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EXPECTATIVAS DE FAMILIARES SOBRE UMA UNIDADE DE INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA¹ 1 Artigo elaborado a partir da dissertação - Expectativas de familiares sobre uma Unidade de Internação Psiquiátrica, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGenf) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 2014.

RESUMO

Objetivou-se compreender as expectativas de familiares sobre uma unidade de internação psiquiátrica na perspectiva da sociologia fenomenológica de Alfred Schutz. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de natureza fenomenológica, com 15 familiares de pacientes de uma unidade de internação psiquiátrica de um hospital universitário no sul do país. A coleta de informações deu-se entre agosto e setembro de 2013, por meio de entrevista fenomenológica, e a análise foi desenvolvida à luz da sociologia fenomenológica. Os resultados apontam que as expectativas de familiares estão atreladas à interpretação e às vivências que estes têm do mundo da vida cotidiana; elas devem ser valorizadas no cuidado ao paciente e à família; e podem integrar a família ao cuidado do paciente. Espera-se contribuir para que profissionais e gestores reflitam sobre a importância de compreender-se as expectativas dos familiares sobre a unidade, visando à implementação de ações em saúde mais efetivas, pautadas nas relações sociais entre os sujeitos.

Enfermagem psiquiátrica; Saúde mental; Família; Internação hospitalar; Sociologia

ABSTRACT

We aimed to understand the expectations of families about a Psychiatric Inpatient Unit in the perspective of Alfred Schutz's phenomenological sociology. This is a qualitative and phenomenological research, with families of patients at a psychiatric inpatient unit of a university hospital in the state of Rio Grande do Sul, Brazil. Data were collected through phenomenological interviews, and the analysis was constructed in the light of phenomenological sociology. The results show that the expectations of the family in the Psychiatric Inpatient Unit are related to the interpretation and experiences they have in the world of everyday life; that these expectations should be valued in patient and family care; and that they may integrate the family in care for the patient. We hope to contribute so that professionals and managers reflect about the importance of understanding the expectations of families on a Unit, aiming to implement more effective health actions, based on the social relations among the subjects.

Psychiatric nursing; Mental health; Family; Hospitalization; sociology

RESUMEN

Se tuvo por objetivo comprender las expectativas de la familia acerca de una Unidad de Hospitalización Psiquiátrica en vista de la sociología fenomenológica de Alfred Schutz. Es una investigación cualitativa del tipo fenomenológico, con los familiares de los pacientes en una unidad de un hospital universitario en el estado de Rio Grande do Sul. Los datos fueron recolectados en entrevistas fenomenológicas, y el análisis se ha desarrollado a la luz de la sociología fenomenológica. Los resultados apuntan que las expectativas de la familia están relacionados con la interpretación y la experiencia que tienen en el mundo de la vida cotidiana; deben valorarse y pueden unirse a la familia en el cuidado. Se espera que contribuya a los profesionales y gestores de reflexionar sobre la importancia de la comprensión de las expectativas de estos familiares, con miras a acciones de salud más eficaces, orientados en las relaciones sociales entre los sujetos.

Enfermería psiquiátrica; Salud mental; Familia; Hospitalización; sociología

INTRODUÇÃO

No Brasil, a assistência às pessoas em sofrimento psíquico e suas famílias era pautada no modelo hospitalocêntrico, centrado em atendimento na instituição asilar, caracterizado pelo isolamento e tratamento punitivo também praticado pela equipe de enfermagem.11. Almeida Filho AJ, Moraes AEC, Peres MAA. Atuação do enfermeiro nos Centros de Atenção Psicossocial: implicações históricas da enfermagem psiquiátrica. Rev RENE. 2009 Abr-Jun; 10(2):158-65. A reforma psiquiátrica implementou novas propostas de relação com a loucura e o sujeito em sofrimento psíquico, promovendo a substituição do sistema manicomial por uma rede de serviços diversificados, como leitos psiquiátricos em hospitais gerais, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), oficinas e residências terapêuticas, dentre outros, tendo por perspectiva a reinserção do indivíduo na sociedade.22. Berlinck MT, Magtaz AC, Teixeira M. A Reforma Psiquiátrica Brasileira: perspectivas e problemas. Rev Latino-Am Psicopatol Fundam. 2008; 11(1):21-7.

A unidade de internação psiquiátrica em hospital geral (UIPHG) caracteriza-se como um ponto de atendimento da rede de atenção em saúde mental normatizado pela portaria n. 224/1992,33. Ministério da Saúde (BR), Secretaria Executiva. Secretaria de Atenção à Saúde. Legislação em Saúde Mental: 1990-2004. Brasília (DF): MS; 2004 [acesso 2013 Nov 15]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/legislacao_mental.pdf
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que estabelece as diretrizes e normas para o funcionamento de todos os serviços de saúde mental, e pela portaria n. 3.088/2011,44. Ministério da Saúde (BR), Portaria n. 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília (DF): MS; 2011 [acesso 2013 Nov 23]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt3088_23_12_2011_rep.html
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a qual institui a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento mental e com necessidades decorrentes do uso de substâncias psicoativas no âmbito do Sistema Único de Saúde.

Os leitos/ unidades psiquiátricas em hospital geral objetivam oferecer uma retaguarda no âmbito hospitalar para os casos em que a internação se faça necessária, depois de esgotadas todas as possibilidades de atendimento em unidades extra-hospitalares e de urgência.3 3. Ministério da Saúde (BR), Secretaria Executiva. Secretaria de Atenção à Saúde. Legislação em Saúde Mental: 1990-2004. Brasília (DF): MS; 2004 [acesso 2013 Nov 15]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/legislacao_mental.pdf
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Cabe destacar que essa internação deve ser de curta duração, até a estabilidade clínica do indivíduo, e estar articulada com os outros pontos de atenção da rede; além disso, deve contar com a atuação de equipe multidisciplinar que opere suas práticas de maneira interdisciplinar.44. Ministério da Saúde (BR), Portaria n. 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília (DF): MS; 2011 [acesso 2013 Nov 23]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt3088_23_12_2011_rep.html
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Com essa mudança de modelo que vem ocorrendo com a reforma psiquiátrica brasileira, a família passa a ser considerada um importante ator no tratamento do indivíduo em sofrimento psíquico. Entretanto, ainda se identifica que os familiares necessitam de maior compreensão e apoio nos serviços de saúde para enfrentamento do sofrimento psíquico do seu ente e para propiciar melhor convivência entre os membros da família. Com isso, investigar as expectativas de familiares sobre uma unidade de internação psiquiátrica configurou-se como momento de evidenciar a família na terapêutica e suscitar suas demandas de saúde mental.

Assim, este estudo justifica-se pela importância de se compreender as motivações dos familiares quanto à internação em uma UIPHG, dando visibilidade às suas expectativas e possibilidade a uma maior inserção da família no tratamento. Os resultados da pesquisa contribuem para a reflexão, o planejamento e a implementação do cuidado de enfermagem interdisciplinar em saúde mental à pessoa em sofrimento psíquico e aos seus familiares. Ainda, a pesquisa na literatura evidencia a importância dessa investigação, uma vez que não se encontrou estudo que abordasse as expectativas de familiares sobre uma unidade de internação psiquiátrica.

Na presente pesquisa, com o intuito de olhar a família de uma maneira mais ampliada, valorizando as subjetividades, individualidades, singularidades e as interações sociais entre os indivíduos, utilizou-se o referencial teórico-metodológico da sociologia fenomenológica de Alfred Schutz. Segundo esse referencial, as realidades sociais são construídas nos significados, e identificadas ao mergulhar-se na linguagem significativa da interação social, sendo a linguagem, as práticas e as coisas inseparáveis neste tipo de abordagem.55. Wagner HTR, organizador. Sobre fenomenologia e relações sociais / Alfred Schutz. Petrópolis (RJ): Editora Vozes; 2012.-66. Jesus MCP, Capalbo C, Merighi MAB, Oliveira DM, Tocantins FR, Rodrigues BMRD, et al. A fenomenologia social de Alfred Schutz e sua contribuição para a enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2013 jun; 47(3):736-41.

Diante do exposto, o referencial da sociologia fenomenológica proposto nessa pesquisa vai ao encontro da lacuna de conhecimento identificada acerca das expectativas de familiares sobre uma unidade de internação psiquiátrica. A presente investigação torna-se relevante, pois poderá propiciar subsídios ao cuidado de enfermagem e interdisciplinar em saúde mental, contribuindo na intervenção e no manejo junto aos familiares que convivem com o sofrimento psíquico, buscando a redução do impacto psicológico na família quanto ao sofrimento psíquico do seu familiar.

Tendo em vista que o movimento de reforma psiquiátrica propõe a valorização da família durante toda a terapêutica e que a mudança paradigmática pode significar um processo de (re)pensar as ações na área da saúde mental, com esta pesquisa buscou-se compreender as expectativas de familiares sobre uma UIPHG geral na perspectiva da sociologia fenomenológica de Alfred Schutz.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de natureza fenomenológica, desenvolvida com familiares de pacientes de uma Unidade de Internação Psiquiátrica em um hospital geral no Rio Grande do Sul, Brasil.

Neste estudo, utilizou-se o referencial teórico-metodológico da sociologia fenomenológica de Alfred Schutz, o qual nos permitiu compreender as vivências de familiares de pacientes de uma unidade de internação psiquiátrica em um hospital geral acerca das expectativas desses familiares. Com esse referencial, os familiares são compreendidos pelo pesquisador, a partir de suas experiências vividas e dos significados atribuídos a elas.55. Wagner HTR, organizador. Sobre fenomenologia e relações sociais / Alfred Schutz. Petrópolis (RJ): Editora Vozes; 2012.

Desse modo, a sociologia fenomenológica procura dar voz às pessoas, considerando suas vivências, suas interpretações do mundo que vivenciam, na busca de desvelar a essência do fenômeno em questão. Assim, torna-se possível compreender o fenômeno em seu significado intersubjetivo, ou seja, a partir das relações sociais.55. Wagner HTR, organizador. Sobre fenomenologia e relações sociais / Alfred Schutz. Petrópolis (RJ): Editora Vozes; 2012.

A sociologia fenomenológica evidencia o sujeito como ator da ação , capaz de descrever o que se pretende com uma determinada ação, constituindo-se em uma possibilidade de se pensar, fundamentar e desenvolver a ação da investigação e cuidado em Enfermagem.66. Jesus MCP, Capalbo C, Merighi MAB, Oliveira DM, Tocantins FR, Rodrigues BMRD, et al. A fenomenologia social de Alfred Schutz e sua contribuição para a enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2013 jun; 47(3):736-41. Para a compreensão do fenômeno é necessário valorizar a dimensão intersubjetiva do sujeito, suas vivências e suas ações conscientes, logo, suas intenções e expectativas.55. Wagner HTR, organizador. Sobre fenomenologia e relações sociais / Alfred Schutz. Petrópolis (RJ): Editora Vozes; 2012. Porém, a descrição deve ser natural, explorando o dado da própria coisa que se percebe, em que se pensa, de que se fala, evitando forjar hipóteses, expressando apenas o que é apresentado pelo sujeito.77. Sokolowski R. Introdução à fenomenologia. 3ª ed. São Paulo (SP): Loyola; 2012.

As expectativas exploradas neste estudo dizem respeito ao que os familiares esperam em relação à unidade de internação psiquiátrica, os seus interesses, ou seja, são, conforme o referencial de Schutz, os "motivos para" das suas ações. Os "motivos para" são os motivos fim em razão do qual a ação foi realizada, sendo estes orientados para o futuro.55. Wagner HTR, organizador. Sobre fenomenologia e relações sociais / Alfred Schutz. Petrópolis (RJ): Editora Vozes; 2012.

A convergência dessa rede de motivações dos familiares, em buscar a assistência para o seu ente em sofrimento psíquico, possibilitou a caracterização do típico da ação desse grupo,55. Wagner HTR, organizador. Sobre fenomenologia e relações sociais / Alfred Schutz. Petrópolis (RJ): Editora Vozes; 2012. ou seja, as características típicas do agir social dos familiares desses indivíduos relacionadas à internação psiquiátrica no hospital geral, revelando o que eles geralmente esperam desse serviço.

Foram entrevistados 15 familiares de pacientes internados na unidade de internação psiquiátrica em um hospital geral. Os critérios de inclusão foram: ter 18 anos ou mais; morar na mesma casa que o paciente; acompanhar o paciente na visita de familiares do hospital e ser considerado pelo paciente como familiar. O número de entrevistados no estudo foi decidido no transcorrer da coleta de dados e cessou quando, por meio da leitura e interpretação dos discursos obtidos, percebeu-se que o fenômeno estava revelado em sua essência. O período da coleta de informações foi de agosto a setembro de 2013.

Para a coleta de informações, foram realizadas entrevistas fenomenológicas com os familiares. A entrevista fenomenológica se dá sob a forma de existência situada no encontro para a compreensão intuitiva do vivido, com vistas a acessar as experiências do mundo social e se configura como uma maneira acessiva para o sujeito, penetrar a verdade mesma de seu existir.66. Jesus MCP, Capalbo C, Merighi MAB, Oliveira DM, Tocantins FR, Rodrigues BMRD, et al. A fenomenologia social de Alfred Schutz e sua contribuição para a enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2013 jun; 47(3):736-41.,8 8. Carvalho MDB, Valle ERM. A pesquisa fenomenológica e a enfermagem. Acta Sci., Health Sci. 2002; 24(3):843-7.Para as entrevistas, utilizou-se a seguinte questão norteadora: "Quais são suas expectativas com relação à unidade de internação psiquiátrica?".

As informações obtidas foram submetidas à análise fenomenológica em consonância com o referencial da sociologia fenomenológica de Alfred Schutz. Para desvelar a essência do fenômeno, seguiram-se as seguintes etapas:9 9. Camatta MW. Ações voltadas para saúde mental na Estratégia de Saúde da Família: intenções de equipes e expectativas de usuários e familiares [tese]. Porto Alegre (RS): Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2010.leitura atenta das falas para captar a situação vivenciada e os motivos para dos sujeitos; identificação de categorias concretas que abrigam os atos dos sujeitos; releitura das falas para selecionar e agrupar trechos que contivessem aspectos significativos semelhantes das ações dos sujeitos; por fim, a partir das características típicas das falas, estabelecemos o significado das ações dos sujeitos, buscando descrever o típico da ação de familiares.

A partir das convergências das unidades de significado que emergiram das falas, analisaram-se essas informações à luz do referencial de Schutz e, posteriormente, organizaram-se os resultados das vivências dos familiares em três categorias concretas: a melhora do estado de saúde do paciente; o cuidado à família e o tratamento como projeto e ação de cuidado qualificado. Neste artigo, serão apresentadas as duas categorias concretas referentes às expectativas dos familiares sobre uma unidade de internação psiquiátrica: a melhora do estado de saúde do paciente e o cuidado à família.

Essas categorias foram analisadas mediante a interpretação compreensiva, procurando observar as coisas sem interesse prático em julgar o que se estava observando, mas, sim, contemplar os fatos, sendo o resultado da interpretação o fenômeno enquanto vivenciado pelo sujeito.

Os depoimentos foram identificados por letras "F" e números sequenciais de um a quinze, preservando o anonimato dos sujeitos. Houve o cuidado de conduzir a entrevista fenomenológica, ouvindo os participantes sem senso crítico de julgamento e interagindo com os mesmos numa abordagem compreensiva.

Nesta pesquisa, cumpriram-se as exigências estabelecidas pela Resolução n. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, quanto à observação dos aspectos éticos, sendo esta pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, sob o parecer n. 331.493/2013.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir da análise dos depoimentos à luz do referencial da sociologia fenomenológica de Alfred Schutz, apresentam-se as duas categorias concretas enquanto expectativas dos familiares: melhora do estado de saúde do paciente e o cuidado à família.

Melhora do estado de saúde do paciente

Cada ser humano só pode ser compreendido a partir de sua biografia, isto é, sua situação não apenas em termos do espaço físico e do tempo exterior ou de seu papel no sistema social, mas também de sua posição moral e ideológica.55. Wagner HTR, organizador. Sobre fenomenologia e relações sociais / Alfred Schutz. Petrópolis (RJ): Editora Vozes; 2012. Diante do exposto, nota-se que a situação biográfica dos familiares está permeada pelo desejo de melhora do estado de saúde do paciente, com consequente alta da Unidade de Internação Psiquiátrica e, além disso, por outros elementos, como o cuidado à família. Assim, torna-se pertinente a reflexão sobre a situação biográfica dos familiares quanto aos aspectos relacionados ao estado de saúde do paciente, por este ser marcante na configuração das expectativas destes familiares.

Nas falas dos familiares, observou-se inicialmente que eles notam que o paciente, membro da família, está tendo melhora de sua saúde na Unidade, e também desejam que o paciente retorne ao núcleo familiar em melhor situação de saúde: [...] espero é óbvio que ela saia melhor, já sinto que ela está melhor. [...] Ela está sendo bem cuidada, acho que ela vai voltar para casa melhor, espero que também na parte clínica (F1).

[...] espero que ele [...] melhore, porque ele já está uns quantos dias aqui e não vai muito rápido, já que a doença dele é muito complicada. Mas, eu tenho a esperança que ele vai melhorar e que ele vai sair daqui bem melhor (F8).

Eu espero [...] que ela saia bem melhor do jeito que ela estava. Eu quero que ela saia bem. A minha expectativa é que ela saia bem daqui, muito bem (F11).

A partir dos relatos, percebe-se que a internação do paciente na unidade representa um importante ponto de atenção para os familiares, pois possibilita um acompanhamento em saúde mental no serviço. Com este tipo de assistência, os familiares almejam pela melhora da saúde do seu ente e que este tenha alta da unidade de internação psiquiátrica em melhores condições de saúde do que no momento da sua internação.

Além disto, os familiares pontuam o desejo de que seu familiar ao sair da unidade de internação possa retomar as atividades cotidianas que até então estavam comprometidas, apropriando-se dos aspectos da sua vida, com maior autonomia. Desta forma, considera-se elementar que o paciente possa reger sua vida, retomando sua funcionalidade social, e desenvolvendo ações pessoais como se observa nas falas: eu quero que ela saia daqui, que ela possa tomar conta da vida dela e não se deixar ficar no estado que ela ficou (F10).

[...] que ele possa [...] recuperar uma série de aspectos da vida dele que estavam bem comprometidos (F4).

O controle emocional dele porque ele é uma pessoa que por mais que ele te diga que ele está bem, muitas vezes ele não está. [...] Eu espero que ele consiga se controlar, viver bem, viver saudável (F13).

[...] nossa expectativa é sempre [...] que ela consiga levar sua vida normal, [...] dar conta do dia-a-dia, da casa dela, de ela poder sair e se divertir, estar junto dos familiares também. [...] A maior expectativa é que ela consiga levar a vida dela, fazendo as coisas (F14).

Os discursos evidenciam o anseio dos familiares de que seus entes possam ter uma vida com maior autonomia no período pós-alta. Logo, há expectativa de que o paciente consiga, com a melhora do seu quadro sintomatológico, apropriar-se ativamente de seu plano de vida e do seu exercício de cidadania.

As falas revelaram, ainda, que os familiares, ao deparar-se com a internação psiquiátrica do seu ente, consideram primordial a recuperação do paciente em relação ao modo de operar a vida, desde seus aspectos mais simples aos mais complexos. Tal percepção deve ganhar maior visibilidade na UIPHG, para que a equipe de saúde busque desenvolver ações em saúde mental que favoreçam a construção contínua da autonomia e corresponsabilização ao longo do processo terapêutico, promovendo a transformação da realidade social, a partir do contexto dos sujeitos.

No entanto, as responsabilidades dessa construção devem ser compartilhadas entre os pontos de atenção da rede de atenção em saúde mental, isto porque a RAPS preconiza que os cuidados realizados na internação psiquiátrica no hospital geral devam estar articulados com o Projeto Terapêutico Singular (PTS) desenvolvido pelo serviço de referência do usuário.44. Ministério da Saúde (BR), Portaria n. 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília (DF): MS; 2011 [acesso 2013 Nov 23]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt3088_23_12_2011_rep.html
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Ou seja, os outros pontos da rede onde o usuário tem maior vinculação (a Estratégia Saúde da Família, a unidade básica de saúde, os Centros de Atenção psicossocial, os residenciais terapêuticos etc.) devem produzir e operar um PTS que atenda às necessidades do usuário. Contudo, os resultados deste estudo sugerem que essa articulação ainda se mostra incipiente no serviço estudado uma vez que não se percebe manifestações deste tipo de trabalho nas falas dos familiares.

Os familiares de sujeitos em sofrimento psíquico internados, costumeiramente, vivenciam, no seu cotidiano, dificuldades com as situações de crise e de continuidade de tratamento do seu ente, o que os leva, muitas vezes, a interná-lo. No entanto, eles também têm por expectativas a melhora do seu ente, considerando o contexto do indivíduo e o cuidado para além da internação.1010. Mello RM, Schneider JF. A família e a internação psiquiátrica em hospital geral. Rev. Gaúcha Enferm. 2011; 32(2):226-33.

Ao se considerar o contexto onde esses sujeitos estão inseridos, o cotidiano vivido de cada um e a oferta terapêutica de qualidade de vida no serviço, observa-se o favorecimento da transcendência de valores, de práticas e de sentimentos acumulados ao longo do tempo.1111. Jorge MSB, Pinto DM, Quinderé PHD, Pinto AGA, Sousa FSP, Cavalcante CM. Promoção da saúde mental - tecnologias do cuidado: vínculo, acolhimento, co-responsabilização e autonomia. Cien Saude Colet. 2011; 16(7):3051-60. Dessa forma, buscar uma melhor qualidade de vida no pós-alta torna-se importante para que o paciente possa compartilhar o mundo da vida cotidiana com seus semelhantes, experienciar e interpretar este mundo comum a todos, como nota-se na fala a seguir: qualidade de vida, eu quero dizer assim, que ele tenha vontade de fazer as coisas. Assim, que ele tenha vontade de brincar com os filhos dele, que ele tenha vontade de sair, que ele não queira só ficar deitado, que ele não queira ficar prostrado como ele estava assim (F2).

Observa-se que o desejo e a efetivação de atividades ocupacionais pelo paciente, no ponto de vista do familiar, podem representar qualidade de vida no cotidiano. Essas atividades podem auxiliá-los na minimização do sofrimento psíquico por meio de momentos prazerosos e, na socialização, na medida em que pode haver fortalecimento da interação social deste paciente com a família e outros sujeitos.

Identifica-se, portanto, que a partir do modo de atenção psicossocial, particularmente da atenção disponibilizada em serviços como unidades e leitos de internação psiquiátricos em hospitais gerais, o cotidiano dos pacientes é modificado, de um cotidiano que propunha o isolamento e a segregação do paciente, para um cotidiano que propicia a retomada da vida com qualidade e a reinserção social.

Nesta perspectiva, a criação de serviços substitutivos ao modelo manicomial surgiu como suporte e alternativa para os sujeitos em sofrimento psíquico, pois estes dispositivos se apresentam de maneira especializada, proporcionando oferta às diversas especificidades de cuidados e a busca pela reinserção social do indivíduo e a promoção da sua inclusão na sociedade.1212. Guedes AC, Kantorski LP, Pereira PM, Clasen BN, Lange C, Muniz RM. A mudança nas práticas em saúde mental e a desinstitucionalização: uma revisão integrativa. Rev Eletr Enf [Internet] [online]. 2010 [acesso 2013 Mai 15];12(3):547-53. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/fen_revista/v12/n3/v12n3a19.
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Para tanto, é necessário considerar, nas ações em saúde mental, aspectos essenciais à interação social como descritos no referencial de Schutz,55. Wagner HTR, organizador. Sobre fenomenologia e relações sociais / Alfred Schutz. Petrópolis (RJ): Editora Vozes; 2012. tais como a intersubjetividade, a apresentação do outro, o compartilhamento de um ambiente comunicativo e a reciprocidade de perspectivas.

Os familiares também consideram importante no resultado do processo terapêutico a constituição da cura do paciente, conforme expressa nas falas: a expectativa maior, [...] é que ele vai ficar curado. A cura pra mim é apagar, é anular totalmente o motivo pelo qual ele adquiriu esse estado de depressão que foi aumentando no decorrer dos anos de vida dele (F6).

Sair curada para mim é a melhor felicidade do mundo. Eu espero [...] a cura dela mesmo. Eu quero que ela saia daqui curada, porque a gente já está cansada de hospital (F3).

Agora, ela está no meio de pessoas que cuidam dela, sim, minha expectativa é que ela vai se curar e ficar bem (F11).

[...] eu fiquei com expectativas de que meu filho vai sair daqui bem, que ele vai conseguir a cura. Aqui [...] é melhor, mas eu espero que ele não volte mais (F12).

A partir das falas, nota-se a cura do paciente como um elemento da situação biográfica dos familiares, uma vez que esses interpretam e compartilham o mundo a partir de sua situação. Desse modo, o familiar visualiza a possibilidade de cura através de seus valores e suas crenças, os quais integram e direcionam a compreensão deste familiar quanto ao mundo da vida cotidiana.

Para que a sociedade, e em especial a família, consiga lidar com as formas diferentes de sofrimento psíquico, é necessário que o sistema de saúde o enxergue sem preconceitos, considerando simplesmente as condições como ser humano, abandonando a concepção de cura e adotando a uma concepção ampliada de cuidado.1313. Amarante AL, Lepre AS, Gomes JLD, Pereira AV, Dutra VFD. As estratégias dos enfermeiros para o cuidado em saúde mental no programa saúde da família. Texto Contexto Enferm. 2011 Jan-Mar; 20(1):85-93.

Na ótica da atenção psicossocial, a finalidade das ações assistenciais interdisciplinares foca-se na necessidade da inclusão social das pessoas com transtornos mentais. Assim, o olhar volta-se para outros aspectos da vida do indivíduo e suas necessidades, sendo essas de origem biológica, social e econômica, não mais tendo a cura como meta das intervenções e sim o exercício das trocas sociais.1414. Leão A, Barros S. As representações sociais dos Profissionais de Saúde Mental acerca do Modelo de Atenção e as possibilidades de inclusão social. Saúde Soc. 2008; 17(1):95-106.-1515. Mielke FB, Kohlrausch E, Olschowsky A, Schneider JF. A inclusão da família na atenção psicossocial: uma reflexão. Rev Eletr Enferm [online]. 2010 [acesso 2013 Jun 23]; 12(4):761-5. Disponível em: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/article/view/6812
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Os depoimentos expressam as expectativas dos familiares acerca do que se pode obter a partir do cuidado em saúde mental na sua configuração atual. Ao olhar dos familiares, a unidade de internação psiquiátrica propicia o cuidado ao paciente e se mostra, naquela situação em que ele se encontrava, como a melhor alternativa de atenção em comparação a outros serviços de saúde, o que pode ocasionar expectativas de cura.

O ser humano projeta experiências futuras a partir de diversos tipos de experiências passadas que expressam expectativas confiáveis em relação ao futuro.5 5. Wagner HTR, organizador. Sobre fenomenologia e relações sociais / Alfred Schutz. Petrópolis (RJ): Editora Vozes; 2012.Nesse sentido, os familiares expressam a esperança de cura a partir da confiabilidade e estabilidade adquiridas no mundo exterior, neste caso, na unidade de internação psiquiátrica.

Ao longo da construção dessa categoria, percebeu-se que o estado de saúde do paciente da unidade de internação psiquiátrica caracteriza-se como componente destacado no cotidiano dos familiares. Ainda, notou-se que esses sinalizam, dentro deste componente, o desejo de que seu ente saia melhor no pós-alta, curado ou com qualidade de vida.

O cuidado à família

O cuidado à família é estabelecido no mundo da vida cotidiana dos familiares, sendo esse compartilhado entre os semelhantes, vivenciado e interpretado por todos os atores sociais envolvido no processo de cuidado. Esse mundo não é privado de um sujeito, mas é também ambiente de todos, em que ambos são elementos da situação biográfica um do outro.55. Wagner HTR, organizador. Sobre fenomenologia e relações sociais / Alfred Schutz. Petrópolis (RJ): Editora Vozes; 2012.-66. Jesus MCP, Capalbo C, Merighi MAB, Oliveira DM, Tocantins FR, Rodrigues BMRD, et al. A fenomenologia social de Alfred Schutz e sua contribuição para a enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2013 jun; 47(3):736-41.,99. Camatta MW. Ações voltadas para saúde mental na Estratégia de Saúde da Família: intenções de equipes e expectativas de usuários e familiares [tese]. Porto Alegre (RS): Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2010.

A pessoa está ao alcance da minha (quem é essa pessoa que fala aqui?) experiência direta, quando ela compartilha comigo uma comunidade espacial e temporal. A partir das pessoas que estão ao alcance da vivência umas das outras, constitui-se a situação face a face, que é o relacionamento social diretamente vivenciado.55. Wagner HTR, organizador. Sobre fenomenologia e relações sociais / Alfred Schutz. Petrópolis (RJ): Editora Vozes; 2012.

Frente a isso, observa-se que a compreensão do mundo social com os outros em seu significado intersubjetivo, dá-se por meio do relacionamento social entre os sujeitos. Desse modo, nota-se a importância de entender o familiar (sua subjetividade) e seu contexto (histórico e relações), na medida em que as expectativas de familiares sobre uma UIPHG estão interligadas com o cuidado à família e decorrem da situação vivida destes familiares.

Entre as expectativas dos familiares está a atenção à família. Assim, esperam da unidade de internação psiquiátrica obter atenção da equipe uma vez que pode haver fortalecimento dessa família frente ao sofrimento psíquico e à terapêutica do seu familiar.

Ela fica em boas mãos, eu digo que a equipe está dando atenção para os familiares, eu acho importante e tu pegas confiança. Só a pessoa ter uma atenção com o paciente e com o familiar do paciente, isso já é uma coisa extraordinária (F5).

[...] isso é muito importante, boa impressão, esse interesse que o profissional transmita para o familiar principalmente o mais próximo e responsável, interesse que é natural (F7).

atenção é uma coisa básica que no dia-a-dia não parece nada, mas tu sai daqui te sentindo feliz. Todos nós temos que dar atenção de alguma forma (F15).

Na ótica dos familiares, considera-se elementar a atenção à família nas práticas em saúde da unidade de internação psiquiátrica, uma vez que é necessária a constituição de um ambiente que a auxilie no enfrentamento do sofrimento psíquico do familiar. É importante, então, promover espaços de atenção à família nos serviços substitutivos de saúde mental, dando também visibilidade às suas necessidades e ao seu contexto de vida.1515. Mielke FB, Kohlrausch E, Olschowsky A, Schneider JF. A inclusão da família na atenção psicossocial: uma reflexão. Rev Eletr Enferm [online]. 2010 [acesso 2013 Jun 23]; 12(4):761-5. Disponível em: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/article/view/6812
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-1616. Bessa JB, Waidman MAP. Família da pessoa com transtorno mental e suas necessidades na assistência psiquiátrica. Texto Contexto Enferm [online]. 2013 [acesso 2013 Jun 23]; 22(1):61-70. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-07072013000100008&script=sci_arttext&tlng=pt
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O mundo da vida cotidiana dos familiares diz respeito à esfera total das experiências de cada sujeito, que é circunscrita por objetos, pessoas e eventos que ele encontra ao realizar os objetivos pragmáticos da vida. É um mundo no qual a pessoa está totalmente desperta e que se impõe como a principal realidade de sua vida.55. Wagner HTR, organizador. Sobre fenomenologia e relações sociais / Alfred Schutz. Petrópolis (RJ): Editora Vozes; 2012.

Neste mundo da vida dos familiares, constituem-se singularidades e subjetividades, as quais delineiam a compreensão da experiência da loucura. Assim, tendo em vista que cada sujeito interpretará individualmente o sofrimento psíquico do familiar, expectativas como a atenção à família devem ser valorizadas no cuidado aos familiares. Deste modo, a dimensão subjetiva da família torna-se o principal desafio no trabalho em saúde, pois, a partir dessa dimensão, os profissionais devem reconhecer e respeitar, mediante uma relação intersubjetiva, expectativas e significados que emanam da singularidade de cada sujeito.99. Camatta MW. Ações voltadas para saúde mental na Estratégia de Saúde da Família: intenções de equipes e expectativas de usuários e familiares [tese]. Porto Alegre (RS): Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2010.

A relação intersubjetiva, como uma ação de cuidado à família, também se configura como ação elementar no trabalho da equipe da UIPHG no momento em que os familiares relatam, enquanto expectativa, que a Unidade deveria oferecer acompanhamento à família, conforme seguem as falas: eu acho que deveria ter um acompanhamento para os familiares (F1).

[...] eu sinto assim, a gente tem que conversar com o outro, sentar, entender o que a pessoa está falando, e eu espero isso com relação aos profissionais (F3).

Essas falas evidenciam o anseio dos familiares em serem acompanhados pela equipe de saúde da unidade, revelando a importância de espaços de escuta, acolhimento, estabelecimento de vínculo, que permeiem as relações sociais entre os sujeitos envolvidos no processo de cuidado em saúde.

A busca do fortalecimento das relações sociais nos espaços de cuidado à família reflete a possibilidade de dar voz a esses familiares, entender sua história, compreender seu contexto, visualizar suas expectativas, suas vivências e, paralelo a isso, proporcionar que compreendam e construam as ações em saúde desenvolvidas na unidade. Enfim, isso oportuniza aos familiares a ampliação da troca de experiências com os profissionais e demais famílias, decidindo e negociando com esses atores sociais as suas ações no mundo da vida cotidiana.

Indo ao encontro disso, alguns familiares ainda verbalizaram nas entrevistas expectativa sobre a UIPHG quanto ao envolvimento dos familiares no cuidado ao paciente em sofrimento psíquico, como se observa nas falas a seguir: outra coisa que eu acho bem interessante é de envolver os familiares dos pacientes [...] no tratamento. Daí tu chama a família e explica (F1).

[...] eu acho importante aquela reunião familiar. [...] Tu sai outra pessoa, porque a gente vê a experiência da outra pessoa que já passou ou está passando pela mesma coisa, e poder dividir aquela experiência ali (F5).

A interação social estabelecida entre os sujeitos do processo de cuidado em saúde mental pode facilitar o envolvimento dos familiares na terapêutica do paciente. A partir das falas, percebe-se que este envolvimento está atrelado à participação dos familiares em reuniões de família e em ações em saúde desenvolvidas na unidade. Por meio desse compartilhamento com os outros atores sociais, estes familiares podem ampliar sua compreensão, sua interpretação e suas vivências quanto à sua situação e à do seu familiar internado.

A família constitui-se no recurso elementar para se promover a reabilitação psicossocial do paciente. Para tanto, é fundamental que os serviços disponibilizem processos de apoio e capacitação para as famílias, visando incorporar os familiares às propostas terapêuticas e de reabilitação de acordo com as propostas do paradigma da atenção psicossocial.1717. Dimenstein M, Sales AL, Galvão E, Severo AK. Estratégia da Atenção Psicossocial e participação da família no cuidado em saúde mental. Physis. 2010 Dez; 20(4):1209-26.

No entanto, o trabalho com as famílias exige da equipe uma perspectiva de estar atuando junto com e não intervindo sobre a família. Essa abordagem configura-se como importante na busca da concretização do modo de atenção psicossocial, o qual se compromete com a reabilitação psicossocial e reinserção social da pessoa em sofrimento psíquico.1818. Camatta MW, Schneider JF. A visão da família sobre o trabalho de profissionais de saúde mental de um Centro de Atenção Psicossocial. Rev Enferm Esc Anna Nery. 2009; 13(3):477-84.

Além disso, alguns familiares colocaram, enquanto expectativa sobre a unidade de internação psiquiátrica, a obtenção de informações referentes à situação do paciente na unidade, conforme os relatos que seguem: quando eu ligo todo mundo prontamente me atende, e se a pessoa não se sente capaz de me dar informação me passar pra quem é (F1).

eu estou falando da minha expectativa que todas as vezes que eu retornei para cá as pessoas me atenderam com muita educação e me deram as respostas (F9).

eu espero e estou satisfeito com o tratamento dela, com o retorno da equipe com o paciente e com a família, porque a família precisa disso (F5).

Observa-se que os familiares revelam que obtêm informações de seus entes por meio de contato telefônico ou presencial com a equipe da unidade, evidenciando a consolidação dessas expectativas nas práticas deste serviço de saúde. Notou-se que essa ação em saúde pode fortalecer o vínculo desta família com a equipe, minimizar o sofrimento destes familiares, facilitar a inserção da família no cuidado ao paciente, além de ampliar a compreensão e interpretação desta família quanto ao espaço terapêutico.

O paciente em sofrimento psíquico pode apresentar dificuldades em termos de autonomia e integração social, que podem repercutir na dinâmica familiar.19 19. Sant'Ana MM, Pereira VP, Borenstein MS, Silva AL. O significado de ser familiar cuidador do portador de transtorno mental. Texto Contexto Enferm. 2011; 20(1):50-8.Mudar uma lógica de cuidado em saúde mental que avance no sentido da não exclusão destas famílias, não é possível sem oferecer apoio e assessoramento às famílias. Nesse sentido, torna-se importante que tais familiares tenham informações claras, atualizadas e conscientes do paciente, além da realidade do serviço de saúde, como funciona, quais seus objetivos e a composição da equipe de saúde, para compreender as ações em saúde.1717. Dimenstein M, Sales AL, Galvão E, Severo AK. Estratégia da Atenção Psicossocial e participação da família no cuidado em saúde mental. Physis. 2010 Dez; 20(4):1209-26.

Com a análise fenomenológica, foi possível compreender as expectativas relacionadas à importância do cuidado à família, uma vez que as interações sociais entre família e profissionais podem fortalecer estes familiares frente ao sofrimento psíquico do seu ente. Os familiares relataram, enquanto expectativa, a atenção à família, a qual possibilita que se evidencie o contexto social destes.

Alguns familiares também referiram ter como expectativa o acompanhamento e envolvimento deles no tratamento do paciente, auxiliando-os na maneira de lidar com o sofrimento psíquico, tanto no espaço da unidade como no domicílio/comunidade. Ainda, verbalizaram expectativa quanto à obtenção de informações, sendo estas fundamentais na compreensão e na interpretação da situação de si e do paciente.

Por meio da interpretação compreensiva das duas categorias concretas acerca da compreensão das expectativas de familiares sobre uma UIPHG, construiu-se o típico da ação deste grupo social. Esse típico comporta as motivações desses familiares, conferindo às suas expectativas um significado. A convergência dos "motivos para" de determinada ação, comum entre aqueles que vivenciam o mesmo fenômeno, possibilita a caracterização do típico da ação dos sujeitos envolvidos.55. Wagner HTR, organizador. Sobre fenomenologia e relações sociais / Alfred Schutz. Petrópolis (RJ): Editora Vozes; 2012.,99. Camatta MW. Ações voltadas para saúde mental na Estratégia de Saúde da Família: intenções de equipes e expectativas de usuários e familiares [tese]. Porto Alegre (RS): Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2010.

Com o atendimento da equipe da unidade de internação psiquiátrica, os familiares têm por expectativas a melhora do estado de saúde do paciente, na medida em que desejam que seus entes saiam melhores da unidade, curados e com qualidade de vida, minimizando assim o sofrimento psíquico deste paciente. Além disto, os familiares têm por expectativas o cuidado à família, pois referem o desejo de obter informações do seu ente, assim como o acompanhamento e envolvimento da família na terapêutica do paciente, e de ter atenção e ser cuidada pela equipe da unidade, promovendo maior inserção no cuidado ao paciente em sofrimento psíquico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir deste estudo, percebe-se que uma UIPHG que pressupõe suas ações em saúde mental no modo psicossocial deve instituir práticas em saúde voltadas à família, considerando-se as expectativas de familiares sobre a Unidade. Deste modo, direcionar o olhar aos familiares, com o propósito de apreender as suas vivências no mundo da vida cotidiana, pode caracterizar-se como um elemento importante para a consolidação da atenção psicossocial.

Assim, houve possibilidade de refletir-se sobre as relações sociais constituídas entre os sujeitos envolvidos no processo de cuidado, tendo em vista os significados que cada um atribui às vivências no mundo da vida cotidiana. É no tecer das relações com o outro que o enfermeiro pode apropriar-se da vivência e expectativa do mesmo, instituindo ações em saúde junto ao/ a partir do outro, e não sobre o outro.

O típico da ação dos familiares desvelado neste estudo revela que suas expectativas são comuns à maioria dos familiares que se encontram com um familiar internado em UIPHG e que compartilham as mesmas crenças e valores sociais, devendo, portanto, ser objeto de apreciação de gestores, profissionais de saúde mental e de enfermagem para atender às necessidades de saúde expressas por esses familiares.

Instigando-se profissionais e gestores de saúde a refletirem sobre estas expectativas de familiares, pode haver planejamento e implementação de práticas em saúde mental mais efetivas, pautadas nas relações sociais entre os sujeitos, e que possibilitem a transformação da realidade social.

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    Artigo elaborado a partir da dissertação - Expectativas de familiares sobre uma Unidade de Internação Psiquiátrica, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGenf) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2014
  • Aceito
    01 Jul 2015
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