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"Com um pouco de cuidado a gente vai em frente" vivências de pessoas com estomia1 1 Artigo originário da dissertação - Rede social de apoio no cuidado às pessoas com estomia: implicações para a enfermagem, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGEnf) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em 2012

Resumos

O estudo teve como objetivo conhecer o cuidado que permeia as vivências das pessoas com estomia de um município do interior do Rio Grande do Sul. Trata-se de uma pesquisa qualitativa descritiva. Participaram do estudo seis pessoas com estomia intestinal definitiva cadastradas no programa do município. Para a coleta dos dados utilizou-se a entrevista semiestruturada. Os dados obtidos foram submetidos à análise de conteúdo temática da qual emergiram as categorias: "Eu sou muito bem cuidado, todo mundo ajuda"; "É um pouco diferente a minha vida"; e "É preciso andar, parar não dá". O estudo revelou que o cuidado está presente no cotidiano das pessoas com estomia; as alterações em sua vida são evidentes, relacionadas à convivência social, à maneira de cuidar-se e aos hábitos alimentares. Os estomizados aprenderam a conviver com essas mudanças, buscando retornar às atividades diárias e envolvendo-se com afazeres no cotidiano.

Estomia; Cuidados de enfermagem; Enfermagem


The aim of this study was to learn how care takes place in the lives of people with ostomy in a municipality in the countryside of the state of Rio Grande do Sul. A qualitative, descriptive study was conducted. Six people with definitive intestinal ostomy, who were registered in the municipality's program, participated in the study. Semi-structured interviews were used for gathering data. The obtained data were subjected to a thematic content analysis, from which the following categories emerged: "I am really well treated, everyone helps"; "My life is a little different"; and "It is necessary to go on, stopping is out of question". The study revealed that care is present in the daily lives of people with ostomy; changes in their lives are clear, related to social interactions, to how they take care of themselves and to eating habits. Ostomized patients learned how to live with these changes, aiming to going back to daily activities and getting involved with chores in their routines.

Ostomy; Nursing care; Nursing


Objetivo: conocer el cuidado que se respira en las experiencias de las personas con estoma de una ciudad del interior de Rio Grande do Sul. Se trata de un salto cualitativo, descriptivo. Los sujetos fueron seis personas con estomía intestinal definitiva registrado en el programa de la municipalidad. Para la recolección de datos se utilizó una entrevista semiestructurada trabajado a través de análisis de contenido temático de las categorías que surgieron: Yo soy muy cuidadoso, todos ayudan; "Es un poco diferente de mi vida"; y "Hay que caminar, no se detiene". El estudio reveló que el cuidado está presente en la vida cotidiana de las personas con estomía, los cambios en su vida son evidentes en relación con su vida social, la forma de cuidar de sí mismo y los hábitos alimentarios. Aprendieron a vivir con estos cambios, tratando de volver a sus actividades diarias y participar en las tareas diarias.

Estomía; Enfermería de cuidado; Enfermería


INTRODUÇÃO

O aumento da expectativa de vida nos últimos anos tem contribuído para o acréscimo na incidência e prevalência de doenças crônicas no mundo. Assim, as necessidades das pessoas que passaram a viver nessa condição são significativas e afetam vários aspectos da sua vida, incorporando novos hábitos, bem como revisão e adaptação de papéis sociais.1Organização Mundial da Saúde. Cuidados inovadores para condições crônicas: componentes estruturais de ação: relatório mundial [online]. Brasília (DF):OMS; 2003 [acesso 2012 Set 11]; Disponível em: http://www.opas.org.br/sistema/arquivos/Manual_final.pdf
http://www.opas.org.br/sistema/arquivos/...

A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera como condições crônicas de saúde os problemas que exigem cuidados por um longo período de tempo, incluindo as pessoas com estomia intestinal definitiva. Trata-se de um grupo extremamente amplo de agravos, que se caracterizam pela cronicidade e a necessidade de cuidados contínuos.1Organização Mundial da Saúde. Cuidados inovadores para condições crônicas: componentes estruturais de ação: relatório mundial [online]. Brasília (DF):OMS; 2003 [acesso 2012 Set 11]; Disponível em: http://www.opas.org.br/sistema/arquivos/Manual_final.pdf
http://www.opas.org.br/sistema/arquivos/...

As estomias intestinais são confeccionadas em procedimentos cirúrgicos, tendo a finalidade de desviar o trânsito fecal para o exterior. A esse procedimento se atribui diversas causas, e entre as mais frequentes estão os traumas, doenças congênitas, doenças inflamatórias, tumores e câncer de intestino e bexiga.2Gemelli LMG, Zago MMF. A interpretação do cuidado com o ostomizado na visão do enfermeiro: um estudo de caso. Rev Latino-Am Enfermagem 2002 Jan-Fev; 10(1):34-40. A cirurgia em que se realiza a estomia é referida pelos estomizados como traumatizante, acarretando alterações profundas no modo de vida, as quais necessitam de uma assistência especializada,3Cascais AFMV, Martini JG, Almeida PJS. O impacto da ostomia no processo de viver humano. Texto Contexto Enferm. 2007. Jan-Mar; 16(1):163-7. demandando recursos diversos e cuidados específicos.

O processo de cuidar vem sendo adjetivado como "cuidado humano" e consiste em uma forma de viver, de ser, de se expressar; caracterizado como uma postura ética e estética frente ao mundo. Está expresso nos comportamentos e ações que envolvem conhecimento, valores, habilidades e atitudes, empreendidas no sentido de favorecer as potencialidades das pessoas para manter ou melhorar a condição humana no viver e morrer. O cuidado é resultante do processo de cuidar.4Waldow V. Visão histórica: evolução humana e o cuidado. In: Waldow V. Cuidado humano: o resgate necessário. Porto Alegre (RS): Sagra Luzatto; 1998. p. 17-43.

O cuidado em relação às pessoas com estomias demanda especificidades em diversas dimensões, considerando que essas vivenciam várias perdas nesse momento, necessitando de atenção individualizada e sistematizada. Cuidar das pessoas submetidas a esse tipo de procedimento cirúrgico, que altera a sua fisiologia gastrointestinal, autoestima, imagem corporal, além de outras modificações em sua vida devido à presença de colostomia/ileostomia, tem constituído um desafio para o cuidado prestado pelos profissionais de saúde, em especial para o enfermeiro.5 Sonobe HM, Barichello E, Zago MMF. A visão do colostomizado sobre o uso da bolsa de colostomia. Rev Bras Cancerol. 2002; 48(3):341-8.

Esse profissional, por meio de seu conhecimento científico, possui competência para promover o cuidado integral, contribuindo, assim, na reabilitação da pessoa estomizada em relação à sua nova condição de saúde, reinserção na sociedade, bem como desenvolvimento do ensino-aprendizagem para o autocuidado.6Ardigo FS, Amante LN. Conhecimento do profissional acerca do cuidado de enfermagem à pessoa com estomia intestinal e família. Texto Contexto Enferm [online]. 2013 Out-Dez [acesso 2014 Jul31]; 22(4):1064-71. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-07072013000400024&script=sci_arttext
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010...

Nessa perspectiva, nas situações de doença, o cuidado auxilia no processo de cura, acelerando-o, fazendo-o menos traumático e, mesmo no silêncio, é interativo e promove crescimento. Em qualquer situação, o cuidado envolve presença solidária e ajuda nos momentos difíceis, constituindo-se em experiência significativa para os envolvidos, importando-se com eles, compreendendo-os em necessidades próprias, respeitando limitações e estimulando potencialidades.7Torralba RF. Antropologia do cuidar. Petrópolis (RJ): Vozes; 2009.

Ressalta-se ainda que, na condição crônica, essas dimensões se tornam ainda mais presentes, visto que o cuidado deverá abranger, particularmente, o aprendizado para cuidar-se com segurança e de maneira contínua e prolongada. Esse aprendizado deve se dar de maneira lenta, gradual e cuidadosa, de modo a estimular a autonomia das pessoas, devendo o enfermeiro corresponsabilizar-se por esse processo.8Bellato R, Maruyama SAT, Silva CM, Castro P. A condição crônica ostomia e as repercussões que traz para a vida da pessoa e sua família. Rev Ciênc Cuidado Saúde. 2007 Jan-Mar; 6(1):40-50.

A adaptação das pessoas com estomia ocorre com o ajuste da vida em um novo contexto, em que fatores importantes como a maneira de viver, o convívio social, a alimentação têm, muitas vezes, que ser abandonados, substituídos ou reduzidos.9Nascimento CMS, Trindade GLB, Luz MHBA, Santiago RF. Vivência do paciente estomizado: uma contribuição para a assistência de enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2011 Jul-Set; 20(3):557-64. Portanto, é um processo individual que se desenvolve ao longo do tempo e envolve uma série de aspectos que vão desde a assistência oferecida, ao modo como a pessoa se envolve no próprio cuidado.

É no sentido de poder conhecer as vivências cotidianas em relação ao cuidado das pessoas com estomia que se realizou esta pesquisa, considerando ser necessário que o enfermeiro conheça e valorize essas formas de cuidado, a fim de saber os possíveis benefícios propiciados por ele, podendo atuar de forma humanizada com a situação.

Frente a isso, questiona-se: como se dá o cuidado que permeia as vivências cotidianas das pessoas com estomia de um município de pequeno porte do interior do Rio Grande do Sul (RS)? No intuito de responder essa questão, o objetivo foi conhecer o cuidado que permeia as vivências cotidianas das pessoas com estomia de um município de pequeno porte do interior do RS.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa do tipo descritiva, com abordagem qualitativa, pois se visualiza como adequada ao problema de pesquisa, uma vez que trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das crenças e valores, a partir da análise da realidade de diferentes formas, para representar as experiências vivenciadas pelas pessoas ou a vivência de um determinado fenômeno.1010 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12ª ed. São Paulo: Hucitec, 2010.

O estudo foi desenvolvido em um município da região Centro-Oeste do RS, tendo como sujeitos seis pessoas com estomia cadastradas no Programa Municipal de Estomias da referida cidade. Elencaram-se como critérios de inclusão ser portador de estomia intestinal permanente e ser maior de 18 anos; e os de exclusão: não ter condições de lucidez e de orientação para responder as questões e participar do estudo.

Captaram-se os endereços dos usuários nas fichas de cadastro, com um contato prévio com a enfermeira responsável pelo programa. Todos os usuários cadastrados foram visitados para serem convidados a participar da pesquisa. Dos 11 cadastrados, três encaixavam-se nos critérios de exclusão, um foi a óbito no período da coleta de dados e um não aceitou participar, resultando em seis sujeitos da pesquisa.

A entrevista semiestruturada foi utilizada para coleta dos dados, a fim de contemplar as informações em níveis e aprofundamento adequados ao objetivo do estudo. Elas se realizaram no domicílio dos sujeitos, por ser este um ambiente privilegiado para entender as práticas de vida dos mesmos, pois se trata do contexto social onde estas acontecem.1111 Víctora CG, Knauth DR, Hassen MNA. Pesquisa qualitativa em saúde: uma introdução ao tema. Porto Alegre (RS): Tomo Editorial; 2000.

Os dados coletados foram submetidos à análise de conteúdo temática, a qual se constitui na compreensão dos temas que emergem das falas dos sujeitos.10 10 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12ª ed. São Paulo: Hucitec, 2010.Esse processo se organizou em três fases, a pré-análise, a exploração do material, o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.1010 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12ª ed. São Paulo: Hucitec, 2010. A pré-análise constituiu-se na sistematização das primeiras ideias, momento em que se realizou a transcrição das entrevistas, logo, representou o início do contato com os dados. Na sequência, fez-se a leitura flutuante a fim de se obter uma relação mais direta com os depoimentos e a seguir, a constituição do corpus o qual permitiu a organização do material empírico, de tal forma, que foi possível obter uma visão geral dos dados coletados.

A fase de exploração do material caracteriza-se pela transformação dos dados brutos, os quais foram classificados por meio de recorte, enumeração e agregação. Assim, na codificação os fenômenos encontrados foram nomeados, cada linha das falas foi lida e analisada. Os núcleos foram sublinhados e retirados dos dados e após a comparação foram agrupados por similaridade e diferenças formando os núcleos de sentido, que emergiram das falas dos sujeitos sobre o tema em questão.

Em atenção à Portaria 196/96,1212 Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução n. 196 de 10 de outubro de 1996: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília (DF): MS; 1996. que normatiza a pesquisa envolvendo seres humanos, os sujeitos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Além disso, como forma de assegurar a privacidade e o anonimato das pessoas envolvidas, tiveram seus nomes substituídos pela letra S de sujeito, seguida do número referente à ordem da entrevista. Ressalta-se que esta pesquisa foi desenvolvida somente após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com o n. 23081.017044/2011-82, e CAAE n. 0361.0.243.000-11.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os sujeitos desta pesquisa foram seis pessoas com estomia intestinal definitiva, com idades entre 51 e 75 anos, sendo cinco mulheres, quatro viúvas e uma casada, e um homem casado. Possuíam entre um e nove filhos. Dois dos sujeitos residiam na zona rural do município e os outros quatro, na área urbana. Quanto às pessoas que residiam nas suas casas, uma morava com a filha de 11 anos; outra, com a nora e a neta; outra, com o esposo e a filha de 12 anos; outra, com a única filha; outra, sozinha; e o sujeito entrevistado morava, na época, com sua esposa. No que se refere à ocupação, declararam-se: do lar (3), empresária (1), agricultor (1), e pecuarista e empresária (1). Todos afirmaram manter suas atividades diárias, em casa ou no seu trabalho.

As causas que os levaram à realização da cirurgia para construção da estomia foram câncer de intestino (4) e Doença de Chagas (2). Em relação ao tempo de estomia, eles possuíam cinco meses, um ano, três anos, sete anos, 11 anos e 18 anos.

Quando questionados sobre sua religião, revelaram-se todos católicos, porém frequentavam outras igrejas, tinham sua fé e suas crenças individuais, independente da religião. As rendas variaram de 1,5 até 6 salários mínimos nacionais, dependendo da sua ocupação. Todos tinham moradia própria.

A partir da análise temática, emergiram as categorias apresentadas a seguir, como unidades temáticas: "Eu sou muito bem cuidado, todo mundo ajuda"; "É um pouco diferente a minha vida"; e "é preciso andar, parar não dá".

Unidade Temática I: "Eu sou muito bem cuidado, todo mundo ajuda"

Os sujeitos mencionaram que o cuidado possui um significado abrangente, desde as mais simples ações, palavras, modos de ajuda dedicados a eles, até as concepções de cuidado específico, necessários com a condição crônica, como o apresentaram em seus relatos.

[...] quando eu saio para fora [chácara] a vizinha cuida a casa para mim e eu cuido a dela quando ela sai, porque a gente é companheira e amiga e se ajuda para cuidar as casas uma da outra. Ela é boa para mim e eu para ela e as filhas dela. Aí a gente sai tranquila (S1).

Lá em casa, é a mulher que sempre troca a bolsinha e aqui na cidade são as filhas, até que eu me anime trocar sozinho. Desde sempre elas que trocam para mim. Mas vou tentar trocar sozinho (S5).

[...] sempre tem um dos filhos por perto, eles não me deixam nunca. Onde eu vou eles estão comigo, são meus protetores, me cuidam, me cuidam. Acho que eles têm medo que eu deixe eles (S2).

Depreende-se dos depoimentos a presença do cuidado na maioria das ações, práticas e vivências que envolvem seus cotidianos. Considerando que, na presença ou não de alguma enfermidade e no cotidiano dos seres humanos, o cuidado humano também é imprescindível, tanto como uma forma de viver como de se relacionar.4Waldow V. Visão histórica: evolução humana e o cuidado. In: Waldow V. Cuidado humano: o resgate necessário. Porto Alegre (RS): Sagra Luzatto; 1998. p. 17-43.

No decorrer dos relatos, ficou evidente que eles relacionavam esse cuidado com os modos de ajuda, apoio e companhia, além de sentimentos, como afeto, apreço, amor que as pessoas dedicavam a eles, tanto familiares, quanto amigos, vizinhos e pessoas de sua convivência. Percebe-se que estas ações de cuidado resultaram em relações de confiança e fidelidade, fazendo com que eles se sentissem mais seguros e protegidos.

Destaca-se na fala do S5 que existe uma disposição para o autocuidado, que deve ser estimulada pelos familiares e profissionais envolvidos neste contexto. Autores referem que alguns estomizados, embora autônomos antes da cirurgia, passaram a ter atitudes dependentes, repassando as ações de autocuidado aos seus familiares, sendo as mulheres (filhas e esposas) as cuidadoras informais.1313 Souza CF, Brito DC, Branco MZPC. Depois da colostomia...vivências das pessoas portadoras. Enferm em Foco. 2012; 3(1):12-5.

Nesse contexto, considerando a condição crônica, os profissionais e a família têm o papel de educar para o autocuidado, atendendo as necessidades individuais, respeitando as limitações e despertando o cuidar de si para sua autonomia.1414 Bellato, R, Pereira WR, Maruyama, SAT, Oliveira PC. A convergência cuidado-educação-politicidade: um desafio a ser enfrentado pelos profissionais na garantia aos direitos à saúde das pessoas portadoras de estomias. Texto Contexto Enferm. 2006 Abr-Jun; 15(2):334-42.

15 Silva AL, Shimizu HE. A relevância da rede de apoio ao estomizado. Rev Bras Enferm. 2007 Mai-Jun; 60(3):307-11.
- 1616 Lanzoni GMM, Lessmann JC, Sousa FGM, Erdmann AL, Meirelles BHS. Interações no ambiente de cuidado: explorando publicações de enfermagem. Rev Bras Enferm. 2011 Mai-Jun; 64(3):580-6.

Todos me cuidam mesmo [...]. Quando precisei de sangue na cirurgia não tinha, daí todo mundo se mobilizou para doar, minha cunhada, meu filho, todos foram para lá para outra cidade que eu estava para me ajudar. As pessoas se sensibilizam com a gente, se mexem e ajudam mesmo.Viajaram e foram doar o sangue para mim (S1).

Em todos os serviços que eu vou eu sou bem recebida, estão sempre de portas abertas para mim, me conhecem e parece que todos querem me ajudar, sabe, em qualquer cidade que vou, aqui e em todos os outros lugares que precisei estar sempre fui bem cuidada por todos das equipes de saúde. Eu aprendo com eles e eles comigo [risos] (S3).

A mobilização dos familiares e amigos em relação à necessidade de transfusão sanguínea teve um significado relevante na vida da informante, pois, quando questionada sobre exemplos de cuidado em suas vivências, ela relatou esse fato com satisfação. A família são as pessoas mais evidentes nos discursos dos sujeitos como fonte de apoio, de força, de cuidado. A família desenvolve um papel essencial no processo de recuperação do paciente, na aceitação de sua condição, criando mecanismos de união e força entre seus integrantes, demonstrando sentimento de fé e esperança e atitudes positivas.1515 Silva AL, Shimizu HE. A relevância da rede de apoio ao estomizado. Rev Bras Enferm. 2007 Mai-Jun; 60(3):307-11.

Outro sujeito se sentia à vontade nos serviços de saúde, afirmando que, independente do município em que buscava atendimento, era bem recebida, sentindo-se amparada e protegida com essa forma de cuidado profissional, quando se referia às equipes de saúde. Fica clara no depoimento a importância de essa equipe de saúde estar preparada para receber o estomizado em qualquer situação, com empatia, boa comunicação, tornando esse atendimento resolutivo e integral.

O ser humano constrói suas relações sociais ocupando-se e preocupando-se com pessoas e coisas a ponto de reconhecer-se como um ser no mundo e com os outros, e, com isso, dedicando-se e inserindo o cuidado em tudo o que para ele representa importância e valor.16 16 Lanzoni GMM, Lessmann JC, Sousa FGM, Erdmann AL, Meirelles BHS. Interações no ambiente de cuidado: explorando publicações de enfermagem. Rev Bras Enferm. 2011 Mai-Jun; 64(3):580-6.Evidencia-se que, para cuidar, o enfermeiro necessita de relações que estabeleçam proximidade entre os sujeitos e culminem com processos interativos mútuos, onde o diálogo e o contato sejam valorizados, sempre embasados na ética e respeito à condição do ser como sujeito de direitos, desejos e saberes.

Os participantes também referiram os cuidados em relação à bolsa coletora, que acarretam especificidades, com as quais eles aprenderam a conviver por meio da contribuição das pessoas de suas relações e dos profissionais de saúde.

A menina que me cuida, que limpa a bolsinha para mim de dia, e a nora de noite [...]. Eu prefiro que elas façam, pois eu não enxergo direito e se ficar mal colada vaza. Tenho medo (S2).

São muitos anos com a bolsa. [...] algumas vezes eu limpo, outras a filha que limpa e troca, faz uma geral em mim, cuida da minha pele, passa esses cremes, porque eu só troco uma pela outra. Ela já é mais caprichosa com a minha pele e parece que diminui os cheiros quando ela faz (S6).

Eu que limpo sempre, desde o início, do meu jeito [...] uso bolsas descartáveis também que facilitam bastante minha vida, porque é só tirar [...] claro que aprendi com o pessoal da saúde, eu ia atrás deles para aprender [...] (S3).

No começo foi difícil, a filha me ajudava em tudo, porque eu não sabia [...]. Um dia resolvi me virar sozinha, não podia ficar dependendo dela sempre, peguei e limpei, troquei sozinha. [...] hoje é tão natural (S4).

Constata-se que existem uma preocupação e um cuidado especial com a bolsa. Alguns enfatizaram a existência de pessoas que os auxiliavam nesse processo e outros deixaram claro que eram eles mesmos que realizavam esse cuidado com determinação e segurança. Observou-se que quem possuía menos tempo com a estomia apresentava mais dificuldades de manusear a mesma, ao contrário dos que possuíam um tempo significativo, que relataram estarem habituados a esse cuidado. Eles revelaram uma atenção quanto à colocação, fixação da bolsa, para evitar vazamentos, odores desagradáveis e cuidados com a pele periestoma.

Estudo revela que as maiores dificuldades enfrentadas pelas pessoas com estomia intestinal são referentes aos cuidados com o dispositivo coletor, incluindo a colocação e a adaptação do mesmo, bem como receio de sua falta.1717 Menezes LCG, Guedes MVC, Oliveira RM, Oliveira SKP, Meneses LST, Castro ME. Prática de autocuidado de estomizados: contribuições da Teoria de Orem. Rev Rene. 2013; 14(2):301-10.

Destaca-se a importância de as pessoas com estomia desenvolverem aptidões para o autocuidado, pois este gera independência, menos exposição, o que aumenta a autoestima.18 18 Sampaio FAA, Aquino PS, Araújo TL, Galvão MTG. Assistência de enfermagem a paciente com colostomia: aplicação da Teoria de Orem. Acta Paul Enferm. 2008; 21(1):94-100.Sendo assim, precisam de acompanhamento e motivação constantes para melhor se adaptarem à situação, promovendo o autocuidado eficaz.1717 Menezes LCG, Guedes MVC, Oliveira RM, Oliveira SKP, Meneses LST, Castro ME. Prática de autocuidado de estomizados: contribuições da Teoria de Orem. Rev Rene. 2013; 14(2):301-10.

Emerge das falas de todos os sujeitos da pesquisa a presença de Deus em suas vidas, os quais referiram serem cuidados pela proteção divina e pelo sentimento de fé que possuíam. Era uma parte importante das suas formas de apoio, de cuidado, dando-lhes força e esperança nos momentos de dificuldade vivenciados, como se depreende dos depoimentos a seguir.

Tenho fé. Eu sempre estou dizendo que se não fosse por Deus, eu não estaria aqui, e os santos, que ajudam a gente. Eu sempre tive o santinho em casa, ganhei e levo na missa, e o padre que benze para mim (S1).

Agradeço todos os dias a Deus pela minha vida, pois por momentos achei que morreria, mas hoje tenho muita fé em Deus, apesar de antes não ser muito religiosa (S5).

Os sujeitos citaram Deus nesse momento como o responsável por ter-lhes dado a vida novamente, nessas situações, em função de que a doença causadora da estomia foi o câncer. Logo, acreditavam que a cirurgia para estomização lhes deu outra oportunidade de viver, agora sem o tumor. A procura pela espiritualidade/religiosidade é bastante comum, até mesmo naqueles "que não eram muito religiosos". A confiança no divino, nas orações e promessas faz com que essas pessoas se sintam mais tranquilas, com fé, esperança no futuro, dando sentido à sua vida.1313 Souza CF, Brito DC, Branco MZPC. Depois da colostomia...vivências das pessoas portadoras. Enferm em Foco. 2012; 3(1):12-5.

A fé é uma importante ferramenta no alívio da dor para o ser humano. A busca pela ajuda divina e a fé faz com que a pessoa se lance à procura de recursos para o enfrentamento de sua luta diária.1919 Paula ES, Nascimento LC, Rocha SMM. Religião e espiritualidade: experiência de famílias de crianças com insuficiência renal crônica. Rev Bras Enferm. 2009 Jan-Fev; 62(1):100-6.

Acredito em Deus e tenho ele da minha maneira [...]. Eu acho que tem um Deus só e aquele é que vai sempre me cuidar (S3).

O que eu acredito mesmo é em Deus. [...] sou muito crente em Deus, que Deus me ajudou muito nessa [...] que o doutor mesmo me disse depois que eu já estava bem, que Deus estava junto com ele me operando (S2).

Vê-se que cada um tem sua fé religiosa, sua crença. A fé religiosa, quando aliada à ciência, pode ajudar o paciente a sentir confiança na equipe e esperança em relação ao tratamento da doença e superação dos medos e angústias. A segurança de poder confiar em Deus advém da possibilidade de ter superado momentos difíceis anteriormente vivenciados. Certamente, esse tipo de sentimento é importante para as pessoas que convivem com doenças que podem levar à morte a qualquer momento.1515 Silva AL, Shimizu HE. A relevância da rede de apoio ao estomizado. Rev Bras Enferm. 2007 Mai-Jun; 60(3):307-11.

Sendo assim, a atenção ao aspecto da religiosidade e da espiritualidade se torna mais necessária na prática de assistência à saúde. Cada vez mais se vê a grandeza e a importância da religiosidade na dimensão do ser humano.1919 Paula ES, Nascimento LC, Rocha SMM. Religião e espiritualidade: experiência de famílias de crianças com insuficiência renal crônica. Rev Bras Enferm. 2009 Jan-Fev; 62(1):100-6.

Unidade Temática II: "É um pouco diferente a minha vida"

Neste momento, salientam-se as alterações no modo de vida das pessoas com estomia, que emergiram com as entrevistas. Os sujeitos afirmaram que obtiveram alterações em sua vida, relacionadas ao seu modo de viver, de conviver, de cuidar-se, de ser cuidado, enfim, em todo o seu cotidiano, a partir do momento em que iniciaram a convivência com a estomia.

[...] é, mudou um pouco minha vida. Já é mais difícil, não gosto muito de sair de casa [...]. Já não saía muito. Agora, então, com a bolsinha [...] não saio quase nada, só vou onde me sinto bem, onde as pessoas já me conhecem (S2).

Claro que mudou bastante a minha vida, mas com o tempo até me acostumei [...], posso dizer que voltei às atividades normais, porém com mais cuidado, até porque, se eu não seguir normal, acho que ficaria mais doente (S1).

A primeira fala explicita que a usuária não se sentia confortável ao sair de casa, por vergonha e insegurança em relação ao uso da bolsa coletora. As pessoas submetidas a este tipo de intervenção enfrentam modificações no seu dia a dia, que ocorrem não somente devido às questões fisiológicas, mas, também, emocionais e sociais.3 Cascais AFMV, Martini JG, Almeida PJS. O impacto da ostomia no processo de viver humano. Texto Contexto Enferm. 2007. Jan-Mar; 16(1):163-7.Pesquisa evidencia que usuários submetidos a cirurgias de estoma experimentaram várias preocupações, desde aprender como manipular os seus estomas até passar por conflitos de autoestima e imagem corporal. Os clientes frequentemente percebem o estoma como invasivo e desfigurante.2020 Lima RA, Paulino EFR, Silva VMR, Loureiro AAS. Analisando produções científicas acerca da educação do enfermeiro estomaterapeuta na última década do século XXI. Rev Enferm Profissional. 2014 Jul-Dez; 1(2):462-70.

Elas acabam tendo esses medos relacionados, na maioria das vezes, à perda do controle fecal e à eliminação de gases, tendo como consequência o isolamento social. Algumas pessoas com estomia revelam que a estomia mudou o seu modo de vida, destacando as dificuldades em relação ao trabalho, lazer, convívio social e familiar, sexualidade e alimentação, por sentimentos de vergonha e insegurança frente à sua nova condição.9Nascimento CMS, Trindade GLB, Luz MHBA, Santiago RF. Vivência do paciente estomizado: uma contribuição para a assistência de enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2011 Jul-Set; 20(3):557-64.

A segunda depoente informa que mudou seus hábitos e rotinas, mas que com o tempo houve adaptação, sendo retomadas as atividades normais. A maioria dos entrevistados menciona essa dificuldade inicial, provavelmente relacionada ao fato da aceitação do uso da bolsa e principalmente à adaptação com a mesma. A confecção do estoma ocasiona dificuldades na fase inicial, pois estes enfrentam alguns problemas, tanto físicos quanto psicológicos, consequentes a necessidade de inclusão de mudanças no cotidiano.2121 Silva J, Sonobe HM, Buetto LS, Santos MG, Lima MS, Sasaki VDM. Estratégias de ensino para o autocuidado de estomizados intestinais. Rev Rene. 2014 Jan-Fev; 15(1):166-73.

O processo de adaptação ocorre com o ajuste de toda uma vida, em um novo contexto individual que se desenvolve ao longo do tempo e inclui uma série de aspectos que vão desde o cuidado oferecido, a qualidade dos dispositivos utilizados, até ao modo como a pessoa se envolve no próprio cuidado. Existe uma evolução em relação aos dispositivos existentes no mercado, os quais amenizam essas angústias, melhorando o convívio social dos estomizados, tornando-os mais confiantes para exercer suas atividades diárias.1717 Menezes LCG, Guedes MVC, Oliveira RM, Oliveira SKP, Meneses LST, Castro ME. Prática de autocuidado de estomizados: contribuições da Teoria de Orem. Rev Rene. 2013; 14(2):301-10.

Um aspecto destacado pelos participantes da pesquisa em relação às mudanças em seu modo de vida foi referente aos hábitos alimentares:

depois de saber tudo sobre isso, mudei totalmente minha alimentação. Como muito pouco, em poucas quantidades, e só alimentos que não causam gases nem estufamento [...]. Não passo fome, mas tenho anemias seguido (S3).

quando estou fazendo uma refeição perto de pessoas de fora, assim, que não são de casa, eu evito comer quase tudo, tenho medo do depois, ali, que elimine gazes ou a bolsa estoure. [...] às vezes chego em casa com fome (S5).

Os novos hábitos alimentares são adquiridos na busca por bem-estar, não ingerindo ou evitando o consumo de determinados alimentos por conta dos enormes atributos conferidos a eles, como gases, fezes líquidas, entre outros. A alimentação é um fator importante a ser considerado pelos estomizados, já que alguns alimentos produzem gazes e odor desagradável nas fezes, reiterando a apreensão entre eles.1717 Menezes LCG, Guedes MVC, Oliveira RM, Oliveira SKP, Meneses LST, Castro ME. Prática de autocuidado de estomizados: contribuições da Teoria de Orem. Rev Rene. 2013; 14(2):301-10.

Repolho, couve, feijão, nem pensar em comer. [...] eu mesma tirei isso tudo da minha comida (S3).

Essa declaração nos remete ao conhecimento popular, em que a pessoa usa dos seus saberes somados a uma busca de seu bem-estar, e decide sobre as melhores maneiras de cuidado, nesse caso. o que pode ser prejudicial em outros aspectos na sua saúde.

As concepções e práticas populares relacionadas à alimentação podem causar benefícios e malefícios à saúde, de acordo com o tipo, ocasião e frequência em que são utilizados os alimentos. Além disso, as manifestações psicossomáticas de não aceitação destes são numerosas, podendo causar erros alimentares e simbolismos. A prática de seleção da dieta baseada nas crenças populares pode desencadear um desequilíbrio nutricional, tendo como consequência o não funcionamento normal do corpo humano.2222 Silva DG, Bezerra ALQ, Siqueira KM, Paranaguá TTB, Barbosa MA. Influência dos hábitos alimentares na reinserção social de um grupo de estomizados. Rev Eletr Enf [online]. 2010 [acesso 2012 Set 27]; 12(1):56-62 Disponível em: http://www.fen.ufg.br/revista/v12/n1/v12n1a07.htm
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Assim, para o enfermeiro e a equipe de saúde, a compreensão das modificações ocorridas na vida das pessoas com estomia é essencial, bem como o relato da vivência de todo esse processo, esclarecendo dúvidas e minimizando os medos, contemplando um cuidado integral e de qualidade.

Unidade temática III: "É preciso andar, parar não dá"

Nesta categoria os entrevistados revelaram as maneiras com que eles vivenciavam a adaptação com a estomia. Considera-se o processo de adaptação aquele que leva à aceitação e convivência harmônica com a nova situação.

[...] hoje eu tenho uma vida normal [...] indo e voltando, entre altos e baixos, porque eu passei por várias cirurgias, internações, mas encarei muito bem, tentando levar tudo normal [...] porque eu busco estar bem. [...] é como se eu não tivesse nada mais (S3).

Não mudou quase nada. [...] aos poucos vou me adaptando [...]. O que eu posso fazer, eu faço. É que faz pouco tempo ainda (S2).

Bah! no início eu me vi mal, me revoltei, me apavorei, não sabia o que fazer, [...] mas hoje sou outra pessoa, fui vendo que a vida é linda, que tinha meus filhos para criar. [...] aprendi muito, superei muitas coisas e vivo normal (S1).

[...] quero fazer tudo lá fora, como se tivesse tudo igual [...], mas daí lembro que não posso forcejar tanto, porque sempre fui ativo, fazia tudo lá fora [...], mas vivo bem tranquilo, dentro do meu limite (S5).

Percebe-se que eles tentavam conviver normalmente com a situação da estomia. Alguns com cuidados específicos ainda, outros se adaptando, mas demonstraram buscar essa superação todos os dias. As experiências dessas pessoas vão sendo transformadas ao longo do tempo.

No início, elas não conseguem elaborar seus sentimentos ou reações para com esta realidade. Com o decorrer do tempo, dependendo da evolução da sua doença e das possibilidades de adaptação encontradas, elas desenvolvem estratégias de enfrentamento com as quais passam a lidar com relação aos problemas ou modificações cotidianas ocorridas em função da estomia. Assim, a pessoa necessita de um tempo pessoal para refletir e adaptar-se a essa condição, o que pode levar dias, semanas ou meses.7Torralba RF. Antropologia do cuidar. Petrópolis (RJ): Vozes; 2009.

Alguns estomizados revelaram que já haviam superado as perdas quando verbalizaram certa adaptação, provavelmente pelo tempo desde que realizaram a cirurgia, pelo suporte social, evolução da doença e tipo de estratégias de coping. É importante manter a esperança, dar-se tempo para se ajustar às novas condições, com o apoio dos membros da família e conviventes.1313 Souza CF, Brito DC, Branco MZPC. Depois da colostomia...vivências das pessoas portadoras. Enferm em Foco. 2012; 3(1):12-5.

Nesse contexto, deve-se evidenciar a maneira como os informantes vislumbravam as suas atividades diárias.

Eu faço todo meu serviço em casa, [...] cuido dos meus bichinhos, da minha horta, [...] vou aos bailes dançar, e eu adoro isso, [...] me envolvo e não penso bobagem. Levo a vida numa boa (S1).

[...] adoro ver minha casa limpinha. Limpo, funciono bastante lá fora [...]. Tenho galinhas, porco, dou comida, encerro as galinhas e ainda cuido da sogra que mora perto (S4).

Estou sempre envolvida com alguma coisa. Faço cursos, passeio nas vizinhas, vou no mercado, no centro, tudo normal. [...], é que são vários anos de convivência com a bolsa (S6).

É possível apreender que eles procuravam se envolver com suas atividades de maneira otimista, em busca de uma vida normal. Afirmaram que, assim, eles viviam bem. Visualiza-se a presença de uma rede social de apoio fortalecida nos depoimentos, sendo esta fundamental para a superação de sentimentos de perda e ao mesmo tempo acreditar numa perspectiva melhor para sua vida.

Essa nova situação necessita de uma adaptação no cotidiano da vida das pessoas com estomias, sendo que os fatores tempo e apoio social são primor diais para o enfrentamento e aceitação da estomia. Além disso, apesar das limitações, a pessoa pode realizar as suas atividades e manter o convívio social.23 23 Santana JCB, Dutra BS, Tameirão MA, Silva PF, Moura IC, Campos ACV. O significado de ser colostomizado e participar de um programa de atendimento ao ostomizado. Cogitare Enferm [online]. 2010 [acesso 2012 Fev 26];15(4):631-8. Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/cogitare/article/view/20358.
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Em uma análise bibliográfica evidenciou-se que as principais redes sociais de apoio às pessoas com estomias relacionavam-se às famílias, associações e grupos de pessoas com estomias, além dos profissionais de saúde, entre eles o enfermeiro.2424 Rodrigues SO, Budó MLD, Simon BS, Gewehr M, Silva DC. As redes sociais de apoio no cuidado às pessoas com estomias: revisão bibliográfica. Rev Saúde. 2013; 39(1) 33-42.

Assim, torna-se necessário que este conheça e valorize a rede social de apoio no cuidado às pessoas com estomia, auxiliando na melhora da qualidade de vida e permitindo que consigam enfrentar esta situação, visualizando a pessoa com estomia e seu contexto social.24 24 Rodrigues SO, Budó MLD, Simon BS, Gewehr M, Silva DC. As redes sociais de apoio no cuidado às pessoas com estomias: revisão bibliográfica. Rev Saúde. 2013; 39(1) 33-42.Além disso, a presença do enfermeiro para os estomizados representa apoio e segurança.25 25 Mauricio VC, Souza NVDO, Lisboa MTL. O enfermeiro e sua participação no processo de reabilitação da pessoa com estoma. Esc Anna Nery. 2013 Jul-Set; 17(3):416-22.Apesar de apenas três relatos de um estudo com 20 sujeitos indicarem a percepção da ação de enfermeiros, um número baixo, apesar de a pesquisa qualitativa não se preocupar com a expressão numérica. Essa situação pode ser um forte ponto de reflexão, até para novas pesquisas, a respeito do papel do enfermeiro no processo de reabilitação dos estomizados.2525 Mauricio VC, Souza NVDO, Lisboa MTL. O enfermeiro e sua participação no processo de reabilitação da pessoa com estoma. Esc Anna Nery. 2013 Jul-Set; 17(3):416-22.

Vale ressaltar que, além de buscarem envolvimento em alguma atividade em suas vidas, os sujeitos da pesquisa enfatizaram que possuíam sonhos, aspirações, motivações para seguir em frente.

[...] ficar só parada pensando não dá, porque aí a gente pensa bobagem demais, e adoece mesmo. O que eu posso eu faço, me envolvo em tudo e com todos, quanto mais gente por perto, me sinto melhor (S2).

[...] eu acho que é a minha autoestima, minha força de vontade [...]. Eu aceitei tudo aquilo ali, com o apoio dos filhos e marido, na época vivo [...]. Não me abaixei por nada [...]. Para mim era um problema que eu ia carregar para a vida toda, assim, bem normal, pior era ficar sem perna (S3).

Olha só, tem que andar, andar, parado não dá para ficar, tem que seguir em frente. Claro que com cuidado agora, [...] tentando ficar dentro de tudo, fazendo o que puder e no meio de gente, amigos, vizinhos, parentes (S5).

Eles deixam explícito que tinham força de vontade para enfrentar os desafios do seu dia a dia e assim consideravam que haviam superado seus estigmas em relação à estomia. Observa-se, pela empolgação deles no decorrer das falas, que realmente acreditavam que esse envolvimento em suas atividades, a autoestima eram fundamentais, contribuindo, assim, para sua sustentação como ser humano saudável.

[...] é isso que mantém a gente. Tem que ter sonhos, tem que sonhar, correr atrás das coisas, tendo afazeres para fazer, ajudar as pessoas, atentar para outras coisas, que aí se vive bem e esquece que tem problema, que na verdade não é problema, tem coisa muito pior (S3).

[...] eu sou jovem. Agora consegui ver que a vida é tão bonita, [...] já ando de ônibus, viajo, vou a bailes, adoro dançar, levo uma vida normal [...]. Quero arrumar minha casa, aumentar umas pecinhas (S1).

A presença dos sonhos, da busca por algo melhor, das aspirações na vida das pessoas com estomia retratam que é possível conviver de forma saudável e normal com uma colostomia, basta acreditar e superar a fase de aceitação e negação, que geralmente acontece logo após a cirurgia. As pessoas com estomia têm possibilidade de viver uma vida normal, em um ambiente rodeado de amigos, de desfrutar os prazeres da vida, e a discriminação pode ser superada com o tempo.2323 Santana JCB, Dutra BS, Tameirão MA, Silva PF, Moura IC, Campos ACV. O significado de ser colostomizado e participar de um programa de atendimento ao ostomizado. Cogitare Enferm [online]. 2010 [acesso 2012 Fev 26];15(4):631-8. Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/cogitare/article/view/20358.
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Dessa forma, o cuidado ao paciente com estomia exige dos profissionais reflexões acerca dos aspectos da reabilitação, tornando-se um verdadeiro desafio, pois é indispensável o conhecimento das necessidades dos usuários, que são várias e se modificam continuamente. É preciso dar maior atenção à pessoa com estomia, buscando, no seu universo, conhecê-la para compreendê-la, mediante seus sentimentos, oportunizando-a uma escuta sensível.2626 Mendes JOS, Leite MMAM, Batista MRFF. Sentimentos vivenciados pelo homem adulto colostomizado. Rev Interd. 2014 Jan-Mar; 7(1): 8-67.

Sendo assim, torna-se importante conhecer o significado do cuidado, as alterações nos modos de vida das pessoas com estomia e a maneira com que elas enfrentam essas alterações, destacando que essa aproximação com o mundo dos sujeitos cria um vínculo entre profissional e usuário, qualificando, assim, a assistência oferecida a esses usuários.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento deste estudo possibilitou constatar que o cuidado se faz presente no cotidiano das pessoas com estomia, desde as mais simples ações direcionadas a elas, até as mais específicas relacionadas à convivência com a sua condição crônica. Apresentam-se, nesse processo de cuidado, o apoio e dedicação das pessoas envolvidas nas suas relações, como a família, amigos, vizinhos, bem como o apoio divino, a crença em Deus expressada como uma proteção.

As alterações em seus modos de vida são evidentes, relacionadas à sua convivência social, à maneira de se cuidar, aos hábitos alimentares. Porém vê-se que, depois de um tempo, a maioria dos sujeitos aprendeu a conviver com essas mudanças, buscando retornar às suas atividades diárias e se envolvendo com afazeres no cotidiano.

Enfatizaram ainda que possuíam sonhos, almejavam conquistas futuras. Acreditavam que não se possa parar e se entregar para a doença, pois "andando" sentiam-se envolvidos, inseridos num contexto de vida normal, garantindo melhora importante para sua qualidade de vida.

Sendo assim, percebeu-se, por meio da pesquisa, que é fundamental compreender as maneiras de cuidado que permeiam as vivências cotidianas das pessoas com estomia, bem como as alterações que acontecem em suas vidas e como elas enfrentam essas situações. Acredita-se que esse conhecimento aproxime o enfermeiro da realidade em que vivem essas pessoas, criando um vínculo necessário para uma assistência integral, de qualidade e resolutiva.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Dez 2013
  • Aceito
    11 Jun 2014
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