados no âmbito do interacionismo simbólico.88. Blumer H. Symbolic interactionism perspective and method. Califórnia (US): Prentice-Hall; 1969. - 99. Haguette TMF. Metodologias qualitativas na sociologia. 1ª ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 2007. O desenvolvimento deste estudo justifica-se pela necessidade de ampliar a literatura para subsidiar os profissionais de saúde que atendem essa demanda, além de oferecer uma contribuição formalizar estratégias e reflexões que instrumentalizam as mães para promover o acompanhamento dos filhos, com maior segurança.

MARCO TEÓRICO

Para aprofundar a análise do objeto de pesquisa, empregou-se a abordagem teórica do enfrentamento, a qual demonstra que os seres humanos são agentes e conscientes que dão significado às situações e buscam agir de forma autodirecionada e motivada. Nesta perspectiva, compreende-se que o enfrentamento é conceituado nos seguintes aspectos: (a) enfrentamento é um processo ou uma interação que se dá entre o indivíduo e o ambiente; (b) sua função é de administração da situação estressora, em vez de controle ou domínio dela; (c) os enfrentamentos pressupõem a ideia de avaliação, ou seja, como o fenômeno é percebido, interpretado e cognitivamente representado na mente da pessoa; e (d) o enfrentamento constitui-se em uma mobilização de estratégias, mediante as quais as pessoas empreender esforços cognitivos e comportamentais para administrar (reduzir, minimizar ou tolerar) as demandas internas ou externas que surgem da sua interação com o ambiente.77. Larazus RS, Folkman S. Stress, appraiasal and coping. New York (US): Springer; 1984. Complementando este entendimento, foram demonstrados conceitos interacionistas que privilegiam a importância do significado e a ideia de que este assume papel central no processo social.88. Blumer H. Symbolic interactionism perspective and method. Califórnia (US): Prentice-Hall; 1969.

Enfrentamento lida basicamente com dois conceitos:7 7. Larazus RS, Folkman S. Stress, appraiasal and coping. New York (US): Springer; 1984. o primeiro é a ameaça, que deriva primariamente de um evento estressor pelo qual é confrontado, e que se mostra à pessoa como forma de ameaça a se enfrentar; o segundo é o conceito de controle. Em face da ameaça do estressor, a pessoa procura estratégias de enfrentamento, obtendo o controle da situação, de si mesma e de seus sentimentos.88. Blumer H. Symbolic interactionism perspective and method. Califórnia (US): Prentice-Hall; 1969.

As estratégias de coping ou enfrentamento são tentativas de arrastar e resistir aos acontecimentos desestabilizadores e causadores de estresse. Pesquisas55. Neves ET, Cabral IE. Empoderamento da mulher cuidadora de crianças com necessidades especiais de saúde. Texto Contexto Enferm. 2008 Set;17(3):552-60. , 7 7. Larazus RS, Folkman S. Stress, appraiasal and coping. New York (US): Springer; 1984. apontam que as pessoas podem exprimir formas de reação mais ou menos eficazes, podendo ser influenciadas por vários fatores, como: ambiente, meio social, história de vida e características pessoais.7 7. Larazus RS, Folkman S. Stress, appraiasal and coping. New York (US): Springer; 1984. Nos anos 1940, o enfrentamento foi definido, segundo a teoria que o descreve, como mecanismos de defesa ou autodefesa que se associam ao funcionamento do ego, baseando-se na psicologia do ego. Assim, surge o modelo de enfrentamento como traços e estilos de personalidade, em que esta atitude é abordada como uma predisposição estável que permite ao indivíduo reagir a eventos estressantes, enfrentando-os ou recuando (adaptando-se) diante deles, numa perspectiva de estruturação ou reestruturação.77. Larazus RS, Folkman S. Stress, appraiasal and coping. New York (US): Springer; 1984.

Como efeito, o enfrentamento é definido como um conjunto de esforços, cognitivos e comportamentais, utilizado pelas pessoas com o objetivo de lidar com demandas específicas, internas e externas, surgentes em situações de estresse e que atuam sobrecarregando ou excedendo recursos pessoais.7 7. Larazus RS, Folkman S. Stress, appraiasal and coping. New York (US): Springer; 1984. Esta definição depreende que as estratégias de enfrentamento são deliberadas, que podem ser aprendidas, usadas e descartadas. Portanto, mecanismos de defesa inconscientes e não intencionais, como negação, deslocamento e regressão, não podem ser considerados como estratégias de enfrentamento.

O enfrentamento tem duas importantes funções: regular a resposta emocional aos eventos estressantes, que é o enfrentamento focado na emoção; e controlar ou alterar o problema que causou o distress (estresse negativo), que é deixar o enfrentamento focado no problema.6 6. Pinto JP, Ribeiro CA, Pettengil MM, Balieiro MMFG. Cuidado centrado na família e sua aplicação na enfermagem pediátrica. Rev Bras Enferm. 2010 Jan-Fev; 63(1):132-5.Esse modelo parte de uma perspectiva cognitivista, sendo esta conceituada como perspectiva psicológica, ao sugerir que o estudo da maneira como as pessoas pensam levará a um amplo insight sobre o comportamento humano.

A interação simbólica envolve três premissas, segundo as quais os seres humanos agem com relação aos significados que as coisas têm para eles. Esses significados são derivados de uma interação social e são manipulados e modificados mediante um processo interpretativo da pessoa com a familiaridade dos acontecimentos.88. Blumer H. Symbolic interactionism perspective and method. Califórnia (US): Prentice-Hall; 1969.

Neste estudo, buscaram-se essas premissas, com vistas a conhecer o significado inerente ao cuidado das mães cegas com as crianças menores de 12 anos, emergindo percepções internas e interpretações conscientes sobre a saúde e a educação dos filhos.

Esses aspectos terão significados para a pessoa, quando esta os considera conscientemente, reflete e pensa sobre o objeto ou o interpreta. Isso se processa numa conversação interna na qual a pessoa seleciona, confere, suspende, reagrupa e transforma os significados à luz da situação em se encontra e da direção que imprimiu à sua ação.99. Haguette TMF. Metodologias qualitativas na sociologia. 1ª ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 2007.

O ser humano deve ser visto como criativo, inovador e livre para perceber a essência das relações homem-sociedade. Nessa perspectiva, a ideia interacionista defende o argumento de que as ações devem ser combinadas com as experiências manipuladas pela pessoa, consistindo no enfretamento de uma sequência de situações nas quais ela deve agir e de como avalia e interpreta.88. Blumer H. Symbolic interactionism perspective and method. Califórnia (US): Prentice-Hall; 1969.

DESENHO METODOLÓGICO

Estudo descritivo, com abordagem qualitativa, realizado em Fortaleza-CE, nos domicílios de mulheres cegas. Procurou-se compreender as mães na realidade do contexto social e considerando a subjetividade, a qual possibilitou a apreensão de mudanças nas relações sociais.

Optou-se por trabalhar com mães cegas que cuidam dos filhos menores de 12 anos, cuja idade remete ao período de dependência do indivíduo em relação aos pais ou cuidadores. Participaram desta pesquisa mães cegas, sem delimitação de faixa etária, dotados de condições físicas e emocionais para cuidar dos filhos com até 12 anos de idade, podendo estes ser ou não portadores de qualquer tipo de deficiência.

O acesso aos sujeitos da pesquisa deu-se pela busca nas associações de cegos, na capital do Ceará, que dispõem do cadastro da maioria dos deficientes visuais, por indicação de uma pesquisadora que realiza estudos com cegas e informações prestadas pelas mães que participaram da pesquisa. Também se usou o esquema bola de neve, o qual se baseia na solicitação dos membros iniciais que indiquem outras pessoas com perfil compatível em relação aos critérios de seleção do estudo.10 10. Albuquerque EM. Avaliação da técnica de amostragem "respondent-driven sampling" na estimação de prevalências de doenças transmissíveis em populações organizadas em redes complexas [Dissertação]. Rio de Janeiro(RJ). Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca - ENSP; 2009.Com base nestes, foram identificados nove mães, contatadas via telefone, para explicação dos objetivos do estudo e agendamento das visitas domiciliares. Ressalta-se que não houve discordância em participar do estudo por nenhuma das colaboradoras identificadas.

Para a coleta dos dados, realizou-se entrevista semiestruturada, na qual constavam dados de identificação, sociodemográficos e as questões norteadoras: quais as medidas de prevenção para acidentes domésticos no cuidado com os filhos? Como você promove a saúde e oferta alimentação ao seu filho? Quais são as práticas de educação desenvolvidas com as crianças?

Durante a entrevista, observou-se diretamente o ambiente domiciliar, para avaliar a adequação e a estrutura dos domicílios, assim como suas condições socioeconômicas e educacionais, com a finalidade de complementar e aprofundar a análise dos dados. A finalização das entrevistas ocorreu quando verificadas repetições de sentido nos depoimentos e por não haver indicação de outras mães cegas, mesmo que se haja insistida na busca de mulheres, com esse perfil.

O tratamento dos dados coletados fez-se à luz da análise de conteúdo,1111. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa (PF): Edições 70; 2008. - 1212. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 10ª ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2010. na modalidade temática. Para a identificação das temáticas, reuniram-se as três questões norteadoras numa planilha, correlacionando as respostas de cada participante sobre o cuidado com os filhos. Em seguida, realizou-se nova leitura, que resultou na identificação de sete núcleos de sentido,1313. Gomes R. Análise e interpretação dos dados de pesquisa qualitativa. In: Minayo MCS, Deslandes SF, Gomes R. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 28ª ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 2009. p. 79-108. cujo resultado foi sintetizado em três temáticas de análise: adequação do ambiente domiciliar para a prevenção de acidentes domésticos; estratégia de promoção da saúde e cuidado com os filhos; e acompanhamento da vida escolar. Para a manutenção do anonimato das participantes, empregou-se a letra "M", seguida dos números de 1 a 9, para identificar a fala das depoentes.

Esta pesquisa obteve a aprovação do Comitê de Ética da Universidade de Fortaleza, sob o parecer n. 067/2011, respeitando-se os aspectos legais e éticos, de acordo com a então vigente Resolução n. 196 de 10/10/1996, referente a pesquisas com seres humanos.1414. Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 196/96. Estabelece critério sobre pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília (BR): Bioética; 1996.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As nove participantes situaram-se na faixa etária de 20 a 55 anos e os filhos delas não tinham deficiência visual. Algumas possuíam outros filhos em idade maior que a delimitada neste estudo. O nível de escolaridade da maioria das mães era o ensino médio completo, sendo uma graduada e cursando pós-graduação, o que provavelmente viabiliza o conhecimento, os valores e as atitudes para a promoção da saúde e a educação dos filhos. As mães casadas residiam com maridos e filhos, e as solteiras somente com seus filhos; em algumas famílias, havia outra pessoa para auxiliar na residência. Todas relataram ter uma religião, sendo cinco católicas, três evangélicas e uma espírita.

Constatou-se que, mesmo com o nível socioeconômico baixo, os domicílios das participantes ofereciam conforto para as crianças, como um quarto exclusivo, alimentação saudável e adequada, roupa limpa, brinquedo e material escolar organizado. Nas nove famílias, as crianças com idade escolar tinham acesso à escola. A estrutura física das casas era de boa qualidade, com forro no teto e piso de cerâmica apropriado, os banheiros limpos e quartos organizados. Os eletrodomésticos eram novos em seis das casas visitadas. Em todos os domicílios, havia bens de entretenimento como: televisor e DVD. Em duas residências, observou-se o uso do computador. Em três casas, havia animais de estimação bem cuidados, com os quais as crianças brincavam.

Observou-se que as mães eram conscientes, determinadas, e ofereciam repostas coerentes com a situação vivenciada, usufruindo dos recursos pessoais para o enfrentamento do cuidado com os filhos.

Adequação do ambiente domiciliar para a prevenção de acidentes domésticos

No conjunto dos depoimentos analisados, observou-se recorrência da adequação do ambiente domiciliar com ênfase na retirada de objetos perfurocortantes, produtos de limpeza do alcance das crianças e a modificação da estrutura física para a prevenção dos acidentes.

As mães conheciam as medidas preventivas de acidentes domésticos, e a maior parte delas adequou o ambiente à necessidade estabelecida conforme a faixa etária. Para efeito ilustrativo, ressaltaram que: sempre tomei cuidado e guardei as facas em lugar alto e pedia para a secretária ficar atenta (M7); tudo para criança pode causar acidente e tem tomadas, objetos pontiagudos, material de limpeza e fogo (M9); tem as janelas, que eu vou colocar grades (M3); eu coloco a minha filha na rede e na cama, com proteção nos lados, para ela não rolar e não cair (M6).

Destaca-se o fato de que um dos mecanismos utilizados como percepção das mães para evitar acidentes domésticos é o uso da linguagem: eu digo, olhe, se você for, vai se queimar, vai doer e ficar dodói (M1). O que está posto denota uma relação da percepção das mães quanto à prevenção de acidentes domésticos com o conhecimento adquirido na sociedade para desenvolver estratégias e realizar a adaptação do ambiente domiciliar conforme a sua deficiência.

Em decorrência da preocupação dessas mães para adequar o ambiente doméstico, algumas explicaram limitações e dificuldades para esta harmonização. Três delas relataram não atentar para a adequação do ambiente, pois constam com o auxílio de terceiros desde o nascimento da criança: minha mãe ajuda, mas quando estou só com minha filha, sempre me preocupo de fechar as janelas (M3). Mesmo com esta preocupação,aconteceram acidentes, caso quedas da rede, do andador infantil, da cama, de muro, choque elétrico e cortes diversos.

Os achados evidenciaram o conhecimento e a mobilização de esforços dessas mães para a adequação do ambiente domiciliar como estratégia para evitar acidentes domésticos, o que reforça o enfrentamento como interação da pessoa com o meio ambiente.77. Larazus RS, Folkman S. Stress, appraiasal and coping. New York (US): Springer; 1984. As táticas utilizadas inserem-se numa forma de cuidado consciente e com limitações existentes no desenvolvimento e interpretações das ações pelas mães.

Com origem dos relatos, e observando as características do ambiente domiciliar, evidenciou-se que a vida da família representa um processo de formação, sustentação e transformação de objetos, na medida em que seus sentidos se modificam. O ser humano é capaz de fazer indicações para si mesmo e isto significa que, ao confrontar o mundo de objetos que o rodeiam, ele deve interpretá-lo, a fim de agir, estabelecendo um guia de ação à luz dessa interpretação.88. Blumer H. Symbolic interactionism perspective and method. Califórnia (US): Prentice-Hall; 1969.

O apoio familiar para as mulheres cegas também possui grande relevância para elas, sendo um dos fatores que as encoraja para enfrentar as situações delicadas impostas pela vida. Uma mãe de três filhos relatou: a minha mãe achou horrível quando resolvi ter filhos e, para mim, esta é a minha maior dificuldade, porque a minha mãe não me apoia (M9).

Essa autonomia que as mães conseguem conquistar, mesmo sem o apoio dos componentes familiares, é aprimorada de acordo com a relação do ser humano com o ambiente e ocorre independentemente do contexto em que está inserido.99. Haguette TMF. Metodologias qualitativas na sociologia. 1ª ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 2007.

Estudo anterior33. Pagliuca LMF, Uchoa RS, Machado MMT. Blind parents: their experience in care for their children. Rev Latino-Am Enferm. 2009 Mar-Abr; 17(2):271-4. aponta para a prevenção dos acidentes domésticos, como: manter em local adequado os materiais de limpeza, produtos tóxicos e cáusticos, e as crianças longe do fogão, janelas e escadas. A prevenção de acidentes faz parte da habilitação das pessoas cegas nas atividades da vida diária, e os primeiros socorros podem ser ensinados com tecnologia educacional adequada.33. Pagliuca LMF, Uchoa RS, Machado MMT. Blind parents: their experience in care for their children. Rev Latino-Am Enferm. 2009 Mar-Abr; 17(2):271-4. Outro estudo revelou que as mães defrontam dificuldades no banho como insegurança sobre a temperatura da água, ocorrência de acidentes e produtos a serem utilizados na higiene da criança. A alternativa das mães para solucionar essa barreira foi suprida pelos sentidos do tato e do olfato, além da ordem na disposição dos utensílios e na tomada de medidas de segurança que transmitem autoconfiança à mãe e preservam o bem-estar da criança. Dessa forma, acrescenta-se que a estratégia de adaptação do ambiente é alternativa de enfrentamento da situação perante as suas deficiências. 77. Larazus RS, Folkman S. Stress, appraiasal and coping. New York (US): Springer; 1984.

Embora a abordagem seja com filhos de mães cegas, que podem estar mais vulneráveis a acidentes, mesmo não havendo um estudo comparativo que enfatize acidentes com os filhos de mães cegas, sabe-se que, no grupo de crianças e adolescentes, os acidentes e as violências são de considerável importância, sendo categorizados no grupo de causas externas. Nestes grupos, as mortes por estas causas representaram, em média, 15% do total de óbitos anuais em 2008 por motivos externos em Fortaleza-CE, sendo a primeira causa de morte em crianças, dos cinco anos de idade e, diante.1515. Secretaria da Saúde do Estado do Ceará. Situação de Saúde Ceará 2008 [acesso em 2013 abril 12]. Disponível em: http://www.saude.ce.gov.br/index.php/component/content/article/44764-situacao-de-saude-ceara
http://www.saude.ce.gov.br/index.php/com...

Estratégias de promoção da saúde e cuidado com os filhos

Nesta temática, observou-se que todas as participantes buscaram a promoção da saúde mediante a procura pelo sistema de saúde para vacinação, consulta de puericultura e assistência clínica ao seu filho. As participantes relataram identificar os problemas de saúde por meios perceptivos, utilizando o tato, a audição e o olfato. Para as consultas de puericultura, as mães procuravam a unidade de saúde, mensalmente, até um ano de vida das crianças; depois, semestralmente, ou quando sentiam a necessidade de consultar o médico. Cinco delas utilizaram a assistência particular e as demais o serviço da unidade básica de saúde, mesmo sentindo-se discriminadas e mal atendidas: levo meu filho ao médico, se não acontecer algum imprevisto, pelo menos de seis em seis meses (M3); vou ao posto de saúde, mas nós somos muito mal atendidos, eles ficam se admirando porque sou cega, parece até um absurdo uma cega ser mãe. Eu não gosto muito de ir (M8).

As mães constatavam as alterações na saúde dos filhos mediante a percepção tátil, auditiva e com ajuda dos próprios filhos. Para identificar alteração, como dor na garganta e febre, as mães revelaram: o apetite muda, ficam meio fastiosos e eles já sabem dizer (M1). Conheciam a ocorrência de cólicas quando: ele se espreme e encolhe as pernas (M4); ele se esticava todo e a gente vai adquirindo aqueles donzinhos de mãe (M1). Quando a dor aumentava de intensidade, reconheciam pelos sinais: parava a respiração quando estava com dor, ficava uns instantes sem respirar (M8); percebia quando ela estava com enxaqueca porque ficava molinha (M2); ela fica chorando inquieta eu tento de tudo e ela não para de chorar. Aí sei que ela está sentindo dor (M2); às vezes ele ficava colocando a mão no ouvido e a gente já percebe, pelo choro, que é diferente de quando é manha e quando é de dor mesmo (M9).

Os relatos mostraram que cinco crianças do grupo estudado são mais sensíveis e inquietas quando estão doentes e quatro demosntraram alteração no comportamento.

O interesse em procurar ajuda dos profissionais de saúde mostra a interpretação do processo formativo e a aplicação dele pelas mães, permitindo que estas desenvolvam estratégias de enfrentamento próprias, de acordo com o contexto social e cultural. Nesse caso, a Estratégia Saúde da Família (ESF) devem atuar como agente provedor para que as mães possam ser beneficiadas quanto à prevenção de riscos, promoção da saúde e recuperação de danos.

Sabe-se que o cuidado às crianças, necessariamente, envolve características de seu desenvolvimento, que, se não forem abordadas, afetarão sua saúde e seu desempenho na vida adulta e, portanto, a sociedade em que vivem.1616. Moreira MEL, Goldani MZ. A criança é o pai do homem: novos desafios para a área de saúde da criança. Ciênc Saúde Coletiva. 2010 Jan-Mar;15(2):321-7. Faz-se necessário abordar questões pouco exploradas nos serviços de saúde, como oportunidades de aprendizagem, monitoramento de alterações de comportamento, prevenção de acidentes, identificação de violência familiar e abusos domésticos; tudo isso é fundamental para a promoção da saúde e parte importante para o adulto em que essa criança se transformará.

Com esse achado, notou-se que a interpretação das mães cegas ante problemas de saúde dos filhos deu-se por meio da linguagem, o que faz com que se dialogue com a percepção interacionista da linguagem, caracterizada pelo sistema simbólico primordial e constitui o mecanismo mais importante no desenvolvimento da mente e do eu.88. Blumer H. Symbolic interactionism perspective and method. Califórnia (US): Prentice-Hall; 1969.

Os relatos mostraram que sete participantes possuíam dificuldades em medicar seus filhos: o mais difícil é colocar as gotas do remédio. Tenho que colocar o dedo para saber quantas estão pingando para não dar remédio demais (M6); eu colocava ele para dormir comigo (M1), além de terem que usar um artifício adaptado como termômetro que lê a temperatura em voz alta: colocava o termômetro adaptado (M1). Apenas duas mães não mencionaram dificuldades: para dar remédio em gotas colocava naqueles copinhos de plástico para ouvir as gotas pingando (M6).

Em razão desse fato, faz-se referência à publicação do Decreto n. 5.296, de 02 de dezembro de 2004, que prevê a identificação dos medicamentos em braille, o que ainda não foi plenamente adotado.1717. Brasil. Decreto n. 5.296 de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis de n. 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica; e n.10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. [internet]. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. [acesso 2011 Jul 12]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
As receitas médicas transcritas para o braille também são direito dos deficientes visuais. Resultados de um estudo1818. França ISX, Pagliuca LMF. Inclusão social da pessoa com deficiência: conquistas, desafios e implicações para a enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2009 Mar; 43(1):170-7. apontaram que os profissionais, de um modo geral, como os da saúde, não trabalharam as suas habilidades para assistir esse perfil de paciente, relatando não saber se comunicar com pessoas cegas e surdas.

Nos seres humanos, no entanto, a habituação pode também resultar no enfrentamento, especialmente o cognitivo. A persistência do estressor crônico pode dar à pessoa a oportunidade de aprender a lidar com as suas demandas, por evasão ou distanciamento.77. Larazus RS, Folkman S. Stress, appraiasal and coping. New York (US): Springer; 1984.

No cuidado com a saúde dos filhos, encontram-se diversos modos de oferta de alimentos às crianças, pelas mães, com a correta manipulação deles e procedimentos higiênicos. Há uma abordagem sobre a forma como os filhos se adaptam à maneira de a mãe alimentá-los, pois alguns aceitavam a dieta, enquanto outros precisavam de mais atenção por parte das mães. Dessa forma, compreende-se que as pessoas expressam formas de reação mais ou menos eficazes perante situações adversas, podendo ser influenciadas pelo ambiente, meio social, história de vida e características pessoais.7 7. Larazus RS, Folkman S. Stress, appraiasal and coping. New York (US): Springer; 1984. Nesse caso, a situação atípica envolve a cegueira das mães, as quais devem-se adaptar para garantir, no seu contexto, boa alimentação e cuidados aos filhos. Para essas mães, o resultado desse enfrentamento é positivo, porquanto todas elas relataram que, quanto ao crescimento e desenvolvimento, seus filhos estão evoluindo dentro dos padrões desejáveis em relação a peso e altura.

Cinco mães gostavam de cozinhar novos pratos para seus filhos: [...] eu sempre preparo, eu adoro cozinhar, fazia tudo, sopinha, papinha e, às vezes, até criava uma coisinha diferente (M1). Uma mãe mencionou fazer todas as comidas, utilizando o liquidificador, e outra pede ajuda a terceiros para preparar as refeições da filha: não faço a alimentação dela. Quem prepara é minha mãe, eu não preparo porque minha mãe está sempre comigo (M3); e duas mães relataram que preparam apenas o leite artificial para os filhos.

Relativamente à higienização dos utensílios, todas as participantes lavavam e ferviam os objetos utilizados. Apenas uma tinha mais cuidado quanto à limpeza das frutas e verduras: [...] sempre escaldo ou uso aquele hipoclorito ou umas gotinhas de água sanitária para deixar de molho e depois lavo em água corrente. Ah, eu tenho muito cuidado (M1); eu sempre coloco o dedo. É lógico que não dá pra ir até o fim, mas sempre uso a escovinha (M4).

As mães cegas desenvolveram estratégias para formular um equilíbrio de sua deficiência em relação ao ambiente, tornando possível que a repetição do fator estressor fosse interpretada de maneira amena até deixar de ser um estressor.

Em virtude desse fato, evoca-se a ideia de que os fatores pessoais conferem significado a um evento ou a uma situação em que o ser humano está inserido; para isso, faz-se necessário o desenvolvimento de fatores que tenham potencial para criar uma ameaça.77. Larazus RS, Folkman S. Stress, appraiasal and coping. New York (US): Springer; 1984. Essas situações variáveis podem ser importantes na determinação do bem- estar.

Acompanhamento da vida escolar

Sobre a educação, as mães compreendiam a importância dos seus filhos estudarem, demonstrando que são mulheres atualizadas com a realidade social do Brasil. As mães se esforçavam para educar os filhos mediante o estímulo para a realização das tarefas extraescolares, incentivo à leitura, acompanhamento domiciliar e transmitiam bons exemplos de vida e cidadania.

A família e a escola estão em uma relação contínua no que concerne à educação das crianças, e os pais precisam trabalhar em parceria com a escola para ensinar os valores e os limites a elas, pois, nas últimas décadas, muitas alterações acontecem na maneira de pensar a infância, assim como os papéis a serem desempenhados pelos adultos perante as crianças e jovens. Isto se justifica pelo fato de que a família, como instituição, é o agente que assume a responsabilidade pela educação da criança quando esta é ainda bebê e por mais longa duração; e a escola, nos dias atuais, tem suas atribuições ampliadas e também atua desde os anos iniciais da infância.1919. Barbosa MAM, Balieiro MMFG, Pettengill, MAM. Cuidado centrado na família no contexto da criança com deficiência e sua família: uma análise reflexiva. Texto Contexto Enferm. 2012 Jan-Mar; 21(1):194-9.

Como esta realidade, as mães cegas demonstraram esse conhecimento, ao utilizar em estratégias para realização do acompanhamento escolar, indo até a escola, ou mesmo assinando a agenda, estimulando os estudos mediante o auxílio na resolução das tarefas escolares de casa. Para educar os filhos, todas as mães recebiam auxílio direto de terceiros, seja por intermédio do marido, da mãe, de irmãos ou de amigos.

Quanto ao seguimento escolar, foi observado que duas mães acompanham diretamente os estudos dos seus filhos: [...] acompanho, embora seja mais difícil nas tarefas, eu sempre peço a alguém pra ler a agenda. Assino a agenda todo dia (M1); eu fico com eles o tempo todo para eles fazerem a tarefa e depois brincarem (M9). Todas as mães estimulavam os filhos a estudar e expressam: eu mando ele ler, eu sempre peço pra ele me contar pra saber se ele entendeu, coloco ele pra ver jornal e eu tento ler pra estar atualizada (M1).

As orientações sobre sexo e drogas são expostas de acordo com a idade de cada criança; mesmo as que têm filhos pequenos pretendem conversar com eles e algumas relataram que já amadurecem essas questões para se prepararem melhor quando forem conversar com seus filhos. As mães afirmaram: eu já converso tudo com o meu filho, pois, na sala dele, já teve um menino que se envolveu com drogas, então preciso conversar abertamente com ele (M8); hoje eu já converso com o mais velho, devagar eu explico. Tenho uma abertura pra que eles venham me procurar quando tiver dúvida, pra não ir procurar um amigo, que ensina o errado (M1); pretendo orientar, porque essa foi a educação que tive pela minha mãe, então quero explicar tudo para a minha filha (M7).

As mães conseguem realizar esse enfrentamento, pois buscam estratégias para superar as suas limitações ocasionadas pela deficiência. Elas pedem que os filhos leiam as tarefas, assinam a agenda, buscam as orientações dos professores para a educação dos seus filhos, entendem como eles se comportam na escola e analisam as situações de estresse que aparecem.

A educação e as orientações apresentadas aos filhos pelas mães cegas exprimem conflitos, pelo fato de elas necessitarem do auxílio de terceiros na educação ou na imposição de limites. Nesta perspectiva, sabe-se que a escola, além de ser uma instituição responsável pelo desenvolvimento do conhecimento formal, também desempenha um papel importante no estabelecimento dos limites infantis na orientação com os pais.2020. Araujo GB, Sperb TM. Crianças e a construção de limites: narrativas de mães e professoras. Psicol Estud. 2009 Jan-Mar;14(1):185-94.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo envolve um grupo de mães cegas que possibilita uma análise da realidade dessas mulheres ao cuidarem dos filhos menores de 12 anos.

As estratégias de enfrentamento do grupo estudado, no âmbito da pesquisa, foram identificadas pelo conhecimento que estas mães têm quanto aos riscos domésticos e à maneira como dimensionam o ambiente domiciliar contra acidentes. Quanto à adequação das residências, observa-se que possuem estrutura adequada e boa organização, propiciando um lugar favorável para o crescimento saudável e sem riscos para as crianças.

As observações realizadas remetem à ideia de que as mães que cuidam sozinhas dos seus filhos conseguem ofertar os alimentos e promover corretamente a limpeza e o preparo deles, pois possuem mais autonomia para o cuidado.

Outra habilidade observada entre as mães da pesquisa é a utilização de estratégias para identificar e solucionar os fatores interferentes na saúde dos seus filhos, buscando continuamente a promoção da saúde. Dessa forma, a capacidade de perceber que os filhos estão doentes ou que estão machucados é expressa por agitação e pelo desejo de resolver o problema, demonstrando boa desenvoltura para solucioná-lo.

As mães conseguem adaptar-se aos fatores estressores no cuidado com os filhos, algumas com auxílio de terceiros, e outras com determinação e criatividade, ou seja, elas pensam, reformulam ideias, recriam estratégias e métodos para implementar adequadamente todos os cuidados.

A oferta e o preparo dos alimentos sempre constituem pontos delicados tratando-se de crianças, no entanto todas elas encontram uma forma de preparar e alimentar corretamente seus filhos, estimulando-os com brincadeiras ou ofertando vários pratos na refeição.

As entrevistadas compreendem a importância do acompanhamento do estudo e de uma boa educação para os filhos, pois demonstraram uma visão ampla da sociedade. As mulheres relataram um desejo de superação perante a sociedade e família, quando decidiram ter filhos, e a intenção foi alcançada, pois, mesmo com suas limitações, podem cuidar e educar essas crianças, formando pessoas com boas condutas para uma sociedade que merece ser livre de preconceitos.

AGRADECIMENTOS

À FUNCAP e à UNIFOR, pelo apoio à pesquisa, e ao CNPq, pelo incentivo à bolsa de produtividade em pesquisa e iniciação científica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2013
  • Aceito
    05 Mar 2013
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