Acessibilidade / Reportar erro

PERCEPÇÃO DE RISCO SOB A PERSPECTIVA DE TRABALHADORES COM QUEIMADURAS

Resumos

Estudo qualitativo, com objetivo de apreender a perspectiva de trabalhadores a respeito do risco de queimaduras no ambiente de trabalho. Os conteúdos obtidos nas entrevistas semiestruturadas foram submetidos à análise de conteúdo, orientada pelo Modelo de Sistemas de Neuman. Participaram seis trabalhadores que sofreram queimaduras, atendidos em um centro especializado do Sul do Brasil. Como estressores intrapessoais foram identificados: sexo masculino, adultos jovens, raça branca, acidentes prévios e negação dos riscos na manipulação dos instrumentos. Na condição de estressores interpessoais emergiram ritmo intenso das atividades, excesso de carga horária, estresse e submissão às determinações das chefias e, na de extrapessoais, vínculo precário de trabalho, riscos inerentes às tarefas, equipamentos antigos e manipulação dos instrumentos antes do acidente. O estudo e o acompanhamento de profissionais de saúde para prevenção de futuros acidentes de trabalho tornam-se necessários.

Acidentes de trabalho; Queimaduras; Saúde do trabalhador; Teoria de enfermagem; Enfermagem


This is a qualitative study with the aim to understand the perspective of workers about the risk of work-related burn injuries. The content obtained through semi-structured interviews was submitted to content analysis, guided by the Neuman Systems Model. Participants were six workers who suffered burns and were treated at a specialized center in southern Brazil. Intrapersonal stressors were: male gender, young adults, and Caucasians; previous accidents and denial of risks in handling the instruments. The intense pace of activities, excessive workload, stress, and submission to the determinations of managers, on the other hand, emerged as interpersonal stressors. As extrapersonal stressors, precarious employment status, risks inherent in the tasks, old equipment, and handling instruments before the accident were mentioned. More research and follow-up by health professionals are necessary in order to prevent future accidents at work.

Accidents, occupational; Burns; Occupational health; Nursing theory; Nursing


Estudio cualitativo, con objetivo de aprehender la perspectiva de trabajadores a respeto del riesgo de quemaduras en el ambiente de trabajo. Los contenidos obtenidos en las entrevistas semi-estructuradas fueron sometidos al análisis de contenido, orientado por el Modelo de Sistemas de Neuman. Participaron seis trabajadores que sufrieron quemaduras, atendidos en un centro especializado del Sur de Brasil. Como estresantes intra-personales fueron identificados: género masculino, adultos, jóvenes, raza blanca, accidentes anteriores y negación de los riesgos en la manipulación de los instrumentos. En la condición de estresantes inter-personales emergió ritmo intenso de las actividades, exceso de carga horaria, estrés y sumisión a determinaciones de los jefes y, en la de extra-personales, vínculo precario de trabajo, riesgos inherentes a las tareas, equipos antiguos y manipulación de los instrumentos antes del accidente. El estudio y el acompañamiento de profesionales de salud para prevención de futuros accidentes de trabajo se hacen necesarios.

Accidentes de trabajo; Quemaduras; Salud laboral; Teoría de enfermería; Enfermería


INTRODUÇÃO

As situações de risco, inerentes à vida do ser humano,11. Le Breton D. Condutas de risco: dos jogos de morte ao jogo de viver. Campinas (SP): Autores Associados; 2009. podem causar desequilíbrio para a saúde e manutenção do seu bem-estar e, portanto, serem consideradas agentes estressores.22. Neuman B, Fawcett J. The Neuman Systems Model. 5th ed. Upper Saddle River (US): Pearson; 2011. A vida cotidiana é responsável pela multiplicação das situações de perigo, sejam por escolhas ou decisões do sujeito, desatenção, negligência ou desconhecimento do ambiente em que permanece. A vida em sociedade oscila entre vulnerabilidade e segurança e entre risco e prudência. O risco é considerado uma noção socialmente construída e varia conforme a época e o local. De acordo com as circunstâncias e os meios sociais, o valor da vida e do risco são distintos.11. Le Breton D. Condutas de risco: dos jogos de morte ao jogo de viver. Campinas (SP): Autores Associados; 2009.

Quando o risco decorre do desempenho no trabalho, considera-se que, por vezes, pode se apresentar como visível ou invisível aos olhos dos trabalhadores. Sua (in)visibilidade estaria relacionada aos aspectos de natureza social e cultural dos indivíduos; isto é, interliga-se à sua história de vida, sensibilidade e papel que exercem nos espaços familiares e de trabalho.33. Areosa J. A importância das perceções de riscos dos trabalhadores. Inter J Working Conditions. 2012 Jun; 3:54-65.

No contexto laboral, o risco pode ser entendido como a possibilidade ou a probabilidade de um trabalhador sofrer uma lesão ou danos à sua integridade física ou psíquica quando exposto ao perigo. A relação entre perigo e exposição, seja a imediata ou em longo prazo, pode resultar em risco para ocorrência de acidentes ou doenças ocupacionais.44. Organização Internacional do Trabalho (OIT). Sistema de Gestão da Segurança e Saúde no Trabalho: um instrumento para uma melhoria contínua. Turim (IT): OIT; 2011.

A maioria dos indivíduos que atua em ambientes de trabalho permeados por diversos perigos potenciais para acidentes tem uma visão parcial dos riscos e das medidas de segurança necessárias ao seu processo de trabalho.55. Luz FR, Loro MM, Zeitoune RCG, Kolankiewicz ACB, Rosanelli CSP. Riscos ocupacionais de uma indústria calçadista sob a ótica dos trabalhadores. Rev Bras Enferm. 2013 Jan-Fev; 66(1):67-73. Essa invisibilidade (total ou parcial) favoreceria a execução de ações e a adoção de condutas por parte dos trabalhadores que os predispõem à ocorrência de acidentes.

Destacam-se como riscos principais no contexto de trabalho: os físicos, químicos, ergonômicos, psicossociais e os resultantes da manipulação dos equipamentos e da organização do trabalho,33. Areosa J. A importância das perceções de riscos dos trabalhadores. Inter J Working Conditions. 2012 Jun; 3:54-65.,66. Areosa J. As percepções de riscos ocupacionais no setor ferroviário. Sociologia, problemas e práticas. 2014; 75:83-107.-77. Organização Mundial da Saúde (OMS). Ambientes de trabalho saudáveis: um modelo para ação: para empregadores, trabalhadores, formuladores de política e profissionais. Brasília (DF): Serviço Social da Indústria; 2010. os quais podem incapacitar ou levar à morte os trabalhadores.77. Organização Mundial da Saúde (OMS). Ambientes de trabalho saudáveis: um modelo para ação: para empregadores, trabalhadores, formuladores de política e profissionais. Brasília (DF): Serviço Social da Indústria; 2010. Nessa perspectiva, ao observar as queimaduras de origem ocupacional, é necessário considerar que decorrem especialmente de agentes térmicos, elétricos e químicos88. Clouatre E, Gomez M, Banfield J, Jeschke MG. Work-related burn injuries in Ontario, Canada: a follow-up 10-year retrospective study. Burns. 2013 Set; 39(6):1091-5. e causam grande impacto para o trabalhador e sistema de saúde devido ao afastamento do mercado de trabalho e cuidados requeridos após este tipo de acidente.

O ambiente de trabalho está entre aqueles onde mais ocorrem queimaduras, precisamente um terço delas, atingindo, principalmente, indivíduos do sexo masculino e adultos jovens.88. Clouatre E, Gomez M, Banfield J, Jeschke MG. Work-related burn injuries in Ontario, Canada: a follow-up 10-year retrospective study. Burns. 2013 Set; 39(6):1091-5.

9. Gawryszewski VP, Bernal RTI, Silva NN, Neto OLM, Silva MMA, Mascarenhas MDM, et al. Atendimentos decorrentes de queimaduras em serviços públicos de emergência no Brasil, 2009. Cad Saúde Pública. 2012 Abr; 28(4):629-40.
-1010. Mian MAH, Mullins RF, Alam B, Brandigi C, Friedman BC, Shaver JR, Hassan Z. Ann Burns Fire Disasters. 2011 Jun; XXIV(2):89-93. Estudos direcionados ao conhecimento das circunstâncias que envolvem os acidentes de trabalho por queimadura, na perspectiva dos trabalhadores, podem contribuir para identificação dos principais riscos/estressores para estes acidentes99. Gawryszewski VP, Bernal RTI, Silva NN, Neto OLM, Silva MMA, Mascarenhas MDM, et al. Atendimentos decorrentes de queimaduras em serviços públicos de emergência no Brasil, 2009. Cad Saúde Pública. 2012 Abr; 28(4):629-40. e a detecção de medidas de prevenção adequadas para a redução destes agravos,1010. Mian MAH, Mullins RF, Alam B, Brandigi C, Friedman BC, Shaver JR, Hassan Z. Ann Burns Fire Disasters. 2011 Jun; XXIV(2):89-93. expressando a relevância da presente pesquisa.

Para analisar a percepção de trabalhadores que sofreram queimaduras a respeito dos riscos no ambiente de trabalho utilizou-se, como referencial teórico, o Modelo de Sistemas de Neuman,22. Neuman B, Fawcett J. The Neuman Systems Model. 5th ed. Upper Saddle River (US): Pearson; 2011. proposto Betty Neuman, em 1970. Este instrumento possibilita conceber o cliente enquanto um ser multidimensional, em constante interação com seu ambiente e possuidor de sistemas complexos de proteção, ou seja, suas linhas de defesa atuam frente aos estressores ambientais para proteção. Essas linhas de defesa são compostas por cinco variáveis (fisiológica, psicológica, sociocultural, desenvolvimento e espiritual), as quais constituem a estrutura básica e as linhas de proteção de cada indivíduo e podem ter sua resposta (defesa) afetada frente à possível ou real presença de estressores ambientais.22. Neuman B, Fawcett J. The Neuman Systems Model. 5th ed. Upper Saddle River (US): Pearson; 2011.

Os estressores ambientais são apresentados como intrapessoais, interpessoais e extrapessoais; e entendidos como forças ou estímulos presentes no ambiente interno e externo do cliente com potencial para perturbar a estabilidade do sistema, causando doenças físicas, crises emocionais e sociais,22. Neuman B, Fawcett J. The Neuman Systems Model. 5th ed. Upper Saddle River (US): Pearson; 2011. inclusive acidentes de trabalho.

Os estressores apresentam variações em relação ao impacto e reação para o cliente, podem ocorrer simultaneamente e atuarem nas cinco variáveis do sistema. Os estressores intrapessoais incluiriam as cinco variáveis que compõem o sistema do cliente, ou seja, os fatores que ocorrem dentro do sistema, como medo e ansiedade. Os estressores interpessoais são entendidos como as forças que ocorrem entre os indivíduos, por exemplo, os processos familiares e de trabalho. E os estressores extrapessoais são considerados forças que ocorrem fora do sistema do cliente, mas que atuam sobre ele, tal como o desemprego. Torna-se importante conhecer o impacto e o significado que cada estressor tem para o cliente, de maneira a auxiliar na proteção do seu sistema e manutenção do bem estar.22. Neuman B, Fawcett J. The Neuman Systems Model. 5th ed. Upper Saddle River (US): Pearson; 2011.,1111. Silveira DT. Intervenção no processo trabalho-saúde-adoecimento baseada no modelo de sistemas de Betty Neuman. Rev Gaúcha Enferm. 2000; 21(1):31-43.

Em se tratando de pessoas que sofreram queimaduras ocupacionais, o foco central da análise é o trabalhador, que em sua interação constante com os estressores do ambiente de trabalho, sofreu um desequilíbrio em seu sistema de proteção, tornando-se vítima de um acidente ocupacional do tipo queimadura. A queimadura ocorrerá quando as linhas de defesa não forem suficientes para protegê-lo da perturbação gerada pelos estressores.22. Neuman B, Fawcett J. The Neuman Systems Model. 5th ed. Upper Saddle River (US): Pearson; 2011.

Diante do exposto, adotou-se, para o presente estudo, a seguinte questão norteadora: qual a percepção dos trabalhadores que sofreram acidentes de trabalho por queimaduras a respeito dos riscos deste evento? Para tanto, definiu-se como objetivo apreender a perspectiva de trabalhadores a respeito do risco de queimaduras no ambiente de trabalho segundo o Modelo de Sistemas de Neuman.

MÉTODO

Estudo qualitativo, realizado em um Centro de Referência em Assistência a Queimados, localizado no estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Os participantes foram selecionados de acordo com os seguintes critérios: indivíduos maiores de 18 anos de idade, que sofreram acidentes de trabalho por queimaduras; receberam atendimento hospitalar no centro de referência, entre junho e outubro de 2012, independente de sexo, agente etiológico, superfície corporal queimada e grau da lesão; possuíam capacidade de se comunicar em português; aceitaram participar do estudo; assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e se encontravam próximos ao momento da alta hospitalar. Em vista desses aspectos, participaram do estudo seis sujeitos.

Os participantes foram identificados com auxílio da equipe de enfermagem do centro de referência, contatados em data precedente à alta hospitalar e convidados a participar da pesquisa. Foram esclarecidos sobre os objetivos do estudo e solicitados a assinar o TCLE, em duas vias. Solicitaram-se, ainda, suas anuências para gravação da entrevista por meio de equipamento eletrônico, a qual ocorreu em espaço privativo e de maneira individual no centro de referência. A coleta de dados ocorreu de junho a outubro de 2012.

Antecedendo a realização das entrevistas, foram coletadas informações relativas às características dos trabalhadores: sexo, idade, cor/raça, estado civil, número de filhos, escolaridade, ocupação e vínculo de trabalho, além de dados a respeito das causas das queimaduras, por exemplo, agente etiológico. Posteriormente, a entrevista semiestruturada foi realizada e os sujeitos foram questionados em relação às atividades realizadas no trabalho (por exemplo, manipulação de equipamentos e agentes térmicos), modo de organização (como, carga horária e local de trabalho), a presença de estressores/riscos de acidentes e aspectos que podem ter contribuído para a ocorrência da queimadura.

Para análise dos conteúdos das entrevistas, recorreu-se à técnica de análise de conteúdo.1212. Bardin L. Análise de conteúdo. Porto (PT): Edições 70; 2011. Inicialmente, foi realizada leitura flutuante das entrevistas e organização do conteúdo de acordo com os objetivos do estudo. Posteriormente, foram realizadas leituras sucessivas e exaustivas e os conteúdos foram codificados e categorizados, permitindo identificar os estressores que contribuíram para as queimaduras dos sujeitos do estudo. Três categorias foram nomeadas: Estressores intrapessoais, Estressores interpessoais e Estressores extrapessoais. Por fim, a terceira etapa consistiu no tratamento dos resultados e na interpretação em conformidade com o referencial adotado.

O estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Associação de Caridade Santa Casa do Rio Grande, instituição na qual os dados foram coletados, sob o protocolo n. 004/2012, e os princípios éticos estabelecidos para pesquisas envolvendo seres humanos da Resolução n. 466 de 2012 foram respeitados.1313. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 466 de 12 de dezembro de 2012: aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: MS; 2012. Com o intuito de assegurar o anonimato dos participantes, os mesmos foram identificados pela letra "E" de "Entrevistado", seguida do número sequencial das entrevistas (Exemplo: E1).

RESULTADOS

A análise das falas é apresentada a seguir, tendo como base o Modelo de Sistemas,22. Neuman B, Fawcett J. The Neuman Systems Model. 5th ed. Upper Saddle River (US): Pearson; 2011. precedida por breve apresentação dos participantes.

Os seis trabalhadores eram do sexo masculino, adultos jovens, com idades entre 21 e 40 anos. Quanto à raça, quatro referiram-se como sendo da raça branca e dois negros. Um trabalhador não completou o primeiro grau, outro possuía o primeiro grau completo e quatro cursaram segundo grau completo. Em relação ao estado civil, quatro participantes possuíam companheira e dois eram solteiros, com número de filhos variando entre zero e três.

Referente às ocupações, dois se denominaram soldadores, um eletricista, um operador de fornalha, um motorista de caminhão e um padeiro. O vínculo de trabalho de quatro sujeitos caracteriza-se pela atuação formal, sendo que dois desenvolviam atividades laborais na própria empresa e dois em empresas terceirizadas. Dois sujeitos atuavam informalmente. As queimaduras foram ocasionadas por fogo, explosão e eletricidade.

Estressores intrapessoais

A análise do conteúdo das falas permitiu apreender a perspectiva dos sujeitos em relação aos riscos para acidentes no ambiente e na manipulação dos instrumentos de trabalho. Assim, a visibilidade do risco pode ser compreendida como um estressor intrapessoal, com o qual o trabalhador convive diariamente: [...] nas fábricas que você trabalha, tem risco, tanto eu como os meus colegas [...] (E3). Há vinte anos eu trabalho com caminhão e eu sempre lidei com óleo diesel e isqueiro (E5). A área industrial [...]é muito perigosa para quem não tem experiência. Numa obra vertical, você tem mil e um riscos. Imprevistos acontecem!(E6).

As experiências prévias, próprias ou alheias dos trabalhadores em relação aos acidentes, constituem fatores importantes para percepção e interpretação dos riscos e as consequências sobre sua saúde e podem ser consideradas um fator estressor. [...] tem colegas meus que se queimaram com linhas de sulfúrico e fosfórico. Aconteceu de um colega sair para tomar um cafezinho e a linha de sulfúrico estourou. Imagina se dá no rosto dele? Perdia tudo, os pedaços! (E3).

Os participantes não negaram a existência de risco no ambiente e no desempenho do trabalho, sendo possível observar, por meio de seus depoimentos, que o comportamento adotado diante dos riscos, com base nas suas forças internas, revelou-se um estressor intrapessoal.

Todo lugar [da empresa] é perigoso, vai de você ter um conhecimento, ter capacitação, te treinarem (E3). Eu cansei de mexer com fogo, eu sei que é errado, mas você sabe, eu nunca tive problema (E5). Acontece muita negligência por parte do funcionário. Nós somos incentivados a chegar na área de serviço e analisar os riscos (E6).

Contudo, a negação dos riscos na manipulação dos instrumentos de trabalho também emergiu nas falas, podendo ser interpretada como um estressor intrapessoal, o qual pode levar os trabalhadores a situações que fragilizam a proteção do sistema e à ocorrência de acidentes de trabalho por queimaduras: A energia [elétrica] é assim, estão os fios ali e você não sabe se está ligada ou não (E1). Sempre tive cautela, principalmente quando ligava o forno a gás[...], mas com o fogão a lenha e com fogo normal, não. Nunca pensei que poderia acontecer, tinha mais cautela com o fogão a gás do que com o fogão a lenha (E2). Nunca pode deixar ela[fornalha] desarmar, porque é perigoso.[...] Se desarma, vem com tudo (fogo).[...] E aí, para você controlar? [...]Como é que você faz num espaço fechado? Então, tem que ter sempre atenção (E3). [...] eu sei como é o gás, eu jamais iria mexer com fogo sabendo que tem um negócio inflamável (E6).

Estressores Interpessoais

O ritmo intenso das atividades e as exigências do trabalho foram apontados pelos trabalhadores como elementos que podem favorecer a redução da sua segurança no ambiente laboral, predispondo a exposição aos riscos, uma vez que fragilizam seu sistema de proteção e o de seus colegas no desempenho das suas funções. Esses dois elementos são, portanto, considerados estressores interpessoais: É muito sobrecarregado, meu expediente é bem complicado! (E1). É sempre corrido. A vida de um padeiro e de um confeiteiro é muito corrida, para entregar tudo no prazo, para satisfazer o cliente (E2). É cansativo. É uma jornada cansativa. Não é fácil [...] para o corpo, tem que "forcejar" (E4). Como eu sou soldador, eu não posso ser pressionado, porque o serviço tem que sair devagar.[...] Eu não posso trabalhar rápido[...] sob pressão, meu trabalho não vai sair perfeito(E6).

A intensidade e o excesso de carga horária decorrente das demandas e organização do trabalho também foram relatados pelos entrevistados e podem ser considerados estressores interpessoais e que contribuíram para aproximação ao risco de sofrer uma queimadura.

Tinha dado um temporal e vínhamos, há três dias, trabalhando mais de 12 horas por dia. Eu estava bem cansado, fazia 14 horas que nós estávamos trabalhando. [...] O acidente aconteceu por volta de uma hora da manhã. [...] nós começamos às 8 horas da manhã (E1). Estava corrido, porque era sábado.[...] Tinha bastante encomenda para entregar. Ficamos na correria para aprontar as coisas e, depois, tinha que montar. Eu lembro que tinha quinze tortas para entregar, em horários diferentes[...] dois mil pães para aprontar [...]quinze mil salgados. Então, era praticamente intenso, principalmente bem cedo, para dar tempo. [...] eu fui para lá[padaria] às 4 horas da manhã (E2).

Os trabalhadores também mencionaram a realização de atividades em constante estresse, o que pode ser considerado um estressor interpessoal, desencadeado tanto entre o sujeito e seus colegas/supervisores quanto entre o sujeito e seu equipamento de trabalho, como é possível observar nos depoimentos: [...]eu trabalho tranquilo, sem pressão, tudo o que eles[gerência] me pedem, eu faço! [...]Mas se eu estiver sendo pressionado, eu cobro deles! 'Como é que vocês vão me cobrar por um equipamento se ele não me dá condições de trabalho?' [...] São coisas que, às vezes, são estressantes (E3). Estourava uma mangueira aqui, estourava uma mangueira ali. Não eram coisas graves, mas de te incomodar. [...] Coisinhas do dia a dia, mas que às vezes vai te estressando. [...] Você estava bem, achava que agora você ia trabalhar e ele [caminhão] te pregava uma peça [...]. Só que na persistência,[...] aconteceu esse acidente (E5).

A submissão às determinações das chefias pode ser considerada um estressor interpessoal e fator que influencia na decisão dos trabalhadores em assumir "passivamente" os riscos presentes nas atividades laborais, conforme os relatos: [...] quando chegou perto da meia-noite,[...] eu estava cansado. E ele disse 'Tem mais um serviço, tem que ir fazer'. O chefe manda e, na verdade, o empregado obedece. Tem coisas que são bem críticas. [...] Tem que pensar muito bem antes de fazer as coisas, analisar bem, se impor às vezes (E1). Faltava um detalhe para fazer e ele[encarregado] não deixou e me mandou fazer aquilo ali. Ele manda! [...] Ele disse: 'Deixa para depois e faz isso aqui'. E aí não tem como dizer não (E4). Eu disse para o meu patrão 'não quero mais ir viajar com esse caminhão!'[...] Aí ele disse 'Vais me deixar na mão?[...] pelo menos até o fim do mês, aí vejo se arrumo outro motorista.' [...] Me deu um mau pressentimento, mas depois, ele ia ficar falando [...] (E5).

Estressores extrapessoais

De acordo com a perspectiva dos trabalhadores deste estudo, os riscos inerentes à tarefa seriam considerados estressores extrapessoais, por atuarem fora do sistema (ambiente externo) e não ser por eles controlados:nós fazíamos manutenção na rede de rua [...] a gente sempre tem receio, sempre tem medo, [...] porque é um serviço muito perigoso. Você está direto no trânsito, você está direto em contato com a rede [elétrica] (E1). Eu sou operador de fornalha, eu sou o responsável por ter temperatura no produto. Eu sou o "cara bomba" [...] porque trabalho com uma temperatura alta e vapor (E3). Eu sou uma pessoa que solda [...] você trabalha perto do fogo(E6).

A presença de equipamentos antigos e reparados/consertados ou com funcionamento desconhecido pelo trabalhador revelou-se como um elemento que aumentaria o risco de acidentes por queimaduras devido a possíveis falhas dos equipamentos, sendo assim considerada outro estressor do ambiente externo do sujeito, ou seja, na categoria de estressores extrapessoais.

É uma empresa grande! Os equipamentos são todos antigos, todos enjambrados. [...] São peças grandes, caras.[...] Ela [fornalha] está danificada[...] já pensou direto calor e calor?[...] tens que ter mais cuidado! Há mais de cinquenta anos, eles vão reformando [...] emendam[...]. Emenda mais ou menos e segue o "barco" e aí é que acontecem os perigos, porque você fica frágil. Uma peça que estava 100%, já está 50% [...] a força dela diminui(E3). Tudo o que é eletrônico, pode ter falhas, pode acontecer de quebrar alguma mangueira, de ter vazado (E5).

Finalmente, a percepção de risco durante a manipulação dos instrumentos e equipamentos de trabalho previamente ao acidente foi relatada pelos participantes, sendo possível considerá-los como estressores extrapessoais, por ocorrerem fora do sistema do trabalhador, mas agindo sobre ele: [...]eu perguntei para o meu colega: 'Está testado? Você testou[rede elétrica]?' (E1). Eu sabia que tinha um verniz pela cor da madeira [...] deviam ter envernizado antes, mas pouco antes de eu usar. [...]Estava um cheiro bem forte de produto químico. [...]Acho que tinha alguma coisa tóxica, explosiva, que explodiu no momento(E2). [...] alguém pode ter usado antes[maçarico] e ter deixado muita pressão e eu não ter visto (E4). Se o maçarico não estava, eu deduzi, por não sentir o cheiro, que estava desligado (E6).

DISCUSSÃO

Ao analisar os estressores intrapessoais relatados pelos trabalhadores é importante destacar que características como sexo, idade e raça e aspectos como estado civil, escolaridade e número de filhos, são elementos que constituem as variáveis fisiológica, psicológica, sociocultural e de desenvolvimento dos sujeitos22. Neuman B, Fawcett J. The Neuman Systems Model. 5th ed. Upper Saddle River (US): Pearson; 2011. e são relevantes para a decisão de assumir os riscos no ambiente de trabalho. Soma-se a isto, o fato das dimensões físicas, mentais e afetivas de cada indivíduo influenciarem a forma como estes atuam frente ao mundo,33. Areosa J. A importância das perceções de riscos dos trabalhadores. Inter J Working Conditions. 2012 Jun; 3:54-65.incluindo as situações de risco.

Neste sentido, observa-se que homens da raça parda e branca, em idade produtiva e com baixa escolaridade são os mais acometidos por queimaduras ocupacionais.99. Gawryszewski VP, Bernal RTI, Silva NN, Neto OLM, Silva MMA, Mascarenhas MDM, et al. Atendimentos decorrentes de queimaduras em serviços públicos de emergência no Brasil, 2009. Cad Saúde Pública. 2012 Abr; 28(4):629-40. Estudo com trabalhadores de empresas de distribuição de energia elétrica, no Irã, revela que indivíduos em idade produtiva, casados, com alto grau de escolaridade e vínculos temporários de trabalho foram os mais acometidos por acidentes com energia elétrica.1414. Rahmani A, khadem M, Madreseh E, Aghaei HA, Raei M, Karchani M. Descriptive study of occupational accidents and their causes among electricity distribution company workers at an eight-year period in Iran. Saf Health Work. 2013; 4:160-5.

De acordo com os depoimentos, a visibilidade das situações de risco para queimaduras durante a manipulação dos equipamentos de trabalho gera receio e medo, tornando-se um estressor intrapessoal, de modo que os sujeitos necessitam ter constante atenção durante sua manipulação devido à possibilidade de acidentes. A relação trabalho-perigo gera tensão e exige sistemas defensivos por parte dos trabalhadores, como adaptação aos riscos e perigos de forma subjetiva.1515. Silva EJ, Lima MG, Marziale MHP. O conceito de risco e os seus efeitos simbólicos nos acidentes com instrumentos perfurocortantes. Rev Bras Enferm. 2012 Set-Out; 65 (5):809-14.

As experiências prévias de acidentes ou quase acidentes contribuem para avaliação subjetiva das situações de risco e permanecem no imaginário do trabalhador (estressor intrapessoal) aumentando a percepção de exposição ao risco, levando-o a realizar as atividades com forte apreensão, tornando-o mais vulnerável diante das adversidades.11. Le Breton D. Condutas de risco: dos jogos de morte ao jogo de viver. Campinas (SP): Autores Associados; 2009. Há de se considerar ainda que as experiências e os relatos de situações anteriores que não resultaram em acidentes contribuem para a fragilização das linhas de defesa do trabalhador, uma vez que o sujeito pode passar a desenvolver comportamentos desafiantes por não acreditar na ocorrência de um acidente. Considera-se que o comportamento desafiante entendido como um estressor intrapessoal expõe a estrutura básica do cliente à penetração de agentes nocivos, como os agentes térmicos.

A percepção do risco, embora não retrate de maneira fidedigna a realidade, expressa a perspectiva dos trabalhadores sobre os perigos aos quais estão expostos no decorrer das atividades e reflete a forma como pensam, representam, classificam ou analisam as diversas ameaças.66. Areosa J. As percepções de riscos ocupacionais no setor ferroviário. Sociologia, problemas e práticas. 2014; 75:83-107. Desta forma, cada trabalhador interpreta o perigo de uma maneira diferente.

As maiores causas de acidentes de trabalho incluem inexperiência e desconhecimento sobre o funcionamento dos equipamentos, falta de equipamentos de proteção individual e adesão a normas de segurança, negligência e aspectos relacionados à insegurança do ambiente e dos equipamentos de trabalho.1010. Mian MAH, Mullins RF, Alam B, Brandigi C, Friedman BC, Shaver JR, Hassan Z. Ann Burns Fire Disasters. 2011 Jun; XXIV(2):89-93.,1414. Rahmani A, khadem M, Madreseh E, Aghaei HA, Raei M, Karchani M. Descriptive study of occupational accidents and their causes among electricity distribution company workers at an eight-year period in Iran. Saf Health Work. 2013; 4:160-5. Aspectos como sobrecarga, fatalidade, culpa, negligência e precariedade das condições de trabalho são relatados por trabalhadores como as principais causas de acidentes no ambiente hospitalar.1515. Silva EJ, Lima MG, Marziale MHP. O conceito de risco e os seus efeitos simbólicos nos acidentes com instrumentos perfurocortantes. Rev Bras Enferm. 2012 Set-Out; 65 (5):809-14.

A jornada de trabalho da maioria dos participantes do estudo envolve sobrecarga física e mental. O cansaço é apontado como causador de danos emocionais e mentais aos trabalhadores e gerador de estresse ocupacional.1616. Vicent NG, Ferreira LA, Rezende MP, Cardoso RJ, Zuffi FB. Percepção do estresse ocupacional por bombeiros militares de uma cidade do interior de Minas Gerais. J Res Fundam Care. 2013 Jul-Set; 5(3):75-84. Situações de fadiga e estresse (estressores) em momentos prévios à ocorrência dos acidentes de trabalho foram relatadas por alguns participantes, contribuindo para a invisibilidade dos riscos na manipulação dos instrumentos de trabalho.

O modo de organização do trabalho, no que se refere ao excesso de carga horária e ritmo intenso das atividades, levam os sujeitos a ultrapassar seus limites fisiológicos, acarretando em sobrecarga, fadiga e desatenção, podendo contribuir para que não reconheçam os riscos, o que favorece a ocorrência de acidentes. Nesse sentido, cabe aos trabalhadores e às empresas a adoção de estratégias que tornem seguro o espaço de trabalho. Ao trabalhador torna-se premente o desenvolvimento de condutas de enfrentamento para que o trabalho não se torne cansativo e possa atuar de maneira a preservar sua integridade física e psíquica.1515. Silva EJ, Lima MG, Marziale MHP. O conceito de risco e os seus efeitos simbólicos nos acidentes com instrumentos perfurocortantes. Rev Bras Enferm. 2012 Set-Out; 65 (5):809-14.

Por meio dos depoimentos é possível observar que o estresse psicológico é elemento presente no processo de trabalho dos participantes. Cabe destacar que o estresse (estressor interpessoal) pode ser desencadeado entre o trabalhador e seus colegas/supervisores ou entre o trabalhador e seu instrumento de trabalho. Esta perturbação gera desequilíbrio na estabilidade das linhas de defesa do trabalhador22. Neuman B, Fawcett J. The Neuman Systems Model. 5th ed. Upper Saddle River (US): Pearson; 2011. e, de acordo com cada sujeito, apresenta diferente intensidade.

O estresse gerado pela necessidade constante de manutenções/consertos dos equipamentos de trabalho passa a integrar suas rotinas88. Clouatre E, Gomez M, Banfield J, Jeschke MG. Work-related burn injuries in Ontario, Canada: a follow-up 10-year retrospective study. Burns. 2013 Set; 39(6):1091-5. (estressor extrapessoal) e é incorporado como necessário para o desempenho de suas atividades, "ocultando" a percepção de risco. A realização de reparos nos equipamentos constitui parte de um processo que fragiliza a segurança do trabalhador pelo fato da máquina não estar em sua capacidade normal e o seu manuseio demandar maior esforço físico e mental por parte do sujeito que a manipula. Entre trabalhadores de uma empresa calçadista, estudo identificou riscos físicos e ergonômicos na manipulação de máquinas, os quais poderiam comprometer sua integridade física, como possibilidade de amputações e esmagamentos.55. Luz FR, Loro MM, Zeitoune RCG, Kolankiewicz ACB, Rosanelli CSP. Riscos ocupacionais de uma indústria calçadista sob a ótica dos trabalhadores. Rev Bras Enferm. 2013 Jan-Fev; 66(1):67-73.

Estudo com objetivo de identificar a percepção dos trabalhadores da Estratégia de Saúde da Família sobre os riscos aos quais estavam expostos no trabalho revelou que os profissionais percebiam os riscos referentes ao objeto, à organização, aos instrumentos e ao produto do trabalho e estes estariam relacionados, principalmente, a acidentes, doenças e desgaste emocional.1717. Cesar-Vaz MR, Soares JFS, Figueiredo PP, Azambuja EP, Sant'Anna CF, Costa VZ. Percepção do risco no trabalho em saúde da família. Rev Latino-am Enfermagem. 2009 Nov-Dez; 17(6):961-7. A percepção do risco pode ser entendida como um conjunto de significados construídos individual e coletivamente pelos próprios trabalhadores que, para minimizá-los, precisam se adaptar.1515. Silva EJ, Lima MG, Marziale MHP. O conceito de risco e os seus efeitos simbólicos nos acidentes com instrumentos perfurocortantes. Rev Bras Enferm. 2012 Set-Out; 65 (5):809-14.,1717. Cesar-Vaz MR, Soares JFS, Figueiredo PP, Azambuja EP, Sant'Anna CF, Costa VZ. Percepção do risco no trabalho em saúde da família. Rev Latino-am Enfermagem. 2009 Nov-Dez; 17(6):961-7.

Os sujeitos deste estudo reconhecem suas funções como sendo de risco e referem que os perigos para acidentes estão relacionados, principalmente, à manipulação de altas temperaturas, vapor, eletricidade e à condução de veículos.77. Organização Mundial da Saúde (OMS). Ambientes de trabalho saudáveis: um modelo para ação: para empregadores, trabalhadores, formuladores de política e profissionais. Brasília (DF): Serviço Social da Indústria; 2010. A exposição dos sujeitos a esses perigos foi compreendida como um estressor extrapessoal nesta pesquisa, uma vez que envolve forças que agem fora do sistema do trabalhador, mas atuam sobre sua estrutura básica, causando desequilíbrio.

Um estudo realizado no Canadá88. Clouatre E, Gomez M, Banfield J, Jeschke MG. Work-related burn injuries in Ontario, Canada: a follow-up 10-year retrospective study. Burns. 2013 Set; 39(6):1091-5. revela que as queimaduras ocupacionais foram ocasionadas por chama direta, eletricidade, escaldadura e produtos químicos, atingindo trabalhadores manuais, da construção civil, eletricistas e caminhoneiros. Referiram, ainda, que os programas de prevenção atuais no mundo podem ter um grande impacto na redução das queimaduras ocupacionais e, com base na avaliação das causas das queimaduras, é possível formular medidas de segurança adequadas, que possam atingir diversos trabalhadores e setores de trabalho considerados de maiores riscos para acidentes.1010. Mian MAH, Mullins RF, Alam B, Brandigi C, Friedman BC, Shaver JR, Hassan Z. Ann Burns Fire Disasters. 2011 Jun; XXIV(2):89-93.

Nos relatos, observa-se que a proximidade com as situações de risco e a possibilidade de sofrer um acidente de trabalho passam a ser intrínsecas à função do trabalhador. Desta forma, a decisão de correr riscos revela-se parte do cotidiano dos sujeitos, principalmente no que se refere ao desenvolvimento de atividades sob condições precárias de segurança. É importante destacar que cada indivíduo, conforme sua cultura ou classe, possui determinada disposição para assumir, recusar ou ignorar a presença do perigo.11. Le Breton D. Condutas de risco: dos jogos de morte ao jogo de viver. Campinas (SP): Autores Associados; 2009. Contudo, sabe-se que ainda hoje há relações trabalho baseadas em poder e hierarquia, levando os trabalhadores a naturalizarem as situações que colocam em risco a sua própria vida.1818. Takahashi MABC, Silva RC, Lacorte LEC, Ceverny GCO, Vilela RAG. Precarização do Trabalho e Risco de Acidentes na construção civil: um estudo com base na Análise Coletiva do Trabalho (ACT). Saúde Soc. 2012; 21(4):976- 88.

No imaginário do trabalhador, o processo de enfrentamento dos riscos pode ser influenciado pelo medo do desemprego, considerado um estressor extrapessoal.1919. Wandekoken KD, Siqueira MM. Aplicação do processo de enfermagem a usuário de crack fundamentado no modelo de Betty Neuman. Rev Bras Enferm. 2014 Jan-Fev; 67(1):62-70. Ficar desempregado é entendido como um risco maior, com conotação de incapacidade para cumprir um compromisso adquirido socialmente frente ao empregador, à família e à sociedade. Assim, o receio de perder a ocupação leva os trabalhadores a se subordinarem às situações de risco, mesmo conhecendo as implicações para sua saúde e produção.11. Le Breton D. Condutas de risco: dos jogos de morte ao jogo de viver. Campinas (SP): Autores Associados; 2009.

A precariedade do vínculo empregatício também pode ser considerada um estressor extrapessoal, sendo este fator importante por refletir na saúde dos indivíduos, uma vez que fragiliza as condições de trabalho e reflete na forma como os trabalhadores enfrentam e se submetem aos riscos.1818. Takahashi MABC, Silva RC, Lacorte LEC, Ceverny GCO, Vilela RAG. Precarização do Trabalho e Risco de Acidentes na construção civil: um estudo com base na Análise Coletiva do Trabalho (ACT). Saúde Soc. 2012; 21(4):976- 88. O fato de prestar serviços em empresas terceirizadas e sem vínculo de trabalho formal pode gerar a sensação de estar desassistido pela empresa e sem direitos a reivindicar, por exemplo, a disponibilização de equipamentos de proteção individual.

Os resultados deste estudo revelam que os trabalhadores, antes das queimaduras por acidentes de trabalho, vivenciaram diversas situações que fragilizaram seu sistema de proteção e contribuíram para sua ocorrência. Nota-se que os estressores relatados podem ser interpretados como intrapessoais, interpessoais e extrapessoais, os quais prejudicaram a resposta (reação) dos participantes frente aos riscos presentes na realização do trabalho.22. Neuman B, Fawcett J. The Neuman Systems Model. 5th ed. Upper Saddle River (US): Pearson; 2011.

É importante destacar que o Modelo de Sistemas de Neuman constitui importante ferramenta de trabalho para os profissionais de enfermagem no que tange ao desenvolvimento de intervenções para reduzir/prevenir a perturbação gerada pelos estressores.22. Neuman B, Fawcett J. The Neuman Systems Model. 5th ed. Upper Saddle River (US): Pearson; 2011. Com base neste modelo, o enfermeiro pode auxiliar os trabalhadores a reconhecerem os riscos presentes no ambiente, bem como entender a sua reação/resposta frente aos estressores ambientais e auxiliá-los na manutenção do seu bem-estar.1111. Silveira DT. Intervenção no processo trabalho-saúde-adoecimento baseada no modelo de sistemas de Betty Neuman. Rev Gaúcha Enferm. 2000; 21(1):31-43.

A atuação do enfermeiro nesta área requer adoção de medidas que motivem o trabalhador a priorizar condutas de proteção à sua saúde, principalmente por meio de orientações sobre identificação dos riscos e sua eliminação.2020. Rocha LP, Cezar-Vaz MR, Almeida MCV, Bonow CA, Silva MS, Costa VZ. Utilização de equipamentos de proteção individual por frentistas de postos de combustíveis: contribuição da Enfermagem. Texto Contexto Enferm [online]. 2014 Jan-Mar [acesso 2015 Jun 01]; 23(1):193-202. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n1/pt_0104-0707-tce-23-01-00193.pdf
http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n1/pt_01...
Essas ações podem ser desenvolvidas com o apoio dos profissionais atuantes nos programas de medicina e segurança no trabalho, constituindo-se em ferramenta estratégica para disseminação das práticas em saúde para minimização e eliminação das exposições aos riscos ocupacionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados obtidos neste estudo possibilitaram apreender a perspectiva de risco para trabalhadores que sofreram queimaduras por acidentes de trabalho, com base no Modelo de Sistemas de Neuman. A utilização deste modelo permitiu identificar os estressores intrapessoais, interpessoais e extrapessoais, presentes no ambiente e no desenvolvimento do trabalho dos sujeitos entrevistados, os quais, acredita-se, contribuíram para a ocorrência da queimadura.

Os sujeitos revelaram que reconheciam os riscos aos quais estavam expostos na manipulação dos instrumentos de trabalho e, por meio de suas experiências prévias, manifestaram os comportamentos adotados frente aos riscos, sendo considerados estressores intrapessoais. Vale ressaltar que características como sexo, idade, raça, escolaridade, estado civil e presença de filhos podem ter afetado as forças internas dos indivíduos para lidarem com os riscos no trabalho.

O ritmo intenso das atividades, o excesso de carga horária prévio ao acidente, o estresse e a submissão às determinações das chefias, podem ser considerados estressores interpessoais, por atuarem entre o trabalhador e os colegas de trabalho, fragilizando o seu sistema de proteção e a redução da segurança. Os estressores extrapessoais, que atuam fora do sistema do trabalhador foram entendidos como os riscos inerentes às tarefas e à presença de equipamentos antigos e reparados, além da sua manipulação previamente ao acidente. Desta forma, a ocorrência do acidente de trabalho não ocorreria por uma ação direta do trabalhador, mas de forças que não poderiam ser "controladas" por ele.

O enfermeiro, juntamente com os profissionais atuantes na área de saúde do trabalhador, pode auxiliar os trabalhadores a reconhecerem os riscos aos quais estão expostos durante a realização das atividades laborais, bem como auxiliá-los a reconhecer o impacto e o significado de cada estressor, para que possam agir em prol da preservação da sua saúde e na prevenção de acidentes de trabalho.

Acredita-se que os resultados deste estudo possam auxiliar os profissionais de enfermagem e de saúde do trabalhador a incentivarem os trabalhadores a reconhecer os riscos de acidentes, permanecendo mais atentos e vigilantes às condições de trabalho e ao cumprimento das medidas de saúde e segurança. Os resultados sinalizam ainda para a relevância de novas pesquisas direcionadas para a análise dos estressores durante a realização das atividades laborais, uma vez que, provavelmente, após o acidente, a percepção dos trabalhadores sobre os riscos tenha mudado, tornando-os mais conscientes, diferentemente de indivíduos que ainda não passaram por esta experiência.

REFERENCES

  • 1
    Le Breton D. Condutas de risco: dos jogos de morte ao jogo de viver. Campinas (SP): Autores Associados; 2009.
  • 2
    Neuman B, Fawcett J. The Neuman Systems Model. 5th ed. Upper Saddle River (US): Pearson; 2011.
  • 3
    Areosa J. A importância das perceções de riscos dos trabalhadores. Inter J Working Conditions. 2012 Jun; 3:54-65.
  • 4
    Organização Internacional do Trabalho (OIT). Sistema de Gestão da Segurança e Saúde no Trabalho: um instrumento para uma melhoria contínua. Turim (IT): OIT; 2011.
  • 5
    Luz FR, Loro MM, Zeitoune RCG, Kolankiewicz ACB, Rosanelli CSP. Riscos ocupacionais de uma indústria calçadista sob a ótica dos trabalhadores. Rev Bras Enferm. 2013 Jan-Fev; 66(1):67-73.
  • 6
    Areosa J. As percepções de riscos ocupacionais no setor ferroviário. Sociologia, problemas e práticas. 2014; 75:83-107.
  • 7
    Organização Mundial da Saúde (OMS). Ambientes de trabalho saudáveis: um modelo para ação: para empregadores, trabalhadores, formuladores de política e profissionais. Brasília (DF): Serviço Social da Indústria; 2010.
  • 8
    Clouatre E, Gomez M, Banfield J, Jeschke MG. Work-related burn injuries in Ontario, Canada: a follow-up 10-year retrospective study. Burns. 2013 Set; 39(6):1091-5.
  • 9
    Gawryszewski VP, Bernal RTI, Silva NN, Neto OLM, Silva MMA, Mascarenhas MDM, et al. Atendimentos decorrentes de queimaduras em serviços públicos de emergência no Brasil, 2009. Cad Saúde Pública. 2012 Abr; 28(4):629-40.
  • 10
    Mian MAH, Mullins RF, Alam B, Brandigi C, Friedman BC, Shaver JR, Hassan Z. Ann Burns Fire Disasters. 2011 Jun; XXIV(2):89-93.
  • 11
    Silveira DT. Intervenção no processo trabalho-saúde-adoecimento baseada no modelo de sistemas de Betty Neuman. Rev Gaúcha Enferm. 2000; 21(1):31-43.
  • 12
    Bardin L. Análise de conteúdo. Porto (PT): Edições 70; 2011.
  • 13
    Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 466 de 12 de dezembro de 2012: aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: MS; 2012.
  • 14
    Rahmani A, khadem M, Madreseh E, Aghaei HA, Raei M, Karchani M. Descriptive study of occupational accidents and their causes among electricity distribution company workers at an eight-year period in Iran. Saf Health Work. 2013; 4:160-5.
  • 15
    Silva EJ, Lima MG, Marziale MHP. O conceito de risco e os seus efeitos simbólicos nos acidentes com instrumentos perfurocortantes. Rev Bras Enferm. 2012 Set-Out; 65 (5):809-14.
  • 16
    Vicent NG, Ferreira LA, Rezende MP, Cardoso RJ, Zuffi FB. Percepção do estresse ocupacional por bombeiros militares de uma cidade do interior de Minas Gerais. J Res Fundam Care. 2013 Jul-Set; 5(3):75-84.
  • 17
    Cesar-Vaz MR, Soares JFS, Figueiredo PP, Azambuja EP, Sant'Anna CF, Costa VZ. Percepção do risco no trabalho em saúde da família. Rev Latino-am Enfermagem. 2009 Nov-Dez; 17(6):961-7.
  • 18
    Takahashi MABC, Silva RC, Lacorte LEC, Ceverny GCO, Vilela RAG. Precarização do Trabalho e Risco de Acidentes na construção civil: um estudo com base na Análise Coletiva do Trabalho (ACT). Saúde Soc. 2012; 21(4):976- 88.
  • 19
    Wandekoken KD, Siqueira MM. Aplicação do processo de enfermagem a usuário de crack fundamentado no modelo de Betty Neuman. Rev Bras Enferm. 2014 Jan-Fev; 67(1):62-70.
  • 20
    Rocha LP, Cezar-Vaz MR, Almeida MCV, Bonow CA, Silva MS, Costa VZ. Utilização de equipamentos de proteção individual por frentistas de postos de combustíveis: contribuição da Enfermagem. Texto Contexto Enferm [online]. 2014 Jan-Mar [acesso 2015 Jun 01]; 23(1):193-202. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n1/pt_0104-0707-tce-23-01-00193.pdf
    » http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n1/pt_0104-0707-tce-23-01-00193.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Nov 2015
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2015
  • Aceito
    17 Ago 2015
Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós Graduação em Enfermagem Campus Universitário Trindade, 88040-970 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil, Tel.: (55 48) 3721-4915 / (55 48) 3721-9043 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: textoecontexto@contato.ufsc.br