Acessibilidade / Reportar erro

REDE SOCIAL FRAGILIZADA: A EXPERIÊNCIA DO CUIDADOR DA CRIANÇA NASCIDA EXPOSTA AO HIV1 1 Este texto é parte da dissertação - Cuidar da criança exposta ao vírus da imunodeficiência humana: uma leitura à luz do Interacionismo Simbólico, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), 2014. Financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

RESUMO

Este estudo objetivou conhecer a rede social e o apoio social que o cuidador dispôs para cuidar da criança exposta ao HIV, no período pós-natal. É um estudo descritivo, com abordagem qualitativa, que utilizou como referencial teórico o Interacionismo Simbólico. Os dados foram coletados por meio de entrevista com 36 cuidadores de crianças nascidas de mães infectadas pelo HIV, que estavam em seguimento em um serviço especializado no Nordeste do Brasil, e foram analisados pela análise de conteúdo indutiva. Os resultados revelaram três categorias, que evidenciam a família e o serviço especializado como as principais redes sociais do cuidador e o pouco apoio emocional, informativo, instrumental e de apreciação recebidos tanto no âmbito familiar quanto no contexto dos serviços de saúde. Intervenções são necessárias para fortalecer a rede social fragilizada do cuidador e para qualificar e efetivar a inserção da enfermagem neste contexto de cuidado à criança exposta ao HIV.

HIV; Apoio social; Cuidadores; Criança; Enfermagem

ABSTRACT

This study aimed to know the social network and social support the caregiver had available to take care of children exposed to HIV in the postnatal period. It is a descriptive study with a qualitative approach that used the theoretical framework of Symbolic Interactionism. Data were collected through interviews with 36 caregivers of children born to HIV-infected mothers who were followed up in a specialized service in the Northeast of Brazil and they were analyzed by inductive content analysis. The results revealed three categories that show the family and expert service as the main social networks of the caregiver and little emotional, information, instrumental and appreciation support received both in the family and in the context of health services. Interventions are needed to strengthen the weakened social network of the caregiver and to qualify and include nursing care in the context of children exposed to HIV.

HIV; Social support; Caregivers; Child; Nursing

RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo conocer la red social y el apoyo social que el cuidador tenía disponibles para cuidar de los niños expuestos al VIH en el periodo postnatal. Se trata de un estudio descriptivo con abordaje cualitativo que utilizó la perspectiva teórica del Interaccionsimo Simbólico. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas con 36 cuidadores de los niños nacidos de madres infectadas por el VIH con seguimiento en un servicio especializado en el nordeste de Brasil y fueron analizados por análisis de contenido inductivo. Los resultados revelaron tres categorías que muestran la familia y el servicio especializado como las principales redes sociales del cuidador y el poco apoyo emocional, información, instrumental y aprecio recibidas tanto en la familia y en el contexto de los servicios de salud. Se requieren intervenciones para fortalecer la red social debilitada del cuidador y de calificar y efectuar la inserción de los cuidados de enfermería en este contexto que el niño expuesto al VIH.

VIH; Apoyo social; Cuidadores; Niño; Enfermería

INTRODUÇÃO

A heterossexualização da epidemia do vírus da imunodeficiência humana (HIV) repercutiu no aumento dos casos de infecção entre mulheres e, consequentemente, no nascimento de crianças expostas ao vírus, devido à transmissão vertical. Medidas profiláticas para a prevenção dessa transmissão foi implantado no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).1 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Transmissão vertical do HIV e sífilis: estratégias para redução e eliminação. Brasília (DF): MS; 2014.As recomendações para o cuidado, em virtude do HIV, incluíram realização de teste rápido nas parturientes, provimento de terapia antirretroviral (TARV) para aquelas que vivem com HIV e seu recém-nascido (RN), manejo adequado do trabalho de parto e parto, inibição da lactação e provimento de fórmula láctea infantil, notificação do caso e seguimento da puérpera e do RN exposto até a definição de seu estado sorológico.2Ministério da Saúde (BR). Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014.

Globalmente, o número de casos da doença em crianças declinou nos últimos anos, devido ao acesso à TARV pelas mulheres grávidas que vivem com HIV. Entretanto, o acesso à prevenção e aos serviços de tratamento não é uma realidade em todos os países, principalmente para os em desenvolvimento.3Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (UNAIDS). Global report: UNAIDS report on the global AIDS epidemic 2013. Geneva (SW): World Health Organization; 2013. Além da presença do HIV, que interfere na rede de relacionamentos, a mãe realiza diversos cuidados, desde a gestação, para a proteção da criança, o que reporta à necessidade de receber suporte emocional e social.4Galvão MTG, Cunha GH, Machado MMT. Dilemas e conflitos de ser mãe na vigência do HIV/Aids. Rev Bras Enferm. 2010; 63(3):371-6.

O apoio do Serviço de Assistência Especializada (SAE) em HIV/Aids é muito importante para aceitação da mãe e melhor vivência do período de cuidado à criança exposta ao HIV.5Faria ER, Piccinini CA. Maternidade no contexto do HIV/AIDS: gestação e terceiro mês de vida do bebê. Estud Psicol. 2010; 27(2):147-59. Além de estabelecer vínculo com este serviço, alguns cuidadores ainda utilizam outras redes e apoio, como igreja e família para melhor enfrentar a doença.5Faria ER, Piccinini CA. Maternidade no contexto do HIV/AIDS: gestação e terceiro mês de vida do bebê. Estud Psicol. 2010; 27(2):147-59. - 6Jerome J, Galvao MTG, Lindau ST. Brazilian mothers with HIV: experiences with diagnosis and treatment in human rights based health care system. AIDS Care. 2012 Apr; 24(4):491-5.

A rede social refere-se à dimensão estrutural ou institucional associada ao indivíduo, como as organizações religiosas, a família e os serviços de saúde. O apoio social possui dimensão individual, sendo constituído pelos membros da rede social que são considerados importantes para a pessoa. Há quatro classes de apoio social: o apoio de apreciação que se refere às expressões e aos sentimentos de afirmação e feedback; o emocional, relacionado ao afeto, estima e preocupação; o informativo, relacionado às sugestões, às informações e aos conselhos; e o instrumental, que se refere ao auxílio laboral ou financeiro e ao tempo de dedicação.7Bullock K. Family social support: conceptual frameworks for nursing practice to promote and protect health. In: Bomar PJ. Promoting health in families: applying family research and theory to nursing practice. Philadelphia (US): Saunders; 2004. p.142-61.

Na vigência dessa situação, as redes e os diversos tipos de apoio são necessários, pois a descoberta da infecção pode resultar em distanciamentos e aproximação de pessoas queridas, por assumirem uma postura preconceituosa e discriminatória.8Silveira EAA, Carvalho AMP. Health care support to patients with AIDS: the convoy model and nursing. Rev Esc Enferm USP. 2011; 45(3):645-50. - 9Tsai AC, Bangsberg DR, Kegeles SM, Katz IT, Haberer JE, Muzoora C, et al. internalized stigma, social distance, and disclosure of HIV Seropositivity in rural Uganda. Ann Behav Med. 2013; 46:285-94. Níveis crescentes de estigma estão associados com baixos níveis de adesão à TARV, e fatores como o apoio social e as estratégias de enfrentamento do estigma podem influenciar positivamente nessa adesão.1010 Martinez J, Harper G, Carleton RA, Hosek S, Bojan K, Glum G, et al. The impact of stigma on medication adherence among HIV-positive adolescent and young adult females and the moderating effects of coping and satisfaction with health care. AIDS Patient Care STDS. 2012 Feb; 26(2):108-15.

As mães e cuidadores passam por conflitos que aumentam o nível de ansiedade e medo, devido à possibilidade da transmissão do HIV para o filho.4Galvão MTG, Cunha GH, Machado MMT. Dilemas e conflitos de ser mãe na vigência do HIV/Aids. Rev Bras Enferm. 2010; 63(3):371-6. O medo do estigma,6Jerome J, Galvao MTG, Lindau ST. Brazilian mothers with HIV: experiences with diagnosis and treatment in human rights based health care system. AIDS Care. 2012 Apr; 24(4):491-5. a insegurança e o sentimento de ameaça da doença interferem no cuidado à criança, visto que, após a alta da maternidade, a mãe ainda assumirá várias responsabilidades com o filho, no que diz respeito à terapia medicamentosa e à substituição do aleitamento materno, por exemplo.1111 Barroso LMM, Galvão MTG, Cavalcante RM; Freitas JG. Cuidado materno aos filhos nascidos expostos ao HIV/AIDS. Rev Rene. 2009; 10(4):155-64. Diante disso, são necessárias oferta de informações e acolhimento por parte dos profissionais de saúde.5Faria ER, Piccinini CA. Maternidade no contexto do HIV/AIDS: gestação e terceiro mês de vida do bebê. Estud Psicol. 2010; 27(2):147-59. Assim, esta pesquisa objetivou conhecer a rede e o apoio social que o cuidador dispôs para cuidar da criança exposta ao HIV, no período pós-natal.

MÉTODO

Utilizou-se abordagem qualitativa e descritiva, e o Interacionismo Simbólico como referencial teórico para apreender os significados e a composição das interações que se refletem na experiência de apoio.1212 Charon JM. Symbolic Interactionism: an introduction, na interpretacion, na integration. 10th ed. Upper Saddle River (US): Prentice Hall; 2010.

Teve como cenário uma instituição de saúde pública considerada referência especializada no atendimento de pessoas vivendo com HIV/ Aids (PVHA), de um Estado na região Nordeste do Brasil. Os participantes do estudo foram 36 cuidadores de crianças nascidas de mães infectadas pelo HIV. Os critérios de seleção do estudo foram: ser cuidador de criança exposta ao HIV na faixa etária de até 18 meses de idade e esta estar em seguimento no serviço especializado. Definiram-se como cuidadores aqueles que tiveram participação ativa no processo de cuidado à criança exposta, independente de consanguinidade, e que conheciam a condição da criança de exposição vertical ao HIV.

Os participantes eram abordados na sala de espera dos consultórios e convidados para uma sala privada, disponibilizada pelo serviço para este fim, onde eram esclarecidos sobre a pesquisa e convidados a participar. Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, eram realizadas entrevistas semiestruturadas, em encontros únicos e por um só pesquisador. Quando o cuidador estava sozinho, a entrevista era realizada de forma individual, e quando estava com acompanhante, também cuidador da criança, este era convidado a participar, e a entrevista era realizada conjuntamente.

Seus relatos eram audiogravados, e algumas perguntas disparadoras eram realizadas como: "Quem tem ajudado você no cuidado da criança? Quais instituições você frequenta e frequentou com a criança? Como você descreveria seus relacionamentos com as pessoas, familiares e funcionários (da instituição citada)? Como vocês (cuidador e criança) foram recebidos no serviço especializado, quem os encaminhou e como tem sido o atendimento?".

As entrevistas duraram, em média, 50 minutos e foram transcritas integralmente. Também foi utilizado um diário de campo para auxiliar na coleta de dados que ocorreu no período de dezembro de 2012 a fevereiro de 2013. O número de participantes foi limitado pela saturação teórica dos dados, constatada quando novas reflexões sobre o tema não foram mais apresentadas, e os dados tornaram-se repetitivos.1313 Fontanella BJB, Magdaleno Júnior R. Saturação teórica em pesquisas qualitativas: contribuições psicanalíticas. Psicol Estud. 2012 Jan-Mar; 17(1):63-71. Duas mães recusaram-se a fazer a entrevista, uma por indisponibilidade de tempo e a outra por não ter condições emocionais, pois havia descoberto sua sorologia naquele mesmo dia.

Utilizou-se a análise de conteúdo indutiva para a análise dos dados, pois, em pesquisas na área de enfermagem, ela tem sido comumente utilizada para abordagens qualitativas,1414 Vaismoradi M, Turunen H, Bondas T. Content analysis and thematic analysis: Implications for conducting a qualitative descriptive study. Nurs Health Scienc. 2013 Mar; 15: 398-405. e é composta por três fases: preparação, organização e relato dos resultados.1515 Elo S, Kääriäinen M, Kanste O, Pölkki T, Utriainen K, Kyngäs H. Qualitative content analysis: a focus on trustworthiness. SAGE Open. 2014 Feb; 4(1):1-10. O primeiro passo da análise consistiu da fase de preparação, ou seja, depois da transcrição na íntegra das entrevistas e repetidas leituras para obter o sentido do todo, buscou-se a identificação das unidades de significados, ou seja, palavras, frases ou parágrafos relacionados ao objeto de estudo e contexto pesquisado, guiados pelo objetivo da pesquisa e referencial teórico. Na fase de organização, optou-se pelo caminho indutivo, no qual se deu o processo interpretativo de analisar dados subjetivos com aspectos comuns, relações e diferenças entre eles, codificando-os e integrando-os em categorias e, posteriormente, agrupando os dados para reduzir o número de categorias. Assim, uma descrição geral do fenômeno da pesquisa foi formulada através da elaboração das categorias, abstraindo-as. A fase final foi a de relatar os resultados da fase anterior, através da organização e apresentação cronológica das categorias, abrangendo desde o nascimento da criança, enfatizando as redes sociais e apoios sociais dos participantes do estudo.

Na apresentação dos resultados, adotouse o recurso de identificação dos discursos dos participantes, a partir da descrição da posição familiar do cuidador em relação à criança (pai, mãe), seguida do número que identifica cada criança. Esse formato, para distinção dos entrevistados, procurou preservar a identidade dos participantes investigados, cuja participação atendeu às diretrizes éticas vigentes, acerca de pesquisas envolvendo seres humanos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com seres humanos da Universidade Federal de São Carlos (n. 112.500/2012).

RESULTADOS

Foram entrevistados 36 participantes, familiares de 29 crianças expostas ao HIV (um gemelar), que estavam em seguimento no serviço especializado. Dentre os entrevistados, contamos com mães que vivem com HIV (n=23), pais (n=5), tias (n=2), avós (n=4), bisavó (n=1) e mãe adotiva (n=1), sendo que alguns exerciam o papel de cuidador principal (n= 8) e tinham ou não vínculo consanguíneo com a criança.

A tabela 1 apresenta as características gerais dos cuidadores principais e características clínicas das mães biológicas das crianças expostas ao HIV, atendidas no local da pesquisa. A maioria dos cuidadores principais (n=23; 82,14%) era mães que viviam com HIV, entretanto, outras pessoas, como avó, bisavó, tia ou mãe adotiva, assumiram esse papel por ausência da mãe biológica, devido a falecimento, a abandono ou à adoção, ou quando a criança morava com o pai ou avó. A maioria das cuidadoras principais tinha idade entre 20 e 30 anos (n=15; 53,57%); em relação à escolaridade, maior proporção tinha o ensino fundamental (n=12; 42,86%) ou médio completos (n=12; 42,86%), e a situação conjugal mais frequente foi a de casada e/ou união estável (n=16; 57,14%). A maioria das mães descobriu o diagnóstico da infecção pelo HIV durante a gestação (n=14; 50%), realizou acompanhamento pré-natal (n=25; 89,29%) e fez uso da TARV (Zidovudina - AZT), durante a gestação (n=24; 85,72%).

Tabela 1
- Características gerais dos cuidadores e clínicas das mães biológicas das crianças expostas ao HIV atendidas em um serviço especializado. Município do Nordeste, Brasil, dezembro/2012 a fevereiro/2013

A análise dos dados permitiu a identificação de três categorias: 1) Desintegração da rede social para o follow-up da criança; 2) Confiança e desconfiança: relação com o Serviço de Assistência Especializada e outros serviços de saúde; e 3) Apoio social em rede social fragilizada.

Desintegração da rede social para o followup da criança

Antes do nascimento da criança, a rede social das mães era o serviço de saúde no qual realizava o pré-natal e o SAE, pois a maioria das mães deste estudo realizou acompanhamento pré-natal e fez uso de TARV durante a gestação. Os profissionais de saúde que interagiram com as mães durante a gestação não fizeram o vínculo de quem assumiria o papel de cuidador da criança com outras redes para construção de uma rede social integrada. Por ocasião do nascimento da criança, a principal rede social do cuidador era a maternidade e essa rede foi desintegrada após a alta da criança. Os profissionais de saúde da maternidade orientaram o cuidador a procurar somente o SAE para seguimento da criança e esse serviço passou a ser a sua principal rede social. No entanto, houve dificuldade para vincular-se a essa rede.

A orientação realizada pelos profissionais da maternidade ao cuidador foi incompleta ou o recebimento da mesma foi prejudicada, pois muitos cuidadores não sabiam quando procurar o serviço ou como marcar a primeira consulta da criança, bem como o local de funcionamento do SAE para acompanhamento de crianças. Há relatos de orientações para que procurasse o serviço com quinze dias, outras com um mês. Ainda, pôde-se observar desconhecimento da mãe sobre o seu estado sorológico de infecção pelo HIV, pois algumas não compreendiam a necessidade de a criança ser acompanhada em serviço especializado, o que revela a fragilidade no apoio informativo ao cuidador por parte dos profissionais de saúde, prejudicando o follow-up da criança.

Ela [profissional de enfermagem] fez o teste rápido e deu positivo, mas não me falaram. [...] só fizeram me encaminhar para o Hospital [sede do SAE] para trazer a neném. Entregaram apenas um papel e não disseram se tínhamos que ligar antes para marcar a consulta da criança (Mãe 26).

Ela foi encaminhada da maternidade para o SAE. Disseram que ela precisava ser acompanhada por causa do HIV da mãe dela e que era para vir a partir de 40 dias (Avó 16).

O serviço especializado, onde ocorreu o acompanhamento das crianças desta pesquisa, as recebeu com mais de um mês de vida, havendo uma minoria atendida em período inferior. Foram diversas as razões para as crianças não receberem acompanhamento do serviço precocemente. A demora pelo atendimento gerou espaço para erros, dúvidas, medo e preocupação, o que destaca a falta de apoio informativo e emocional, tanto da instituição onde a criança nasceu, como do SAE. Muitas mães gostariam de ter sido atendidas antes e de receber apoio nesta fase inicial da vida da criança.

A médica da maternidade pediu para virmos procurar o SAE com quinze dias. Viemos marcar a consulta e a atendente falou que ele [médico] não recebia com quinze dias, porque a minha cirurgia estava recente e o umbigo da criança ainda não tinha cicatrizado. Disse que era para vir com 30 dias [...]. Eu gostaria de ter sido atendida. Fiquei preocupada. Ele [pai] perguntou se teria alguma complicação se passasse dos 15 dias. Ela [atendente] disse: 'Não! Ela está usando o remédio direitinho?' (Mãe 3).

Confiança e desconfiança: relação com o Serviço de Assistência Especializada e outros serviços de saúde

As mães preferem o SAE a outros serviços da rede de saúde para fazer o acompanhamento da criança e enfatizam esta instituição como o principal componente da rede social. Elas acreditam que este serviço é capaz de lhes oferecer apoio instrumental, por receberem o leite artificial e a medicação gratuitamente, emocional, informativo e de apreciação, devido à confiança nos profissionais, à discrição e à especialização em tratar PVHA, além do serviço ser frequentado por pessoas que vivenciam situações semelhantes.

Achei que a nossa única salvação e esperança era este Hospital. Aqui é o único que tem o tratamento e ele dá os remédios gratuitamente (Mãe 15).

Aqui tem outras pessoas com essa doença e elas têm uma história parecida, têm algo em comum comigo (Mãe 8).

Ademais, há quem não goste de frequentar o serviço, apesar de considerá-lo importante para o seguimento da criança. Entrar no SAE causa a lembrança da sorologia, como se, assim, as mães ficassem mais perto da situação que gostariam de poder esquecer. Há o medo de que o serviço possa "denunciar" sua sorologia ou a condição do filho, devido ao estigma associado ao SAE. Outros contrapontos, como problemas de infraestrutura, demora no atendimento, horários inapropriados para a rotina das mães/cuidadores que moram em outras cidades e a grande demanda de pacientes nas consultas, foram dificuldades apontadas que revelam momentos de desapoio.

Há o preconceito das pessoas em relação a esse hospital, porque a maioria das pessoas que estão aqui tem doença contagiosa. Então, elas sabem que estamos aqui por causa do HIV (Mãe 23).

Eu não gosto de trazer ele aqui [...] porque eu sei o motivo. Eu não gosto do que é tratado aqui, fico triste de ver outras crianças, parece que ficamos mais perto do problema (Mãe 20).

O atendimento é muito demorado, porque tem muita criança; as mães não podem amamentar e elas têm que trazer o leite. Tem muitas mães que vêm do interior do Estado e que dormem aqui, porque perdem o ônibus de volta devido à demora e não têm assistência nenhuma (Mãe 25).

Há também o uso de outros serviços da rede, como a Estratégia Saúde da Família (ESF) e os serviços de urgência que, em sua maioria, foram procurados pontualmente. A não procura ou eventual busca por outros serviços foi justificada pela desconfiança em revelar a sorologia, principalmente, aos profissionais da ESF, pela escassez de recursos humanos nestes serviços e por a mãe julgar que nem sempre a criança precisa de acompanhamento, além do que ela recebe no SAE.

Os profissionais daqui são ótimos [...]. Os médicos são bem capacitados. [...] A neném só vem aqui, não levo no posto de saúde [ESF] porque a pediatra falta muito. Se ela [criança] adoecer, eu venho aqui [SAE], porque o doutor é pediatra e infectologista. A equipe é preparada para o problema (Mãe 27).

A dificuldade para realizar o acompanhamento periódico da criança estava presente no cotidiano desses cuidadores. Os motivos principais foram o acesso entre a cidade de origem e a que sedia o tratamento e a falta de recursos e apoio instrumental para custear o transporte. Mesmo assim, as crianças desse estudo não deixaram de frequentar as consultas no SAE. Outra dificuldade referida foi relativa à marcação de consulta.

Eu estou cumprindo tudo. Quando o médico pede, eu marco e venho, mas é difícil. Eu ganho pouco e tenho que pagar passagem. Queria que tivesse uma ajuda, porque o salário não dá (Tia 19).

Aqui é muito longe de onde eu moro. São quatro horas de viagem (Mãe 12).

Aqui é um pouco dificultoso com as consultas. O médico [SAE] agenda e me dá o encaminhamento, eu levo este para o posto [ESF], para eles agendarem e para o SUS autorizar, para depois eu vir para a próxima consulta (Mãe 25).

Apoio social em rede social fragilizada

Esta categoria aponta os apoios sociais dos cuidadores, os quais são restritos a alguns membros da família, pessoas que possuem o HIV e profissionais de saúde, destacando-se os do SAE. O estigma relativo ao vírus fragiliza as relações, interferindo no oferecimento de apoio ao cuidador e inclusive na sua percepção de sentir-se apoiado por alguém.

A maioria dos familiares conhece o diagnóstico de soropositividade das mães e a condição da criança; no entanto há quem opte por não contar por medo de perder o apoio. Apoio instrumental e emocional foi oferecido às mães no cuidado à criança e não se fez presente igualitariamente entre os membros familiares que conhecem o diagnóstico.

Minha família não tem preconceito. Depois que eu contei, estão dando mais atenção, mostram preocupação. Sempre foram preocupados, mas agora estão mais (Mãe 11).

Eles sabem [...], meu tio nunca 'virou as costas' para mim, mas minha avó e minha tia me rejeitam [...]. (Mãe 28).

O apoio da família é percebido como condicional, e as relações passam a ser minadas pelo preconceito e pelo receio de se contaminar com o HIV na convivência dentro do lar. Para as mães, quando há preconceito, não há apoio, e assim surgem conflitos internos na família e afastamento de membros familiares. A falta de apoio causa sentimentos de frustração, tristeza e solidão, em que o indivíduo é isolado e se isola nesse meio. A principal fonte de apoio que apareceu foi o cônjuge ou a avó da criança.

Minha irmã, que mora comigo, aceita eu ter a doença, mas há o receio com a colher ou o copo que eu uso. Eu tenho as minhas coisas. Eu não cozinho, porque eles [família] não deixam. [...]. A família tem preconceito, ao mesmo tempo eles mostram que não. Não me sinto muito apoiada, porque [...] quando existe preconceito, não tem apoio (Mãe 13).

A sala de espera para a consulta da criança tornou-se um lugar onde as mães trocam experiências e recebem apoio emocional, informativo e de apreciação. Um momento de aprendizado com aqueles considerados "iguais" e que apresentam dilemas semelhantes.

É bom porque eu escuto o problema das outras pessoas. Uma fala como e quando pegou o HIV, essas conversas me dão força. Porque eu sei que não sou a única, que tem outras pessoas. [...] todo mundo conversa um pouco, em outro lugar não tem isso (Mãe 14).

Durante a trajetória de cuidado à criança exposta ao HIV, houve o apoio e o desapoio do profissional de saúde. O apoio dos profissionais foi sentido pela confiança transmitida durante as consultas, pela esperança estimulada aos cuidadores quanto à negatividade do diagnóstico de HIV na criança e a partir de informações e orientações compartilhadas. Estes profissionais eram, principalmente, do SAE, e destacou-se o profissional médico.

Vou agradecer muito a ele, porque ele foi um pediatra maravilhoso, nunca deixou a desejar. Ele orienta, conversa muito, gosta do neném e o examina.

É tudo perfeito. Eu não tenho o que dizer do tratamento nem do acompanhamento dele como pediatra infectologista (Mãe 9).

O preconceito apareceu na maioria dos relatos e, geralmente, relacionado a outros serviços de saúde. Muitos profissionais, segundo as mães, têm um olhar diferenciado para quem vive com o vírus, realizam condutas discriminatórias e comentários depreciativos de culpabilização das mães, o que evidencia a falta de apoio emocional e de apreciação. Com isso, elas não se sentem seguras sobre a confidencialidade do diagnóstico. O sentimento de exclusão, o isolamento e o desrespeito foram acompanhados de lágrimas durante as entrevistas, principalmente de pais e mães. O apoio, a humanização e um melhor atendimento foram almejados.

Minha família soube no dia do parto, porque os médicos contaram. Eu não queria que tivessem contado [...]. Eles não tinham esse direito [...] Eles estavam junto comigo quando contaram para minha acompanhante (Mãe 13).

Querem nos culpar de uma coisa que não temos culpa, porque eu mesma não queria ter HIV. Tinha algumas [profissionais] que me olhavam diferente (Mãe 16).

Na maternidade tem uma enfermaria só para pessoas com HIV. [...] Quando ela [esposa] ficou internada tinha umas cinco pessoas na mesma situação dela. Tinha gente que chegava à porta e olhava, comentando 'essa pessoa tem HIV'. Eu ouvi isso! Eles dizendo que a sala é exclusiva para pessoas com HIV. São essas coisas que demonstram a rejeição (Pai 3).

DISCUSSÃO

A maioria das mulheres que vivem com HIV deste estudo tinha idade igual ou menor a 30 anos, e este perfil corresponde à idade reprodutiva e à faixa etária de maior número de mulheres vivendo com HIV/Aids no Brasil.1616 Ministério da Saúde (BR). Boletim epidemiológico AIDS e DST. Ano III(1). Brasília (DF): MS; 2014. Outras pesquisas apontam dados similares quanto à faixa etária, estado civil e escolaridade das mães que vivem com HIV, que foram as principais cuidadoras do estudo.1717 Teixeira LB, Pilecco FB, Vigo A, Knauth DR. Sexual and reproductive health of women living with HIV in Southern Brazil. Cad Saúde Pública. 2013 Mar; 29(3):609-20. - 1818 Freitas JG, Cunha GH, Barroso LMM, Galvão MTG. Administration of medications for children born exposed to human immune deficiency virus. Acta Paul Enferm. 2013; 26(1):42-9. A maior parte delas realizou o pré-natal e fez uso do AZT, durante o período gravídico, o que mostra interesse e preocupação em aderir ao tratamento. No entanto, o período de descoberta do HIV da maioria foi durante o pré-natal, o que diferiu de outras pesquisas nacionais, em que as mulheres já conheciam sua sorologia antes da gestação.1818 Freitas JG, Cunha GH, Barroso LMM, Galvão MTG. Administration of medications for children born exposed to human immune deficiency virus. Acta Paul Enferm. 2013; 26(1):42-9. - 1919 Alves KC, Fram DS, Diccini S, Belasco AG, Barbosa DA. Prevalence and risk factors for human immunodeficiency virus infection in pregnant women. Acta Paul Enferm. 2009; 22(3):307-12.

Os resultados revelam a dificuldade para o cuidador ingressar no serviço especializado e realizar o seguimento (follow-up) da criança, o que demonstra como a rede social de serviços de saúde é desconexa e como os profissionais de saúde não dão apoio informacional após alta da criança na maternidade. A recomendação é que a criança receba alta da maternidade com consulta marcada em serviço especializado para seguimento de crianças expostas ao HIV. A data da primeira consulta deve ser entre 15 e 30 dias, a partir da data do nascimento.2 Ministério da Saúde (BR). Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014.Não apenas o SAE e a maternidade merecem destaque na rede social de serviços de saúde, mais a atenção primária tem papel fundamental e deve trabalhar em conjunto com essas redes. A atenção primária é importante no encaminhamento ao SAE, caso ele ainda não tenha sido feito pela maternidade, no acompanhamento da criança, na realização de puericultura, visita domiciliar e orientações à família quanto ao uso e à obtenção da fórmula infantil.2020 Ministério da Saúde (BR). Programa Nacional de DST e Aids. Guia de tratamento clínico da infecção pelo HIV em pediatria. 3ª ed. Brasília (DF): MS; 2006.

Outro estudo mostrou resultados semelhantes quanto ao atraso da criança para iniciar o acompanhamento no serviço especializado, revelando desconexão da rede social, fragilidade no apoio social aos cuidadores e no cuidado à criança. Os motivos foram o serviço não saber desta condição da criança ou a falta de horário para agendamento por conta da demanda, falta de marcação da primeira consulta pela maternidade ou atenção básica e, quando realizado, o não comparecimento da clientela no dia agendado. Isso prejudicou o tratamento, pois algumas crianças que estavam em seguimento não haviam feito os exames laboratoriais de acordo com o preconizado; outras, devido ao atraso do acompanhamento pelo serviço, iniciaram tardiamente a profilaxia para pneumonia ou nem haviam iniciado.1111 Barroso LMM, Galvão MTG, Cavalcante RM; Freitas JG. Cuidado materno aos filhos nascidos expostos ao HIV/AIDS. Rev Rene. 2009; 10(4):155-64.

Falta de apoio emocional e instrumental interferem na adesão e qualidade do tratamento. Problemas como dificuldade com meios de transporte, falta de recursos financeiros suficientes e dependência de ambulâncias para comparecer às consultas e a coleta de material para os exames solicitados, que também foram encontrados em outro estudo,1919 Alves KC, Fram DS, Diccini S, Belasco AG, Barbosa DA. Prevalence and risk factors for human immunodeficiency virus infection in pregnant women. Acta Paul Enferm. 2009; 22(3):307-12. podem levar à perda de follow-up e à mortalidade infantil.2121 Talisuna-Alamo S, Colebunders R, Ouma J, Sunday P, Ekoru K, Laga M, et al. Socioeconomic support reduces nonretention in a comprehensive, community-based antiretroviral therapy program in Uganda. J Acquir Immune Defic Syndr. 2012 Apr 1; 59(4):e52-9. A prestação de apoio instrumental, com suporte socioeconômico, pode reduzir isso, sendo uma estratégia para promover a continuidade dos cuidados.2121 Talisuna-Alamo S, Colebunders R, Ouma J, Sunday P, Ekoru K, Laga M, et al. Socioeconomic support reduces nonretention in a comprehensive, community-based antiretroviral therapy program in Uganda. J Acquir Immune Defic Syndr. 2012 Apr 1; 59(4):e52-9. A ineficiência do seguimento da criança se dá mais pela falta de estrutura dos serviços de saúde e falha dos profissionais do que pela capacidade da mãe de desempenhar o cuidado ao filho.1111 Barroso LMM, Galvão MTG, Cavalcante RM; Freitas JG. Cuidado materno aos filhos nascidos expostos ao HIV/AIDS. Rev Rene. 2009; 10(4):155-64.

A mãe experiência, ainda, o viver com HIV, o medo do preconceito, das críticas, da exclusão e a descrença na existência de apoio social, o que faz com que opte pela omissão do diagnóstico.2222 Galvão MTG, Lima ICV, Cunha GH, Mindêllo MIA. Estratégias de mães com filhos portadores de HIV para conviverem com a doença. Cogitare Enferm. 2013; 18(2):230-7. - 2323 Silva LMS, Moura MAV, Pereira MLD. The daily life of women after HIV/aids infection: guidelines for nursing care. Texto Contexto Enferm [online]. 2013 [acesso 2014 Mar 01]; 22(2):. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-07072013000200009&script=sci_arttext&tlng=en
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010...
Para o Interacionismo Simbólico, o ser humano interage, levando em conta o que o outro está fazendo ou está na iminência de fazer. Com isso, ele é forçado a direcionar a sua própria conduta ou a manipular a situação.1212 Charon JM. Symbolic Interactionism: an introduction, na interpretacion, na integration. 10th ed. Upper Saddle River (US): Prentice Hall; 2010. Apesar da vontade da mãe de contar para os profissionais de saúde sobre seu status sorológico, o medo do estigma e de que essa revelação se torne uma barreira para o cuidado impede isso.6Jerome J, Galvao MTG, Lindau ST. Brazilian mothers with HIV: experiences with diagnosis and treatment in human rights based health care system. AIDS Care. 2012 Apr; 24(4):491-5. , 2424 Alvarenga WA, Dupas G. Experience of taking care of children exposed to HIV: a trajectory of expectations. Rev Latino-Am Enfermagem. 2014; 22(5):848-56.

Atreladas a esses fatores, estão a falta de sigilo do diagnóstico, a falta de humanização dos profissionais e a orientação quanto ao manejo da doença, e neste contexto, os profissionais do SAE também foram incluídos,4Galvão MTG, Cunha GH, Machado MMT. Dilemas e conflitos de ser mãe na vigência do HIV/Aids. Rev Bras Enferm. 2010; 63(3):371-6. diferindo dos nossos resultados, em que os cuidadores referiam apoio informativo e até emocional destes profissionais, destacando-se o médico. Situações de preconceito de profissionais de saúde foram relacionadas a outros cenários de saúde e também foram retratadas em outro estudo qualitativo.2525 Liamputtong P, Haritavorn N, Kiatying-Angsulee N. HIV and AIDS, stigma and AIDS support groups: Perspectives from women living with HIV and AIDS in central Thailand. Soc Sci Med. 2009 Sep; 69(6):862-8.

A abordagem interacionista analisa o que acontece e como as pessoas agem em relação às outras. O indivíduo é entendido a partir do seu comportamento, e o significado de tudo o que ele atribui ao que percebe é expresso nas ações e definido pelos outros.12 12 Charon JM. Symbolic Interactionism: an introduction, na interpretacion, na integration. 10th ed. Upper Saddle River (US): Prentice Hall; 2010. O significado particular de viver com HIV é expresso nas relações sociais e a interação com o preconceito foi o que mais se evidenciou neste estudo.

O receio do preconceito e o medo de ser identificado como indivíduo vivendo com HIV por frequentar o serviço especializado é uma demanda mundial, presente em diferentes continentes. Nos EUA, famílias que vivem com HIV fazem seguimento em clínicas especializadas para HIV/Aids e organizações de base comunitária e preferem os serviços focados no HIV, mas não necessariamente identificados como sendo para HIV.2626 Rotheram-Borus MJ, Swendeman D, Lee SJ, Li L, Amani B, Nartey M. Interventions for families affected by HIV. Transl Behav Med. 2011 Jun; 1(2):313-26. Na Tailândia, as famílias preferem os serviços de atenção primária à saúde, que também fornecem cuidados para o HIV e, semelhante ao que acontece nos EUA, os serviços especializados para HIV fazem esforços para não identificar o serviço como sendo para pessoas com HIV, para, assim, proteger a confidencialidade de quem vive com o vírus. Na África do Sul, as famílias também relatam a preferência pelos serviços convencionais dentro da comunidade, tais como clínicas de cuidados primários ou um programa de visitas domiciliares para a saúde materno-infantil.2626 Rotheram-Borus MJ, Swendeman D, Lee SJ, Li L, Amani B, Nartey M. Interventions for families affected by HIV. Transl Behav Med. 2011 Jun; 1(2):313-26.

O apoio familiar é importante para a mãe, além do compartilhamento do cuidado da criança exposta ao HIV. Situações de preconceito fomentadas pela desinformação quanto aos modos de transmissão podem ser dirigidas aos pais e à criança, revelando a falta de apoio de familiares, vizinhos e amigos.2222 Galvão MTG, Lima ICV, Cunha GH, Mindêllo MIA. Estratégias de mães com filhos portadores de HIV para conviverem com a doença. Cogitare Enferm. 2013; 18(2):230-7. Assim como em outros estudos precebeu-se que o preconceito é vivenciado na comunidade e na família.2323 Silva LMS, Moura MAV, Pereira MLD. The daily life of women after HIV/aids infection: guidelines for nursing care. Texto Contexto Enferm [online]. 2013 [acesso 2014 Mar 01]; 22(2):. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-07072013000200009&script=sci_arttext&tlng=en
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010...
, 2525 Liamputtong P, Haritavorn N, Kiatying-Angsulee N. HIV and AIDS, stigma and AIDS support groups: Perspectives from women living with HIV and AIDS in central Thailand. Soc Sci Med. 2009 Sep; 69(6):862-8. Em alguns casos, a desinformação sobre as formas de infecção é imensa, provocando, no domicílio, a separação de roupas e utensílios por medo da transmissão do HIV.2525 Liamputtong P, Haritavorn N, Kiatying-Angsulee N. HIV and AIDS, stigma and AIDS support groups: Perspectives from women living with HIV and AIDS in central Thailand. Soc Sci Med. 2009 Sep; 69(6):862-8.

O HIV causa impacto, e como estratégias para lidar com a situação estão o reforço do apoio social às famílias e a construção de redes com outras famílias vivendo com HIV.2727 Wacharasin C. Families suffering with HIV/AIDS: what family nursing interventions are useful to promote healing? J Family Nurs. 2010; 16(3):302-21. O apoio recebido pelas PVHAs, encontrado neste estudo, no cenário da sala de espera para consulta no SAE, também foi valorizado em outras pesquisas,2222 Galvão MTG, Lima ICV, Cunha GH, Mindêllo MIA. Estratégias de mães com filhos portadores de HIV para conviverem com a doença. Cogitare Enferm. 2013; 18(2):230-7. , 2525 Liamputtong P, Haritavorn N, Kiatying-Angsulee N. HIV and AIDS, stigma and AIDS support groups: Perspectives from women living with HIV and AIDS in central Thailand. Soc Sci Med. 2009 Sep; 69(6):862-8. que reforçam a promoção de grupos terapêuticos, vislumbrando a troca de experiência e apoio mútuo entre os pares.2222 Galvão MTG, Lima ICV, Cunha GH, Mindêllo MIA. Estratégias de mães com filhos portadores de HIV para conviverem com a doença. Cogitare Enferm. 2013; 18(2):230-7. Essa é uma oportunidade de conhecer pessoas consideradas na mesma situação, podendo ter acesso a apoio emocional ampliado e ter o sentimento de pertencimento ao grupo, evitando o isolamento. Devido à aceitação social, a maioria das PVHAs tende a buscar apoio emocional de outras PVHAs, em vez de amigos íntimos e familiares.25 25 Liamputtong P, Haritavorn N, Kiatying-Angsulee N. HIV and AIDS, stigma and AIDS support groups: Perspectives from women living with HIV and AIDS in central Thailand. Soc Sci Med. 2009 Sep; 69(6):862-8.A adoção do papel do outro e os significados comuns (re)conhecidos devido ao HIV proporcionam essa interação mais próxima.

CONCLUSÃO

O objetivo deste estudo foi alcançado, pois a rede social e o apoio social do cuidador após o nascimento da criança exposta ao HIV foram conhecidos, bem como o relacionamento com as redes e membros da rede social. A família e o serviço especializado foram destaques na rede social do cuidador. Evidenciaram-se a desintegração das redes de serviço de saúde e a fragilidade do apoio recebido, principalmente, devido ao estigma de viver com HIV e à descontinuidade do cuidado à criança entre a alta da maternidade e o início do seu seguimento no serviço especializado. Pouco apoio emocional, informativo, instrumental e de apreciação aos cuidadores ocorreram, tanto no âmbito familiar quanto no contexto dos serviços de saúde.

Humanização no atendimento às PVHAs, políticas públicas voltadas para diminuição do estigma de viver com HIV/Aids e estruturação dos serviços de atendimento à criança exposta ao HIV são necessários para a promoção do cuidado às famílias que vivem com crianças expostas ao HIV. Nesta trajetória, a inserção da enfermagem e o serviço de atenção primária são fundamentais para o apoio e acolhimento dos cuidadores. Atividades grupais com cuidadores é uma estratégia de intervenção de apoio que pode melhorar a habilidade de enfrentamento.

Neste estudo, algumas limitações devem ser consideradas. Os participantes foram recrutados, e os dados foram coletados na instituição em que se dava o acompanhamento da criança, o que pode tornar possível o relato de maior satisfação com o serviço especializado e apoio de profissionais de saúde. Outras limitações poderiam estar relacionadas à presença de outro cuidador nas entrevistas coletivas e ao horário escolhido, que foi durante a espera pela consulta da criança. Foi reconhecido, também, que os resultados desta pesquisa não são generalizáveis, devido ao número de participantes e por não se conhecer a experiência de cuidadores que fazem o seguimento da criança em serviço privado de saúde.

Considera-se que pesquisas futuras sobre rede social e apoio social para os cuidadores e familiares de criança exposta ao HIV e seus mecanismos de fortalecimento possam ser desenvolvidas tanto em outros contextos, quanto na atuação da enfermagem. Conhecer as redes e apoios sociais do cuidador da criança exposta ao HIV pode subsidiar o oferecimento de apoio efetivo e avaliar a funcionalidade dos vínculos apoiadores

REFERENCES

  • 1
    Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Transmissão vertical do HIV e sífilis: estratégias para redução e eliminação. Brasília (DF): MS; 2014.
  • 2
    Ministério da Saúde (BR). Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014.
  • 3
    Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (UNAIDS). Global report: UNAIDS report on the global AIDS epidemic 2013. Geneva (SW): World Health Organization; 2013.
  • 4
    Galvão MTG, Cunha GH, Machado MMT. Dilemas e conflitos de ser mãe na vigência do HIV/Aids. Rev Bras Enferm. 2010; 63(3):371-6.
  • 5
    Faria ER, Piccinini CA. Maternidade no contexto do HIV/AIDS: gestação e terceiro mês de vida do bebê. Estud Psicol. 2010; 27(2):147-59.
  • 6
    Jerome J, Galvao MTG, Lindau ST. Brazilian mothers with HIV: experiences with diagnosis and treatment in human rights based health care system. AIDS Care. 2012 Apr; 24(4):491-5.
  • 7
    Bullock K. Family social support: conceptual frameworks for nursing practice to promote and protect health. In: Bomar PJ. Promoting health in families: applying family research and theory to nursing practice. Philadelphia (US): Saunders; 2004. p.142-61.
  • 8
    Silveira EAA, Carvalho AMP. Health care support to patients with AIDS: the convoy model and nursing. Rev Esc Enferm USP. 2011; 45(3):645-50.
  • 9
    Tsai AC, Bangsberg DR, Kegeles SM, Katz IT, Haberer JE, Muzoora C, et al. internalized stigma, social distance, and disclosure of HIV Seropositivity in rural Uganda. Ann Behav Med. 2013; 46:285-94.
  • 10
    Martinez J, Harper G, Carleton RA, Hosek S, Bojan K, Glum G, et al. The impact of stigma on medication adherence among HIV-positive adolescent and young adult females and the moderating effects of coping and satisfaction with health care. AIDS Patient Care STDS. 2012 Feb; 26(2):108-15.
  • 11
    Barroso LMM, Galvão MTG, Cavalcante RM; Freitas JG. Cuidado materno aos filhos nascidos expostos ao HIV/AIDS. Rev Rene. 2009; 10(4):155-64.
  • 12
    Charon JM. Symbolic Interactionism: an introduction, na interpretacion, na integration. 10th ed. Upper Saddle River (US): Prentice Hall; 2010.
  • 13
    Fontanella BJB, Magdaleno Júnior R. Saturação teórica em pesquisas qualitativas: contribuições psicanalíticas. Psicol Estud. 2012 Jan-Mar; 17(1):63-71.
  • 14
    Vaismoradi M, Turunen H, Bondas T. Content analysis and thematic analysis: Implications for conducting a qualitative descriptive study. Nurs Health Scienc. 2013 Mar; 15: 398-405.
  • 15
    Elo S, Kääriäinen M, Kanste O, Pölkki T, Utriainen K, Kyngäs H. Qualitative content analysis: a focus on trustworthiness. SAGE Open. 2014 Feb; 4(1):1-10.
  • 16
    Ministério da Saúde (BR). Boletim epidemiológico AIDS e DST. Ano III(1). Brasília (DF): MS; 2014.
  • 17
    Teixeira LB, Pilecco FB, Vigo A, Knauth DR. Sexual and reproductive health of women living with HIV in Southern Brazil. Cad Saúde Pública. 2013 Mar; 29(3):609-20.
  • 18
    Freitas JG, Cunha GH, Barroso LMM, Galvão MTG. Administration of medications for children born exposed to human immune deficiency virus. Acta Paul Enferm. 2013; 26(1):42-9.
  • 19
    Alves KC, Fram DS, Diccini S, Belasco AG, Barbosa DA. Prevalence and risk factors for human immunodeficiency virus infection in pregnant women. Acta Paul Enferm. 2009; 22(3):307-12.
  • 20
    Ministério da Saúde (BR). Programa Nacional de DST e Aids. Guia de tratamento clínico da infecção pelo HIV em pediatria. 3ª ed. Brasília (DF): MS; 2006.
  • 21
    Talisuna-Alamo S, Colebunders R, Ouma J, Sunday P, Ekoru K, Laga M, et al. Socioeconomic support reduces nonretention in a comprehensive, community-based antiretroviral therapy program in Uganda. J Acquir Immune Defic Syndr. 2012 Apr 1; 59(4):e52-9.
  • 22
    Galvão MTG, Lima ICV, Cunha GH, Mindêllo MIA. Estratégias de mães com filhos portadores de HIV para conviverem com a doença. Cogitare Enferm. 2013; 18(2):230-7.
  • 23
    Silva LMS, Moura MAV, Pereira MLD. The daily life of women after HIV/aids infection: guidelines for nursing care. Texto Contexto Enferm [online]. 2013 [acesso 2014 Mar 01]; 22(2):. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-07072013000200009&script=sci_arttext&tlng=en
    » http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-07072013000200009&script=sci_arttext&tlng=en
  • 24
    Alvarenga WA, Dupas G. Experience of taking care of children exposed to HIV: a trajectory of expectations. Rev Latino-Am Enfermagem. 2014; 22(5):848-56.
  • 25
    Liamputtong P, Haritavorn N, Kiatying-Angsulee N. HIV and AIDS, stigma and AIDS support groups: Perspectives from women living with HIV and AIDS in central Thailand. Soc Sci Med. 2009 Sep; 69(6):862-8.
  • 26
    Rotheram-Borus MJ, Swendeman D, Lee SJ, Li L, Amani B, Nartey M. Interventions for families affected by HIV. Transl Behav Med. 2011 Jun; 1(2):313-26.
  • 27
    Wacharasin C. Families suffering with HIV/AIDS: what family nursing interventions are useful to promote healing? J Family Nurs. 2010; 16(3):302-21.
  • 1
    Este texto é parte da dissertação - Cuidar da criança exposta ao vírus da imunodeficiência humana: uma leitura à luz do Interacionismo Simbólico, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), 2014. Financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    July-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2014
  • Aceito
    12 Maio 2015
Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós Graduação em Enfermagem Campus Universitário Trindade, 88040-970 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil, Tel.: (55 48) 3721-4915 / (55 48) 3721-9043 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: textoecontexto@contato.ufsc.br