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A velhice na percepção de idosos de diferentes nacionalidades

Resumos

O estudo objetivou compreender como idosos, de nacionalidades diversas, residentes no Brasil, concebem a velhice e vivenciam o processo de envelhecer. Utilizou-se o Interacionismo Simbólico e a Grounded Theory como estratégia teórico-metodológica. Os informantes foram 33 idosos residentes em Foz do Iguaçu-PR. A concepção de velhice foi marcada por aspectos cronológicos, físicos, psicológicos, comportamentais e, também, pela presença de doença, dependência, incapacidade para o trabalho e pelas situações experienciadas ao longo dos anos em contexto brasileiro. A forma de vivenciar a velhice é influenciada pela cultura da terra natal, mas guarda relação com as condições de vida (autonomia, dependência física e financeira), a valorização do trabalho, os preceitos religiosos e os laços/relações familiares. Conclui-se que conceber e vivenciar a velhice, para além dos aspectos culturais, centra-se nas experiências e nas interações singulares ocorridas ao longo dos anos e que, conforme o contexto e o momento de vida, ganham contornos significativos.

Envelhecimento; Cultura; Grupos étnicos; Enfermagem; Autoimagem


The study aimed to understand how elderly from several nationalities who reside in Brazil conceive the old age and experience the aging process. It was used the Symbolic Interactionism and the Grounded Theory as a theoretical and methodological strategy. The informants were 33 elderly people who reside in Foz do Iguaçu-PR. The results show an old age conception marked by chronological, physical, psychological, behavioral aspects and also by the presence of disease, dependence, inability to work and by situations experienced over the years in the Brazilian context. The way to experience the old age is influenced by the homeland culture, but is related to the quality and to the conditions of life (autonomy, physical and financial dependence), the work valorization, the religious precepts and the family ties/relationships. It was concluded that to conceive and experience the old age, besides the cultural aspects, it's focused on the experiences and singular interactions occurred over the years and that gain significant contours according to the context and the time of life.

Aging; Culture; Ethnic groups; Nursing; Self-concept


El estudio tuvo como objetivo comprender como los ancianos de diversas nacionalidades que residen en el Brasil vivencian el proceso de envejecimiento. Se utilizó el Interaccionismo Simbólico y la Grounded Theory como estrategia teórico-metodológica. Los informantes fueron 33 ancianos residentes en Foz do Iguaçu-PR. Los resultados muestran una concepción de la vejez marcada por aspectos cronológicos, físicos, psicológicos, de comportamiento y, también, por la presencia de la enfermedad, la dependencia, la incapacidad para trabajar y las situaciones vividas en los últimos años en el contexto brasileño. La manera de vivenciar la vejez es influenciada por la cultura de su tierra natal, pero guarda relación con la calidad y las condiciones de vida (autonomía, dependencia física y financiera), la valorización del trabajo, los preceptos religiosos y los lazos/relaciones familiares. Se concluyó que concebir y vivenciar la vejez, más allá de los aspectos culturales, se centra en las experiencias e interacciones singulares ocurridas en los últimos años y que obtienen contornos significativos conforme al contexto y el momento de vida.

Envejecimiento; Cultura; Grupos étnicos; Enfermería; Autoimagen


INTRODUÇÃO

A preocupação da humanidade em definir conceitos que expliquem o processo de envelhecimento é muito antiga e, por sua complexidade, são diversas as teorias que tentam explicá-lo. Esse processo tem sido concebido como um fenômeno heterogêneo, multicausal e multifatorial, marcado por mudanças que ocorrem ao longo de toda a vida.1Beauvoir S. A velhice. Tradução de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro (RJ): Nova Fronteira; 1990.

Embora esse processo constitua fenômeno inerente ao ser humano, a vivência dessa fase e a forma como as pessoas idosas representam o seu próprio processo de envelhecimento são influenciadas pela interação de aspectos psicossociais, históricos, políticos, econômicos, geográficos e culturais e, mais especificamente, por diferenças relacionadas ao contexto de vida cotidiana, às crenças e às características pessoais, tornando-o particular a cada idoso. Acredita-se que há uma relação direta entre a concepção da velhice na sociedade em que se está inserido e o indivíduo que está envelhecendo.2Schneider RH, Irigaray TQ. O envelhecimento na atualidade: aspectos cronológicos, biológicos, psicológicos e sociais. Estudos Psicol. 2008 Out-Dez; 25(4):137-49.

Esses aspectos, até pouco tempo, não eram considerados relevantes em nosso meio; contudo, com o acréscimo acentuado e irreversível do número de idosos e do aumento de anos na expectativa de vida dos brasileiros, o interesse em compreender o processo de envelhecimento e as relações que o permeiam, para garantir qualidade de vida aos idosos, também aumentou. Cabe salientar que até meados do século passado as pesquisas sobre envelhecimento valorizavam sobremaneira as perdas, os desgastes e a desvalorização nessa fase da vida, as quais eram interpretadas como decorrentes exclusivamente da idade.3Santos VB, Tura LFR, Arruda AMS. As representações sociais de "pessoa velha" construídas por idosos. Saude Soc. 2013 Mar; 22(1):138-47.

Porém, à medida que a expectativa de vida foi aumentando, novos estudos começaram a apontar a possibilidade da relação entre os declínios que ocorrem na velhice com o estilo de vida, hábitos e comportamentos adotados durante toda a vida. Nesse contexto, identificar as características de um envelhecimento bem-sucedido, buscando a saúde física e mental, passou a constituir foco de investigação de diversas áreas do saber.4Ferreira OGL, Maciel SC, Costa SMG, Silva AO, Moreira MASP. Envelhecimento ativo e sua relação com a independência funcional. Texto Contexto Enferm [online]. 2012 Set [acesso 2014 Jan 24]; 21(3):513-8. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-07072012000300004&script=sci_arttext
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Dar voz aos próprios idosos e valorizar suas percepções e dificuldades enfrentadas no cotidiano surge como estratégia relevante e mais eficaz na obtenção de dados que possam, realmente, contribuir para o conhecimento desse fenômeno.

Destarte, a despeito dos inúmeros estudos já realizados, ainda existe uma lacuna infindável com relação à definição desse processo. Novos estudos permitirão avançar cada vez mais no reconhecimento de outras vivências e concepções, que por sua vez constituirão ferramenta-chave no planejamento de ações de cuidado, promoção e manutenção da qualidade de vida do idoso.5Vieillard S, Gilet AL. Age-related differences in affective responses to and memory for emotions conveyed by music: a cross-sectional study. Front Psychol. 2013 Out; 4:711. Os profissionais de saúde, por sua vez, precisam reconhecer essas diferenças e desenvolver atitudes positivas direcionadas aos idosos, reforçando as descobertas e as experiências que essa nova etapa da vida pode proporcionar.

Nessa direção, diversos estudos já foram realizados com o intuito de verificar como diferentes segmentos populacionais percebem e/ou vivenciam a velhice. Crianças, adultos e os próprios idosos têm sido instigados a se manifestar sobre como percebem essa fase da vida.6Cupertino APFB, Rosa FHM, Ribeiro PCC. Definição de envelhecimento saudável na perspectiva de indivíduos idosos. Psicol Reflex Crítica. 2007; 20(1):81-6. - 7Santos VB, Tura LFR, Arruda MAS. As representações sociais de pessoa velha construídas por adolescentes. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2011; 14(3):497-509. Contudo, até onde se sabe, ainda não se investigou como indivíduos marcados por diversidades culturais percebem o envelhecimento. No entanto, essas diversidades estão presentes em nosso cotidiano social e profissional; nos serviços de saúde, por exemplo, é comum a presença de pessoas oriundas de diversas partes do país e que trazem consigo suas crenças sobre saúde/doença e expectativas relacionadas ao tratamento e ao cuidado em saúde. Em Foz do Iguaçu, no Paraná, isso é ainda mais acentuado, pois além de a cidade estar localizada em uma região de tríplice fronteira, residem no município indivíduos de diversas nacionalidades junto a seus descendentes.

Assim, tendo como premissa que cada nacionalidade tem sua própria cultura e esta se associa a diferentes conceitos de saúde e formas de enfrentar as ameaças à saúde e as experiências da doença e, ainda, que cada indivíduo traça sua própria velhice, dependendo do seu contexto de vida, acredita-se ser importante que os profissionais de saúde reconheçam essas questões. Dessa forma, questiona-se: a nacionalidade interfere na forma como os idosos vivenciam o processo de envelhecimento? Para responder tal questionamento, definiu-se como objetivo deste estudo: compreender como idosos de nacionalidades diversas e residentes no Brasil concebem a velhice e como eles vivenciam o processo de envelhecer.

METODOLOGIA

Estudo qualitativo que adotou a Grounded Theory, ou Teoria Fundamentada nos Dados (TFD), como linha metodológica, e o Interacionismo Simbólico (IS) como referencial teórico. A TFD tem como propósito compreender fenômenos sociais a partir da perspectiva dos sujeitos investigados,8Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da Teoria Fundamentada. São Paulo (SP): Artmed; 2009. já o IS é uma perspectiva teórica centrada na interação humana, a qual procura entender as características simbólicas da vida social e a realidade por meio do conhecimento da percepção - ou significado - que certo contexto, ou objeto, tem para a pessoa. Seus pressupostos são: a) os seres humanos agem em relação às coisas, tomando por base o significado que as coisas têm para ele; b) o significado de tais coisas, às vezes, surge de uma interação social que a pessoa tem com seus iguais; e c) esses significados são manipulados e modificados por meio de um processo interpretativo, usado pela pessoa para lidar com as coisas que ele encontra.9Flick U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3ª ed. São Paulo (SP): Artmed; 2009.

O estudo foi realizado no município de Foz do Iguaçu, Paraná, que conta com indivíduos de mais de 50 nacionalidades em sua população, os quais foram atraídos inicialmente na década de 1970 pela boa perspectiva de vida e trabalho advinda da construção da Hidrelétrica Itaipu e, atualmente, pela possibilidade comercial decorrente da tríplice fronteira - Brasil, Paraguai e Argentina.

Participaram da pesquisa 33 idosos, os quais integraram cinco grupos amostrais, sendo dez brasileiros, sete libaneses, sete franceses, cinco paraguaios e quatro chineses. Essas nacionalidades foram determinadas por terem grande representatividade cultural no município e, assim como outras, buscam junto a seus descendentes preservar crenças, religião e costumes, por meio da formação de associações, colônias e realização de festividades anuais. Cabe salientar que, apesar da presença de indivíduos de diversas nacionalidades e seus descendentes residindo no município, libaneses, franceses e chineses se destacam fortemente no comércio, assim como os paraguaios pela proximidade de fronteira com o município. Além disso, a escolha dessas nacionalidades contempla estrangeiros oriundos de três continentes: Europa, Ásia e América, visto que o número de descendentes de países da África e da Oceania é pequeno no município.

Os participantes do estudo foram indicados por outros idosos, amigos, Centro de Convivência do Idoso, Unidades Básicas de Saúde e escolas de língua francesa. Os critérios de inclusão adotados para os de nacionalidade estrangeira foi que eles tivessem emigrado há pelo menos 30 anos e, para os brasileiros, que seus pais e avós, também, fossem brasileiros natos. Considerou-se ainda o fato de o idoso ter capacidade cognitiva para discorrer sobre o tema em estudo.

Convém salientar que, para compor os grupos, também foram respeitados os critérios de amostragem e saturação teórica, conforme proposto pela TFD, que não predetermina a amostra antes do início da pesquisa, mas durante o processo, pois a análise dos dados é que direciona os próximos locais e atores que vão ser incluídos no estudo. Já a saturação teórica foi determinada no momento em que não foram mais encontrados dados novos nem adicionais em determinado grupo.9 Flick U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3ª ed. São Paulo (SP): Artmed; 2009.

A coleta de dados ocorreu no período de fevereiro a agosto de 2011, por meio de entrevistas abertas, realizadas nos domicílios dos idosos, de modo que o ambiente familiar, doméstico e alguns hábitos pudessem ser observados para melhor compreensão dos significados e das relações que o idoso tem com seu meio. Inicialmente, as entrevistas foram realizadas a partir de duas questões norteadoras: O Sr(a) se considera velho(a)? Por quê? O que significa velhice para o Sr(a)? Durante a coleta de dados, foram construídos diagramas e memorandos que subsidiaram as novas entrevistas.

Os dados foram analisados à medida que eram coletados e envolveram codificação aberta, axial e seletiva. Na primeira, os dados foram rigorosamente analisados linha a linha e comparados por similaridades e diferenças. A conceituação, realizada nessa fase, foi a representação abstrata de um fato, objeto, ação/interação identificados como importantes,8Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da Teoria Fundamentada. São Paulo (SP): Artmed; 2009. e que passou a integrar os aspectos abordados junto aos novos entrevistados. Por exemplo, nas entrevistas com idosos brasileiros do Centro de Convivência, todos se apresentavam ativos, saudáveis e independentes, o que levou a procura de idosos com alguma limitação física nas Unidades de Saúde, sendo então evidenciada a relação entre envelhecimento e dependência. A partir disso, surgiu o interesse em investigar como idosos com incapacidade e que não conviviam com a família concebiam a velhice. Assim, idosos residentes em uma instituição de longa permanência passaram a integrar o grupo de brasileiros.

Na codificação axial, houve reagrupamento dos dados já divididos na fase anterior, sendo estabelecida a relação das categorias às suas subcategorias. Por fim, na codificação seletiva, buscou-se integrar e refinar as categorias, com posterior identificação de uma categoria central que fosse capaz de expressar e dar sentido ao conjunto de dados obtidos.8 Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da Teoria Fundamentada. São Paulo (SP): Artmed; 2009.

Ressalta-se que o modelo teórico produzido, com suas categorias, subcategorias e elementos, foi apresentado aos idosos e estes não propuseram alterações significativas, aprovando, portanto, o modelo explicativo à medida que reconheciam a si e a suas percepções e experiências.

No desenvolvimento do estudo foram seguidos os preceitos éticos de pesquisa e seu projeto foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (parecer n. 739/2010). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias e, para lhes assegurar o anonimato, na identificação de seus relatos foi utilizada a primeira letra do país de origem, seguida de um número indicativo da ordem de entrevista no respectivo grupo, além das letras M para indicar o sexo masculino e F para o feminino e, por fim, a idade do indivíduo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os 33 idosos em estudo tinham idade entre 60 e 96 anos, sendo dezoito mulheres e quinze homens. Para os estrangeiros, a principal causa migratória para o Brasil foram os conflitos políticos e religiosos no país de origem, que fizeram com que seus pais escolhessem o Brasil para garantir melhores condições de vida à família. Muitos não migraram diretamente para Foz do Iguaçu, mas para o Norte do Paraná e Curitiba. O tempo de imigração para o Brasil foi em média de 40 anos.

Dos dez brasileiros, todos estavam aposentados e dois ainda realizavam alguma atividade remunerada. Apresentavam uma condição socioeconômica ruim, pelo baixo valor da aposentadoria e o pouco auxílio da família. Entre os sete libaneses, três ainda trabalhavam no comércio e todos tinham uma condição financeira estável. Dos sete franceses, seis ainda permaneciam em suas atividades laborais e foram os que apresentaram melhores condições socioeconômicas. Entre os cinco paraguaios, apenas dois trabalhavam e dos quatro chineses, apenas um declarou não trabalhar, embora permanecesse no restaurante da família todos os dias auxiliando no atendimento aos clientes.

Quanto à religião, a maioria entre brasileiros e paraguaios se declarou católico, sendo estes devotos de Nossa Senhora de Caacupê; dos sete franceses, seis são agnósticos, os chineses em sua maioria seguem o budismo, e os libaneses, majoritariamente, são islâmicos.

Os relatos dos idosos permitiram identificar que para eles a concepção de velhice está relacionada com a realidade que cada um vivenciou e a qual foi construída a partir de múltiplos fatores como físico, biológico, psicológico, comportamental e sociocultural. Ou seja, essa concepção envolve diferentes realidades, as quais podem ou não guardar relação com a nacionalidade. Elas permitiram identificar duas categorias que serão apresentadas a seguir:

A idade e as incapacidades como marco do envelhecimento

No relato dos idosos não foi possível identificar uma idade específica determinando o envelhecimento: quando a gente está com idade tem que confessar a idade que tem, se está com idade, está velho [...] (L3, M, 75 anos); ser velho é ter idade. Com 50 anos já me achava velha, e agora estou com quase cem anos [risos] acho que estou muito velha, sim (B6, F, 96 anos); [...] acho que a velhice está ligada à idade. Acho que depois dos 70 anos. Com a terceira idade, já percebi que estava ficando velha (P2, F, 74 anos); me considero uma pessoa velha, é claro, já estou com 65 anos (F2, M, 65 anos).

Observa-se nos relatos que, independente da nacionalidade, alguns idosos se percebem velhos e, para isso, consideram basicamente o fator cronológico. O termo idoso pode até dar a noção imediata da presença de algumas características biológicas, de modo que o indivíduo poderia ser considerado "velho" pelos sinais de senilidade e diminuição gradual da capacidade funcional, que é progressiva e aumenta com a idade.4Ferreira OGL, Maciel SC, Costa SMG, Silva AO, Moreira MASP. Envelhecimento ativo e sua relação com a independência funcional. Texto Contexto Enferm [online]. 2012 Set [acesso 2014 Jan 24]; 21(3):513-8. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-07072012000300004&script=sci_arttext
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Destarte, na maioria das vezes, define-se como pessoa idosa aquela que chega aos 60 anos, independentemente de seu estado biopsicossocial. No entanto, o conceito de idade é multidimensional e, assim como o processo de envelhecimento, possui outras dimensões e significados que extrapolam as dimensões da idade cronológica.2Schneider RH, Irigaray TQ. O envelhecimento na atualidade: aspectos cronológicos, biológicos, psicológicos e sociais. Estudos Psicol. 2008 Out-Dez; 25(4):137-49.

Todavia, outros idosos desse mesmo estudo não se percebem assim, inferindo que não há uma idade universalmente aceita como limiar da velhice. Ressalta-se que algumas condições como a classe econômica e, em especial, o nível cultural parecem influenciar essas percepções, pois foram justamente os idosos com maior escolaridade que, apesar de terem idade mais avançada, não se consideravam velhos.

É nesse contexto que o IS serve à compreensão do fenômeno em estudo, já que esse referencial considera a interpretação das pessoas, significados e sentidos atribuídos às atividades e aos ambientes e como estes se relacionam com as próprias experiências e as dos outros. E como todas as situações humanas, a velhice tem uma dimensão existencial, que modifica o vínculo da pessoa com o tempo, gerando mudanças em suas relações com o mundo e com sua própria história. Desse modo, a velhice também pode ser compreendida como um fato cultural,1 Beauvoir S. A velhice. Tradução de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro (RJ): Nova Fronteira; 1990.e à proporção que é documentada em diferentes povos, constata-se tratar de um fenômeno profundamente influenciado pela cultura.1010 Uchôa E. Contribuições da antropologia para uma abordagem das questões relativas à saúde do idoso. Cad Saúde Pública. 2003; 19(3):849-85.

Para alguns dos idosos em estudo, a velhice está associada à decadência, à dependência e à incapacidade para as atividades simples da vida diária, como, por exemplo, andar, vestir-se, cuidar da casa e dos netos. Cabe salientar que na sociedade brasileira, ainda é essa a imagem de velhice predominante no senso comum. [...] sou idosa porque não posso querer o que eu não alcanço mais (B5, F, 90 anos); A gente se acha velho, porque passado dos 60 anos a gente já perdeu o equilíbrio, não consegue mais erguer tanto peso, já perdeu quase 50% (P1, M, 74 anos); Com a nossa idade, a gente tem mais dificuldade para trabalhar, andar, parece que rende menos. Às vezes vou subir num banquinho, não consigo, tem que apoiar bem a mão porque as pernas não ajudam (L2, F, 60 anos).

Estudo realizado em Belo Horizonte, com o objetivo de descrever o perfil epidemiológico da população idosa da cidade, apontou que a dependência funcional não constitui fator inerente ao processo de envelhecimento,1111 Tannure MC, Alves M, Sena RR, Chianca TCM. Perfil epidemiológico da população idosa de Belo Horizonte, MG, Brasil. Rev Bras Enferm. 2010; 63(5):817-22. haja vista que o indivíduo pode ser dependente, porém autônomo, como no caso de graves sequelas de acidente vascular cerebral, sem alterações cognitivas, sendo possível tomar decisões sobre sua vida, embora com dependência física. Desse modo, na busca de uma melhor qualidade de vida e um envelhecimento saudável e ativo, com independência e autonomia deve-se investir no desenvolvimento de programas sociais e ações com foco na manutenção da capacidade funcional dos idosos, além de ações multiprofissionais para a detecção precoce de doenças, sendo metas fundamentais não só do governo, mas de todos os setores da sociedade.

Compreender o significado real da velhice e das alterações decorrentes do envelhecimento, a partir da reflexão sobre os relatos dos próprios idosos, permite o planejamento de estratégias de promoção e prevenção da saúde, fundamentadas na realidade experienciada por eles próprios, o que possibilita aos profissionais de saúde propor atividades que visam à manutenção da autonomia e independência do idoso.4Ferreira OGL, Maciel SC, Costa SMG, Silva AO, Moreira MASP. Envelhecimento ativo e sua relação com a independência funcional. Texto Contexto Enferm [online]. 2012 Set [acesso 2014 Jan 24]; 21(3):513-8. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-07072012000300004&script=sci_arttext
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A dependência para a realização de atividades rotineiras, especialmente as decorrentes de alguma doença crônica, que tem como característica o caráter progressivo e irreversível, constitui para eles um evento marcante na percepção da velhice: uma pessoa velha é que nem eu. Por tudo, a gente não presta pra fazer mais nada. Eu penso assim... não ir muito mais pra frente (B8, F, 86 anos); já me considero idosa porque não dou mais que um kilo. Se não estou bem, não consigo fazer nada. Quando não estou doente, aí faço alguma coisinha (P3, F, 80 anos); [...] me acho velho porque não enxergo. Quando é de manhã, troco a roupa para assistir jornal chinês, daí... almoço e... o que posso fazer? Só deitar na cama (C2, M, 70 anos).

Essa percepção existe até mesmo para aqueles idosos que ainda não apresentam esse quadro: no meu pensamento, velho mesmo é aquela pessoa que não pode fazer nada, tem que depender do outro para sobreviver, para viver (C3, M, 67 anos); uma pessoa velha é aquela que não pode mais fazer nada, tem que viver pedindo as coisas para os outros, mesmo que seja filho, mas você ficar só dependendo dos outros, então é velhinho (B2, F, 74 anos).

As doenças que acompanham o processo de envelhecimento, mesmo que não causem dependência, também constituem um marco desse processo. Também me sinto idoso porque tenho problema de doença, sinto dor aqui, dor ali, esse lado fui operado, tenho só um rim e do lado direito tenho cisto, aí tem muita diferença [...] (P1, M, 74 anos); Se eu tivesse saúde ia ser melhor. A doença faz a gente se sentir mais velha. Tenho saudade de fazer o que fazia antes, mas o que passou não volta mais (B6, F, 96 anos).

Observa-se que algumas representações sociais referentes ao processo de envelhecimento exercem influência negativa na vivência dessa nova fase.12 12 Ringa V, Diter K, Laborde C, Bajos N. Women's sexuality: from aging to social representations. J Sex Med. 2013; 10(10):2399-408.Sentimentos de inutilidade e de perda da autonomia influenciam diretamente na qualidade de vida, pois o idoso passa a se perceber alheio às decisões de sua própria vida. Essas percepções constituem reflexo de uma cultura "hospitalocêntrica", que coloca em segundo plano as práticas de prevenção e de promoção da saúde.

Isso ocorre porque os sistemas de saúde não estão preparados para uma abordagem que leve em conta as características físicas, biológicas e psicológicas decorrentes do envelhecimento, e menos ainda para o tratamento de doenças crônicas que podem acompanhar a mudança do perfil demográfico da população. Nesse contexto, o grande desafio das políticas de saúde é desconstruir o modelo atual e buscar um novo modelo de gestão, com ênfase ao envelhecimento populacional e às doenças crônicas, de modo a garantir a sustentabilidade com qualidade na assistência à saúde.1313 Vilar JM. Envelhecimento populacional e doenças crônicas: tendências de um novo mercado de trabalho e de consumo de serviços de saúde na terceira idade. In: Barros Júnior JC, organizadores. Empreendedorismo, trabalho e qualidade de vida na terceira idade. São Paulo (SP): Editora Edicon; 2009. p. 295-308.

Constatou-se também que o saudosismo é uma característica na vida dos idosos, que geralmente rememoram o tempo da juventude, como um período acompanhado de vitalidade, vigor, força e, frequentemente, saúde.14 14 Oliveira LPBA, Menezes RMP. Representações de fragilidade para idoso no contexto da estratégia saúde da família. Texto Contexto Enferm. 2011 Abr-Jun; 20(2):301-9.Vale ressaltar que, de acordo com os discursos dos idosos em estudo, nem sempre a velhice é associada à presença de doenças e incapacidades, mas quando existe essa associação, os idosos tendem a apresentar imagens negativas da velhice.

A existência de um estigma da velhice ligada a perdas, doenças e incapacidades muitas vezes é relatada pelo próprio idoso, inclusive por aqueles que não se consideram velho. Nesses casos, ao mesmo tempo em que eles lançam mão de estratégias para negar a sua condição, passam a visualizar o velho no outro. Essa concepção parece associada ao contexto sociocultural. Não me considero velho em absolutamente nada. Porque eu acho que eu tenho vigor, tenho vontade, tenho projeto de vida. Quando era adolescente e meu pai dizia que meu tio, meu avô tinha 80 anos, outro 60, outro 90 eu achava aquilo uma eternidade, eu dizia: nossa! quando eu vou chegar nos 60!!! E cheguei sem perceber (L4, M, 60 anos).

Nesse caso específico, ter um projeto de vida constitui um diferencial, pois implicitamente este existe para aqueles que ainda se encontram em plena atividade laboral e social e que se reconhecem em condições para isso, visto que suas vidas não são marcadas por limitações e incapacidades físicas ou mentais. L4, por exemplo, ainda é profissionalmente ativo e responsável pelos negócios da família.

Cabe ao profissional de saúde, juntamente com os idosos e seus familiares, reconhecer essas condições e traçar estratégias que favoreçam a desmistificação da imagem de velhice carregada de pontos negativos,1515 Cruz RC, Ferreira MA. Um certo jeito de ser velho: representações sociais da velhice por familiares de idosos. Texto Contexto Enferm. 2011; 20(1):144-51. pois, afinal, todas as etapas da vida envolvem perdas e ganhos, e é a maneira como são vivenciadas que faz toda a diferença.

Ressalta-se que uma idosa brasileira, apesar de ter uma idade avançada, ser cega há 20 anos e ter dificuldades para andar, apresentava uma percepção de velhice diferenciada. Para ela, sua capacidade cognitiva intacta era mais importante do que sua limitação física e de dependência. Tem uma irmã que me chateia, diz que eu estou ficando velha [risos], mas eu não acho que estou velha porque estou viva ainda, porque minha mente e meus sentidos estão normais. E se ficar velha, é porque Deus quis (B9, F, 94 anos). Cabe destacar que ela era benzedeira muito valorizada em sua comunidade e, por isso, recebia visitas o dia todo. Seu relato reforça as premissas do IS de que o agir do ser humano é baseado nos significados que ele dá para sua vida. Ou seja, tudo o que ele percebe em seu mundo e a forma com que ocorre essa percepção, os significados que atribui a objetos ou pessoas determinam seu comportamento, o qual também é decorrente de interações sociais.

As precárias condições econômicas, que acompanham uma parcela significativa dos idosos no Brasil, também foram referidas como um limitador da autonomia na velhice. Esse aspecto foi destacado, por exemplo, por alguns idosos que, por serem estrangeiros, não tem acesso ao auxílio da Previdência Social. A gente precisa de ajuda, depois de velho os filhos vêm cuidar porque não somos aposentados (P2, F, 74 anos); Não sou aposentada e depois que meu marido morreu sou eu pra tudo, então, só penso que não posso ficar velha porque tenho que trabalhar (C1, F, 60 anos).

Depender financeiramente de outros ou não ter a segurança de uma renda fixa, traz mal-estar para os idosos e a percepção de que sua vida poderia ser melhor. A renda, portanto, constitui fator relacionado à manutenção da autonomia do idoso, ou seja, a possibilidade de tomar decisões relacionadas com a própria vida,16 16 Green G. Age-friendly cities of Europe. J Urban Health. 2013; 90(Suppl1):116-28.consequentemente, um fator imprescindível a ser considerado no planejamento de ações de promoção de qualidade de vida aos idosos.

Nesse contexto, a percepção de ser e estar apto ao trabalho, por exemplo, dá aos indivíduos com mais de 60 anos a sensação de não serem idosos e isso, por sua vez, permite que eles se sintam capazes de contribuir, de gerar renda e de serem úteis à sociedade. Não me acho velho, com 60 anos ainda pretendo trabalhar muito (L7, M, 60 anos); Particularmente, não me acho velha, não paro de trabalhar, de me mexer (F1, F, 63 anos); Não me acho velha, pois continuo trabalhando na profissão e em outras atividades não-filantrópicas. O trabalho produtivo sempre foi minha religião (F4, F, 63 anos); Se eu tivesse saúde estaria trabalhando e não ia me sentir velha (B10, F, 74 anos); Se não dá para trabalhar, esse é velhinho (C2, M, 70 anos).

Essa visão de utilidade e de poder gerar renda difere bastante do que se observava até o século XIX, quando a pessoa idosa era vista como incapaz de se autossustentar, advindo daí a noção de velhice aliada à incapacidade de produzir e trabalhar.17 17 Blumer, H. El Interaccionismo Simbolico: perspectiva y metodo. Barcelona (ES): Hora; 1982.Os relatos relacionados com a questão do trabalho mostram que definir a velhice apenas a partir de uma visão biológica é tratar a população idosa de forma homogênea, sem considerar a complexidade do contexto em que os idosos estão inseridos.1414 Oliveira LPBA, Menezes RMP. Representações de fragilidade para idoso no contexto da estratégia saúde da família. Texto Contexto Enferm. 2011 Abr-Jun; 20(2):301-9. Ressalta-se que é no contexto histórico e social que se construiu a visão, ou significado, que hoje as pessoas ainda têm dos idosos: incapaz e inabilitado para determinadas atividades. Por isso, cabe também aos profissionais da saúde ajudar a desconstruir esse conceito de incapacidade, inserindo as pessoas idosas em atividades de promoção da saúde e estimulando sua reinserção social e laboral.

Contudo, o que se observa na atualidade, numa sociedade capitalista, é o trabalho como promotor da qualidade de vida das pessoas, o que pode ser percebido quando os idosos definem a velhice como algo relacionado tanto à capacidade física quanto intelectual do ser humano, ou seja, aquele que deixa de pensar, de produzir e de fazer algo pelo outro e por si, torna-se velho.

Por fim, ainda em relação à percepção de velhice, um relato que chamou a atenção foi o de um libanês de 75 anos, para quem a velhice se instalou repentinamente a partir da perda de um irmão, levando-o a se afastar das atividades sociais e familiares. [...] antigamente, eu andava o dia inteiro no centro, alegre, tinha muitas amizades, ia a casamentos, shows, saía muito. Agora fico quieto em casa, não me interessa mais festas, não me interessa mais nada. Quando morreu meu irmão, eu senti muito, aí acabou minha alegria [chorou...]ele era pra mim irmão, papai... era tudo pra mim... depois que ele morreu acabou tudo... por isso acho que estou velho (L3, M, 75 anos).

Embora apenas este idoso tenha feito referência ao luto como fator determinante da velhice, não se pode negar o valor desse dado para a compreensão da importância da nacionalidade e da cultura na percepção dos indivíduos sobre o processo de envelhecimento. No caso dos libaneses, a ligação familiar foi muito forte e evidente em todas as entrevistas e, nesse caso específico, o irmão que morreu era o mais velho, aquele que, segundo a cultura libanesa, na falta do pai, assume o compromisso de cuidar da família, dos irmãos mais novos e da mãe.

Cabe salientar que essa fase da vida frequentemente é acompanhada de múltiplas perdas significativas e de uma perspectiva de finitude, despertando angústia e sofrimento, o que demanda um complexo trabalho de elaboração e readaptação por parte dos indivíduos.1818 Jardim VCFS, Medeiros BF, Brito AM. Um olhar sobre o processo do envelhecimento: a percepção de idosos sobre a velhice. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2006; 9(2):25-34. Porém, a vivência do luto de um familiar ou amigo próximo tem valores e significados diferenciados em cada cultura, e esses devem ser compreendidos e valorizados pelos profissionais de saúde.

É nesse agir socialmente que o indivíduo, por meio da construção individual de significados, procura entender as características simbólicas da vida social e da realidade, além de atribuir significado, interpretar situações, emitir julgamentos e fazer escolhas.8Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da Teoria Fundamentada. São Paulo (SP): Artmed; 2009. Nesse sentido, é possível inferir que para os libaneses a perda de um irmão mais velho remete à reflexão da velhice/finitude, fazendo-os perceber-se mais velhos, além de despertar alterações psicológicas por sua relação com as questões culturais presentes no cuidado à família.

Envelhecer ou tornar-se "velho": a diferença entre velhice física e velhice psicológica

Além dos aspectos biológicos relacionados ao envelhecimento, os aspectos psíquicos que envolvem a capacidade de raciocínio, independentemente de outros fatores, foram relatados como determinantes do envelhecimento, porém na perspectiva do outro. O envelhecimento está na cabeça das pessoas, está na inoperância, que não precisa ser mecânica nem física, a inoperância intelectual (L4, M, 60 anos); [...] é quando uma pessoa deixa de pensar, raciocinar, de meditar, ter iniciativa, ter coragem, deixa de ser audacioso, de ser empreendedor, ele envelhece (L7, M, 60 anos); Eu não tenho 80 anos, tenho 4 x 20 [risos]. Velho é aquele que diz: 'Ah, eu já estou velho, ah eu não posso, ah, mas isso já não dá pra mim...' isso é uma pessoa velha, independente da idade; eu já vi gente de 40 anos assim; puxa, com 40 anos?? (F7, M, 80 anos).

Denota-se que a velhice é percebida, antes de tudo, como um estado que caracteriza a condição do ser. Salienta-se que embora o registro corporal forneça as características físicas do idoso (cabelos brancos, calvície, rugas, etc.), outras características não aparentes, e que são intrínsecas à velhice, independem da idade.1919 Walter MIMT. A dualidade na inserção política, social e familiar do idoso: estudo comparado dos casos de Brasil, Espanha e Estados Unidos. Opin Publica [online]. 2010; [acesso 2014 Jan 24]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/op/v16n1/a08v16n1.pdf
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Portanto, a velhice deve ser considerada em sua pluralidade de experiências individuais e sociais, como um fenômeno singular na vida do ser humano, o que nos impede de adotar conceitos únicos. Nesse sentido, foi inclusive apontada como uma opção do ser. Os indolentes, os molengas, os preguiçosos são velhos, tenham a idade que tiverem (F4, F, 63 anos); A pessoa fica velha quando ela quer, porque é na cabeça que você se faz velho ou jovem (L5, M, 72 anos).

A velhice é, também, percebida como falta de entusiasmo pela vida. Velha é não sair de casa, não participar mais de atividades, se sentir acabada, não ter mais ânimo pra sair (B3, F, 65 anos).

Os relatos dessa categoria mostram que, independentemente da nacionalidade, as semelhanças na percepção da velhice evidenciam que a construção desse conceito, para além dos aspectos culturais, centra-se principalmente nas experiências vivenciadas ao longo dos anos e é por meio dessas interações que o indivíduo é capaz de definir, dirigir e controlar situações de forma ativa e seletiva, dando significados perante o sentido que eles apresentam para si, em dado momento, o que fundamenta os preceitos do referencial teórico utilizado no estudo (IS).8Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da Teoria Fundamentada. São Paulo (SP): Artmed; 2009.

Na contemporaneidade, a manifestação da velhice aliada às atividades e ao dinamismo na vida se distancia daquela observada no passado, em que as representações sociais atrelavam velhice a descanso, quietude e inatividade.2020 Silva LRF. Da velhice à terceira idade: o percurso histórico das identidades atreladas ao processo de envelhecimento. História Ciên Saúde. 2008 Jan-Mar; 15(1):155-68. Hoje, as atividades agregadas à rotina diária fazem com que os idosos não se reconheçam mais nessas imagens, fruto de um processo histórico, envolvendo o próprio envelhecimento populacional, o crescimento demográfico, a primazia da informação, da informática e do conhecimento.

Assim, contrariamente ao antigo conceito de velhice como sinônimo de inatividade e passividade, os idosos da pós-modernidade tendem a sentir-se vivos, mesmo em idade avançada, mostrando-se prontos para se mover, agir, pensar e participar da vida familiar. Nesse contexto, os aspectos culturais influenciam o estilo de vida adotado pelos idosos e determinam como vivem na sociedade. A idade é um estado mental, não é físico. O estado mental deixa a gente velho, mas claro que o mental e o físico estão interligados (L6, M, 72 anos); Velho é da tua cabeça, não é a idade que te deixa velho, é o que tu tem no crânio. Tem gente que ah, eu não vou aqui, eu não me pinto, são velhos de nascimento e tem outro que caramba! tem lá 80 anos e está cortando a sua grama, fazendo alguma coisa ou entrando na internet, então é na cabeça (F1, F, 63 anos).

Conhecer a percepção dos idosos sobre o processo de envelhecimento é útil para que se direcionem propostas de atividades sociais a essa clientela, já que há influências culturais em relação à forma como a saúde e o processo de degeneração senil são percebidos, pois é a partir de uma análise comparativa com demais indivíduos que se delineia a condição de saúde e de velhice.

Desse modo, há ainda os idosos que atribuem à velhice as mudanças físicas. O corpo envelhece mais rápido que a cabeça. Estou com essa idade, mas meu pensamento, minha ideia é normal, não estou assim que me esqueço das coisas ou falo coisas que não sei (B7, F, 75 anos); A mente e o espírito não envelhecem, é o corpo que sente a idade passar (C2, M, 70 anos).

Estes relatos mostram o quão complexo é definir a velhice. A percepção de ser idoso é condicionada por atitudes e práticas ideológicas da sociedade em relação a ele, por isso constitui uma visão de mundo ser e estar idoso. Percebe-se nos relatos que, embora alguns participantes se considerem idosos, não se acham velhos. Isso evidencia a negação da velhice, cuja percepção, a partir do que se observa no outro, está associada a perdas, doenças e incapacidades,2121 Guerra ACLC, Caldas CP. Dificuldades e recompensas no processo de envelhecimento: a percepção do sujeito idoso. Cienc Saude Colet. 2010 Set; 15(6):2931-40. não se enquadrando no que eles visualizam em si.

O estigma presente na sociedade é de que a velhice é demonstrada na aparência física, nas rugas e nas marcas de sofrimentos vividos ao longo da vida; por isso, alguns idosos afirmam: acho que já estou começando a envelhecer, porque olho no espelho o cabelo está todo branco, isso é a idade [risos...] (C4, M, 63 anos); sou idosa mas até esqueço, a não ser quando me olho no espelho (F5, F, 69 anos) ; a gente se olha no espelho e vê que está envelhecendo, mas parece que assim intimamente não se sente velho (L5, M, 72 anos); basta olhar-se no espelho e ver que o tempo passou, o pique não é mais o mesmo, a ilusão de mudar o mundo foi-se.... mas ainda vamos em frente curtindo netos e discordando do rótulo de que estamos na melhor idade!! (F3, F, 62 anos).

As alterações da imagem percebida no espelho expressam as mudanças na aparência do corpo e revelam os sentimentos dos idosos em relação ao que lhe acontece, o que não os impede de continuar a vida e, também, de não se achar menos capazes por isso. Na sociedade atual, os estereótipos de beleza, impostos pela mídia, privilegiam a juventude e podem ou não levar à exclusão ou à desvalorização dos idosos na comunidade, desencadeando, muitas vezes, a busca desenfreada de mecanismos para melhorar a aparência, como pintar os cabelos para se sentir mais jovem,21 21 Guerra ACLC, Caldas CP. Dificuldades e recompensas no processo de envelhecimento: a percepção do sujeito idoso. Cienc Saude Colet. 2010 Set; 15(6):2931-40.e ainda se submeter a cirurgias plásticas e tratamentos, por vezes até agressivos.

Contudo, não se pode deixar de considerar que as perdas significativas advindas da idade, como aquelas decorrentes de doenças, viuvez, redução da vitalidade e força, podem afetar a autoestima, determinar a perda de papéis sociais e levar ao isolamento e ao conformismo diante desse processo. Entende-se que em cada contexto há particularidades que alteram o estilo de vida do idoso e revelam modos e significados diferentes do envelhecer. Como processo multifatorial, o modo como a velhice é vivenciada dependerá da história de vida, suporte afetivo, redes sociais, valores pessoais e estilo de vida de cada um, reforçando mais uma vez os preceitos do IS de que o ser humano interage, interpreta, define e age de acordo com os significados atribuídos às situações vivenciadas.9Flick U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3ª ed. São Paulo (SP): Artmed; 2009.

Em relação à morte, por exemplo, o idoso a percebe e a admite como uma certeza. A velhice acho que tem que ser o final da vida (B3, F, 65 anos); Ser velho é deixar tudo pra trás, é pensar que não vai viver mais (B5, F, 90 anos). Portanto, a morte é um acontecimento singular e deve ser vista e entendida como tal, pertencente a uma dimensão integrante da vida. Contudo, alguns mecanismos de defesa apresentados pelos indivíduos possibilitam que se ignore a morte e se dificulte a percepção da finitude. Acho bom estar vivendo tanto assim, mas eu não desejava que eles [familiares] morressem tão cedo (B5, F, 90 anos).

Nessa direção, um estudo que comparou a situação social, política, econômica e de saúde da população idosa do Brasil, da Espanha e dos Estados Unidos, evidenciou as estratégias que estão sendo utilizadas na tentativa de mostrar o lado bom do envelhecimento, como a conquista da experiência, da sabedoria e da tranquilidade, e que acabam configurando a velhice como uma ruptura necessária. Ressalta, porém, que a pessoa não chega à velhice tendo abandonado projetos, necessariamente.1919 Walter MIMT. A dualidade na inserção política, social e familiar do idoso: estudo comparado dos casos de Brasil, Espanha e Estados Unidos. Opin Publica [online]. 2010; [acesso 2014 Jan 24]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/op/v16n1/a08v16n1.pdf
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Logo, dispensar um olhar reflexivo ao processo de envelhecimento e as dimensões que o cercam, além de compreender seus significados, permite aos pesquisadores a possibilidade de confrontar as diferentes facetas do envelhecimento, buscando identificar e determinar as razões de suas diferenças. É oportuno salientar que os profissionais de saúde, em especial o enfermeiro, desempenham importante papel no cuidado a esses idosos e com o devido preparo, para atender às demandas inerentes dessa fase, certamente conseguirão implementar um cuidado integral ao idoso2222 Linck CL, Lange C, Schwartz E, Dilélio AS, Zillmer JGV, Thorferhn MB. A inserção dos idosos no contexto da pós-modernidade. Cienc Cuid Saúde. 2009; 8(supl):130-5. e à sua família.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados apontam que, para os idosos de diferentes nacionalidades em estudo, o conceito de velhice foi construído a partir de múltiplos fatores, como: cronológico, físico, biológico, comportamental, sociocultural e, principalmente, das experiências vivenciadas ao longo dos anos, partindo-se das interações que estabeleceram com o meio onde viveram. Como esses idosos chegaram ao Brasil há pelo menos 40 anos, observa-se que, independente da nacionalidade, suas percepções do envelhecimento guardam relação com o contexto brasileiro.

Contudo, foi possível perceber a influência da cultura da terra natal interferindo principalmente na forma de vivenciar a velhice, pois a relação e os papéis dos membros da família e da colônia a que pertencem trazem significados próprios a esse processo. Em síntese, pode-se dizer que para os chineses, o trabalho é a oportunidade de se manterem ativos e autônomos. Para os libaneses, a vivência do envelhecer se atrela aos preceitos religiosos e aos laços familiares; já os franceses denotam que a velhice remete à liberdade, à busca interior e de qualidade de vida. Para os paraguaios e brasileiros, o envelhecer foi marcado por aspectos negativos consequentes de doenças crônicas, acompanhado das limitações físicas, dependência financeira e perda de autonomia.

Cabe salientar, no entanto, que idosos de uma mesma nacionalidade percebem, enfrentam e vivenciam a velhice de forma diferenciada, o que é compreensível, pois independentemente de terem uma visão negativa ou positiva sobre a velhice, cada idoso vive seu próprio processo de envelhecimento de forma singular, assim como qualquer outra fase da vida. E a partir disso redefine seus papéis na sociedade e na construção do senso comum sobre a velhice.

Assim, conclui-se que a compreensão das diferentes concepções de velhice para idosos de diferentes nacionalidades é um desafio, sobretudo porque esse processo envolve particularidades resultantes dos diferentes contextos de vida. No que tange à enfermagem, acredita-se que compreender hábitos e valores culturais dos idosos pode subsidiar a construção de bases teóricas que sejam operacionais no fazer da enfermagem junto aos idosos, que são cada vez mais presentes em nosso cotidiano social e profissional.

Conhecer as diferentes dimensões que envolvem a concepção de velhice pode incentivar o profissional de saúde a adotar evidências que guardam relação com o cuidado no processo saúde/doença, resultando na melhoria e na qualificação da assistência ao idoso. Afinal, para a prestação de um cuidado humanizado, é imprescindível que basicamente se reconheça estar diante de alguém que tem uma história e que é diferente de qualquer outra e, entre outros aspectos, reconhecer o ser que é objeto do cuidado: quem é, de onde vem, o que pensa a respeito de si e do outro, considerando seu contexto, sua rede social e suas dimensões.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Jun 2013
  • Aceito
    10 Jan 2014
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