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SATISFAÇÃO PROFISSIONAL DA EQUIPE DE ENFERMAGEM X CONDIÇÕES E RELAÇÕES DE TRABALHO: ESTUDO RELACIONAL1 1 Artigo resultante da dissertação - Condições e Relações de trabalho da equipe de enfermagem na perspectiva da Satisfação Profissional, apresentada ao Programa de Pós Graduação em Enfermagem, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), em 2013.

RESUMO

Estudo relacional, transversal, quantitativo que objetivou testar a associação de variáveis sociodemográficas e profissionais com a satisfação no trabalho de equipes de enfermagem hospitalar e, verificar se as relações e as condições de trabalho influenciam na satisfação profissional das mesmas equipes. Participaram 212 sujeitos que responderam ao questionário Pesquisa das Condições e Relações de Trabalho, no período entre fevereiro a junho de 2013. Os dados foram tratados por meio de análise estatística descritiva e bivariada, com uso do Teste Exato de Fischer e Qui-Quadrado. Constatou-se que houve significância estatística (p<0,05) entre insatisfação e sexo, tempo de formação, setor e turno de trabalho, número e tipo de vínculo, tamanho da equipe, segurança e medicina do trabalho, acomodações do setor, distribuição das tarefas, estímulo profissional, valorização laboral e motivação. Concluiu-se que inadequadas condições e relações no trabalho se associaram à insatisfação laboral de profissionais de enfermagem.

Satisfação no trabalho; Condições de Trabalho; Enfermagem; Saúde do Trabalhador

ABSTRACT

This relational, transversal and quantitative study aimed to test the association of sociodemographic and professional variables with the job satisfaction of hospital nursing teams and to ascertain whether the work relations and conditions influenced the professional satisfaction of the same teams. A total of 212 subjects participated, responding to the Research into Work Conditions and Relations questionnaire in the period February - June 2013. The data were treated using descriptive statistical analysis and bivariate analysis, using Fisher's exact test and the Chi-squared test. It was observed that there was statistical significance (p<0.05) between dissatisfaction and sex, time since graduation, work department and shift, number and type of employment links, team size, safety, occupational health, department accommodation, task distribution, professional encouragement, valorization of the work and motivation. It was concluded that inadequate work conditions and relations were associated with nursing professionals' job dissatisfaction.

Job satisfaction; Work conditions; Nursing; Occupational health

RESUMEN

Estudio relacional, transversal y cuantitativo. Tuvo como objetivo probar la asociación de variables sociodemográficas y profesionales con satisfacción en el trabajo de equipos de enfermería del hospital, y también comprobar si las relaciones y las condiciones de trabajo influyen en la satisfacción laboral de los mismos equipos. Participó en 212 sujetos que respondieron al cuestionario de la encuesta Condiciones y las relaciones laborales en el periodo de febrero a junio de 2013. Los datos fueron analizados utilizando estadística descriptiva y análisis inferencial utilizando el Test Exacto de Fisher y Chi-Cuadrado. Se encontró significación estadística (p<0,05) entre la insatisfacción y el sexo, tiempo de la graduación, el sector y turno de trabajo, el número y tipo de contrato de trabajo, el tamaño del equipo, seguridad y salud ocupacional, sector del alojamiento, distribución de tareas, estímulo profesional, la motivación y la apreciación laboral. Se concluye que las condiciones inadecuadas y relaciones en el trabajo estaban asociadas con la insatisfacción laboral de las enfermeras.

Satisfacción en el trabajo; Condiciones de trabajo; Enfermería; Salud laboral

INTRODUÇÃO

O trabalho é um dos meios que permite ao homem, ser reconhecido como indivíduo único na sociedade e, a partir da função que ocupa ele tende a buscar a satisfação (pessoal e laboral) e garantir a sua qualidade de vida.

No que concerne ao trabalho, este pode ser definido como uma atividade humana, manual ou intelectual, que requer esforços e contribui à satisfação das necessidades próprias e/ou de terceiros.1 Moraes DB. A valorização do trabalho como condição para a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana: o papel do estado na valorização do trabalho [dissertação]. Marília (PR): Universidade de Marília, Programa de Mestrado em Direito; 2008.No contexto do serviço de enfermagem, o trabalho é mediado pela interação e comunicação entre profissionais e paciente, constituindo-se em processo humano, essencialmente intersubjetivo2Carvalho BG, Peduzzi M, Mandu ENT, Ayres JRCM. Work and Inter-subjectivity: a theoretical reflection on its dialectics in the field of health and nursing. Rev Latino-Am Enfermagem. 2012; 20(1):19-26. e nessa perspectiva, o trabalho deve ser analisado em termos dos itens que o constitui, pois a satisfação e a insatisfação para com o mesmo, significa o resultado da interação entre o ambiente, o trabalhador e os elementos laborais.3Durrive L. A atividade humana, simultaneamente intelectual e vital: esclarecimentos complementares de Pierre Pastré e Yves Schwartz. Trab Educ Saúde. 2011; 9(sup.1):47-67.

No que diz respeito à satisfação no trabalho ou satisfação laboral, esta consiste em sentimento relacionado aos vários aspectos ou facetas do labor e é considerado como um indicador de bem-estar fisiológico e/ou emocional.4Bhatnagar K, Srivastava K. Job satisfaction in healthcare organizations. Ind Psychiatry J. 2012; 21(1):75-8. Em outras palavras, o conceito satisfação no trabalho é entendido como a sensação de contentamento que o funcionário manifesta pelo seu labor e que pode ser positiva (satisfação) ou negativa (insatisfação).

No que tange às dimensões do trabalho é possível dividi-las em dois grandes grupos: 1) Eventos e condições e; 2) Agentes. O primeiro grupo eventos e condições, ou, condições de trabalho, abordam sobre aspectos do trabalho quais sejam: pagamento; promoção; reconhecimento; ambiente de trabalho; recursos disponíveis (tempo, dinheiro, equipamentos, suporte, jornada de trabalho, turnos de trabalho); condições físicas (ruído, ventilação, umidade, temperatura, arranjo físico) e segurança (ausência de riscos).5Locke EA. 'Job satisfaction'. In: Grunenberg M, Wall T. Social psychology and organizational behavior. New York (US): John Wiley & Sons; 1984. p. 93-117.

O segundo grupo, os agentes, ou relações de trabalho, contemplam fatores como: relações entre colegas e subordinados; comunicação com os superiores; relação com o compartilhamento de valores; reconhecimento profissional; participação nas tomadas de decisões; respeito aos empregados como seres humanos; política e missão da instituição.5Locke EA. 'Job satisfaction'. In: Grunenberg M, Wall T. Social psychology and organizational behavior. New York (US): John Wiley & Sons; 1984. p. 93-117.

No tocante às condições e às relações de trabalho dos profissionais de enfermagem, alguns estudos,6Negussie N, Demissie A. Relationship between leadership styles of nurse managers and nurses' job satisfaction in Jimma University Specialized Hospital. Ethiop J Health Sci. 2013; 23(1):49-57.

Kuzey, C. Impact of health care employees' job satisfaction on organizational performance support vector machine approach. European Jf Econ Political Stud. 2012; 5(1):65-89.
- 8Tran BX, Minh HV, Hinh ND. Factors associated with job satisfaction among commune health workers: implications for human resource policies. Glob Health Action. 2013; 6(1):1-6. que abordam sobre os seus impactos na qualidade de vida e na satisfação da equipe, mencionam que, se as condições e as relações de trabalho forem inadequadas, o trabalhador da enfermagem tende a apresentar desgastes psicológicos e físicos;6Negussie N, Demissie A. Relationship between leadership styles of nurse managers and nurses' job satisfaction in Jimma University Specialized Hospital. Ethiop J Health Sci. 2013; 23(1):49-57. problemas osteomusculares;7Kuzey, C. Impact of health care employees' job satisfaction on organizational performance support vector machine approach. European Jf Econ Political Stud. 2012; 5(1):65-89.elevados índices de absenteísmo e doenças.8Tran BX, Minh HV, Hinh ND. Factors associated with job satisfaction among commune health workers: implications for human resource policies. Glob Health Action. 2013; 6(1):1-6. De outro modo, ao serem adequadas, a tendência é que ocorra satisfação no trabalho e melhor qualidade de vida do trabalhador.6Negussie N, Demissie A. Relationship between leadership styles of nurse managers and nurses' job satisfaction in Jimma University Specialized Hospital. Ethiop J Health Sci. 2013; 23(1):49-57.

Kuzey, C. Impact of health care employees' job satisfaction on organizational performance support vector machine approach. European Jf Econ Political Stud. 2012; 5(1):65-89.
- 8Tran BX, Minh HV, Hinh ND. Factors associated with job satisfaction among commune health workers: implications for human resource policies. Glob Health Action. 2013; 6(1):1-6.

Ao considerar que a insatisfação no trabalho pode acarretar potenciais prejuízos à saúde do trabalhador, faz-se necessário realizar investigações acerca da temática e também dos fatores geradores de (in)satisfação, como aqueles referentes às condições de trabalho e às relações interpessoais no ambiente laboral. Diante dessa premissa, estudos relacionados a essa temática são importantes por produzirem informações que possibilitam compreender as mudanças necessárias no contexto do trabalho e subsidiar estratégias de prevenção de danos aos trabalhadores e clientes/usuários do sistema de saúde.

Com base nas considerações apresentadas, este estudo se pauta na seguinte questão: Será que as condições e as relações de trabalho da equipe de enfermagem hospitalar têm relação com a (in) satisfação dos seus trabalhadores? Para responder a essa pergunta, a presente pesquisa teve como objetivos testar a associação de variáveis sociodemográficas e profissionais com a satisfação no trabalho de equipes de enfermagem hospitalar e; verificar se as relações e as condições de trabalho influenciam na satisfação profissional dessas equipes.

MATERIAL E MÉTODOS

Estudo descritivo, relacional, transversal e quantitativo, realizado em três hospitais nomeados como filantrópico (HF); privado (HP) e público (HPB), de um município do interior paranaense.

O HF possuía 225 leitos, dos quais 136 eram destinados ao atendimento do SUS e os demais, 89 leitos, para atendimentos particulares e convênios. O quadro da enfermagem era formado por 420 profissionais, sendo que destes, 43 eram enfermeiros e 377 profissionais de nível médio.

No HP havia 79 leitos, que atendia pacientes particulares e de convênios. A equipe de enfermagem era composta por 243 profissionais, dentre os quais 77 enfermeiros e 166 profissionais de nível médio.

O HPB é credenciado no Sistema Único de Saúde (SUS), referência para 29 municípios e prioriza atividades de assistência, ensino e pesquisa. No momento da pesquisa, contava com 135 leitos e 240 profissionais de enfermagem. Destes, 70 eram enfermeiros e os demais 170, eram de nível médio.

A população do estudo constituiu-se de profissionais de enfermagem das unidades de Centro Cirúrgico (CC), Unidade de Terapia Intensiva para Adulto (UTI-Adulto) e Pronto Socorro (PS), que atenderam aos seguintes critérios: possuir no mínimo, seis meses de atuação como profissional de enfermagem num desses setores e ter vínculo empregatício formal no estabelecimento. Dessa forma, 212 profissionais participaram como sujeitos da pesquisa, dos quais 64 eram enfermeiros e 148 eram profissionais da equipe técnica.

Neste estudo, a equipe técnica foi composta por auxiliares e técnicos de enfermagem, e também por enfermeiros assistenciais. A estes últimos é incumbida apenas a realização de atividades diretas ao paciente, ficando vetado, portanto, o exercício de atividades administrativas como: direção, coordenação, chefia, responsabilidade técnica e compromisso sobre a equipe técnica.9Sindicato dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde de Maringá e Região. Conveção Coletiva de Trabalho, 2012-2013. Maringá (PR): SHESSMAR; 2012.

Esta pesquisa foi realizada utilizando-se a técnica Survey, cuja coleta de dados ocorreu por meio do questionário de Pesquisa das Condições e Relações de Trabalho, do Programa Nacional de Avaliação dos Serviços de Saúde (PNASS), do Ministério da Saúde.1010 Ministério da Saúde (BR). Caderno do programa nacional de avaliação dos serviços de saúde. Departamento de Regulação. Avaliação e controle de sistemas - DRAC. Edição 2004/2005. Brasília (DF):MS; 2004. Ressalta-se que, para fins deste estudo, foram realizadas pequenas adaptações no instrumento, pois o mesmo apresentava respostas às questões em forma de escala do tipo Likert com cinco itens: Muito Bom; Bom; Regular; Ruim e Muito Ruim, os quais dificultavam a quantificação do valor para representação de cada item. Após a análise do instrumento por um profissional estatístico, seguido de discussões com profissionais enfermeiros, a escala de respostas foi reorganizada para a forma escalar (00-10 pontos), de modo que a análise estatística apresentasse os dados de maneira mais coerente com os objetivos propostos, possibilitando assim a constatação da ocorrência ou não de relação entre a variável dependente (satisfação) e as demais variáveis (independentes).

Vale lembrar que o tipo de adequação realizada no instrumento é recomendado pela Secretaria de Atenção à Saúde, no sentido de revisar criteriosamente os instrumentos utilizados e assegurar o uso de uma nomenclatura mais objetiva, com redação mais clara para o estabelecimento de critérios e padrões que favoreça a avaliação em saúde.1010 Ministério da Saúde (BR). Caderno do programa nacional de avaliação dos serviços de saúde. Departamento de Regulação. Avaliação e controle de sistemas - DRAC. Edição 2004/2005. Brasília (DF):MS; 2004.

Para confirmar a viabilidade do instrumento, antes do seu uso, o questionário foi submetido a um teste piloto com 17 trabalhadores de enfermagem de hospitais que não pertenciam à amostra estabelecida e apontou que havia adequabilidade quanto à apresentação, compreensão das questões e emissão das respostas.

A coleta de dados foi realizada no período de fevereiro a junho de 2013, quando a pesquisadora, antes de entregar o questionário ao respondente, realizou esclarecimentos sobre a pesquisa e, a seguir, solicitou ao mesmo que procedesse a leitura e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em duas vias. Destas, uma ficou de posse da pesquisadora e a outra foi entregue ao trabalhador. O questionário foi respondido em local privativo, durante o turno de trabalho de cada participante.

Os dados foram organizados e tabulados no programa Microsoft Office Excel(r) 2007 e, posteriormente, importados para o programa Statistical Analysis System(r) (SAS) para a realização das análises estatísticas. Após a análise descritiva (univariada), foram realizadas também análises bivariadas (Qui-Quadrado e Teste Exato de Fischer) entre a variável dependente (satisfação) e as demais variáveis, consideradas independentes (sexo, idade, estado civil, número de filhos, renda, escolaridade, categoria profissional, tempo de trabalho na instituição, setor de atuação, carga horária semanal de trabalho, tipo de instituição). Para cada característica da população estudada, estabeleceu-se nível de significância de p<0,05 e respectivo intervalo de confiança de 95%.

Este estudo foi aprovado sob o número 207.365/2013, pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisas Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá.

RESULTADOS

Participaram deste estudo 212 profissionais de enfermagem, cujos resultados serão apresentados na forma de quatro tabelas.

Na tabela 1, constam os dados inerentes à relação das características sociodemográficas com a (In)satisfação laboral. Conforme o teste estatístico aplicado, a variável sexo foi à única que apresentou significância estatística.

Tabela 1
- Relação entre as variáveis sociodemográficas de acordo com a (In)satisfação no trabalho da equipe de enfermagem, por hospital. Maringá-PR, 2013

Na tabela 2 se apresentam os dados referentes à relação entre as características profissionais e (In)satisfação laboral, onde se vê que o tempo de formação; setor e turno de trabalho; número e tipo de vínculo empregatício, são as variáveis que obtiveram significância estatística.

Tabela 2
- Relação entre as variáveis profissionais de acordo com a (In)Satisfação no trabalho da equipe de enfermagem, por hospital. Maringá-PR, 2013

Na tabela 3 constam dados acerca da relação entre (In)Satisfação e elementos constitutivos das condições de trabalho. Os valores indicam que o dimensionamento da equipe; as acomodações do setor; a segurança para realização do trabalho e; a medicina do trabalho, têm significância estatística com a (In)satisfação laboral da enfermagem.

Tabela 3
- Relação entre (In)satisfação e condições de trabalho da equipe de enfermagem de três hospitais. Maringá-PR, 2013

A tabela 4 subsequente compara os fatores que compõem o relacionamento no trabalho e a (In)Satisfação no ambiente hospitalar, onde constata existência de relação estatística entre (In) Satisfação laboral e distribuição das

Tabela 4
- Comparação entre relações de trabalho e (In)Satisfação da equipe de enfermagem de três hospitais. Maringá-PR, 2013

DISCUSSÃO

Nos dados da tabela 1 (socio-demográficos) merecem destaque o sexo e o salário, tendo em vista que a população por ser predominantemente feminina, era plausível a insatisfação das mulheres, e a causa disso pode ser o fato de que muitas delas, além dos afazeres domésticos, atuam no mercado de trabalho formal, para melhorar a renda familiar. Essa dupla ou até tripla jornada, tende a gerar esgotamento físico, mental e também, escassez de tempo para dedicar-se aos seus interesses pessoais, os quais tendem a resultar em estresse e insatisfação.1111 Lorber M, Skela-Savic B. Job satisfaction of nurses in Slovenian Hospitals. Croat Med J. 2012; 53(1):263-70.

No que diz respeito ao salário, chama a atenção a grande divergência entre os trabalhadores das três instituições hospitalares, pois os maiores salários concentraram-se no hospital público. Apesar da diferença entre as remunerações, não se observou relação estatística entre essa variável com a insatisfação.

O fato da literatura6Negussie N, Demissie A. Relationship between leadership styles of nurse managers and nurses' job satisfaction in Jimma University Specialized Hospital. Ethiop J Health Sci. 2013; 23(1):49-57. apontar que a remuneração não causa insatisfação na enfermagem pode e deve ser contestada, pois além de ser uma profissão que, muitas vezes, subsidia a sobrevivência de famílias inteiras, por se relacionar diretamente com a disponibilidade dos elementos que suprem às necessidades humanas básicas, o salário, sem dúvida, tende a refletir diretamente no nível de satisfação profissional da enfermagem.6Negussie N, Demissie A. Relationship between leadership styles of nurse managers and nurses' job satisfaction in Jimma University Specialized Hospital. Ethiop J Health Sci. 2013; 23(1):49-57.

Salienta-se que a enfermagem, até meados da década de 1850, era uma profissão voltada à abnegação, humildade, disciplina e filantropia, representada em sua maioria por mulheres1212 Avila LI, Silveira RS, Lunardi VL, Fernandes GFM, Mancia JR, Silveira JT. Implicações da visibilidade da enfermagem no exercício profissional. Rev Gaúcha Enferm. 2013; 34(3):102-9. e talvez por isso abordagens acerca do salário ainda seja omitido ou negligenciado. Outro fator é que, na sociedade atual, apesar de a enfermagem ser reconhecida como ciência, ainda herda traços do passado e muitas pessoas acreditam que para atuar nessa profissão necessita-se apenas de dom ou dote natural e não de preparo, de conhecimento científico específico e aprofundado. Esse desconhecimento acerca da formação e do verdadeiro papel do profissional da enfermagem, seguramente, é um dos fatores que interfere no reconhecimento da profissão pela sociedade1212 Avila LI, Silveira RS, Lunardi VL, Fernandes GFM, Mancia JR, Silveira JT. Implicações da visibilidade da enfermagem no exercício profissional. Rev Gaúcha Enferm. 2013; 34(3):102-9. e também no seu salário.

Com relação à tabela 2, constata-se que a insatisfação apresentou-se associada ao setor de trabalho do hospital privado. Esse dado corresponde com a literatura1313 Silveira RS, Funck CR, Lunardi VL, Silveira JT, Avila LI, Filho WDL, et al. Percepção dos trabalhadores de enfermagem acerca da satisfação no contexto do trabalho na UTI. Enferm Foco. 2012; 3(2):93-6.a qual aponta que, em unidades hospitalares, a insatisfação se associa às inadequadas condições de trabalho, à precariedade e insuficiência de recursos materiais. Frente a isso, a insatisfação dos trabalhadores, detectada neste estudo, pode estar relacionada às condições clínicas apresentadas pelos pacientes em risco de morte e à possível dificuldade dos trabalhadores em realizar ações de cuidado diante de um prognóstico desfavorável e/ou de risco. Nos demais hospitais, filantrópico e público, não houve relação estatística da insatisfação com esta variável, porém, isso não significa que a totalidade dos profissionais está satisfeita nestes hospitais.

Ainda no que tange às características dos profissionais, o turno de trabalho no hospital filantrópico apresentou-se como significante para a insatisfação. Em função disso, ressalta-se que é importante considerar o turno de trabalho na perspectiva da satisfação laboral, pois os profissionais que trabalham no período noturno precisam mudar a sua rotina de vida, em especial a do sono, que é o principal responsável pelo descanso. A literatura coaduna com este achado e aponta que o trabalho noturno influencia, negativamente, na capacidade para o trabalho dos profissionais de enfermagem1414 Murassaki ACY, Melo WA, Matsuda LM. Influência das características sociodemográficas e ocupacionais em trabalhadores da equipe de enfermagem com um emprego e multiemprego. Cienc Cuid Saúde. 2013; XIX(2): 89-98. por desencadear desgaste físico, alteração do ritmo circadiano, tempo insuficiente de sono, redução da capacidade cognitiva e de execução de tarefas, os quais contribuem para a ocorrência de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho.4Bhatnagar K, Srivastava K. Job satisfaction in healthcare organizations. Ind Psychiatry J. 2012; 21(1):75-8.

Além do turno de trabalho, o número de vínculos no HPB, e o tipo de vínculo no HPB e HF, também se associaram à insatisfação. Nesse aspecto, os dados apontam que os indivíduos com contrato temporário tendem à insatisfação, correspondendo com um estudo realizado em um hospital geral do Paraná que objetivou investigar a influência das variáveis sociodemográficas e profissionais sobre a capacidade para o trabalho de profissionais de enfermagem com um emprego e com multiemprego.1414 Murassaki ACY, Melo WA, Matsuda LM. Influência das características sociodemográficas e ocupacionais em trabalhadores da equipe de enfermagem com um emprego e multiemprego. Cienc Cuid Saúde. 2013; XIX(2): 89-98.

O vínculo empregatício, representado por contratos temporários de trabalho, tipo de vínculo do HF e HP, pode gerar instabilidade, insegurança e medo ao profissional, relacionado à perda do emprego e, nestes casos, há maior chance de insatisfação no trabalho.1515 Chiavenato I. Gestão de Pessoas: O novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro (RJ): Elsevier; 2008. Fato contrário pode acontecer com os trabalhadores contratados, via concurso público, caso do HPB que garante a estabilidade no emprego.1616 Carvalho MC, Rocha FLR, Marziale MHP, Gabriel CS, Bernardes A. Work values and practices which characterize the organizational culture of a public hospital. Texto Contexto Enferm [online]. 2013 [acesso 2013 Out 27]; 22(3):746-53. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v22n3/v22n3a22.pdf
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Além disso, a maioria dos cargos públicos possui plano de cargos e salários, podendo influenciar, positivamente, na satisfação dos trabalhadores, inclusive, motivando-os à busca de aperfeiçoamento profissional.

No que diz respeito à segurança para a execução do trabalho no HPB e HF e à medicina do trabalho do HF, quando relacionados às condições de trabalho (tabela 3), ambos demonstraram significância estatística para a insatisfação. Estes achados correspondem com a abordagem administrativa, a qual aponta que os funcionários, comumente, estão insatisfeitos com a assistência médico-hospitalar, a segurança e a medicina do trabalho.1515 Chiavenato I. Gestão de Pessoas: O novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro (RJ): Elsevier; 2008. No que tange à segurança e medicina do trabalho é importante que as instituições possuam uma equipe de especialistas nesta área, com vistas à prevenção de acidentes, que orientem os seus trabalhadores quanto aos riscos ocupacionais, que propiciem segurança no desenvolvimento das atividades e que assegurem suporte nos casos de acidentes no trabalho.7Kuzey, C. Impact of health care employees' job satisfaction on organizational performance support vector machine approach. European Jf Econ Political Stud. 2012; 5(1):65-89. A partir desse entendimento, é possível inferir que alguns profissionais deste estudo não possuem amparo sobre segurança e medicina do trabalho, o que favorece a insatisfação no labor.

Ainda com vistas à tabela 3, os dados indicam que o dimensionamento inadequado de pessoal do HPB e do HF tem associação com a insatisfação. O dimensionamento adequado da equipe de enfermagem em instituições de saúde brasileiras é respaldado pela Lei do Exercício da Enfermagem,1717 Brasil. Lei 7.498, de 25 de junho de 1986: Dispõe sobre a Regulamentação do Exercício da Enfermagem e dá outras providências. Brasília (DF): Diário Oficial da União; 1986. entretanto as prerrogativas nela constantes não são respeitadas por muitas instituições1818 Menegueti MG, Nicolussi AC, Scarparo AF, Campos LF, Chaves LDP, Laus AM. Dimensionamento de pessoal de enfermagem nos serviços hospitalares: revisão integrativa da literatura. Rev Eletr Enfern [online]. 2013 [acesso 2013 Out 25]; 15(2):551-63. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/revista/ v15/n2/pdf/v15n2a30.pdf
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e isso pode resultar em sobrecarga de trabalho ao profissional, com a conseqüente insatisfação laboral. Visando proporcionar melhores condições de trabalho é necessário que as instituições de saúde, realizem sistematicamente, o dimensionamento do quadro dos trabalhadores de enfermagem, em especial da categoria enfermeiro.1818 Menegueti MG, Nicolussi AC, Scarparo AF, Campos LF, Chaves LDP, Laus AM. Dimensionamento de pessoal de enfermagem nos serviços hospitalares: revisão integrativa da literatura. Rev Eletr Enfern [online]. 2013 [acesso 2013 Out 25]; 15(2):551-63. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/revista/ v15/n2/pdf/v15n2a30.pdf
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Quanto às relações de trabalho (tabela 4), as variáveis que se apresentaram como importantes preditores de insatisfação foram: estímulo dado pelo hospital para continuar na instituição (HP e HF); e valorização do trabalho pela chefia (HF). Estes dados correspondem com os resultados de um estudo, desenvolvido em um hospital geral público do Rio de Janeiro, com profissionais de enfermagem, onde se constatou que a variável motivação, estilo de liderança e relações interpessoais, foram os elementos responsáveis por 64%, em média, da insatisfação dos trabalhadores de enfermagem.19 19 Spindola T, Santos RS. O trabalho na enfermagem e seu significado para as profissionais. Rev Bras Enferm. 2005; 58(2):156-60.Com base nesse argumento, cumpre salientar que a empresa deve proporcionar ao funcionário um ambiente laboral saudável, pautado na participação e no reconhecimento pelo trabalho desenvolvido, pois o ambiente que incorpora os seus funcionários na resolução dos problemas, inclusive nos processos decisórios, tende a favorecer a democracia e também à satisfação laboral.2020 Karino ME, Martins JT, Bobroff MCC. Reflexão sobre as políticas de saúde do trabalhador no Brasil: avanços e desafios. Cienc Cuid Saude. 2011; 10(2):395-400.

Pelo fato do trabalho ocupar grande parte da vida das pessoas é preciso que as lideranças se atentem à promoção de melhores condições laborais, seja no âmbito da estrutura do local de trabalho como da relação entre os membros da equipe.

CONCLUSÃO

Este estudo apontou que condições laborais inapropriadas e inadequadas relações no trabalho se associam à insatisfação laboral de profissionais de enfermagem que atuam em unidades críticas (Centro Cirúrgico, Unidade de Terapia Intensiva e Pronto Socorro), dentre as variáveis socioeconômicas investigadas, destacou-se o sexo; das variáveis profissionais salienta-se o tempo de formação, setor e turno de trabalho, número e tipo de vínculo. No que tange às condições de trabalho, sobressaíram àquelas relacionadas ao tamanho da equipe, segurança e medicina do trabalho e acomodações do setor. Quanto às relações de trabalho evidenciou-se insatisfação com a distribuição das tarefas, estímulo profissional, valorização laboral e motivação,

No sentido de minimizar o quadro desvelado neste estudo, sugere-se às lideranças das instituições investigadas, que fiquem atentas aos fatores causadores de insatisfação.E com base em dados sistematizados, como os que foram apresentados neste estudo, invistam em ações que promovam a satisfação laboral dos seus colaboradores.

Como limitação deste estudo aponta-se o desenho escolhido, ou seja, o fato de ter sido realizado em três instituições hospitalares (pública, privada e filantrópica), em um único município, de modo que as informações obtidas não podem ser generalizadas. Entretanto, os seus resultados possibilitam incrementar a realização de estudos relacionados ao tema e também, contribuir à promoção/manutenção da saúde dos profissionais da enfermagem e da qualidade do cuidado.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    July-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2014
  • Aceito
    03 Dez 2014
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