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Práticas da equipe de saúde da família: orientadoras do acesso aos serviços de saúde?1 1 Artigo resultado de estudo que recebeu auxílio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Processo n. 307314/2007-3.

Resumos

O estudo teve por objetivo a análise das práticas da equipe na Estratégia Saúde da Família e como estas orientam o acesso aos serviços de saúde, o qual foi realizado em pesquisa qualitativa, com a observação sistemática da prática em três Unidades de Saúde da Família, como técnica de coleta de dados. O fluxograma analisador orientou a análise dos dados. Os resultados revelaram que o acesso ocorre, preferencialmente, por meio do cadastramento familiar e de ações programáticas voltadas para grupos específicos. A prática procedimento-centrada orienta a atenção na Estratégia Saúde da Família, priorizando o pronto-atendimento, retratado nas urgências/emergências. Algumas atividades, realizadas pelo enfermeiro, mostraram-se mais susceptíveis a novas posturas terapêuticas, manifestadas pela satisfação dos usuários. O estudo sinaliza para a necessidade de avançar na ressignificação das práticas para potencializar a melhoria do acesso na "porta de entrada" do sistema.

Acesso aos serviços de saúde; Programa Saúde da Família; Equipe de assistência ao paciente; Sistema Único de Saúde


The study aimed to analyze the practices of the team in the Family Health Strategy, and how these guide the access to the health services. This was undertaken through qualitative research with systematic observation of the practice in three Family Health Centers as the data collection technique. The analyzing flowchart guided the analysis of the data. The results revealed that the access occurs, preferentially, through the family registration and the program actions directed towards specific groups. The procedure-centered practice guides the care in the Family Health Strategy, prioritizing the Emergency Room, depicted in emergency care. Some activities undertaken by the nurse were shown to be more susceptible to new therapeutic positions, shown by the service users' satisfaction. The study points to the need to advance in the re-signification of the practices, so as to strengthen improvement of access in the system's "gateway".

Health services accessibility; Family Health Pogram; Patient care team; Unified Health System


El estudio pretende revisar las prácticas del equipo en la estrategia de salud de la familia y como estos rigen el acceso a servicios de salud, que fue logrado en la investigación cualitativa con la observación sistemática de la práctica en tres unidades de salud de la familia como técnica de recogida de datos. El analizador de diagrama de flujo guiado el análisis de datos. Los resultados revelaron que el acceso realiza preferentemente a través del nombre de la familia y las acciones programáticas orientadas a grupos específicos. La práctica centrada en procedimiento Guía del estrategia de salud de la familia, priorizando la listo-habitación en urgências/emergências. Algunas actividades llevadas a cabo por la enfermera eran más susceptibles a nuevos enfoques terapéuticos, que se manifiesta por la satisfacción de los usuarios. El estudio señala la necesidad de avanzar en la (re) significación de las prácticas para mejorar el acceso mejorado en la "puerta" del sistema.

Accesibilidade a los servicios de salud; Programa de Salud Familiar; Equipo de aténcion al paciente; Sistema Único de Salud


INTRODUÇÃO

No contexto brasileiro, muitas discussões ocorrem acerca do sistema de saúde, com ênfase na Atenção Básica à Saúde (ABS), visando maior cobertura e resolubilidade das ações propostas para a rede de atenção. A Estratégia Saúde da Família (ESF) é parte dessa rede na busca de superar o modelo de saúde centrado na doença e em práticas, predominantemente, reativas, com a finalidade de reorganizar o acesso a partir da referida estratégia como "porta de entrada" preferencial e articuladora da rede de atenção à saúde.11. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2010 Ago; 15(5):2297-305. Além disso, busca-se a incorporação de conceitos e práticas inovadoras, balizadas por diferentes tecnologias para responder as necessidades apresentadas nos espaços concretos, onde as pessoas constroem as suas histórias e representam o seu processo de saúde-doença.22. Merhy EE. Saúde e direitos: tensões de um SUS em disputa, molecularidades. Saúde Soc. 2012 Abr-Jun; 21(2):267-79. - 33. Assis MMA, Nascimento MAA, Franco TB, Jorge MSB, organizadores. Produção do cuidado no Programa Saúde da Família: olhares analisadores em diferentes cenários. Salvador (BA): Edufba; 2010.

Nesse sentido, a prática de saúde pode canalizar-se em atos protagonizados por diferentes sujeitos sociais direcionados à modificação da realidade e, assim, possibilitar contrapontos ao arcabouço funcional instituído, apontando para mudanças relacionais, institucionais e organizacionais, por meio de ações instituintes.44. Baremblit G. Compêndio de análise institucional e outras correntes. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): ABDR; 1996. Ou seja, as práticas de saúde são engendradas em diferentes formas de organização do trabalho em equipe, tais como: "equipe agrupamento", aquela que pauta a sua prática na sobreposição de ações realizadas por um aglomerado de sujeitos-trabalhadores a realizar trabalhos desconectados entre si, e "equipe integração", a que elabora propostas de trabalho inclinadas à realização de ações integrais, coerentes com o trabalho integrado e colaborativo dos trabalhadores de saúde.55. Peduzzi M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Rev de Saúde Pública. 2001 Fev; 5(1):103-9.

O acesso, contudo, pode ser discutido a partir de dimensões específicas, que descrevem a adequação entre os usuários e o sistema de saúde: a disponibilidade, compreendida como uma relação entre a quantidade de atendimento ofertado e as necessidades a serem satisfeitas; a relação entre oferta e demanda dos usuários nos seus territórios sociais; a acomodação funcional, percebida como a relação entre o modo como a oferta está organizada para aceitar os usuários e a capacidade/habilidade destes se acomodarem aos referidos aspectos, e perceberem a conveniência dos mesmos.66. Assis MMA, Abreu-de-Jesus WL. Acesso aos serviços de saúde: abordagens, conceitos, políticas e modelo de análise. Ciênc Saúde Coletiva. 2012 Nov; 17(11):2865-75. - 77. Abreu-de-Jesus WL, Assis MMA. Revisão sistemática sobre o conceito de acesso nos serviços de saúde: contribuições do planejamento. Ciênc Saúde Coletiva. 2010 Jan; 15(1):161-70.

Em revisão sobre as pesquisas que, também, abordam as práticas da Equipe de Saúde da Família (EqSF) como orientadoras do acesso aos serviços de saúde, identificaram-se trabalhos em suas múltiplas dimensões, relacionando o acesso às desigualdades geográficas e sociais8 8. Barata RB. Social inequalities in access to dental care. Rev Saúde Pública. 2012 Abr; 46(2):207-8.e a acessibilidade aos serviços,99. Oliveira LS, Almeida LGN, Oliveira MAS, Gil GB, Cunha ABO, Medina MG et al. Acessibilidade a atenção básica em um distrito sanitário de Salvador. Ciênc Saúde Coletiva. 2012 Nov; 17(11):3047-56. que extrapolam a dimensão geográfica; disponibilidade e organização funcional destes;1010. Santos AM, Giovanella L, Mendonça MHM, Andrade CLT, Martins MIC, Cunha MS. Práticas assistenciais das Equipes de Saúde da Família em quatro grandes centros urbanos. Ciênc Saúde Coletiva. 2012 Out; 17(10):2687-702. acolhimento como um dispositivo orientador;1111. Santos AM, Assis MMA. Saúde bucal: da fragmentação à integralidade. Feira de Santana (BA): UEFS; 2010. - 1212. Santos IMV, Santos AM. Acolhimento no Programa Saúde da Família: revisão das abordagens em periódicos brasileiros. Rev Salud Pública. 2011 Ago; 13(4):703-16. oferta e demanda dos serviços de saúde13 13. Conill EM, Giovanella L, Almeida PF. Listas de espera em sistemas públicos: da expansão da oferta para um acesso oportuno? Considerações a partir do Sistema Nacional espanhol. Ciênc Saúde Coletiva. 2011 Jun; 16(6):2783-94.para atendimento das necessidades individuais e coletivas dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).

No entanto, foram observadas lacunas de conhecimento sobre a articulação da temática referente à prática de saúde e as conexões estabelecidas no processo de construção do acesso na rede básica desta, incluindo a ESF, ainda que alguns autores discutam o processo de cuidar interconectado pela micropolítica do processo de trabalho da área,22. Merhy EE. Saúde e direitos: tensões de um SUS em disputa, molecularidades. Saúde Soc. 2012 Abr-Jun; 21(2):267-79. , 1414. Franco TB. Transição tecnológica e inclusão social na saúde. In: Franco TB, Andrade CS, Ferreira VSC, organizadores. A produção subjetiva do cuidado: cartografias da Estratégia Saúde da Família. São Paulo (SP): Hucitec; 2009. p.147-62. compreendendo o acolhimento como dispositivo necessário para viabilização do acesso na rede SUS.1111. Santos AM, Assis MMA. Saúde bucal: da fragmentação à integralidade. Feira de Santana (BA): UEFS; 2010. - 1212. Santos IMV, Santos AM. Acolhimento no Programa Saúde da Família: revisão das abordagens em periódicos brasileiros. Rev Salud Pública. 2011 Ago; 13(4):703-16. , 1414. Franco TB. Transição tecnológica e inclusão social na saúde. In: Franco TB, Andrade CS, Ferreira VSC, organizadores. A produção subjetiva do cuidado: cartografias da Estratégia Saúde da Família. São Paulo (SP): Hucitec; 2009. p.147-62.

Em síntese, este artigo, elaborado a partir de uma dissertação de Mestrado, delimita a seguinte questão orientadora: como é operada a prática da EqSF para orientar o acesso dos usuários à ESF? Para tanto, o estudo teve como objetivo analisar a dinâmica das práticas da Equipe de Saúde da Família como orientadoras do acesso aos serviços de saúde.

METODOLOGIA

O campo empírico do estudo é localizado na Região do Semiárido Nordestino, no Estado da Bahia, componente do Projeto de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (PROESF). Na vigência do Pacto pela Saúde, o município assumiu o comando da gestão dos serviços de saúde, sendo responsável por uma rede de serviços que conta com 83 EqSF, com cobertura de 57% da população em área urbana e 100% em área rural.1515. Feira de Santana (BA). www.feiradesantana.ba.gov.br. Feira de Santana; 2010. [acesso 2010 Abr 18]: Disponível em: http://www.feiradesantana.ba.gov.br.
www.feiradesantana.ba.gov.br...
O município possui uma rede diversificada de serviços de média e alta densidade tecnológica, gerenciando recursos da ordem de R$ 60 milhões/ano e sendo referência para quase 80 municípios das Macrorregiões de Saúde Centro-Leste e Centro.1616. Bahia. Plano Estadual de Saúde 2008-2011. Rev Baiana Saúde Pública. 2009 Nov; 33(Supl.1):13-87. O estudo foi realizado em três Unidades de Saúde da Família (USFs), por meio da observação sistemática da prática, totalizando 74 horas. Os critérios de inclusão foram: EqSF completa (médico, enfermeiro, odontólogo, técnico de enfermagem, Agentes Comunitários de Saúde (ACSs), auxiliar ou técnico em saúde bucal); trabalhadores com inserção mínima de seis meses na equipe e unidades localizadas em três diferentes áreas de abrangência.

Os dados foram coletados no período de julho a dezembro 2009, orientados por um roteiro, constando informações em relação ao acesso à ESF: tipo de demanda, número de vagas, consultas agendadas, critérios de marcação de consulta e as práticas operadas no cotidiano da unidade.

A análise dos dados foi orientada pelo fluxograma analisador,1717. Merhy EE, Chakkour M, Stéfano E, Stéfano ME, Santos CM, Rodrigues RA et al. Em busca de ferramentas analisadoras das tecnologias em saúde: a informação e o dia a dia de um serviço, interrogando e gerindo trabalho em saúde. In: Merhy EE, Onocko R, organizadores. Agir em saúde: um desafio para o público. 3 ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2007. p.113-150. uma representação gráfica do caminho percorrido pelo usuário em unidades de saúde, mostrando as interfaces entre os sujeitos da prática, os seus métodos de ação e modo como interagem, possibilitando uma nova compreensão sobre as práticas em saúde, que é, essencialmente, um tipo de força que opera em ação permanente e em relação. Portanto, procurou-se estabelecer interfaces do acesso à ESF com a prática desenvolvida pela equipe de saúde.

Nesse sentido, considera-se que quaisquer serviços de saúde podem ser enquadrados na sequência mostrada pelo fluxograma, apresentado na figura 1. Trata-se da análise dos elementos objetivos e subjetivos que atravessam a produção da prática, presentes nos diferentes momentos do fluxo de usuários na rede de atendimento. Estes são representados pela entrada e saída do processo global de produção identificado nos serviços de saúde, retratado, no caso em foco, pelo acesso desde a porta de entrada na ESF, até a finalização do projeto terapêutico.

Figura 1
Fluxograma analisador do caminho percorrido pelo usuário ao buscar atendimento nos serviços de saúdeFluxograma analisador do caminho percorrido pelo usuário ao buscar atendimento nos serviços de saúde

A entrada é representada, simbolicamente, por uma elipse, caracterizada pelo movimento que, em um dia, se faz na "porta de entrada" da USF, e no qual alguns usuários acabam por chegar à recepção e outros não, caracterizando o momento do acesso. A recepção, configurada por um retângulo, constitui-se nas diferentes formas de organização do atendimento. A decisão da oferta de serviços é representada por um losango com os distintos critérios que a unidade utiliza para compreender se o que o usuário traz como problema de saúde, será ou não, objeto de intervenção nesta USF. O cardápio, o segundo retângulo, consiste na oferta de determinados serviços pela unidade, ou seja, tanto as consultas realizadas em um consultório médico, quanto os atendimentos que são realizados no corredor, de um modo simples e rápido, possibilitam ou não acesso às práticas da unidade. Finalmente, a elipse de saída, descreve o que ocorreu com os usuários que obtiveram algum tipo de intervenção e que poderão sair ou retornar à unidade em várias situações: alta, por cura, por óbito ou abandono; encaminhamentos para exames ou outros serviços da rede de atenção e retornos dos mais diferentes tipos, do próprio serviço.

Na apresentação dos resultados, construída a partir das observações da prática, detalha-se o fluxo das informações adquiridas por meio da pesquisa empírica, aprofundando o fluxograma retratado na figura 1.1717. Merhy EE, Chakkour M, Stéfano E, Stéfano ME, Santos CM, Rodrigues RA et al. Em busca de ferramentas analisadoras das tecnologias em saúde: a informação e o dia a dia de um serviço, interrogando e gerindo trabalho em saúde. In: Merhy EE, Onocko R, organizadores. Agir em saúde: um desafio para o público. 3 ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2007. p.113-150.

Todos os sujeitos observados receberam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, constando de esclarecimentos sobre a pesquisa, com solicitação para o fornecimento das informações necessárias e autorização para a participação no estudo. O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, da Universidade Estadual de Feira de Santana, com o protocolo n. 170/2008 (CAAE 0170005900008).

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Apreendidas no momento da observação sistemática da prática das EqSFs, as sínteses analíticas, representadas nas figuras 2, 3 e 4, reafirmam outras pesquisas realizadas na região do Recôncavo baiano1111. Santos AM, Assis MMA. Saúde bucal: da fragmentação à integralidade. Feira de Santana (BA): UEFS; 2010. , 1818. Rodrigues AAAO, Assis MMA. Saúde bucal no Programa de Saúde da Família: sujeitos, saberes e práticas. Vitória da Conquista (BA): UESB; 2009. - 1919. Lima WCMB, Assis MMA. Acesso restrito e focalizado ao Programa Saúde da Família em Alagoinhas-Bahia, Brasil: demanda organizada para grupos populacionais específicos x demanda espontânea. Rev Baiana Saúde Pública. 2010 Jul-Set; 34(3):439-49. e corroboram estudos realizados em outros estados brasileiros1010. Santos AM, Giovanella L, Mendonça MHM, Andrade CLT, Martins MIC, Cunha MS. Práticas assistenciais das Equipes de Saúde da Família em quatro grandes centros urbanos. Ciênc Saúde Coletiva. 2012 Out; 17(10):2687-702. , 2020. Castro RCL, Knauth DR, Harzheim E, Hauser L, Duncan BB. Avaliação da qualidade da atenção primária pelos profissionais de saúde: comparação entre diferentes tipos de serviço. Cad Saúde Pública. 2012 Set; 28(9):1772-84. - 2121. Giovanella L, Mendonça MHM, Almeida PF, Escorel S, Senna MCM, Fausto MCR et al. Saúde da família: limites e possibilidades para uma abordagem integral de atenção primária à saúde no Brasil. Cienc Saúde Coletiva. 2009 Maio-Jun; 14(3):783-94. quanto à ESF possibilitar a ampliação do acesso a alguns serviços no nível básico da atenção, embora esta não tenha se constituído em espaço de atendimento que assegure o acesso do usuário em sua plenitude, enquanto "porta de entrada" no sistema de saúde.2222. Santos AM. Gestão do cuidado na microrregião de saúde de Vitória da Conquista (Bahia): desafios para constituição de rede regionalizada com cuidados coordenados pela Atenção Primária à Saúde [tese]. Rio de Janeiro (RJ): Fundação Oswaldo Cruz. Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública; 2013.

Figura 2
Fluxograma analisador do acesso de usuários às práticas da Equipe de Saúde da Família (situação um)

Figura 3
Fluxograma analisador do acesso de usuários às práticas da Equipe de Saúde da Família (situação dois)

Figura 4
Fluxograma analisador do acesso de usuários às práticas da Equipe de Saúde da Família (situação três)

A persistência de tais problemas reflete inadequação do acolhimento realizado em serviços quanto aos avanços em relação à gestão do trabalho1212. Santos IMV, Santos AM. Acolhimento no Programa Saúde da Família: revisão das abordagens em periódicos brasileiros. Rev Salud Pública. 2011 Ago; 13(4):703-16. , 2323. Mendonça MHM, Martins MIC, Giovanella L, Escorel S. Desafios para gestão do trabalho a partir de experiências exitosas de expansão da Estratégia de Saúde da Família. Ciênc Saúde Coletiva. 2010 Ago; 15(5):2355-65. - 2424. Assis MMA, Alves JS, Santos AM. Políticas de recursos humanos e a (re)significação das práticas dos trabalhadores no Sistema Único de Saúde (SUS): apontamentos para o debate. Rev. Baiana de Saúde Pública. 2008 Out; 32(1):7-15. e desafios à coordenação dos cuidados nas EqSFs.2525. Almeida PF, Giovanella L, Mendonça MHM, Escorel S. Desafios à coordenação dos cuidados em saúde: estratégias de integração entre níveis assistenciais em grandes centros urbanos. Cad Saúde Pública. 2010 Fev; 26(2):286-98. Aliado a tais problemas, observa-se uma rede de atenção insuficiente em relação à oferta de serviços na média e alta densidade tecnológica.1313. Conill EM, Giovanella L, Almeida PF. Listas de espera em sistemas públicos: da expansão da oferta para um acesso oportuno? Considerações a partir do Sistema Nacional espanhol. Ciênc Saúde Coletiva. 2011 Jun; 16(6):2783-94. , 2222. Santos AM. Gestão do cuidado na microrregião de saúde de Vitória da Conquista (Bahia): desafios para constituição de rede regionalizada com cuidados coordenados pela Atenção Primária à Saúde [tese]. Rio de Janeiro (RJ): Fundação Oswaldo Cruz. Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública; 2013. Esses aspectos demandam de trabalhadores e gestores investimentos em atos promotores de saúde, articulados a investimentos adequados em termos de financiamento, aquisição de pessoal e desenvolvimento de habilidades relacionais, compatíveis à integralidade do cuidado.

Partindo dessa assertiva, persistem nos cenários estudados problemas organizacionais relacionados à demanda reprimida e suas implicações para a garantia de acesso ao conjunto de atividades ofertadas, nem sempre, adequadamente, capazes de satisfazerem as necessidades manifestas por usuários, o que oportuniza conflitos no processo de construção da prática de saúde. A demanda reprimida, conforme observado, persiste relacionada aos aspectos organizadores da prática e à persistente falta de resolubilidade em unidades de maior densidade tecnológica, entre outras questões.

No sentido de evidenciar de forma mais detalhada, a análise dos dados, três situações diferenciadas são apresentadas em relação ao acesso do usuário às práticas da EqSF, conforme as figuras 2, 3 e 4.

A situação um, retratada na figura 2, mostra que o acolhimento ocorre na recepção, sendo o acesso, preferencialmente, organizado para usuários cadastrados nas USFs, por meio do cadastramento familiar e obedecendo à ordem de chegada. Na recepção, lócus onde ocorre contato inicial do usuário com a USF, as prioridades são dirigidas para urgências/emergências e atenção programática para grupos específicos como crianças, pessoas com hipertensão, diabetes, gestantes, entre outros.

Os usuários vivenciam a demanda espontânea aos serviços de saúde, chegando cedo para assegurarem seus atendimentos e, geralmente, enfrentam filas em diferentes atividades dos profissionais: consultas médicas, curativos, vacinação ou outros procedimentos.

Além dos critérios descritos, o cuidado está disponível para atendimento a qualquer cidadão que, em situação de intercorrência, necessite ser avaliado, e não apenas para moradores da área de abrangência, cadastrados pelos ACSs. Todavia, apesar dessa abertura à demanda espontânea, essa possibilidade de atenção fica restrita por aspectos como: número de atendimentos/dia, ordem de chegada, ausência de profissionais e insumos, entre outros, que favorecem a não resolução de parte apreciável das demandas do território social, desqualificando, em parte, o processo de trabalho e ocasionando perda de cuidado oportuno.

Os critérios de marcação de consultas pelos trabalhadores de saúde são variáveis e dependem da unidade e da equipe, com exceção do médico que, na totalidade das USFs investigadas, as realizava por meio de agendamento semanal. O atendimento de enfermagem ocorre, geralmente, por demanda espontânea, exceto com relação aos grupos que são pré-agendados. Observa-se, no entanto, que em uma das unidades, o enfermeiro organiza sua prática paralela à prática médica, programaticamente.

O atendimento de saúde bucal ocorre de maneira distinta nas três unidades, variando a marcação em mensal, trimestral e sem período definido. Constata-se que, em todas as USFs observadas, os novos atendimentos em Odontologia, para realização do tratamento completo, são marcados após conclusão do tratamento dos demais, previamente agendados. No entanto, mesmo com esta dinâmica organizativa, a oferta de serviços é insuficiente para a demanda reprimida das áreas de abrangência, comprovada pelas listas de espera e grandes filas na porta da unidade. Ainda assim, todos os odontólogos foram elogiados pela forma como desenvolvem suas práticas, certamente humanizadas, em sua maioria, mas contraditórias em uma unidade, na qual identificamos o não acolhimento de um usuário em situação de urgência.

Algumas atividades como palestras na sala de espera, orientações individuais e grupos de discussão por agravos específicos (diabetes e hipertensão), entre outras, estavam relacionadas à prática do enfermeiro, que se mostrou mais susceptível a novas posturas terapêuticas. A produção do cuidado, realizada pelo referido profissional, revela-se de maneira inovadora, acolhedora e corresponsável para grande parte dos usuários. Essa satisfação apresentou-se em diferentes momentos do processo de produção do cuidado: 1) no momento da recepção ao ser acolhido pelo enfermeiro; 2) no ato da atenção individual, por uma abordagem de fácil compreensão, determinada pela escuta qualificada e corresponsabilização, estabelecidas entre enfermeiro-usuário-equipe; 3) no desenvolvimento de atividades coletivas, operadas por meio de orientações, palestras e oficinas comunitárias; e 4) no encaminhamento das demandas apresentadas pelos usuários para outros serviços da rede de atenção à saúde, sobretudo em serviços de média e alta densidade tecnológica.

Entretanto, não havendo resolução de sua necessidade na atenção básica, o usuário é encaminhado aos demais níveis de atenção do SUS, ponto crítico observado, pela demora no atendimento e indisponibilidade de vagas relacionadas ao atendimento médico especializado, exames complementares e internações hospitalares.

Entende-se que, o atendimento em saúde de boa qualidade, relaciona-se com a adoção de práticas acolhedoras em todos os momentos do cuidado. Nesse sentido, o cuidar exige a reconstrução das práticas em saúde,2626. Ayres JRCM. Cuidado: trabalho e interação nas práticas de saúde. Rio de Janeiro (RJ): Abrasco; 2009. compatíveis com a humanização do atendimento e por sua vez, não cabem nas restrições numéricas e burocráticas. Isso requer uma clínica ampliada e inventiva que afeta profissionais e usuários no cotidiano dos serviços.2727. Matumoto M, Fortuna CM, Kawata LS, Mishima SM, Pereira MJB. Cartografia das dores do cuidado no trabalho clínico do enfermeiro na atenção básica. Texto Contexto Enferm. 2013 Abr-Jun [acesso 2013 Ago 10]; 22(2):318-26. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v22n2/v22n2a07.pdf
http://www.scielo.br/pdf/tce/v22n2/v22n2...
Assim, a prática da equipe consideraria aspectos biopsicossociais, que para serem apreendidos suscitam acesso facilitado,66. Assis MMA, Abreu-de-Jesus WL. Acesso aos serviços de saúde: abordagens, conceitos, políticas e modelo de análise. Ciênc Saúde Coletiva. 2012 Nov; 17(11):2865-75. cuidado coordenado, continuado e longitudinalidade,2222. Santos AM. Gestão do cuidado na microrregião de saúde de Vitória da Conquista (Bahia): desafios para constituição de rede regionalizada com cuidados coordenados pela Atenção Primária à Saúde [tese]. Rio de Janeiro (RJ): Fundação Oswaldo Cruz. Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública; 2013. , 25 25. Almeida PF, Giovanella L, Mendonça MHM, Escorel S. Desafios à coordenação dos cuidados em saúde: estratégias de integração entre níveis assistenciais em grandes centros urbanos. Cad Saúde Pública. 2010 Fev; 26(2):286-98.conformado de maneira contrária à variadas restrições de acesso, como observado nos cenários investigados.

No entanto, a gestão municipal orienta as equipes a trabalharem com demanda organizada, preferencialmente, delimitando o número de vagas diárias. Particularmente, o acesso preferencial aos grupos específicos, como pessoas com hipertensão, diabetes ou relacionados às fases da vida (crianças, gestantes), podem proporcionar a exclusão de grupos que necessitam de outras abordagens, visto que têm maior resistência ao cuidado e maior dificuldade de adesão aos serviços de saúde (homens, adolescentes).1010. Santos AM, Giovanella L, Mendonça MHM, Andrade CLT, Martins MIC, Cunha MS. Práticas assistenciais das Equipes de Saúde da Família em quatro grandes centros urbanos. Ciênc Saúde Coletiva. 2012 Out; 17(10):2687-702. , 2828. Gomes R, Moreira MCN, Nascimento EF, Rebello LEFS, Couto MT, Schraiber LB. O homem não vem! Ausência e/ou invisibilidade masculina na atenção primária. Ciênc Saúde Coletiva. 2011 Mar; 16(Supl.1):983-92. Entretanto, é preciso amparar a atuação pautada na defesa dos direitos dos usuários, compatível com o desenvolvimento do vínculo-responsabilização, a partir da reversão do modelo de cuidado procedimento-centrado, adequando à clínica e singularidade de cada usuário.2929. Santos AM, Assis MMA; Nascimento MAA, Jorge MSB. Vínculo e autonomia na prática de saúde bucal no Programa de Saúde da Família. Rev Saúde Pública. 2008 Jun; 42(3):464-70.

30. Araujo IB, Nascimento MAA, Assis MMA. Modelos de atenção à saúde no PSF: práticas e relações. Saúde em Debate. 2010 Jan-Mar; 34(84):119-28.
- 3131. Franco TB, Andrade CS, Ferreira VSC. A produção subjetiva do cuidado: cartografia da Estratégia Saúde da Família. São Paulo (SP): Hucitec; 2009.

Na situação dois, figura 3, o acolhimento é organizado conforme adstrição de clientela, mas empenhando-se em resolver as necessidades das pessoas ou buscando encaminhá-las para as unidades em que serão atendidas. A "porta de entrada" da USF apresenta certa flexibilidade, procurando atender os usuários, em qualquer situação, ainda que se estabeleçam critérios organizacionais para a definição da atenção, o acesso preferencial ocorre para usuários da área, exceto em situações de urgência/emergência e em casos excepcionais (avaliação 'caso a caso'). Embora o acesso seja negado em muitos momentos, percebeu-se também, devido à imprevisibilidade de tempo gasto nos atendimentos, que o acesso nem sempre era mediado por critérios burocráticos (número de usuários por turno de atendimento), posto que, diante de urgências/emergências e casos excepcionais, os trabalhadores pautam suas condutas em dimensões humanas, que possibilitam a ampliação dos atos cuidadores da equipe.

Na situação três, evidenciada na figura 4, o acesso é negado para alguns usuários ou agendado em período incompatível com as suas necessidades. O cenário mostra a frustração dos usuários com o sistema de saúde, demonstrando o não entendimento (ou não aceitação) da forma como se organiza a oferta de serviços e da falta de acolhimento de suas demandas no momento do ato do cuidado. O usuário e seus familiares não se sentem acolhidos e/ou adequadamente orientados pelo serviço, levando-os a procurarem outras unidades na rede de atenção SUS.

Os três cenários revelam que a autonomia dos trabalhadores pouco modifica as formas de organização do acesso aos serviços. A oferta nem sempre é condizente com a demanda da unidade, levando expressiva parte de usuários a revelarem-se insatisfeitos, em alguns momentos, com a produção (ou falta) do cuidado local de saúde, o que sugere necessidade de mudança da prática e do fluxo da atenção.

Os trabalhadores da saúde, nos distintos espaços da rede de atenção, ao incorporarem as dimensões relacionais (acolhimento e vínculo) à clínica, possibilitam o matriciamento e viabilizam a consolidação de linhas do cuidado para resolução de reais e simbólicos problemas de saúde.2626. Ayres JRCM. Cuidado: trabalho e interação nas práticas de saúde. Rio de Janeiro (RJ): Abrasco; 2009. , 3131. Franco TB, Andrade CS, Ferreira VSC. A produção subjetiva do cuidado: cartografia da Estratégia Saúde da Família. São Paulo (SP): Hucitec; 2009.

32. Cecílio LCO. A morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói: elementos para se pensar as múltiplas dimensões da gestão do cuidado. Interface: Comunic, Saúde, Educ. 2009; 13(Suppl.1):545-55.
- 3333. Jorge MSB, Sousa FSP, Franco TB. Apoio matricial: dispositivo para resolução de casos clínicos de saúde mental na Atenção Primária à Saúde. Rev Bras Enferm. 2013 Set-Out; 66(5):738-44. Essa necessária ressignificação legitima a prática profissional para ampliação dos atos cuidadores - centrados nos usuários -, em suas necessidades reais ou imaginárias, por meio de processos dialógicos, que permitem mudanças no processo de trabalho, mesmo em lócus, tradicionalmente mais centrados no procedimento.3434. Massuda A, Campos GWS. El método de soporte Paideia en el hospital: la experiência del Hospital de Clínicas de la Universidade Estadual de Campinas (HC-Unicamp). Salud Colectiva. 2010 Maio-Ago; 6(2):163-80.

Para tanto, deve-se apreender diferentes perspectivas no ato do cuidado: da subjetividade de usuários e trabalhadores; de situações demandadas por eles e de apoios de gestores, entre outras questões. Os demais aspectos que demonstraram qualificar o cuidado, como acolher, estabelecer vínculo e valorização do respeito mútuo entre trabalhador e usuário, configuram-se em diferentes sujeitos, como uma postura individual e singular que causava (contra)produções no processo de cuidar como um todo. Ou seja, são práticas diferenciadas que demonstram a responsabilização de alguns membros da equipe no ato do cuidado em saúde.

A pesquisa revelou contradições, em momentos pontuais, em que - mesmo na presença desses aspectos 'qualificadores do cuidado' -, alguns sujeitos demarcavam sua postura pouco acolhedora, valorizando a prática burocrática e procedimento-centrada. Por sua vez, foi possível perceber ações de educação permanente nos serviços e interface entre diferentes práticas enquanto eixos contra-hegemônicos relevantes para contrapor o instituído. Essas ocasiões e práticas referendam a subjetividade como um elemento dos trabalhadores que incita, ou não, a busca pela edificação do fazer saúde sob os pilares do cuidado integral, permitindo avançar qualitativamente no acesso por meio de uma prática diferenciada e em equipe. Estes dados corroboram estudos em outras realidades no contexto nacional.3434. Massuda A, Campos GWS. El método de soporte Paideia en el hospital: la experiência del Hospital de Clínicas de la Universidade Estadual de Campinas (HC-Unicamp). Salud Colectiva. 2010 Maio-Ago; 6(2):163-80. - 3535. Kawata LS, Mishima SM, Chirelli MQ, Pereira MJB. O trabalho cotidiano da Enfermeira na Saúde da Família: utilização de ferramentas da gestão. Texto Contexto Enferm. 2009 Abr-Jun; 18(2):313-20.

Especificamente, na prática em saúde bucal, a disponibilização de uma Equipe de Saúde Bucal (ESB) para duas EqSFs, no município estudado, tem causado descontentamento de trabalhadores e usuários, que fazem críticas ao desenvolvimento das práticas focalizadas, pontuais e pouco resolutivas, com dificuldade de estabelecimento de vínculo com a comunidade. Esses equívocos estimulam frequentes questionamentos e queixas de usuários, que se sentem desprotegidos e de trabalhadores, que mesmo quando comprometidos com o serviço, se sentem sobrecarregados e com capacidade limitada de produção do cuidado.

Essas situações podem gerar demanda maior que a oferta, não apenas na busca por serviços de saúde bucal, mas em todas as ações dos diferentes trabalhadores de saúde, o que suscita oportunas reflexões oriundas do estudo: que aspectos na gestão favorecem práticas assistenciais que acabam por manter (e gerar) demandas? Que desdobramentos nas práticas dos profissionais tem continuidade, em decorrência da não resolução de demandas dos usuários?

As considerações tecidas até aqui mostram, de alguma forma, práticas orientadas para o atendimento de problemas de saúde por meio de demanda organizada ou espontânea, centrada na 'lógica' da queixa-conduta. No entanto, independente da USF pesquisada, algumas situações são observadas: a falta de material atrasa os atendimentos em todos os contextos; aumento da demanda no primeiro dia útil é reforçado pelo não funcionamento da unidade em fins de semana; e descrédito do usuário em relação à resolubilidade do seu problema na atenção básica, entre outros. Essas situações dificultam conceber a ESF como "porta de entrada" preferencial na rede de atenção à saúde, o que leva o usuário a buscar a satisfação de suas necessidades em outros níveis de atenção (Figura 4).

O acesso ao primeiro nível de atenção à saúde tem melhorado com a implantação da ESF. No entanto, ainda persiste o caráter fragmentado e desarticulado no âmbito interno do sistema público.1010. Santos AM, Giovanella L, Mendonça MHM, Andrade CLT, Martins MIC, Cunha MS. Práticas assistenciais das Equipes de Saúde da Família em quatro grandes centros urbanos. Ciênc Saúde Coletiva. 2012 Out; 17(10):2687-702. , 1818. Rodrigues AAAO, Assis MMA. Saúde bucal no Programa de Saúde da Família: sujeitos, saberes e práticas. Vitória da Conquista (BA): UESB; 2009. , 2525. Almeida PF, Giovanella L, Mendonça MHM, Escorel S. Desafios à coordenação dos cuidados em saúde: estratégias de integração entre níveis assistenciais em grandes centros urbanos. Cad Saúde Pública. 2010 Fev; 26(2):286-98. Essa afirmativa independe da localização geográfica da unidade; do procedimento ou atendimento pretendido pelo usuário; do caráter do atendimento ser urgente ou não; como também, quando relacionada às cotas insuficientes para consultas médicas ou odontológicas especializadas ou exames complementares, encaminhados por guias de referência que, frequentemente, não retornam contrarreferenciadas (interrupção do fluxo informacional), embora trabalhadores e gestores assegurem discutir a importância do retorno clínico às unidades de primeiro nível de atenção.2222. Santos AM. Gestão do cuidado na microrregião de saúde de Vitória da Conquista (Bahia): desafios para constituição de rede regionalizada com cuidados coordenados pela Atenção Primária à Saúde [tese]. Rio de Janeiro (RJ): Fundação Oswaldo Cruz. Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública; 2013. , 3636. Gawryszewski ARB, Oliveira DC, Gomes AMT. Acesso ao SUS: representações e práticas de profissionais desenvolvidas nas Centrais de Regulação. Physis: Rev Saúde Coletiva. 2012; 22(1):119-40.

Salienta-se a necessidade de atentar para a luta da saúde como um bem público e que, portanto, demanda mudanças nas práticas empreendidas, com efetiva discussão e participação social para prováveis mudanças na gestão do SUS.33. Assis MMA, Nascimento MAA, Franco TB, Jorge MSB, organizadores. Produção do cuidado no Programa Saúde da Família: olhares analisadores em diferentes cenários. Salvador (BA): Edufba; 2010. , 3737. Bispo Jr JP, Martins PC. Envolvimento comunitário na Estratégia de Saúde da Família: dilemas entre institucionalização e efetiva participação. Physis: Rev Saúde Coletiva. 2012; 22(4):1313-32. - 3838. Campos GWS. Cogestão e neoartesanato: elementos conceituais para repensar o trabalho em saúde combinando responsabilidade e autonomia. Ciênc Saúde Coletiva. 2010 Ago; 15(5):2337-44. Esse desafio deve comportar abordagens, não apenas curativas e reabilitadoras dos trabalhadores, mas, sobretudo, contemplar atos de promoção à saúde, a partir do desenvolvimento de trabalhos articulados entre os membros da equipe, de forma a permitir produção do cuidado em suas diferentes dimensões.3232. Cecílio LCO. A morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói: elementos para se pensar as múltiplas dimensões da gestão do cuidado. Interface: Comunic, Saúde, Educ. 2009; 13(Suppl.1):545-55.

Nesse sentido, em uma das USFs constataram-se novas possibilidades no processo de trabalho: maior participação comunitária na construção coletiva do cuidado, realização de expressivas ações extramuros, horizontalização de poderes e saberes na unidade, entre outros. Dessa forma, as ações focalizadas e restritas a determinados grupos teriam, ainda que parcialmente, potencial para avançar através de ações compatíveis com as empreendidas por uma "equipe integração".5 5. Peduzzi M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Rev de Saúde Pública. 2001 Fev; 5(1):103-9. Nesse contexto, com exceção do profissional médico, frequentemente substituído por dificuldade de fixação, a prática desse trabalhador pode acontecer a partir de ações superficializadas e pouco resolutivas. Contrariamente, os demais profissionais, de nível universitário, em sua maioria inserida há mais de cinco anos nas USFs pesquisadas, imprimem qualificação nos atos terapêuticos, possivelmente em função do estabelecimento do vínculo-responsabilização e apropriação acerca das necessidades coletivas da comunidade.

Por esse aspecto, múltiplas questões relativizam os olhares acerca do cuidado na realidade investigada: o número de trabalhadores de saúde e demanda populacional; a aceitação (ou não) do modelo de atenção adotado pelo município; a postura dos trabalhadores em relação à adoção ou não de atitudes acolhedoras às demandas dos usuários; aspectos que suscitam que o usuário necessite chegar muito cedo à USF e enfrentar filas em busca de atendimento, sem garantia efetiva e segura de seu direito à saúde universal. Essas implicações demandam, por conseguinte, o uso de diferentes tecnologias, aptas à reflexão dos sujeitos imersos na produção do cuidado para juntos qualificarem a atenção à saúde e a defesa da vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O fluxograma mostrou-se uma ferramenta potente para captar os limites existentes no serviço de saúde, a partir de um olhar sobre as práticas das EqSF. Dentre esses limites, evidencia-se que na ESF são realizadas ações programáticas e procedimentos específicos por meio de demanda espontânea e organizada, preferencialmente para usuários cadastrados na área de abrangência da unidade pelos ACSs. A prática da equipe é ainda procedimento-centrada e determina o acesso a partir dos problemas de saúde dos grupos populacionais específicos e de ações programáticas, exceto em situações de urgência/emergência, em que qualquer cidadão é atendido, mas há limites ao acesso por conta da grande demanda e dificuldades no suporte assistencial em outros níveis de atenção da rede.

Observa-se que a responsabilização do cuidado não é em equipe, e sim, centrada em alguns profissionais. As ações empreendidas pela equipe envolvem as atividades clínicas individuais com restrição das ações preventivas para os agravos e de promoção à saúde.

A dificuldade enfrentada pela população na busca de garantir o acesso aos serviços de saúde revelou a predominância de relações que variam de satisfatórias a conflituosas, por ocasião da resolubilidade, ainda insuficiente, frente às necessidades demandadas na unidade, acima da capacidade técnica das EqSF ou por conta do processo de trabalho burocrático.

Assim, o processo de cuidar pode se revelar como ações que buscam resolver as necessidades dos usuários, com ferramentas que vão além da execução de conhecimentos técnicos, mas que também se apropriam do campo subjetivo, marcados pela capacidade de ouvir o que o usuário tem a dizer, de se aproximar de seu mundo, de enxergá-lo em sua singularidade.

O estudo, ainda, sinaliza a necessidade de avançar no uso de ferramentas tecnológicas, capazes de ressignificar - em todos os cenários pesquisados -, o processo de trabalho, para superar práticas centradas na queixa-conduta, de baixa resolubilidade, potencializadora de conflitos e insatisfações entre sujeitos-cuidadores (trabalhadores de saúde) e sujeitos a serem cuidados (usuários). Para tanto, a prática dos referidos sujeitos envolvidos na atenção à saúde, deve pautar-se em encontros permanentes, de forma horizontal, que valorize reflexões e práticas sobre o saber-fazer, orientando os atos da equipe à integralidade do cuidado e à mudança do modelo de atenção.

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    Artigo resultado de estudo que recebeu auxílio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Processo n. 307314/2007-3.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 2013
  • Aceito
    11 Set 2013
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