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Apoio matricial, projeto terapêutico singular e produção do cuidado em saúde mental1 1 Pesquisa relacionada à dissertação - Projeto terapêutico singular de usuários da atenção básica: resolubilidade, corresponsabilização, autonomia e cuidados, apresentada ao Programa de Mestrado Acadêmico em Saúde Pública da Universidade Estadual do Ceará (UECE), em 2012

Resumos

O estudo objetivou compreender como se conformam o apoio matricial, projeto terapêutico singular, e sua interface com a produção do cuidado em saúde mental. Trata-se de uma investigação qualitativa, realizada em Fortaleza-CE, no Centro de Atenção Psicossocial e no Centro de Saúde da Família. Participaram 17 sujeitos, entre profissionais e usuários. Utilizou-se a entrevista semiestruturada e a observação sistemática. A análise envolveu compreensão de narrativas, embasada pela teoria de Ricoeur. Os resultados evidenciaram o acolhimento, o vínculo e a corresponsabilização no cotidiano assistencial, promovendo cuidado. Desvelaram-se, contudo, excessivos encaminhamentos, atendimento médico-centrado, dependência do Centro de Saúde ao suporte da atenção especializada, deficiência de espaço físico, desarticulação da rede, terceirização e despreparo dos profissionais do Centro de Saúde, como dificuldades com a produção do cuidado. O apoio matricial e o projeto terapêutico singular, portanto, acontecem no cotidiano dos serviços, porém com dificuldades que incidem na organização e produção do cuidado.

Saúde mental; Atenção primária à saúde; Serviços de saúde mental


The study aimed to understand how to conform the Support Matrix and Individual Therapeutic Project and its relation with the production of mental health care. This is qualitative research conducted in Fortaleza-CE, Center for Psychosocial Care and Center for Family Health. 17 people participated, between professionals and patients. It was used as for dates collecting semi-structured and systematic observation. The findings were analyzed by narrative analysis, grounded theory by Ricoeur. The results reveal themselves excessive referrals, medical-centered, dependence Health Center to support the specialized care, deficiency of physical space, network disconnection, outsourcing and professional unpreparedness of the Health Center as the production difficulties of care. The Support Matrix and Individual Therapeutic Project therefore happen in everyday services, but with difficulties that affect the organization and production of care.

Health mental; Primary health care; Mental health services


La investigación objetivó comprender el Apoyo Matricial y Plan Terapéutico Singular y su relación con la producción del cuidado en salud mental. Se trata de investigación cualitativa, en la ciudad de Fortaleza-CE, Centro de Atención Psicosocial y el Centro de Salud de la Familia. 17 sujetos participaron, profesionales y usuarios. Se utilizó como técnica a la entrevista semiestructurada y observación sistemática. Los datos se analizaron por análisis de narrativas, basada en la teoría de Ricoeur. Los resultados revelaron remisiones excesivas, atención centrada en médico, dependencia del Centro de Salud al apoyo de la atención especializada, desconexión de la red, vínculos de empleo frágil y falta de preparo de los profesionales del CSF como dificultades a la producción del cuidado. El Apoyo Matricial y el Plan Terapéutico Singular ocurren en el cotidiano de los servicios con dificultades que afectan a la organización y producción del cuidado.

Salud mental; Atención primaria de salud; Servicios de salud mental


INTRODUÇÃO

A Estratégia Saúde da Família (ESF) representa avanços para a consolidação da Reforma Psiquiátrica Brasileira e, consequentemente, para a reorientação de serviços e práticas à assistência integral e resolutiva em saúde mental. Dentre os aspectos que caracterizam esses avanços, citam-se: ações de cuidado no território, facilidade no estabelecimento de vínculo entre equipe e usuário, acolhimento, acessibilidade, tratamento continuado e desenvolvimento de ações coletivas, como iniciativas culturais, educativas e de participação e protagonismo político.1Lancetti A, Amarante PDC. Saúde mental e saúde coletiva. In: Akerman M, Drumond Jr M, Campos GWS, Carvalho YM, Minayo MCS, organizadores. Tratado de saúde coletiva. 2ª ed. São Paulo (SP): Hucitec Editora; 2012. p. 615-67.

Sendo assim, a discussão sobre os avanços das políticas públicas de assistência em saúde mental centra-se na articulação dos serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, tais como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e as Residências Terapêuticas (RT), com a rede assistencial da Atenção Primária à Saúde (APS), coordenada pela ESF.2Vecchia MD, Martins STF. Desinstitucionalização dos cuidados a pessoas com transtornos mentais na atenção básica: aportes para implementação das ações. Interface Comunic Saúde Educ. 2009 Jan-Mar; 13(28):151-64. Essa articulação deve constituir-se, portanto, de espaços onde possam ser expressas formas de pensar e agir em saúde mental, condizentes com a valorização do sujeito em adoecimento psíquico, seu contexto de vida e suas demandas e necessidades.

Por conseguinte, o Apoio Matricial (AM) constitui-se tentativa de consolidar o cuidado em saúde mental na APS e potencializar o protagonismo de profissionais da ESF e de usuários. Ele busca assegurar retaguarda especializada, por meio das equipes do CAPS, à assistência direta ao usuário, bem como fornecer suporte técnico-pedagógico aos profissionais da ESF, instrumentalizando-os para o cuidado adequado à referida demanda. Ademais, o AM procura aumentar o grau de resolubilidade das ações de saúde mental, propondo reformulação no modo de organização dos serviços e das relações horizontais entre a equipe do CAPS (especialistas) e a equipe da ESF, numa perspectiva interdisciplinar.3Cunha GT, Campos GWS. Apoio matricial e atenção primária em saúde. Saúde Soc. 2011 Out-Dez; 20(4):961-70.

Esse arranjo organizacional prevê que cada profissional, ou a equipe interdisciplinar, seja referência de determinado número de usuários, responsabilizando-se pela elaboração, implementação e avaliação de um Projeto Terapêutico Singular (PTS), elaborado conjuntamente entre equipes, usuários e familiares. Portanto, almeja a criação de um plano compartilhado, o qual assume o acompanhamento do usuário, considerando aspectos sociais, familiares e psíquicos.3Cunha GT, Campos GWS. Apoio matricial e atenção primária em saúde. Saúde Soc. 2011 Out-Dez; 20(4):961-70. - 4Miranda L, Onocko-Campos RT. Análise do trabalho de referência em Centros de Atenção Psicossocial. Rev Saúde Pública. 2008 Set-Out; 42(5):907-13.

O PTS é uma discussão de caso em equipe, um grupo que incorpora a noção interdisciplinar e que recolhe a contribuição de várias especialidades e de profissões distintas.5Campos GWS. Clínica e saúde coletiva compartilhadas: teoria paideia e reformulação ampliada do trabalho em saúde. In: Akerman M, Drumond Jr M, Campos GWS, Carvalho YM, Minayo MCS, organizadores. Tratado de saúde coletiva. 2ª ed. São Paulo (SP): Hucitec Editora; 2012. p. 41-79. De fato, o que se busca com o AM e o projeto terapêutico é a assistência integral do usuário e sua demanda, desde sua entrada na APS até seu percurso em toda a rede assistencial.

Desse modo, o PTS é elaborado, levando em consideração as necessidades de saúde de cada usuário, seu modo de compreender a vida, suas subjetividades e singularidades. Por meio de interação horizontal dos agentes envolvidos no cuidado (trabalhadores e usuários), devem ser alicerçados nas tecnologias das relações, tais como acolhimento, escuta e vínculo, propondo novos modos de cuidado em saúde mental nos diferentes níveis de atenção.6Pinto DM, Jorge MSB, Pinto AGA, Vasconcelos MGF, Cavalcante CM, Flores AZT, et al. Projeto terapêutico singular na produção do cuidado integral: uma construção coletiva. Texto Contexto Enferm. 2011 Jul-Set; 20(3):293-302.

Vale salientar que em vários países são constantes as preocupações e várias são as estratégias para viabilizar cuidados em saúde mental na atenção primária. Estudos internacionais7Koekkoek B, Van Meijel B, Schene A, Smit A, Kaasenbrood A, Hutschemaekers G. Interpersonal community psychiatric treatment for non-psychotic chronic patients and nurses in outpatient mental health care: a controlled pilot study on feasibility and effects. International Journal of Nursing Studies. 2012 Set-Out; 49(5):549-59. - 8Shim R, Rust G. Primary care, behavioral health, and public health: partners in reducing mental health stigma. American J Public Health. 2013 May; 103(5):774-6. demonstram que as políticas de integração entre APS e saúde mental, em consonância com o treinamento das equipes de saúde da APS, aumento na disponibilidade de medicamentos psicotrópicos nos centros de atenção primária e atividades de atenção à saúde mental na comunidade, proporcionam redução das internações em hospitais psiquiátricos, induzem a reinserção na sociedade e interpelam processos de estigmatização.8Shim R, Rust G. Primary care, behavioral health, and public health: partners in reducing mental health stigma. American J Public Health. 2013 May; 103(5):774-6.

No Brasil, a literatura demarca importantes avanços no cuidado em saúde mental na APS, por meio do AM. Entretanto, ainda permanecem muitos desafios. Entre os avanços, pode-se mencionar: estabelecimento de vínculo entre usuários e equipes e entre as equipes do CAPS e da ESF,9Delfini PSS, Reis AOA. Articulação entre serviços públicos de saúde nos cuidados voltados à saúde mental infantojuvenil. Cad Saúde Pública. 2012 Fev; 28(2):357-66. desconstituição da lógica dos encaminhamentos e, por meio da elaboração coletiva, favorecimento da corresponsabilização e avaliação contínua no tratamento do usuário.1010 Bezerra E, Dimenstein M. Os CAPS e o trabalho em rede: tecendo o apoio matricial na atenção básica. Psicol Cienc Prof. 2008 Set; 28(3):632-45. Como desafios, a pouca integração entre as redes de cuidados em saúde mental e da APS1111 Figueredo MD, Onoko-Campos RT. Saúde mental na atenção básica à saúde de Campinas, SP: uma rede ou um emaranhado?. Ciênc Saúde Coletiva. 2009 Jan-Fev; 14(1):129-38. e a pouca habilidade de comunicação e escuta para com as necessidades em saúde mental6Pinto DM, Jorge MSB, Pinto AGA, Vasconcelos MGF, Cavalcante CM, Flores AZT, et al. Projeto terapêutico singular na produção do cuidado integral: uma construção coletiva. Texto Contexto Enferm. 2011 Jul-Set; 20(3):293-302. , 1212 Pinto AGA, Jorge MSB, Vasconcelos MGF, Sampaio JJC, Lima GP, Bastos CC, et al. Apoio matricial como dispositivo do cuidado em saúde mental na atenção primária: olhares múltiplos e dispositivos para resolubilidade. Ciênc Saúde Coletiva. 2012 Jan-Mar; 17(3):653-60. são realidades que ainda tolhem a efetividade da estratégia de apoio matricial.

Em consonância com esses achados, existem, ainda, dificuldades em desenvolver o PTS como o suporte no cuidado interdisciplinar, com a valorização da dimensão subjetiva e incentivo à participação do usuário.4Miranda L, Onocko-Campos RT. Análise do trabalho de referência em Centros de Atenção Psicossocial. Rev Saúde Pública. 2008 Set-Out; 42(5):907-13. , 6Pinto DM, Jorge MSB, Pinto AGA, Vasconcelos MGF, Cavalcante CM, Flores AZT, et al. Projeto terapêutico singular na produção do cuidado integral: uma construção coletiva. Texto Contexto Enferm. 2011 Jul-Set; 20(3):293-302. Ademais, a relação interpessoal da equipe/profissional de referência na articulação do tratamento e identificação de necessidades dos pacientes é mencionada como ação centrada no profissional de referência e não num processo relacional.4Miranda L, Onocko-Campos RT. Análise do trabalho de referência em Centros de Atenção Psicossocial. Rev Saúde Pública. 2008 Set-Out; 42(5):907-13.

Não obstante, considera-se que a consolidação do modelo de atenção psicossocial perpassa o reconhecimento da dimensão subjetiva dos usuários/familiares na elaboração do projeto terapêutico e pela valorização dos cuidados primários em saúde mental, que podem ser viabilizados pela prática do apoio matricial e construção do PTS.

Considerando que as contribuições desses arranjos incidem na condução de uma terapêutica em saúde mental não restrita a fármacos, e sim aliada a outros recursos terapêuticos como escuta, acolhimento, vínculo e corresponsabilização, questiona-se: como se conformam o AM e o PTS no cotidiano da ESF e do CAPS? De que maneira, pois, tencionam a produção do cuidado em saúde mental?

Ante os aspectos apontados e a restrita produção científica2Vecchia MD, Martins STF. Desinstitucionalização dos cuidados a pessoas com transtornos mentais na atenção básica: aportes para implementação das ações. Interface Comunic Saúde Educ. 2009 Jan-Mar; 13(28):151-64. , 4Miranda L, Onocko-Campos RT. Análise do trabalho de referência em Centros de Atenção Psicossocial. Rev Saúde Pública. 2008 Set-Out; 42(5):907-13. , 9Delfini PSS, Reis AOA. Articulação entre serviços públicos de saúde nos cuidados voltados à saúde mental infantojuvenil. Cad Saúde Pública. 2012 Fev; 28(2):357-66. sobre essas estratégias e sua relação com o cuidado na APS, este artigo tem o objetivo de compreender como se conformam o AM e o PTS e sua interface com a produção do cuidado em saúde mental. Seu objeto de análise recai sobre a produção do cuidado, a qual ocorre pelas tecnologias leves (acolhimento, vínculo, corresponsabilização e autonomia), relações estabelecidas entre as equipes, bem como entre estas e os usuários.1313 Santos AM, Assis MMA, Rodrigues AAAO, Nascimento MAA, Jorge MSB. Linhas de tensões no processo de acolhimento das equipes de saúde bucal do Programa Saúde da Família: o caso de Alagoinhas, Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública. 2007 Jan; 23(1):75-85.

MÉTODO

Esta investigação foi de natureza qualitativa, com eixo na Hermenêutica Fenomenológica.1414 Ricoeur P. Do texto à ação: ensaios de hermenêutica II. Porto (PT): Rés-Editora, 1989. Para tanto, centrou-se na compreensão das narrativas, procurando entender a multiplicidade de significados presentes nos discursos dos entrevistados.

A pesquisa foi realizada no município de Fortaleza-CE. Este se encontra dividido política e administrativamente em seis Secretarias Executivas Regionais (SERs), todas responsáveis pela gestão dos serviços de saúde na sua respectiva área de abrangência. As redes de atenção à saúde do cenário investigado têm como eixo estruturante/organizativo a Atenção Primária, com a Estratégia Saúde da Família (ESF), e no que concerne às ações e aos serviços de saúde mental, o município conta com apenas seis Centros de Atenção Psicossocial Geral (CAPSs Geral) do tipo II, um em cada secretaria executiva; seis CAPSs álcool e outras drogas (CAPSs ad), um em cada regional e dois CAPSs infantil (CAPSs i), instalados nas SERs III e IV.1515 Fortaleza. Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza. Relatório de gestão do ano de 2007: saúde, qualidade de vida e a ética do cuidado. Fortaleza (CE): imprensa municipal; 2007.

Desse modo, o locus da pesquisa foi um Centro de Atenção Psicossocial Geral, voltado para adultos com transtornos mentais severos, e um Centro de Saúde da Família (CSF) cujas ações são organizadas pelas equipes da ESF. Nesse CSFs são realizadas atividades de AM desde a sua implantação no município, em 2007. Além disso, a gestão municipal incorporou processos de educação permanente com o intuito de instrumentalizar as equipes para a prática do AM, proporcionando, principalmente aos profissionais da ESF, técnico-científico para acompanhar usuários com quadro psicopatológico estabilizado.1515 Fortaleza. Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza. Relatório de gestão do ano de 2007: saúde, qualidade de vida e a ética do cuidado. Fortaleza (CE): imprensa municipal; 2007.

Participaram 17 sujeitos, distribuídos em quatro grupos: grupo I - dois profissionais do CAPS geral (médico e psicólogo); grupo II - quatro profissionais do CSF integrantes da ESF (dois enfermeiros, um médico, um ACS e um auxiliar de enfermagem) e grupo III - três profissionais do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) (um psicólogo, um assistente social e um terapeuta ocupacional) que prestavam cuidados diretos aos usuários, participavam do AM e atuavam há mais de um ano; grupo IV - oito usuários com demandas em saúde mental participantes do matriciamento há mais de um ano.

Vale salientar que a abordagem teórico-metodológica deste estudo permite estabelecimento dos diálogos entre as narrativas, a interpretação, a teoria e as experiências individuais dos participantes. Sendo assim, a busca do entendimento das relações entre as partes do texto e o todo, num processo que perpassa do geral ao particular e vice-versa,1616 Caprara A, Veras MSC. Hermenêutica e narrativa: a experiência de mães de crianças com epidermólise bolhosa congênita. Interface - Comunic Saúde Educ. 2004-2005 Set-Fev; 9(16):131-46. dispensa a saturação teórica como balizadora final do número de participantes da pesquisa.

A coleta dos achados ocorreu dos meses de junho a setembro de 2012, após o envio do projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, que avaliou a pertinência deste, os objetivos da pesquisa e os riscos e/ou benefícios a que estariam submetidos os participantes da investigação, de acordo com a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde,17 17 Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução n. 196 de 10 de outubro de 1996: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília (DF): MS; 1996.e lhe forneceu parecer favorável em 30 de abril de 2012, com número 17963.

Com o intuito de preservar o anonimato dos participantes, as narrativas que emergiram das entrevistas foram identificadas da seguinte forma: profissionais de saúde do CAPS (médico CAPS e psicólogo CAPS), profissionais da ESF (enfermeiro ESF, médico ESF, ACS e auxiliar de enfermagem ESF), profissionais do NASF (psicólogo NASF, assistente social NASF e terapeuta ocupacional NASF) e usuários (usuário - numerados de 01 a 08).

Foram utilizadas como técnicas de coleta das informações a entrevista semiestruturada e a observação sistemática, realizando-se visão direta das peculiaridades do apoio matricial em saúde mental na ESF, a elaboração do projeto terapêutico singular (PTS) e a produção do cuidado em saúde mental (acolhimento, vínculo, corresponsabilização e autonomia). A entrevista privilegiou aspectos relacionados ao tratamento, atividades desenvolvidas pelos serviços, condução do AM e formulação do PTS.

Para a análise dos achados, optou-se pela análise de narrativas baseada na teoria de Ricouer,1919 Campos GWS. Reflexões sobre a clínica ampliada em equipes de saúde da família. In: Campos GWS. Saúde Paidéia. 3ª ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2007. p. 68-75. a qual prevê que o processo analítico diz respeito ao distanciamento, apropriação, explicação e compreensão das experiências vividas em cinco etapas: transcrição das entrevistas em texto; distanciamento (distanciação), interpretação superficial; análise estrutural e compreensão abrangente do texto, denominada de interpretação profunda.1818 Geanellos R. Exploring Ricouer´s hermeneutic theory of interpretation as a method of analysing research texts. Nursing Inquiry. 2000 Jul; 7(2):112-9.

Com base no material constituído com as entrevistas dos quatro grupos de participantes, procedeu-se a aproximação com o texto por meio de leituras entre as várias narrativas a fim de estabelecer unidades de sentidos e significados. Esse processo culminou na elaboração dos seguintes temas: "Construção do projeto terapêutico singular e apoio matricial - produção do cuidado e integralidade das ações em saúde mental" e "Apoio matricial, projeto terapêutico singular e os obstáculos à produção do cuidado em saúde mental", os quais foram interpretados e analisados em articulação com o referencial teórico.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Tema 1 - Construção do projeto terapêutico singular e apoio matricial: produção do cuidado e integralidade das ações em saúde mental

De modo geral, as narrativas revelam que o cuidado em saúde mental é demarcado pelo uso de tecnologias leves e pelo esforço, por parte das equipes, de articular ações de saúde mental entre os serviços de atenção primária e especializada, além de buscar apoio em recursos do território do CSF, tais como igrejas e escolas.

A construção do PTS, assinada nesse modus operandi, centra-se em acolhimento, escuta e vínculo que, articulados com o AM, consideram o cuidado na atenção primária como necessário para a produção do cuidado em saúde mental.

As tecnologias leves, tais como acolhimento e vínculo, aparecem como símbolos do cuidado em saúde mental e se articulam com o sentimento de satisfação do usuário em relação ao atendimento recebido. Os usuários voltam-se ao processo relacional estabelecido entre eles e os trabalhadores no projeto terapêutico, demonstrando a importância que as relações intersubjetivas possuem no trabalho em saúde.

Considerando a complexidade que envolve os problemas de saúde mental, seus determinantes e sua influência nos aspectos biopsíquicos e sociais, esses dispositivos instrumentalizam os trabalhadores de saúde para o acompanhamento terapêutico das pessoas em adoecimento psíquico, pois viabilizam o cuidado integral, permitem a apropriação dos trabalhadores às condições de vida desses usuários, garantem acesso e cuidados no território e promovem a adesão ao tratamento, farmacológico e não farmacológico.

Observa-se, portanto, que essa organização das ações em saúde mental amplia o horizonte clínico das equipes. Essa clínica ampliada baseia-se nas tecnologias leves e ancora-se na articulação das equipes (ESF e CAPS), além de reconhecer a complexidade do sujeito em processo de adoecimento e compreender a necessidade de intervenções clínicas pactuadas entre profissionais durante a elaboração do projeto terapêutico do usuário.1919 Campos GWS. Reflexões sobre a clínica ampliada em equipes de saúde da família. In: Campos GWS. Saúde Paidéia. 3ª ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2007. p. 68-75.

Essa confluência entre o uso de tecnologias leves e a ampliação da clínica remete ao cuidado integral em saúde mental na ESF. Com isso, os trabalhadores da ESF implicam-se na produção do cuidado integral por meio da clínica ampliada, pois consideram o sujeito em seu contexto e singularidade, contrapõem-se ao modelo biomédico, centrado na doença e no cuidado fragmentado.19 19 Campos GWS. Reflexões sobre a clínica ampliada em equipes de saúde da família. In: Campos GWS. Saúde Paidéia. 3ª ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2007. p. 68-75. Por meio das tecnologias leves, os trabalhadores aproximam-se da integralidade do cuidado, que se revela e se manifesta, entre outros dispositivos, pelo acolhimento e vínculo, corresponsabilização e autonomia.2020 Jorge MSB, Pinto DM, Quinderé PHD, Pinto AGA, Sousa FSP, Cavalcante CM. Promoção da saúde mental - tecnologias do cuidado: vínculo, acolhimento, co-responsabilização e autonomia. Cien Saude Colet. 2011 Abr-Jun; 16(7):3051-60.

Essas evidências são respaldadas pela literatura. Alguns autores6Pinto DM, Jorge MSB, Pinto AGA, Vasconcelos MGF, Cavalcante CM, Flores AZT, et al. Projeto terapêutico singular na produção do cuidado integral: uma construção coletiva. Texto Contexto Enferm. 2011 Jul-Set; 20(3):293-302. , 2020 Jorge MSB, Pinto DM, Quinderé PHD, Pinto AGA, Sousa FSP, Cavalcante CM. Promoção da saúde mental - tecnologias do cuidado: vínculo, acolhimento, co-responsabilização e autonomia. Cien Saude Colet. 2011 Abr-Jun; 16(7):3051-60. salientam que as tecnologias leves são dispositivos fundamentais para a produção do cuidado integral em saúde mental, pois facilitam a permanência do usuário no serviço e, consequentemente, no tratamento. Clínica ampliada e uso de tecnologias leves permitem pensar o cuidado em saúde na integralidade do sujeito, do ambiente e das relações, pois o cuidado é construto de aspectos sociais, econômicos, familiares, biológicos, psicológicos e culturais.6Pinto DM, Jorge MSB, Pinto AGA, Vasconcelos MGF, Cavalcante CM, Flores AZT, et al. Projeto terapêutico singular na produção do cuidado integral: uma construção coletiva. Texto Contexto Enferm. 2011 Jul-Set; 20(3):293-302. Assim, implicar-se com a produção do cuidado integral é avançar nas práticas transformadoras do campo da saúde mental.

O encontro entre trabalhadores e usuários, transversalizados pelas ferramentas relacionais, direciona o cuidado em saúde para uma resolubilidade emanada das evocações reais da subjetividade2020 Jorge MSB, Pinto DM, Quinderé PHD, Pinto AGA, Sousa FSP, Cavalcante CM. Promoção da saúde mental - tecnologias do cuidado: vínculo, acolhimento, co-responsabilização e autonomia. Cien Saude Colet. 2011 Abr-Jun; 16(7):3051-60. e proporciona satisfação. Desse modo, o cuidado produzido, no diálogo, próximo de cada singularidade, possibilita entender o real, o vivido no espaço micropolítico de cada encontro, e potencializa a utilização das tecnologias leves, bem como o manejo da clínica ampliada na ESF para estabelecer ações de saúde mental mais próximas do cotidiano e de cada subjetividade.

Ainda no concernente à satisfação, alguns usuários demonstraram em suas narrativas o contentamento da nova possibilidade de ser cuidado: receber atendimento no posto (Usuário 06). Usuários que abandonaram o tratamento, o qual era realizado no CAPS, voltam-se, de maneira queixosa, ao acompanhamento que recebiam naquele serviço. Práticas medicamentalizantes,2121 Amarante P. Saúde mental e atenção psicossocial. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz; 2011. centradas em procedimentos, prescrições e com ausência de interações subjetivas, desmotivaram esses usuários a aderirem ao tratamento.

A narrativa de uma usuária descreve esses dois momentos de seu tratamento. Em alusão ao antigo tratamento, há mais de cinco anos (Usuário 08), recebido no CAPS, ela é enfática em revelar práticas centradas somente na prescrição farmacológica, sem espaços para diálogo, escuta e acolhimento e com significativa desvalorização do usuário como sujeito de seu processo de adoecimento: o atendimento foi assim: 'qual o remédio que a senhora toma?', eu disse: tal [...]. Aí passou a receita, me entregou e pronto. Eu digo: puxa vida, não vou ficar aqui, o homem não olhou nem pra mim (Usuário 08). A usuária, por conseguinte, revela satisfação com seu acompanhamento na ESF, enfatizando vínculo e empatia com os profissionais do CSF: aí eu vim pra cá [...] e me identifiquei muito com os profissionais daqui (Usuário 08).

Percebe-se que há intensa influência da psiquiatria de conteúdo clássico no atendimento do CAPS. As práticas da psiquiatria contemporânea ainda objetivam somente que o usuário faça uso da medicação, ou seja, essas práticas asilares continuam a ocorrer mesmo nos serviços substitutivos. Além disso, aos usuários não lhes perguntam o que pensam a respeito dos tratamentos que recebem ou das rotinas a que são submetidos.2222 Reuter C, Peixoto PTCP. Psiquiatria, saúde mental e biopoder: vida, controle, e modulação no contemporâneo. Psicol Estudo. 2009 Abr-Jun; 14(2):267-75. Isso implica assinalar que não há uma desinstitucionalização de fato, pois esta não se refere apenas ao processo de desospitalização, mas à desconstituição dos conceitos e ações da Psiquiátrica de teor clássico.2121 Amarante P. Saúde mental e atenção psicossocial. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz; 2011.

Ressalta-se, ainda, que o acompanhamento de alguns usuários no CAPS, conseguido após a implantação do AM, também propicia satisfação entre esses sujeitos. Pessoas com transtornos mentais graves, outrora excluídas dos cuidados em saúde mental, passaram a receber atendimento pela equipe do CAPS, articulada com a equipe de referência. Narrativas de trabalhadores e usuários, que ilustram essa evidência, dizem respeito a um usuário residente no território de abrangência da ESF.

Sem acesso aos cuidados e acompanhamento necessários, esse usuário, quase sempre em crise, vivenciou períodos de internação psiquiátrica até ser identificado no território por um ACS: eu vivia sendo internado, aí o agente me achou e me levou pro posto. Fui encaminhado pro CAPS pelo médico daqui [CSF]. Eu estava há cinco meses sem dormir, tomando só os remédios, estava doido. Agora não, eu estou bom. Sei que eu peguei uma crise bem forte (Usuário 03); nós o identificamos e fizemos a acolhida dele aqui no posto e encaminhamos pro CAPS [...] a gente faz meio que um acompanhamento dele. A gente sempre pede ajuda do CAPS para esses casos mais graves (Enfermeiro ESF).

Em face do exposto, observa-se que o Centro de Saúde promove acesso aos cuidados de saúde mental e ainda funciona como coordenador do fluxo terapêutico dos usuários com transtornos mentais graves. Esse processo envolve a tomada de decisão clínica, por parte da equipe da ESF, que perpassa a escuta qualificada, com o intuito de identificar a gravidade do caso e a possível necessidade de resolução no Centro de Saúde e/ou encaminhamento para o CAPS.2020 Jorge MSB, Pinto DM, Quinderé PHD, Pinto AGA, Sousa FSP, Cavalcante CM. Promoção da saúde mental - tecnologias do cuidado: vínculo, acolhimento, co-responsabilização e autonomia. Cien Saude Colet. 2011 Abr-Jun; 16(7):3051-60.

Além disso, para compor o PTS, as equipes articulam-se com os dispositivos do território a fim de ampliarem o potencial de resolução dos casos clínicos de saúde mental: teve um apoio matricial que a menina que tinha TA [transtorno de ansiedade] reclamava muito que ela era muito só, que ela não tava conseguindo sair de casa, aí a gente entrou em contato com a escola dela pra inserir ela em atividades e até no coral da igreja a gente conseguiu [...] (Psicólogo CAPS).

Embora seja pontual, nota-se uma tentativa de articulação intersetorial no cuidado em saúde mental. Esses resultados confirmam-se às evidências de outros estudos7Koekkoek B, Van Meijel B, Schene A, Smit A, Kaasenbrood A, Hutschemaekers G. Interpersonal community psychiatric treatment for non-psychotic chronic patients and nurses in outpatient mental health care: a controlled pilot study on feasibility and effects. International Journal of Nursing Studies. 2012 Set-Out; 49(5):549-59. , 1212 Pinto AGA, Jorge MSB, Vasconcelos MGF, Sampaio JJC, Lima GP, Bastos CC, et al. Apoio matricial como dispositivo do cuidado em saúde mental na atenção primária: olhares múltiplos e dispositivos para resolubilidade. Ciênc Saúde Coletiva. 2012 Jan-Mar; 17(3):653-60. cujos objetivos foram compreender/analisar a elaboração do projeto terapêutico singular. Nesses estudos, escolas, igrejas e associações de moradores caracterizaram-se como espaços importantes de cuidados em saúde mental no território. Com isso, os serviços assistenciais do Sistema Único de Saúde (SUS) devem se articular com tais instituições para compor pactos de atuação integrada,12 12 Pinto AGA, Jorge MSB, Vasconcelos MGF, Sampaio JJC, Lima GP, Bastos CC, et al. Apoio matricial como dispositivo do cuidado em saúde mental na atenção primária: olhares múltiplos e dispositivos para resolubilidade. Ciênc Saúde Coletiva. 2012 Jan-Mar; 17(3):653-60. sobressaindo, inclusive, a possibilidade de reduzir os processos medicamentalizantes que ainda permeiam as ações de saúde mental.2222 Reuter C, Peixoto PTCP. Psiquiatria, saúde mental e biopoder: vida, controle, e modulação no contemporâneo. Psicol Estudo. 2009 Abr-Jun; 14(2):267-75.

Como se pode perceber nessa unidade temática, o apoio matricial e a construção do PTS são determinantes para o cuidar em situações individuais e sociais. A ESF é um importante dispositivo de oferta de cuidado aos usuários com transtornos mentais: promove a equidade e o acesso, garante fluxos terapêuticos de acordo com as vulnerabilidades e potencialidades de cada usuário e formula projetos terapêuticos para cada situação singular.1111 Figueredo MD, Onoko-Campos RT. Saúde mental na atenção básica à saúde de Campinas, SP: uma rede ou um emaranhado?. Ciênc Saúde Coletiva. 2009 Jan-Fev; 14(1):129-38.

Tema 2 - Apoio matricial, projeto terapêutico singular e os obstáculos à produção do cuidado em saúde mental na atenção primária

Nesta unidade temática, as narrativas revelam que a estratégia de AM e a condução do PTS, no cenário investigado, possuem desafios relacionados à organização das ações de saúde mental, ao apego à lógica de encaminhamentos, centralidade na figura do médico e dependência do suporte da equipe especializada do CAPS.

Com relação ao primeiro aspecto, a compreensão e interpretação das narrativas permitem analisar as ações em saúde mental no CAPS e na ESF, bem como na interação desses dois cenários. Desvelam-se, portanto, os ruídos do cotidiano da organização dos serviços, das equipes e das práticas e saberes envolvidos no AM e na elaboração do PTS.

A dinâmica dos serviços revela-se dissonante das propostas da Reforma Psiquiátrica, no que concerne à necessidade de efetivar os cuidados primários em saúde mental. A equipe da ESF refere dificuldades em ofertar, de modo contínuo e com qualidade, cuidados aos usuários com transtornos mentais em razão das várias atividades desenvolvidas no cotidiano assistencial, como as consultas destinadas aos programas de saúde pública: [...] a gente tenta atender essa demanda [casos de saúde mental], mas é difícil [...] a agenda é muito cheia, muita coisa pra atender, é hipertenso, é pré-natal [...] (Enfermeiro ESF).

Nesse sentido, as narrativas, entre os quatros grupos, não são coincidentes, pois seus significantes ora se estruturam no cuidado centrado em tecnologias leves e ora desponta a inexistência de atitudes de corresponsabilização. De fato, a equipe maneja práticas de acolhimento perante alguns casos clínicos de saúde mental existentes no território, mas se restringe em realizar uma triagem do caso para, conforme a necessidade, encaminhá-lo ao CAPS ou apenas buscar informações nas reuniões de apoio matricial sobre determinado usuário encaminhado: se o médico achar que aqui resolve, ele fica. Se ele achar que tem um perfil mais elevado a nível de CAPS, ele encaminha pro CAPS (Psicólogo NASF).

Outros estudos9Delfini PSS, Reis AOA. Articulação entre serviços públicos de saúde nos cuidados voltados à saúde mental infantojuvenil. Cad Saúde Pública. 2012 Fev; 28(2):357-66. , 12 12 Pinto AGA, Jorge MSB, Vasconcelos MGF, Sampaio JJC, Lima GP, Bastos CC, et al. Apoio matricial como dispositivo do cuidado em saúde mental na atenção primária: olhares múltiplos e dispositivos para resolubilidade. Ciênc Saúde Coletiva. 2012 Jan-Mar; 17(3):653-60. também evidenciaram que na abordagem dos casos de saúde mental na ESF os transtornos e sua gravidade entornam o atendimento, que precede uma ordem de resolução ou encaminhamento. Sumariamente, as ações são voltadas para a manutenção do equilíbrio, se o caso for leve; ou, para o encaminhamento ao CAPS, para casos moderados ou graves, que serão posteriormente acompanhados pela equipe de referência.

Esse entendimento de que o CAPS deve atender o usuário com transtorno grave ou em crise e devolvê-lo à ESF, ao seu território, remete ao modelo manicomial, isto é, oferta atendimento dentro de um local específico para depois devolvê-lo à sociedade, enquanto a intervenção terapêutica no contexto social das pessoas possui maior efetividade, sendo necessária, portanto, a articulação entre esses serviços.1212 Pinto AGA, Jorge MSB, Vasconcelos MGF, Sampaio JJC, Lima GP, Bastos CC, et al. Apoio matricial como dispositivo do cuidado em saúde mental na atenção primária: olhares múltiplos e dispositivos para resolubilidade. Ciênc Saúde Coletiva. 2012 Jan-Mar; 17(3):653-60.

A dificuldade, entretanto, em promover cuidados de saúde mental também está relacionada com o contexto social e político em que os agentes das práticas de saúde estão envolvidos. A saúde mental no cenário estudado, não diferindo de outras realidades, é prejudicada com a desarticulação das políticas destinadas ao setor.10 10 Bezerra E, Dimenstein M. Os CAPS e o trabalho em rede: tecendo o apoio matricial na atenção básica. Psicol Cienc Prof. 2008 Set; 28(3):632-45. É bem difícil esse matriciamento [...], espaço que a gente não tem, porque a gente faz na sala da enfermeira e fica lotada! (Assistente Social NASF); Não é culpa das pessoas que trabalham não, é do próprio sistema [...] os profissionais da unidade, eles são a sua maioria terceirizados, então a gente também tem essa rotatividade de profissionais (Terapeuta ocupacional NASF).

Portanto, as dificuldades em efetivar o AM e em construir o PTS estão também relacionadas à deficiência de espaço físico para que sejam realizadas as reuniões, desarticulação da rede assistencial de atenção primária e terceirização dos profissionais, que induz a maior rotatividade de profissionais, tanto no CAPS quanto na ESF, repercutindo na ampliação do vínculo e apreensão dos problemas do território.

Essa conjuntura produz obstáculos para se efetivar a estratégia de apoio matricial. Visualizam-se dificuldades em consolidar o modelo de atenção psicossocial, refletidas na pouca articulação da rede de atenção primária e nos excessivos encaminhamentos para outros serviços, exigindo o envolvimento de usuários, gestores e trabalhadores de saúde na luta em defesa do SUS e com a finalidade de transformar a saúde pública, sobretudo o campo da saúde mental.1010 Bezerra E, Dimenstein M. Os CAPS e o trabalho em rede: tecendo o apoio matricial na atenção básica. Psicol Cienc Prof. 2008 Set; 28(3):632-45. , 2323 Dimenstein M, Severo AK, Brito M, Pimenta AL, Medeiros V, Bezerra E. O apoio matricial em Unidades de Saúde da Família: experimentando inovações em saúde mental. Saúde Soc. 2009 Jan-Mar; 18(1):63-74.

Ao vivenciarem essa realidade, trabalhadores reportam a um sentimento de despreparo e impotência para lidar com os casos clínicos de saúde mental que cotidianamente chegam ao serviço, dificultando as ações pactuadas no apoio matricial: tem casos aqui que é drogadição, a pessoa tá desempregada e fica com depressão. [...] tem muito disso e às vezes é complicado. (Médico ESF). Parte desses profissionais permanece com práticas embutidas na clínica tradicional apreendida sua formação. Ante os determinantes sociais do processo saúde-doença, aos quais a população adscrita está submetida, médicos recorrem à terapia farmacológica como terapêutica valiosa à somatização da vulnerabilidade social dos usuários.

Adita-se, ainda, a dificuldade que os médicos da atenção primária têm em prescrever psicotrópicos, ficando dependentes da equipe do CAPS. Alguns casos que se encaminhava pra cá [CAPS], via que não era paciente de atendimento em CAPS. [...] por alguma dúvida ou do enfermeiro ou do médico, questão de medicação, eles encaminhavam o paciente ao CAPS (Médico CAPS). Como se pode perceber, mesmo os transtornos classificados como "leves", ansiedade e episódios depressivos, demandam suporte a fim de que sejam prescritos os medicamentos necessários.

Embora seja possível que o AM se refira à troca de conhecimento (suporte técnico-pedagógico), de orientações entre as equipes e reorientação de condutas antes adotadas,3Cunha GT, Campos GWS. Apoio matricial e atenção primária em saúde. Saúde Soc. 2011 Out-Dez; 20(4):961-70. como é o caso das prescrições, considera-se de fundamental importância o investimento na formação em saúde mental dos profissionais da ESF.2Vecchia MD, Martins STF. Desinstitucionalização dos cuidados a pessoas com transtornos mentais na atenção básica: aportes para implementação das ações. Interface Comunic Saúde Educ. 2009 Jan-Mar; 13(28):151-64. , 4Miranda L, Onocko-Campos RT. Análise do trabalho de referência em Centros de Atenção Psicossocial. Rev Saúde Pública. 2008 Set-Out; 42(5):907-13. Pautada na dimensão teórico-prática das intervenções, os processos de educação permanente devem privilegiar aspectos biopsíquicos e sociais do adoecimento, haja vista a formação biomédica dos profissionais da atenção primária que focaliza ações de cuidado no biológico e na prescrição.

Essa realidade não se aplica somente aos profissionais médicos. Os enfermeiros, por exemplo, referem dificuldades de produzir cuidado integral em saúde mental no cenário da ESF. Cuidados com ênfase no aspecto biológico, ou procedimentos com o corpo, dificuldade em mobilizar habilidades e conhecimentos para a condução dos casos clínicos em saúde mental são obstáculos no processo de cuidar dos enfermeiros na atenção primária.2424 Amarante AL, Lepre AS, Gomes JLD, Pereira AV, Dutra VFD. As estratégias dos enfermeiros para o cuidado em saúde mental no Programa Saúde da Família. Texto Contexto Enferm. 2011 Jan-Mar; 20(1):85-93.

Esses obstáculos incidem na formação do projeto terapêutico dos usuários com transtornos mentais. As narrativas, consoante as observações em campo, revelam que a participação do usuário não se efetiva, isto é, esse processo não possibilita o protagonismo, tampouco promove a autonomia do sujeito. Em um dos momentos da elaboração do PTS, observou-se que o usuário foi convidado a se ausentar do espaço para que os profissionais definissem entre si o seu tratamento. Ele [usuário] fala muitas vezes uma coisa, mas quer dizer outra, então a gente vê essa necessidade dele, no momento que ele sai, a gente faz essa discussão desse projeto terapêutico, o que é que a gente pode tá encaminhando pra ele, tá até facilitando pra ele (Enfermeiro ESF).

Nesse sentido, nega-se a dimensão singular, que é a essência do projeto terapêutico. É com amparo no singular que os trabalhadores de saúde podem promover uma relação dialógica e interativa com o usuário, centrarem-se em suas pretensões, suas experiências de vida e de seu processo saúde-doença, opiniões e necessidades, contribuindo, assim, para a constituição de práticas não medicamentalizantes no cuidado em saúde mental.

No que concerne à centralização de poder, o médico ocupa lugar central na tomada de decisões clínicas e condução dos casos no AM. Ainda que as equipes sejam formadas por outros profissionais, como enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais e agentes comunitários de saúde, a comunicação e o suporte ocorrem somente pela interação médico CAPS-médico ESF. A monopolização do saber médico sobre determinado caso,4Miranda L, Onocko-Campos RT. Análise do trabalho de referência em Centros de Atenção Psicossocial. Rev Saúde Pública. 2008 Set-Out; 42(5):907-13. portanto, constitui prática corriqueira no campo estudado.

Essa centralidade no trabalho médico inviabiliza a construção de projetos terapêuticos integrados com os núcleos de saberes dos vários profissionais que compõem as equipes. Considerando que outros trabalhadores são decisivos no acompanhamento de usuários com transtornos mentais e na formação e condução das ações de saúde mental na comunidade, tal ação "médico-centrada" pode distanciar o centro de saúde da população atendida.

Os ACSs, por exemplo, são sujeitos de ação singular, que integra comunidade e serviço de saúde, pois produzem um território vivo e comum, bem como assumem atividades que extrapolam as ações determinadas nas normas do Ministério da Saúde ou nos protocolos gerenciais do centro de saúde. Eles flexibilizam tarefas na tentativa de responder às demandas da população.2525 Rodrigues AAAO, Santos AM, Assis MMA. Agente comunitário de saúde: sujeito da prática em saúde bucal em Alagoinhas, Bahia. Ciên Saude Colet. 2010 Jul-Set; 15(3):907-15.

Vários estudos2Vecchia MD, Martins STF. Desinstitucionalização dos cuidados a pessoas com transtornos mentais na atenção básica: aportes para implementação das ações. Interface Comunic Saúde Educ. 2009 Jan-Mar; 13(28):151-64. , 1212 Pinto AGA, Jorge MSB, Vasconcelos MGF, Sampaio JJC, Lima GP, Bastos CC, et al. Apoio matricial como dispositivo do cuidado em saúde mental na atenção primária: olhares múltiplos e dispositivos para resolubilidade. Ciênc Saúde Coletiva. 2012 Jan-Mar; 17(3):653-60. , 2626 Onocko-Campos RT, Campos GWS, Ferrer AL, Corrêa CRS, Madureira PR, Gama CAP, et al. Avaliação de estratégias inovadoras na organização da atenção primária à saúde. Rev Saúde Pública. 2012 Jan; 46(1):43-50. salientam a importância do ACS nos cuidados em saúde mental na APS. Sendo assim, alguns autores2626 Onocko-Campos RT, Campos GWS, Ferrer AL, Corrêa CRS, Madureira PR, Gama CAP, et al. Avaliação de estratégias inovadoras na organização da atenção primária à saúde. Rev Saúde Pública. 2012 Jan; 46(1):43-50. enfatizam a ideia de que, para intervenções de promoção à saúde mental e vínculo com os familiares no território, a função do ACS é precípua e estratégica, uma vez que identifica dispositivos na comunidade e propicia escuta e acolhimento de maneira mais próxima da população.

Além disso, a participação de enfermeiros nos cuidados em saúde mental na APS é descrita na literatura internacional como bastante promissora no enfrentamento de doenças e adesão ao tratamento nesse nível de atenção. Estudo7Koekkoek B, Van Meijel B, Schene A, Smit A, Kaasenbrood A, Hutschemaekers G. Interpersonal community psychiatric treatment for non-psychotic chronic patients and nurses in outpatient mental health care: a controlled pilot study on feasibility and effects. International Journal of Nursing Studies. 2012 Set-Out; 49(5):549-59. realizado no Canadá, cujo objetivo foi avaliar a eficácia de um programa de intervenção destinado a usuários não psicóticos, demonstrou que a participação desses profissionais foi decisiva na ampliação de vínculos e na diminuição das dificuldades enfrentadas pelos usuários no adoecimento mental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em conclusão, percebe-se que muitos desafios ainda perfazem os cuidados em saúde mental na atenção primária. Ultrapassando, entretanto, uma política de articulação de serviços, essa estratégia acontece no cotidiano dos serviços e se movimenta de duas formas. A primeira fundamenta-se na relação entre usuários e trabalhadores, produzindo o cuidado e acesso aos serviços de saúde. Além disso, se encontram sujeitos implicados com o cotidiano assistencial, que procuram meios e estratégias de se efetivarem cuidados com o que se oferece no território.

Há outro movimento revelador das dificuldades relacionadas ao macropolítico (políticas destinadas ao setor) e ao micropolítico (relações de poder) e incidem sobre a organização de estratégias como o apoio matricial e o projeto terapêutico singular que, em seu arcabouço teórico-ideológico, buscam a qualidade e efetividade das ações de saúde mental. Esses dois movimentos determinam encontros e desencontros relativos à produção do cuidado em saúde mental e com a consequente consolidação da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

Entre as estratégias a serem desenvolvidas, a implementação de processos de educação permanente com vistas ao "empoderamento" dos trabalhadores da ESF para a resolução dos problemas de saúde mental e seus determinantes, estímulo ao trabalho interdisciplinar, flexibilização do cronograma de atendimento dos serviços para que seja dada oportunidade de acolhimento e condução dos casos de saúde mental e melhor estruturação dos centros de saúde, constituem possibilidades de organização e fortalecimento das práticas inovadoras no campo da saúde mental.

Quanto aos limites do estudo, as possibilidades de contribuição de familiares precisam ser consideradas a fim de se obter relatos diversificados, pois muitas vezes esses sujeitos participam ativamente do cuidado de pessoas com transtornos mentais, sendo importante também considerar suas opiniões, desejos e anseios na elaboração do projeto terapêutico. Com origem nos resultados aqui produzidos, são necessários estudos avaliativos da organização da saúde mental que privilegiem políticas, estratégias, práticas de cuidado, clínica e gestão.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    28 Ago 2013
  • Aceito
    27 Jan 2014
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