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Cargas de trabalho e acidentes de trabalho em ambiente rural1 1 Este texto é parte da tese - Carga de trabalho na perspectiva da saúde socioambiental: estudo com trabalhadores agricultores, vinculado ao projeto - Natureza humana da força de trabalho masculina e feminina: um estudo com trabalhadores(as) em dois ambientes rurais do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), 2014.

Resumos

Objetivou-se verificar os tipos de cargas de trabalho decorrentes do trabalho da agricultura, conforme reconhecimento dos trabalhadores e identificar os acidentes de trabalho ocorridos entre os agricultores de dois ambientes rurais. Estudo quantitativo, exploratório e descritivo realizado com 259 agricultores no Rio Grande do Sul, por meio de questionário semiestruturado. Utilizou-se a análise descritiva, e os testes Qui-quadrado de Pearson e Coeficiente de Contingência. As cargas mais evidenciadas pelos agricultores foram calor, fungos, produtos químicos, poeira, esforços repetitivos, levantamento de carga pesada e postura inadequada. A prevalência de acidentes ocorreu com instrumentos de trabalho, seguido das quedas. Identificaram-se associações significativas entre diferentes instrumentos utilizados e os acidentes ocorridos. Os resultados sugerem a necessidade do investimento em ações de saúde no ambiente rural, a fim de prevenir ou minimizar os acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, e a Enfermagem pode contribuir de forma ampla e eficaz.

Saúde do trabalhador; Carga de trabalho; Acidentes de trabalho; Enfermagem


This study's objective was to identify the types of workload accruing from agricultural work that are recognized by farmworkers and to verify occupational accidents in two rural environments. This quantitative, exploratory and descriptive study was conducted with 259 farmworkers in the state of Rio Grande do Sul, Brazil using a semi-structured questionnaire. Descriptive analysis, Person's Chi-Square test, and coefficient of contingency were used. The workloads most frequently reported by farmers were heat, fungi, chemicals, dust, repetitive movements, heavy load-lifting, and inappropriate postures. Most accidents occurred with farm implements followed by falls. Significant associations were found among different isntruments and accidents. The results suggest the need for investment in health actions in rural environments to prevent or minimize work-related accidents and diseases so that nurses can contribute in a broad and efficient manner.

Occupational health; Workload; Accidents, occupational; Nursing


Se tuvo como objetivo verificar los tipos de cargas de trabajo recurrentes del trabajo de la agricultura, conforme reconocimiento de los trabajadores e identificar los accidentes de trabajo ocurridos entre los agricultores de dos ambientes rurales. Estudio cuantitativo, exploratorio y descriptivo realizado con 259 agricultores en Río Grande del Sur, por medio de cuestionario semiestructurado. Se utilizo el análisis descriptivo, y los testes Chi cuadrado de Pearson y Coeficiente de Contingencia. Las cargas más evidenciadas por los agricultores fueron el calor, hongos, productos químicos, polvo, esfuerzos repetitivos, levantamiento de carga pesada y postura inadecuada. La prevalencia de accidentes ocurrió con instrumentos de trabajo, seguido de las caídas. Se identificaron asociaciones significativas entre diferentes instrumentos utilizados y los accidentes ocurridos. Los resultados sugieren la necesidad de la inversión en acciones de salud en el ambiente rural, a fin de prevenir o minimizar los accidentes y enfermedades relacionadas al trabajo, y la Enfermería puede contribuir de forma amplia y eficaz.

Salud laboral; Carga de trabajo; Accidentes de trabajo; Enfermería


INTRODUÇÃO

Todo o processo de trabalho possui em sua essência fatores geradores de carga de trabalho (CT), próprios do processo e do ambiente em que se desempenha o trabalho, atuando direta ou indiretamente na saúde do trabalhador. Para que existam a identificação e a compreensão da presença e o efeito causador da CT, é necessário atentar para as distintas características e operações que ocorrem durante o processo laboral.

A CT que exige esforço físico pode ser mais facilmente reconhecida, pois está associada às dores, desconfortos e distúrbios decorrentes de lesões teciduais e desgastes das estruturas musculoesqueléticas que ocorrem a partir da realização de determinada atividade. Para tanto, a carga psíquica pode estar associada às características do próprio trabalhador, à rigidez e ao ritmo do trabalho ou ainda pode ser uma representação da insatisfação ou do confronto com os seus anseios.1Silva NR. Fatores determinantes da carga de trabalho em uma unidade básica de saúde. Ciênc. Saúde Coletiva. 2011 Ago; 16(8):3393-402. Tais insatisfações podem ser geradoras de acidentes de trabalho, diante da desatenção e do estresse, que promove alteração no desempenho da atividade, levando ao dano à saúde.2Organización Mundial de la Salud. Entornos laborales saludables: fundamentos y modelo de la OMS: contextualización, prácticas y literatura de apoyo. Ginebra: OMS; 2010.

Neste estudo, destacam-se o trabalhador-agricultor como força de trabalho humana, a singularidade do ambiente rural e as condições do processo de trabalho geradoras da CT. A agricultura, ainda hoje, apresenta a maior força de trabalho em nível mundial, com trabalhadores vivendo e realizando um trabalho em condições precárias, cuja rotina exige diversificadas demandas, por vezes perigosas e promotoras de acidentes e problemas de saúde relacionados ao trabalho.3Organización Internacional del Trabajo. Boletín Internacional de Investigación Sindical. Enfrentar el desafio del trabajo precario: la agenda sindical. Ginebra (CH): Oficina Internacional del Trabajo; 2013.

As condições do processo de trabalho que contribuem para esses acometimentos podem ser representadas pela manipulação de máquinas e veículos específicos, ferramentas/instrumentos e animais; carregamento de peso e outras atividades que geram lesões musculoesqueléticas; exposição a ruídos, vibrações, agentes infecciosos, poeiras, produtos químicos, substâncias orgânicas; condições habituais de zonas rurais, como atuação sob intempéries, temperaturas altas, radiação solar, risco de picadas por animais peçonhentos; bem como o risco de ocorrer escorregões, tropeços e quedas, entre outros.4Organización Internacional del Trabajo. Programa de Actividades Sectoriales. Repertorio de recomendaciones prácticas sobre seguridad y salud en la agricultura. Ginebra (CH): Oficina Internacional del Trabajo; 2010. Somam-se ainda o ritmo de trabalho intenso, a necessidade da produtividade, a longa jornada de trabalho, a ausência de intervalos para o descanso, a ausência de hidratação, a baixa renda e outros aspectos relativos à organização do trabalho da agricultura.4Organización Internacional del Trabajo. Programa de Actividades Sectoriales. Repertorio de recomendaciones prácticas sobre seguridad y salud en la agricultura. Ginebra (CH): Oficina Internacional del Trabajo; 2010.

Frente às características citadas, considera-se a perspectiva de que a CT assume a divisão em materialidade interna ou externa ao corpo do trabalhador. Para as cargas de trabalho externas, citam-se como exemplos: físicas (ruído, vibrações, calor, frio, umidade, radiações), químicas (vapores, poeiras, fumaças, gases, produtos químicos), biológicas (vírus, bactérias, fungos, parasitas) e mecânicas (materiais/instrumentos e ferramentas em condições inadequadas de trabalho). Para as cargas de materialidade interna ao corpo do trabalhador, destacam-se fisiológicas (esforço físico, posturas inadequadas, levantamento de cargas pesadas para o trabalhador) e psíquicas (relacionada a situações que deixam o trabalhador em tensão, estresse, e a limitações para o trabalho: rigidez do ritmo de trabalho, atenção constante).5Kirchhof ALC, Lacerda MR, Sarquis LMM, Magnago TSB, Gomes IM. Compreendendo cargas de trabalho na pesquisa em saúde ocupacional na enfermagem. Colomb Med. 2011; 42(2):113-9.

Em vista desses aspectos, compreende-se a relação direta entre a saúde do trabalhador e o contexto socioambiental, de forma a conduzir o olhar para os possíveis danos à saúde, produzidos na relação com o ambiente de trabalho. A necessidade de investigar/avaliar/monitorar o ambiente de trabalho é decorrente do reconhecimento dos aspectos laborais presentes que, muitas vezes, não são considerados, porém estão permanentemente agindo na saúde do trabalhador.

A aproximação socioambiental dos profissionais da enfermagem se faz necessária no desenvolvimento de práticas em saúde que ratifiquem o ambiente como fundamental no processo saúde-doença. Para tanto, salienta a importância do (re)conhecimento dos ambientes e das condições e circunstâncias do trabalho que propiciam os problemas de saúde, de forma a destacar a importância dessa relação.6Cezar-Vaz MR., Weis AH, Costa VZ, Soares JFS, Bonow CA, Cardoso LS, et al. Estudo com enfermeiros e médicos da atenção básica à saúde: uma abordagem socioambiental. Texto Contexto Enferm. 2007 Out-Dez; 6(4):645-53. A interação entre a enfermagem em saúde do trabalhador e a perspectiva socioambiental firma-se em características do profissional da enfermagem, referentes ao conhecimento dos locais de trabalho, ao domínio do conhecimento clínico, à capacidade de integração dos conceitos de ambiente e saúde no desenvolvimento de atividades de promoção de saúde, entre outras atribuições/habilidades.7Mcphaul KM, Lipscomb J. Incorporating environmental health into practice: the expanded role of the occupational health nurse. AAOHN J. 2005 Jan; 53(1):31-6.

Entendendo a característica ambiental das cargas de trabalho, torna-se importante que o enfermeiro as reconheça nos diversos ambientes ocupacionais, de modo a agir para a redução de danos à saúde do trabalhador. Tornando-se fundamental o saber constituído pelo enfermeiro para direcionar o seu exercício a partir do objeto e do contexto socioambiental a ser apreendido.8Cezar-Vaz MR, Cardoso LS, Bonow CA, Sant'Anna CF, Sena J. Conhecimento clínico do enfermeiro na atenção primária à saúde: aplicação de uma matriz filosófica de análise. Texto Contexto Enferm. 2010 Jan-Mar; 19(1): 17-24.

Nesse contexto, o presente estudo teve como objetivo verificar os tipos de cargas de trabalho decorrentes do trabalho da agricultura, conforme reconhecimento dos trabalhadores e identificar os acidentes de trabalho ocorridos entre os agricultores de dois ambientes rurais.

MÉTODO

Estudo quantitativo, exploratório e descritivo, realizado com 259 agricultores de dois ambientes rurais do Rio Grande do Sul, Brasil: 129 agricultores da Ilha dos Marinheiros, no município do Rio Grande, e 130 agricultores de Uruguaiana. Para a seleção dos sujeitos do estudo, foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: trabalhadores-agricultores residentes nas regiões rurais citadas; idade mínima de dezoito anos completos; atuação direta no trabalho da agricultura de hortifrutigranjeiros, mesmo que para subsistência. Excluíram-se os trabalhadores rurais que não realizavam atividades na agricultura no período de coleta de dados.

O cálculo amostral foi obtido por meio da ferramenta StatCalc, do programa Epi Info versão 3.5.2., utilizando o número total de habitantes das regiões rurais, em função da ausência do número de agricultores nas fontes oficiais, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Empregaram-se os seguintes parâmetros: prevalência desconhecida dos fenômenos e o nível de confiança de 95%, obtendo uma amostra de 369 sujeitos: aproximadamente 179 na Ilha dos Marinheiros e 190 em Uruguaiana. Para alcançar o maior número possível de agricultores junto aos órgãos oficiais do estado e município vinculados à assistência aos agricultores, realizou-se uma seleção intencional dos sujeitos por meio de uma amostragem não probabilística por conveniência, a partir da presença e disponibilidade dos trabalhadores no momento do processo de coleta dos dados.9Triola MF. Introdução à estatística. 10ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Livros Técnicos e Científicos Editora S.A; 2008.

Foram contatados o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) e a Secretaria Municipal da Agricultura, totalizando 157 agricultores indicados em Rio Grande e 194, em Uruguaiana. A EMATER auxiliou os pesquisadores no mapeamento da região e na realização do rastreamento com deslocamento até as residências, em Uruguaiana. Paralelamente a essas estratégias, realizaram-se rastreamentos a partir da indicação dos próprios entrevistados, casa a casa, localizando os trabalhadores e suas residências, os quais também compuseram a amostra. Considerando as regiões rurais de difícil acesso, obteve-se o total de 26 recusas e 36 perdas, consideradas a partir da não localização do trabalhador e estabelecidas por, no mínimo, cinco tentativas de contato, por visitas às residências em diferentes dias da semana.

Para o processo de coleta de dados, foi realizado primeiramente o estudo-piloto, em março de 2013, no ambiente da Ilha dos Marinheiros, abrangendo sete agricultores, selecionados de maneira aleatória, conforme os critérios de inclusão da pesquisa, obtendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Este estudo-piloto se mostrou efetivo, permitindo a reestruturação de questões do instrumento por meio do reajuste de nomenclaturas, detalhamento e clareza das questões. Os sujeitos que participaram foram novamente entrevistados na coleta de dados, tendo em vista o próprio interesse dos trabalhadores.

O processo de coleta dos dados ocorreu no período de março a outubro de 2013, com um questionário semiestruturado. Para a construção do presente trabalho, foram utilizadas questões referentes ao perfil dos trabalhadores-agricultores, a partir das variáveis: idade, sexo, escolaridade (anos completos); caracterização do processo de trabalho desenvolvido pelo agricultor, segundo as variáveis: instrumentos de trabalho, tipos de CT reconhecidos e acidentes de trabalho ocorridos. Para analisar a CT, utilizou-se o instrumento NASA-TLX, desenvolvido pela National Aeronautics and Space Administration, mensurador do Índice de CT.1010 Hart SG, Staveland LE. Development of a NASA-TLX (Task Load Index): results of empirical and theoretical research. In: Hancock PA, Meshkati N, editors. Human mental workload. Amsterdam (NL): North-Holland; 1988. p.139-83.

A análise estatística dos dados ocorreu com o auxílio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0. Utilizou-se a análise descritiva, de associação, utilizando o teste Qui-quadrado de Pearson (χ2Organización Mundial de la Salud. Entornos laborales saludables: fundamentos y modelo de la OMS: contextualización, prácticas y literatura de apoyo. Ginebra: OMS; 2010.) e o Coeficiente de Contingência (CC) para avaliar a força de associação entre as variáveis tipos de CT e sexo; e instrumentos de trabalho e acidentes de trabalho. O teste Mann-Whitney foi utilizado entre as variáveis CT e acidentes de trabalho. Foi adotado p-valor <0,05 como significância estatística em todas as análises. Como fonte esclarecedora do conceito de acidente de trabalho, utilizou-se a Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991 e o Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS).1111 Ministério da Previdência Social (BR). Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991: dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências [Internet]. Brasília; 1991 [ aceso 2013 Set 22] Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/legislao-federal/ .
http://www.previdencia.gov.br/legislao-f...
- 1212 Ministério da Previdência Social (BR). Anuário Estatístico: seção IV - Acidentes de trabalho [Internet]. Brasília (DF): MTE; 2012 [acesso 2013 Nov 28] Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/estatisticas/aeps-2012-anuario-estatistico-da-previdencia-social-2012/aeps-2012-secao-iv-acidentes-do-trabalho/aeps-2012-secao-iv-acidentes-do-trabalho-tabelas/.
http://www.previdencia.gov.br/estatistic...
A descrição dos instrumentos de trabalho fundamentou-se na Norma Regulamentadora 31.1313 Ministério de Trabalho e do Emprego (BR) Portaria n.2 546 de 14 de dezembro de 2012. NR 31 - Segurança e saúde no trabalho na agricultura, pecuária silvicultura, exploração florestal e aquicultura.Brasília (DF): TEM; 2012 [acesso 2012 Nov 10] Disponível em: http://portal.mte.gov.br/legislacao/normas-regulamentadoras-1.htm .
http://portal.mte.gov.br/legislacao/norm...
Na análise da CT, foi realizada a média ponderada das demandas (taxas x pesos) e a taxa global ponderada de cada sujeito entrevistado; após foi realizado o teste Mann-Whitney.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Pesquisa em Saúde da FURG, conforme o parecer nº 026/2013. Todos os participantes assinaram o TCLE após a explicação detalhada dos objetivos e procedimentos da pesquisa.

RESULTADOS

O estudo envolveu 148 (57,1%) trabalhadores homens e 111 (42,9%) mulheres, e a média geral de idade foi de 51,20 anos (DP=14,55), variando entre 18 e 81 anos. Na tabela 1, são apresentadas as características sócio-demográficas dos agricultores.

Tabela 1.
Caracterização sóciodemográfica dos trabalhadores-agricultores. Rio Grande-RS, Brasil, 2013 (n=259)

A tabela 2 mostra o resultado da análise das cargas de trabalho evidenciadas pelos agricultores na relação com o processo de trabalho desenvolvido. Para tanto, as mais evidentes entre as cargas físicas foi o calor; entre as cargas biológicas, o contato com fungos; entre as cargas químicas, o uso e o contato com produtos químicos e a poeira; e entre as cargas fisiológicas e psíquicas, a realização de esforços repetitivos, seguidas de levantamento de carga pesada e postura inadequada.

Tabela 2.
Associações entre as diferentes cargas de trabalho reconhecidas pelos agricultores e a variável sexo. Rio Grande-RS, Brasil, 2013 (n=259)

Na tabela 3, estão descritos os instrumentos utilizados pelos trabalhadores agricultores e os acidentes ocorridos em decorrência do processo e do ambiente de trabalho. Identificou-se que 190 (73,4%) dos trabalhadores entrevistados sofreram acidentes de trabalho, entre esses o acidente com instrumentos de trabalho foi o mais frequente entre os agricultores (n=99; 38,2%), seguido das quedas no ambiente de trabalho (n=82; 31,7%). Foram observadas associações significativas entre as seguintes variáveis: ocorrência de queimaduras por controle de pragas e o uso de defensivos agrícolas (p=0,050; CC=0,121); ocorrência de lesões com instrumentos de trabalho com o uso de ancinho (p=0,013; CC=0,144), roçadeira (p=0,036; CC=0,129) e carrinho de mão (p=0,012; 0,154); ocorrência de quedas com o uso de pá (p=0,025; CC=0,138), reboque (p=0,018; CC=0,146), arado (p=0,028; CC=0,136) e uso de motosserra (p=0,018; CC=0,146). As fraturas mostraram associações significativas com o uso de facão (p=0,41; CC=0,126), tesoura de poda (p=0,009; CC=0,161), foice (p=0,016; CC=0,148) e machado (p=0,017; CC=0,147); a ocorrência de entorse apresentou associação significativa com o uso do ancinho (p=0,034; CC=0,130).

Tabela 3.
Instrumentos de trabalho e ocorrência de acidentes autorreferidos por trabalhadoresagricultores. Rio Grande-RS, Brasil, 2013 (n=259)

Não foram identificadas associações significativas entre a CT e os acidentes ocorridos. Entretanto, entende-se que a CT abarca as condições de trabalho; dessa forma, o teste realizado com os instrumentos de trabalho - representativos para a CT - referem resultados significativos para este estudo.

No contexto em questão, foi questionado aos trabalhadores (n=190) por quais motivos acreditavam ter ocorrido os acidentes de trabalho, identificando-se que 110 trabalhadores (61,5%) referiram à falta de atenção na realização do trabalho; 41 (37,3%) citaram o excesso de atividades paralelas; 40 (36,7%) mencionaram a falta de Equipamento de Proteção Individual (EPI); 38 (35,5%) relacionaram a sobrecarga de trabalho e 10 (12,7%) relataram a falta de conhecimento.

DISCUSSÃO

As características sócio-demográficas dos trabalhadores agricultores dos ambientes rurais estudados apresentaram maior proporção para os homens, e a idade geral variou entre 18 e 81 anos. Tal característica é visualizada em outro estudo, o qual sugere que muitos começam a trabalhar na agricultura ainda jovens, e permanecem exercendo o ofício até a terceira idade.1414 Day L, Voaklander D, Sim M, Wolfe R, Langley J, Dosman J, et al. Risk factors for work related injury among male farmers. Occup Environ Med. 2009 May; 66(5):312-8. A baixa escolaridade entre a população rural permaneceu destacada, ratificando estudo anterior.1515 Faria NMX, Facchini LA, Fassa AG, Tomasi E. Trabalho rural, exposição a poeiras e sintomas respiratórios entre agricultores. Rev Saúde Pública. 2006 Out; 40(5):827-36.

Na relação do trabalho na agricultura frente à CT, foi possível verificar as associações estatisticamente significativas entre o sexo e as variáveis: ruído, vibrações, radiação não ionizante, parasitas, vapor, produtos químicos e esforço repetitivo. O que fortalece a existência de diferentes tipos de CT, os quais prejudicam a saúde dos agricultores, ressaltando a necessidade do reconhecimento desses trabalhadores em relação à prevenção.

Nessa perspectiva, o estudo confirma a importância de investigar os tipos de cargas de trabalho decorrentes do trabalho na agricultura, sob uma visão socioambiental, uma vez que o ambiente e o processo de trabalho influenciam diretamente na saúde do trabalhador. As cargas de trabalho podem ser de materialidade interna ao corpo humano, observadas a partir do distúrbio ou da doença. Ou externas, as quais possivelmente são visualizadas no ambiente, tanto as cargas de materialidade interna quanto externas influenciam no corpo do trabalhador, causando problemas de saúde.5Kirchhof ALC, Lacerda MR, Sarquis LMM, Magnago TSB, Gomes IM. Compreendendo cargas de trabalho na pesquisa em saúde ocupacional na enfermagem. Colomb Med. 2011; 42(2):113-9.

Assim, ao investigar as dores, distúrbios, doenças e acidentes relacionados ao trabalho, necessita-se considerar alguns aspectos: a CT, o trabalhador, as tarefas a serem desenvolvidas e o ambiente, na relação como esses se apresentam para um processo de trabalho saudável. Além de atentar para a natureza da carga, a limitação do trabalhador, os instrumentos adequados ao processo, à utilização de EPI, o clima, a iluminação, as posições exigidas pelas atividades etc.1616 European Agency for Safety and Health at Work (EU-OSHA). Musculoskeletal disorders in agriculture [Internet]. Bilbao (ES): EASHW. 2012 [ acesso 2013 Dez 03] Disponível em: https://osha.europa.eu/pt/sector/agriculture/index_html/msds.
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O National Center for Farmworker Health ressalta a preocupação com os trabalhadores rurais diante da exposição a perigos para a saúde semelhantes a outros ambientes ocupacionais.1717 National Center for Farmworker Health, Inc. Farmworker occupational health and safety. Farmworker Health Factsheet [Internet]. 2013 Mar [acesso 2013 Dez 03]. Disponível em: http://www.ncfh.org/docs/fs-Occ%20Health.pdf
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Bem como, a atenção diante de aspectos específicos do trabalho agrícola, como o trabalho físico árduo, com máquinas pesadas, exposições a cargas de trabalho que podem gerar distúrbios visuais, auditivos, acidentes de trabalho, doença de pele, infecciosas, problemas respiratórios e lesões musculoesqueléticas.

Corroborando as cargas evidenciadas, outros estudos em saúde ocupacional têm demonstrado inquietações quanto ao processo de trabalho dos agricultores, em decorrência da exposição a intempéries, principalmente com clima quente sob a radiação não ionizante; lesões com máquinas e ferramentas; utilização de produtos químicos; contato com poeiras; lesões, como fraturas, tensões e entorses musculares, cânceres e a exposição a animais peçonhentos.4Organización Internacional del Trabajo. Programa de Actividades Sectoriales. Repertorio de recomendaciones prácticas sobre seguridad y salud en la agricultura. Ginebra (CH): Oficina Internacional del Trabajo; 2010. , 1818 Hofmann JN, Crowe J, Postma J, Ybarra V, Keifer MC. Perceptions of environmental and occupational health hazards among agricultural workers in Washington State. AAOHN J. 2009 Sep; 57(9):359-71.

Entre as cargas biológicas, a mais identificada pelos agricultores foi os fungos, e as evidências científicas fundamentam tal resultado, porquanto algumas micoses ou doenças fúngicas são mais comuns em trabalhadores rurais, como a cromoblastomicose.1919 Correia RTM, Valente NYS, Criado PR, Martins JEC. A cromoblastomicose: relato de 27 casos e revisão da literatura. An Bras Dermatol. 2010; 85(4):448-54. - 2020 Ribeiro EL, Soares AJ, Ferreira WM, Cardoso CG, Naves PLF, Dias SMS. Cromoblastomicose: doença presente na realidade populacional brasileira. Rev Bras Anal Clin. 2006; 38(3):189-92.

A cromoblastomicose possui como causa principal a manipulação vegetal, viabilizada pelo contato com os agentes etiológicos dispersos no ambiente rural, presentes no solo, na vegetação em decomposição e em animais, possivelmente adquiridos também durante a manipulação de máquinas agrícolas. As lesões são visualizadas principalmente em membros inferiores, prevalecendo entre trabalhadores que costumam andar descalços; porém, são identificadas em outras regiões do corpo, em menor proporção. 1919 Correia RTM, Valente NYS, Criado PR, Martins JEC. A cromoblastomicose: relato de 27 casos e revisão da literatura. An Bras Dermatol. 2010; 85(4):448-54. - 2020 Ribeiro EL, Soares AJ, Ferreira WM, Cardoso CG, Naves PLF, Dias SMS. Cromoblastomicose: doença presente na realidade populacional brasileira. Rev Bras Anal Clin. 2006; 38(3):189-92.

As cargas químicas evidenciadas neste estudo prioritariamente foram relacionadas ao contato com produtos químicos como os pesticidas, amplamente utilizados na agricultura.2121 Nieuwenhuijsen MJ, Grey CN, Golding J. Exposure misclassification of household pesticides and risk perception and behaviour. Ann occup Hyg. 2005 Aug; 49(8):703-9.

22 Peres F, Lucca SR, Ponte LMD, Rodrigues KM, Rozemberg B. Percepção das condições de trabalho em uma tradicional comunidade agrícola em Boa Esperança, Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública. 2004 Jul-Ago; 20(4):1059-68.
- 2323 Recena MCP, Caldas ED. Percepção de risco, atitudes e práticas no uso de agrotóxicos entre agricultores de Culturama, MS. Rev Saúde Pública. 2008 Abr; 42(2):294-301. Dessa forma, o agricultor fica exposto aos produtos químicos quando os manipula e/ou entra em contato com as plantações contaminadas, tornando-se exposto até mesmo quando está apenas próximo de outras pessoas que os aplicam. As reações podem ser agudas, leves ou até mesmo intoxicações graves e mortais. Entre as manifestações clínicas, descrevem-se as tonturas, parestesias, desorientação, dificuldade respiratória, entre outras, que podem levar o trabalhador ao acidente de trabalho ou ao adoecimemto.4Organización Internacional del Trabajo. Programa de Actividades Sectoriales. Repertorio de recomendaciones prácticas sobre seguridad y salud en la agricultura. Ginebra (CH): Oficina Internacional del Trabajo; 2010. A poeira também foi consideravelmente referida, identificação importante, por se tratar de uma carga específica das condições ambientais vivenciadas pelos agricultores. A poeira está associada às doenças respiratórias, como asma e doença respiratória crônica.1515 Faria NMX, Facchini LA, Fassa AG, Tomasi E. Trabalho rural, exposição a poeiras e sintomas respiratórios entre agricultores. Rev Saúde Pública. 2006 Out; 40(5):827-36.

Considerando as cargas fisiológicas e psíquicas, as mais evidenciadas pelos agricultores foram prioritariamente os esforços repetitivos, os quais mostraram associação significativa com a variável sexo. A European Agency for Safety and Health at Work confirma a importância dessas informações, a partir de dados referentes aos agricultores europeus, uma vez que, diante do processo de trabalho empreendido, mais de 50% deles realizam movimentos repetitivos, manuais, de levantamento de cargas pesadas e em posturas inadequadas durante mais da metade do tempo em que exercem a atividade.1616 European Agency for Safety and Health at Work (EU-OSHA). Musculoskeletal disorders in agriculture [Internet]. Bilbao (ES): EASHW. 2012 [ acesso 2013 Dez 03] Disponível em: https://osha.europa.eu/pt/sector/agriculture/index_html/msds.
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Importante ressaltar também atividades manuais realizadas pelos agricultores, como a capina, que produz os esforços repetitivos dos membros superiores. Além da postura inadequada, que sobrecarrega o corpo humano, em especial a coluna vertebral, os membros superiores, a cabeça e os ombros, locais que confirmam o risco para o desenvolvimento de lesões e doenças ocupacionais.2424 Costa CKL, Lucena NMG, Tomaz AF, Másculo FS. Avaliação ergonômica do trabalhador rural: enfoque nos riscos laborais associados à carga física. GEPROS. 2011 Abr-Jun; 6(2):101-12.

Além das associações já mencionadas, também foram significativas as variáveis ruído e vibrações. Tal questão põe em evidência a utilização de máquinas, ferramentas, instrumentos de trabalho e veículos agrícolas, imprescindíveis para a realização do trabalho na agricultura. Entretanto, a mecanização expõe o trabalhador às vibrações corporais e aos ruídos ocupacionais por longas jornadas de trabalho no preparo da terra, plantio e colheita.

A exposição às vibrações pode levar à distorção de informações visuais e auditivas, geradoras de acidentes, problemas vasculares, nervosos, ósseos, musculares, articulares e lesões agudas e crônicas na coluna vertebral e lombar, como a degeneração dos discos intervertebrais, o que pode acarretar danos posteriores que tendem a deixar o agricultor inapto para o trabalho.4Organización Internacional del Trabajo. Programa de Actividades Sectoriales. Repertorio de recomendaciones prácticas sobre seguridad y salud en la agricultura. Ginebra (CH): Oficina Internacional del Trabajo; 2010. A exposição permanente ao ruído pode provocar perda lenta e progressiva da audição, irritabilidade, estresse, fadiga, elevação da pressão arterial e distúrbios relacionados ao sono e repouso. Segundo estudo desenvolvido na Austrália, as lesões ocupacionais por ruído e perda auditiva constituem complicações de saúde comuns entre os agricultores. Estudo mostrou a necessidade de intervenção em saúde, pois cerca de 60 a 70% apresentam perda auditiva considerável em comparação a outras categorias de trabalhadores.2525 Lower T, Fragar L, Depcynzksi J, Challinor K, Mills J, Williams W. I mproving hearing health for farming families. Rural Remote Health. 2010; 10(1):1350.

O trabalhador agricultor desenvolve tarefas árduas, que exigem força muscular, posturas corporais incômodas, longos períodos de tempo em condições ambientais e de trabalho desgastantes, ritmo intenso de trabalho, repetitividade, utilização de máquinas/ ferramentas/ instrumentos de trabalho, entre outras que expõe o trabalhador a cargas contínuas, que podem ocasionar os acidentes de trabalho.4 Organización Internacional del Trabajo. Programa de Actividades Sectoriales. Repertorio de recomendaciones prácticas sobre seguridad y salud en la agricultura. Ginebra (CH): Oficina Internacional del Trabajo; 2010.Entre essas cargas destacam-se as fisiológicas e psíquicas as quais estão fortemente relacionadas as dores, lesões, distúrbios e doenças nas regiões cervical, lombar, membros superiores e inferiores em decorrência dos acidentes.1616 European Agency for Safety and Health at Work (EU-OSHA). Musculoskeletal disorders in agriculture [Internet]. Bilbao (ES): EASHW. 2012 [ acesso 2013 Dez 03] Disponível em: https://osha.europa.eu/pt/sector/agriculture/index_html/msds.
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Entre os aspectos determinantes do processo saúde-doença no contexto da saúde do trabalhador agricultor ressalta-se a prevalência de acidentes de trabalho, doenças de pele, perda auditiva, Lesões por Esforço Repetitivo e Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho (LER/DORT).1616 European Agency for Safety and Health at Work (EU-OSHA). Musculoskeletal disorders in agriculture [Internet]. Bilbao (ES): EASHW. 2012 [ acesso 2013 Dez 03] Disponível em: https://osha.europa.eu/pt/sector/agriculture/index_html/msds.
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, 2525 Lower T, Fragar L, Depcynzksi J, Challinor K, Mills J, Williams W. I mproving hearing health for farming families. Rural Remote Health. 2010; 10(1):1350. Neste estudo, identificou-se que a maioria dos agricultores sofreu acidentes de trabalho, entre os quais se destacam lesões com instrumentos/ferramentas de trabalho, quedas no ambiente de trabalho e picadas por animais peçonhentos. Semelhante realidade foi evidenciada no estudo realizado na Austrália.1414 Day L, Voaklander D, Sim M, Wolfe R, Langley J, Dosman J, et al. Risk factors for work related injury among male farmers. Occup Environ Med. 2009 May; 66(5):312-8. Nota-se que o processo de trabalho da agricultura exige a utilização de distintos instrumentos manuais e mecanizados, os quais, assim como o próprio ambiente, expõem o trabalhador ao risco de acidente.

A ocorrência de acidentes com ferramentas e máquinas agrícolas podem gerar traumas e lesões de distintos graus, como mutilações e fraturas. Enquanto acidentes com animais peçonhentos, como as cobras, aranhas e escorpiões, podem gerar envenenamentos e queimaduras. Esses tipos de acidentes são bastante comuns nas regiões rurais e podem levar ao óbito.4Organización Internacional del Trabajo. Programa de Actividades Sectoriales. Repertorio de recomendaciones prácticas sobre seguridad y salud en la agricultura. Ginebra (CH): Oficina Internacional del Trabajo; 2010. Além disso, entre as causas de acidentes de trabalho cita-se o ato inseguro do trabalhador quanto a não utilização ou utilização inadequada de EPI, como a ausência do uso de calçados adequados (botas de borracha), durante as atividades, o que pode ser gerador de quedas no ambiente de trabalho e consequentemente torções, luxações ou lesões musculoesqueléticas maiores.4Organización Internacional del Trabajo. Programa de Actividades Sectoriales. Repertorio de recomendaciones prácticas sobre seguridad y salud en la agricultura. Ginebra (CH): Oficina Internacional del Trabajo; 2010.

Estudo em Ohio (EUA) verificou que a assistência de agricultores em área pré-hospitalar abrangeu a ocorrência de lesões traumáticas decorrentes do trabalho, caracterizadas por quedas, acidentes ocasionados pelo uso de máquinas, veículos e contato com animais.2626 Forst L, Erskine T. Farm injuries in Ohio, 2003-2006: a report from the emergency medical services prehospital database. . J Agric Saf Health 2009 Apr; 15(2):171-83.

Os acidentes de trabalho mostraram associações significativas com os instrumentos de trabalho, apresentando relações entre queimaduras e uso de defensivos agrícolas, assim como entre a utilização de instrumentos manuais e mecânicos e a ocorrência de lesões, quedas, fraturas e entorses. Estudos descreveram acidentes como cortes, amputações e fraturas relacionadas à utilização de ferramentas manuais e mecanizadas, assim como quedas relacionadas aos animais de grande porte.2727 Menegat RP, Fontana RT. Condições de trabalho do trabalhador rural e sua interface com o risco de adoecimento. Cienc Cuid Saúde. 2010 Jan-Mar; 9(1):52-9. São citadas ainda irritação da pele, reações alérgicas relacionadas aos defensivos agrícolas, lesões, como entorses, contusões, lacerações, fraturas e luxações relacionadas às máquinas agrícolas e às quedas durante carregamentos de produtos.1818 Hofmann JN, Crowe J, Postma J, Ybarra V, Keifer MC. Perceptions of environmental and occupational health hazards among agricultural workers in Washington State. AAOHN J. 2009 Sep; 57(9):359-71. , 2828 Weigel MM, Armijos RX. Exploratory study of the occupational health and health-seeking of migrant and seasonal farmworkers on the U.S. - Mexico Border. J Immigr Minor Health. 2012 Aug; 14(4):648-56.

Cabe ressaltar que as estatísticas anuais da previdência social quanto aos acidentes de trabalho no Brasil, no Rio Grande do Sul e nos municípios estudados, são alarmantes. Uma vez que muitos distúrbios, doenças relacionadas ao trabalho, amputações, mutilações que inativam os indivíduos para o exercício laboral são causadas por acidentes de trabalho. Em 2012 foram 705.239 acidentes de trabalho no Brasil, 55.013 acidentes no Rio Grande do Sul, nos municípios pesquisados foram 1.107 acidentes de trabalho em Rio Grande e 428 em Uruguaiana, em 2011. Quanto aos acidentes típicos, decorrentes da especificidade do trabalho desenvolvido no Brasil, em 2012 foram 423.935 acidentes, sendo que 32.280 no Rio Grande do Sul. Em 2011 foram 744 acidentes típicos em Rio Grande e 174 em Uruguaiana. Acerca das doenças do trabalho, foram 14.955 doenças no Brasil e 1.261 acidentes por doenças do trabalho no Rio Grande do Sul.1212 Ministério da Previdência Social (BR). Anuário Estatístico: seção IV - Acidentes de trabalho [Internet]. Brasília (DF): MTE; 2012 [acesso 2013 Nov 28] Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/estatisticas/aeps-2012-anuario-estatistico-da-previdencia-social-2012/aeps-2012-secao-iv-acidentes-do-trabalho/aeps-2012-secao-iv-acidentes-do-trabalho-tabelas/.
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, 29 29 Ministério da Previdência Social (BR). Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho 2011. Brasília (DF): MTE; 2012 [acesso 20 Nov 2013] Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/1_130129-095049-870.pdf .
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Para o município do Rio Grande, em 2011 foram 11 casos de doenças do trabalho e em Uruguaiana, sete.2929 Ministério da Previdência Social (BR). Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho 2011. Brasília (DF): MTE; 2012 [acesso 20 Nov 2013] Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/1_130129-095049-870.pdf .
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As notificações, segundo o setor de atividade econômica em 2012, possibilitaram visualizar os acidentes envolvendo trabalhadores da agropecuária (produtores e trabalhadores), com 25.244 acidentes de trabalho, 18.300 acidentes típicos e 173 acidentes por doenças do trabalho.1212 Ministério da Previdência Social (BR). Anuário Estatístico: seção IV - Acidentes de trabalho [Internet]. Brasília (DF): MTE; 2012 [acesso 2013 Nov 28] Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/estatisticas/aeps-2012-anuario-estatistico-da-previdencia-social-2012/aeps-2012-secao-iv-acidentes-do-trabalho/aeps-2012-secao-iv-acidentes-do-trabalho-tabelas/.
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Cabe salientar que as informações são provenientes de trabalhadores cadastrados no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a partir da busca pela concessão de benefício acidentário, o que permite deduzir que os números obtidos são ainda maiores, pois muitos acidentes não são notificados, outros não são registrados no INSS e outros ignorados ou negligenciados pelo próprio trabalhador. Além disso, as estatísticas não permitem quantificar os acidentes de trabalho para categorias específicas, como o caso dos agricultores, os quais se enquadram na grande área da agropecuária.

Com respeito aos motivos para a ocorrência dos acidentes de trabalho, a maioria dos agricultores fez referência à falta de atenção na realização do trabalho; em menor porcentagem, citaram o excesso de atividades paralelas; a ausência de EPI; a sobrecarga de trabalho e poucos relataram a falta de conhecimento. A falta de atenção na realização do trabalho pode estar relacionada ao caráter imperceptível que as cargas de trabalho formam diante da rotina, fazendo que o trabalhador se acostume a não reconhecer o gerador de desgaste à saúde. A literatura mostra que a percepção de estar sujeito a uma exposição danosa à saúde é complexa de ser definida e diz respeito à maneira como cada indivíduo entende e vivencia o fenômeno. Pode ser influenciada por familiaridade com a fonte geradora do perigo, pelo sentimento de controle sobre as situações e por caráter do evento. Para eventos raros, a tendência é supervalorizá-los, enquanto os eventos comuns tendem a ser subestimados.3030 Oltedal S, Moen B-E, Klempe H, Rundmo T. Explaining risk perception. An evaluation of cultural theory. Norway (NO): Rotunde publikasjoner; 2004.

Sendo assim, este artigo buscou apontar as cargas de trabalho decorrentes do processo agrícola e os acidentes ocorridos entre os agricultores, tornando-se uma fonte de informações para os próximos trabalhos, a fim de contribuir na atuação da enfermagem quanto à prevenção do trabalhador. Tal compreensão envolve a força de trabalho humana, a singularidade do ambiente rural e as cargas de trabalho geradoras dos adoecimentos e acidentes relacionados ao trabalho. Para que exista esse domínio, a tríade saúde-trabalho-ambiente precisa ser entendida como uma relação indissociável na ciência e na prática da enfermagem do trabalho.

CONCLUSÕES

Conclui-se que o processo de trabalho do agricultor evidencia distintas cargas de trabalho, que podem ser geradoras do adoecimento e dos acidentes de trabalho. A agricultura exige a utilização de instrumentos e ferramentas manuais e mecanizadas no seu desenvolvimento, o que demanda atenção para o modo como são utilizados. Assim como, a visualização das condições ambientais e a intensidade do trabalho empregado são determinantes para os efeitos na saúde da natureza humana do trabalhador.

Os acidentes de trabalho relatados mostraram a necessidade de ações de saúde junto aos trabalhadores agricultores com o objetivo de intervir para a aderência a medidas de prevenção de acidentes e proteção à saúde. Tais aspectos remetem à necessidade do investimento em ações de saúde no ambiente rural, a fim de prevenir ou minimizar os acidentes e as doenças relacionadas ao trabalho. O enfermeiro pode agir a partir do (re)conhecimento do ambiente de trabalho e das características e condições do trabalhador. Ele associa o seu conhecimento clínico no processo saúde-doença do trabalhador de forma a contribuir para a saúde individual e coletiva e nas políticas públicas de saúde mediante ações práticas e investigativas.

A importância da Enfermagem no campo de atuação da saúde do trabalhador está presente nos diversos ambientes urbanos e rurais. Destaca-se neste estudo, o trabalhador agricultor de ambiente rural pelo exercício do trabalho árduo que desenvolve, as dificuldades de deslocamento que enfrenta em decorrência da residência em regiões longínquas, o que pode gerar a dificuldade de acesso as ações assistenciais e de informações em saúde. Tais fragilidades denotam a necessidade da atuação mais efetiva da enfermagem do trabalho articulada com as equipes de atenção básica de saúde e Estratégias de Saúde da Família a fim de promover ações conjuntas e direcionadas que atinjam de forma efetiva a população trabalhadora. Os resultados deste estudo são motivadores para propor estratégias de mudanças, e a Enfermagem pode contribuir de forma ampla e eficaz.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    13 Fev 2014
  • Aceito
    17 Out 2014
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