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SENTIMENTOS RELATADOS PELOS TRABALHADORES DA SAÚDE FRENTE À EPIDEMIA DA AIDS (1986-2006)1 1 Artigo resultante da tese - Evolução das práticas de cuidado dos trabalhadores da saúde às pessoas com HIV/AIDS, em um hospital referência em doenças infectocontagiosas de Santa Catarina: no período de 1986 a 2006, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 2012.

SENTIMIENTOS RELATADOS POR LOS TRABAJADORES DE SALUD FRENTE A LA EPIDEMIA DE SIDA (1986-2006)

Resumos

Este estudo objetivou descrever e compreender os sentimentos relatados pelos trabalhadores da saúde frente ao surgimento da aids, em um hospital de referência em doenças infectocontagiosas, no período de 1986 a 2006. Para a coleta de dados utilizamos entrevistas, coom base na da História Oral, com 23 trabalhadores da saúde, e para o tratamento dos dados, a análise de conteúdo, da qual emergiram três categorias: Atitudes e/ou sentimentos dos trabalhadores da saúde acerca da aids; Percepção dos trabalhadores da saúde quanto aos sentimentos e atitudes dos pacientes frente ao diagnóstico soropositivo para o HIV e de seus familiares; e Atitudes e/ou sentimentos da população frente ao surgimento da aids. Sentimentos como discriminação, estigma, rejeição, vergonha, morte marcaram a história da epidemia da aids; pois, mais que morte física, a aids trouxe consigo sentimentos de morte social.

Preconceito; Discriminação; Síndrome da Imunodeficiência Adquirida; Profissionais da saúde; História da enfermagem


Este estudio objetivó describir y comprender los sentimientos relatados por los trabajadores de salud frente al surgimiento del SIDA, en un hospital de referencia en enfermedades infectocontagiosas, en el periodo de 1986 a 2006. Para la recolección de los datos, utiliamos la historia oral con entrevistas a 23 trabajadores de salud y para el tratamiento de los datos, el análisis de contenido, del cual emergieron tres categorías: Actitudes y/o sentimientos de los trabajadores de la salud sobre el SIDA; -percepción de los trabajadores de salud en cuanto a los sentimientos y actitudes de los pacientes frente al diagnóstico seropositivo del SIDA y de sus familiares, Actitudes y/o sentimientos de la población frente al surgimiento del SIDA. Sentimientos como discriminación, estigma, rechazo, vergüenza, muerte marcaron la historia de la epidemia del SIDA; pues más que la muerte física, el SIDA trajo consigo sentimientos de muerte social.

Preconcepto; Discriminación; Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida; Profesionales de salud; Historia de la enfermería


The aim of this study was to understand and describe the feelings reported by health workers when facing the emergence of AIDS in a reference hospital for infectious diseases during the period from 1986 through 2006. For data gathering, we employed oral history collected from 23 health workers. For data treatment, we used content analysis, which yielded three categories: attitudes and/or feelings of health workers concerning AIDS; health workers' perception of the feelings and attitudes of patients and their families when faced with a positive diagnosis of HIV; and attitudes and/or feelings of the population in reaction to the emergence of AIDS. Feelings such as discrimination, stigma, rejection, and shame, as well as feelings about death marked the history of the AIDS epidemic because, far beyond physical death, AIDS also brought feelings of social death.

Prejudice; Discrimination; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Health professionals; History of nursing


INTRODUÇÃO

O advento da aids em Santa Catarina foi marcado por rejeição, medo, dado ao fato de ser uma doença nova, devastadora, a qual não se conhecia a sua real forma de transmissão. Consequentemente, a percepção da sociedade, inclusive dos trabalhadores da saúde, como a dos próprios pacientes e de seus familiares, com relação à epidemia, foi de discriminação, preconceito e estigma.11. Miranda AFB. História da AIDS em Santa Catarina: características de uma epidemia [dissertação]. Florianópolis (SC): Centro de Ciências da Saúde, Ciências Médicas. Universidade Federal de Santa Catarina; 2003. A aids se transformou em notícia, quase que cotidiana, na mídia sensacionalista e, algumas dessas matérias, semearam pânico na população e cristalizaram imagens moralistas e discriminatórias. Tais notícias foram os primeiros contatos que a sociedade teve com a aids e, dessa forma, contribuíram para reforçar a imagem da pessoa com HIV/aids, a partir da morte, do preconceito, associado aos grupos dos homossexuais e usuários de drogas injetáveis.22. Natividade JC, Camargo BV. Elementos caracterizadores das representações sociais da aids para adultos. Temas Psicol. 2011 Jun; 19(1):179-92.

3. Pereira AL, Nichiata LYI. The civil society against aids: collective demands and public policies. Ciênc Saúde Coletiva. 2011 Jul; 16(7):3249-357.
-44. Barata GF. A primeira década da AIDS no Brasil: o Fantástico apresenta a doença ao público (1983 a 1992) [dissertação]. São Paulo (SP): Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo; 2005.

Neste contexto é possível ratificar que os meios de comunicação, de certa forma, tiveram um papel determinante na discriminação das pessoas com a doença. A disseminação da doença foi intensamente acompanhada pela mídia, que se caracterizou como veículo decisivo na difusão de informações. Se por um lado, divulgou os esforços da comunidade científica em informar mais sobre a doença, por outro, trouxe também muitas consequências desfavoráveis para a compreensão da aids, uma vez que reforçava, no imaginário coletivo, a concepção da doença como consequência de condutas socialmente reprováveis.55. Darde VWS. A AIDS na imprensa: a construção da imagem da epidemia e a influência na promoção da cidadania. Em Questão. 2004 Jul-Dez; 10(2):247-59. Não é à toa que a aids, no início da epidemia, foi denominada como a doença dos 4 Hs: Homossexuais, Hemofílicos, Haitianos e Heroinômanos (usuários de heroína injetável), o que demonstra a capacidade estigmatizante e o preconceito gerado em torno desses grupos de pessoas pela sociedade.66. Oliveira DC, Costa TL, Gomes AMT, Acioli S, Formozo GA, Heringer A, et al. Análise da produção de conhecimento sobre o hiv/aids em resumos de artigos em periódicos brasileiros de enfermagem, no período de 1980 a 2005. Texto Contexto Enferm. 2006 Out-Dez; 15(4):654-62.

Assim abordar a aids não é um tema simples, pois tal doença desde seu surgimento, como ainda hoje, porém em grau menor, sempre foi uma moléstia carreada de tabus, medos, preconceitos, dado ao fato de, à época, acometer os grupos considerados de risco. Estes grupos foram fortemente estigmatizados por seus comportamentos, até então não aceitos pela sociedade.77. Monteiro S, Villela WV, Knauth D. Discrimination, stigma, and AIDS: a review of academic literature produced in Brazil (2005-2010). Cad Saúde Pública. 2012 Jan; 28(1):170-6.

Logo, estudar, resgatar o passado, as memórias dos trabalhadores da saúde, para melhor compreender seus modos de cuidar, seus sentimentos frente ao surgimento da aids, remete-nos a levar em consideração seus condicionamentos culturais, morais, sociais e de refleti-los criticamente, a fim de evitar atitudes de discriminação, preconceito, estabelecendo, assim, uma relação ética. Diante do contexto e ponderando acerca da temática exposta, este estudo tem por objetivo descrever e compreender os sentimentos relatados pelos trabalhadores da saúde frente ao surgimento da aids, em um hospital de referência em doenças infectocontagiosas, no período de 1986 a 2006.

METODOLOGIA

Pesquisa sócio-histórica, com abordagem qualitativa, que fez uso da História Oral (HO) como método-fonte para coleta de dados. Este tipo de pesquisa consiste na coleta sistemática de dados, que se encontram relacionados com ocorrências passadas, e tem por objetivo lançar luzes sobre o passado para que este possa clarear o presente, inclusive fazer perceber algumas questões futuras.88. Padilha MI, Borenstein MS, Bastiani J, Zytkuewisz GV, Lessmann JC. As fontes historiográficas em pauta: a História Oral e a pesquisa documental. In: Borenstein MS, Padilha MI, organizadores. Enfermagem em Santa Catarina: recorte de uma História (1900-2011). Florianópolis (SC): Secco, 2011. p. 37-58.-99. Padilha MS, Borenstein MS. O método de pesquisa histórica na enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2005 Out-Dez;14(4):575-84.

A coleta de dados ocorreu no período de março a outubro de 2011, através de entrevistas semiestruturadas com 23 trabalhadores da saúde que participaram, vivenciaram, direta ou indiretamente, do cuidado às pessoas com HIV/aids, internadas no Hospital Nereu Ramos (HNR), no período de 1986 a 2006. Dentre eles, quatro médicos, oito enfermeiras, quatro técnicos de enfermagem, três auxiliares de enfermagem, um dentista, um nutricionista, uma assistente social e uma psicóloga.

As lembranças encontram-se guardadas em suas memórias e, quando recuperadas, permitem-nos compreender o passado à luz da perspectiva pessoal de cada ser humano, e não apenas sob o olhar do contexto social, político, econômico e cultural do período de tempo a que se referem.1010. Le Goff J. História e memória. 5ª ed. São Paulo (SP): UNICAMP, 2003.

Considerando que as primeiras internações de pessoas com HIV/aids no HNR ocorreram em 1985, previmos que muitos dos trabalhadores da saúde estivessem disponíveis para participar do estudo e partilhar de suas memórias e lembranças. Os critérios de inclusão envolveram: trabalhadores da saúde, que atuaram no cuidado aos pacientes com HIV/aids, no período de estudo; que possuíam boa memória sobre o desenvolvimento das suas práticas laborais, no cuidado às pessoas com HIV/aids; e que possuíam disponibilidade e interesse em participar.

Todas as entrevistas foram previamente agendadas, conforme a disponibilidade do entrevistado, respeitando local, data e hora por ele sugeridas. Os sujeitos foram selecionados a partir de uma solicitação feita ao Setor de Recursos Humanos do HNR, e por recomendação dos próprios trabalhadores já entrevistados.

No que se refere ao processo de análise dos dados coletados, optamos pela Análise de conteúdo.1111. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa (PT): Edições 70, 2004. A transcrição e organização dos dados constituíram a ordenação e a classificação dos relatos que ocorreu a partir de exaustivas leituras e releituras, de modo a agrupar/compilar provisoriamente os possíveis enunciados. Nesse percurso, procurou-se identificar estruturas de relevância e realizar o reagrupamento por temas, do qual emergiram as categorias: Atitudes/sentimentos dos trabalhadores da saúde acerca da epidemia da aids; Percepção dos trabalhadores da saúde quanto aos sentimentos e atitudes dos pacientes frente ao diagnóstico soropositivo para o HIV e de seus familiares; e Atitudes/sentimentos da população frente ao surgimento da aids. Tais categorias trazem à tona os diferentes sentimentos, atitudes dos trabalhadores da saúde e da população frente ao surgimento da aids, assim como a percepção dos trabalhadores da saúde, quanto aos sentimentos dos pacientes frente ao diagnóstico soropositivo para o HIV e de seus familiares.

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da Universidade Federal de Santa Catarina, sendo aprovada, mediante o parecer n. 920/10. Os sujeitos, que aceitaram participar do estudo, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Tendo em vista que alguns sujeitos deste estudo não aceitaram ser identificados nominalmente, optou-se pela garantia do anonimato a todos, e os mesmos foram apresentados por letras referentes às categorias profissionais e por números, no intuito de seguir a ordem cronológica de atuação no HNR (por exemplo, médico M1).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Atitudes/sentimentos dos trabalhadores da saúde acerca da epidemia da aids

Nesta categoria, algumas questões, como a falta de conhecimento sobre a real forma de transmissão do HIV e o fato da doença ter surgido de forma devastadora às pessoas por ela acometidas, como uma conotação de doença mortal, repercutiram no exacerbamento de alguns dos sentimentos como angústia, medo, receio, rejeição e, até mesmo, discriminação por grande parte da população, incluso neste cenário, os próprios profissionais da saúde, diante do desconhecido. Pois, apesar da transmissão do HIV, no início de seu surgimento estar associada aos considerados grupos de riscos, a mesma foi percebida por alguns dos trabalhadores da saúde como potencial risco de infecção, tendo em vista a exposição direta ao sangue entre outros fluidos corpóreos na prestação do cuidado aos pacientes com HIV/aids. Fato que se observa, nas seguintes falas:

o primeiro paciente, eu atendi com muito receio, o procedimento até era simples, mas o negócio era o medo da aids. Daí levei luva para casa e disse para minha mulher: 'põe esta luva, me tira a roupa, põe na kiboa, pelo amor de Deus, não chega nem perto de mim, que eu vou para o banho e quero álcool' (D1).

lembro que teve muito funcionário que saiu, pediu a transferência para não ter que trabalhar com aids. Na época eram muitos pacientes e poucos funcionários e, com muito custo, vinha algum funcionário da outra unidade, mas ninguém ajudava com vontade. Havia muito medo, receio, discriminação, porque tudo era novo e muita gente estava morrendo pela doença(TE2).

alguns médicos, no início da aids, faziam o procedimento forçado, porque tinham que fazer, porque se pudessem escolher passariam para outro. O medo por ser uma doença nova gerava receio, discriminação por alguns que chegavam a se paramentar todo, pra nem entrar no quarto do paciente, iam só até a porta e diziam: ' Fulano, você está bem?' (TE4).

tinha funcionários que não gostavam de trabalhar com a aids, diziam que era uma doença que ia colocá-los em risco, por ser uma doença desconhecida e que levou à morte muitos pacientes. O medo era tanto que teve funcionário que pediu demissão (E2).

É notável que a falta de conhecimento, com relação à real forma de transmissão do HIV, gerou no início da epidemia, muito medo, preocupação pelos trabalhadores da saúde, assim como rejeição, discriminação aos pacientes com HIV/aids. Sentimentos estes que influenciaram negativamente nas práticas de cuidado, tendo em vista a recusa de atendimento, por alguns funcionários, às pessoas com HIV/aids, os quais pediam demissão, transferência, faltavam ao serviço. Frente a tal situação vivenciada na época, fez-se necessário a busca incessante pelo conhecimento acerca da aids, a fim de instrumentalizar, capacitar os funcionários, principalmente os da enfermagem, para uma assistência segura, ética e de qualidade.

O novo, o desconhecido, como no surgimento da aids proporciona medo, receio, insegurança aos trabalhadores da saúde, no âmbito do cuidado prestado às pessoas com HIV/AIDS.1212. Vieira M, Padilha MI, Pinheiro RDC. Análise dos acidentes com material biológico em trabalhadores da saúde. Rev Latino-Am Enferm. 2011 Mar-Abr; 19(2):332-9. A falta de conhecimento sobre a aids e, principalmente, a real forma de transmissão do vírus, acabou por deixar o trabalhador da saúde mais susceptível aos riscos envolvendo exposição ao material biológico possivelmente contaminado.1212. Vieira M, Padilha MI, Pinheiro RDC. Análise dos acidentes com material biológico em trabalhadores da saúde. Rev Latino-Am Enferm. 2011 Mar-Abr; 19(2):332-9. Neste sentido, a busca pelo conhecimento, assim como a integração, o trabalho conjunto entre as diferentes categorias profissionais foram essenciais não só à garantia de uma maior segurança aos trabalhadores, no decorrer de sua atividade laboral, mas também a prestação de um cuidado livre de discriminação e preconceitos.

Percepção dos trabalhadores da saúde quanto aos sentimentos e atitudes dos pacientes frente ao diagnóstico soropositivo para o HIV e de seus familiares

Primeiramente, cabe ressaltar que a presente categoria aborda algumas manifestações de sentimentos oriundos do próprio paciente frente ao diagnóstico soropositivo para o HIV, do ponto de vista dos trabalhadores da saúde, a destacar estigma, discriminação, revolta, sentimento de morte iminente, assim como sentimentos de rejeição, discriminação, vergonha por parte dos familiares dos pacientes com HIV/aids internados no HNR.

Desde seu surgimento, a epidemia da aids, por ser uma doença inicialmente vinculada ao homossexualismo e a promiscuidade, vem sendo acompanhada por situações de discriminação, constituindo um dos aspectos desafiantes às pessoas com a doença a vivenciarem diferentes processos de enfrentamento diante do diagnóstico.1313. Maliska ICA, Padilha MIC, Vieira M, Bastiani J. Percepções e significados do diagnóstico e convívio com o HIV/aids. Rev Gaúcha Enferm. 2009 Mar; 30(1):85-91.-1414. Carvalho SM, Paes GO. A influência da estigmatização social em pessoas vivendo com HIV/AIDS. Cad Saúde Coletiva. 2011 Abr-Jun; 19(2):157-63. E neste emaranhado, que envolveu fortemente as questões sociais, no presente estudo, os trabalhadores da saúde, por estarem envolvidos diretamente na prestação do cuidado junto aos pacientes com HIV/aids, puderam vivenciar sentimentos como revolta, isolamento, angústia, medo por parte dos próprios pacientes em revelar sua situação sorológica à família.

A omissão do diagnóstico é estendida, muitas vezes, às próprias famílias pelo receio de como os familiares irão reagir e encarar a nova situação, como também pelo medo da rejeição e discriminação dos parentes. Ainda nesta linha de pensamento, é marcante, na vida das pessoas com HIV/aids, a necessidade constante de ocultar o diagnóstico da infecção à sociedade, sendo, portanto, múltiplas as causas associadas a essa atitude, como: medo, vergonha, receio de serem estigmatizadas e vítimas dos preconceitos atribuídos à doença.1515. Vieira M, Padilha MIC. O cotidiano das famílias que convivem com o HIV: um relato de experiência. Esc Anna Nery. 2007 Jun; 11(2):351-7. Fato que se confirma no presente estudo através dos depoimentos:

os pacientes mesmos se discriminavam, tinham receio, medo de serem discriminados. Daí mentiam, trocavam o nome. Teve caso assim, de filho de gente influente na cidade que deu o nome de outra pessoa só para não ser vitimizado (AE1).

na época, a estigmatização, o medo do resultado positivo e de ter que enfrentar a família era tanto que, bem no início, nos primeiros casos, teve um jovem que se internou, colheu os exames e acabou cometendo suicídio. Ele nem esperou pelo resultado do exame e o dele deu negativo. Então, isso me marcou bastante (E1).

infelizmente, os próprios pacientes tinham preconceito, ou melhor, medo de serem discriminados. Para tu veres, tinha paciente que por medo, vergonha, sei lá, pedia para eu pegar a medicação só para não ser visto por algum familiar, conhecido pegando os remédios para aids (TE4).

envolvíamos muito com os pacientes, eles perguntavam: 'Como é que eu vou contar para a minha família que tenho isso? E no trabalho?' É, na época, a aids no trabalho era um problema, se alguém descobrisse que eles tinham HIV seriam demitidos. E o paciente ter que revelar o diagnóstico para família também era complicado, porque além da aids tinha toda uma história atrás, de drogas, prostituição, homossexualismo... (E2).

era muito complicado ver aqueles pacientes. Lembro que tinha uns que ficavam revoltados, indignados, não aceitavam estar com a doença. Mas o triste mesmo, era ver o rosto amedontrado de alguns pela espera da morte, sabiam que iam morrer e se isolavam (AE3).

quando eu comecei a trabalhar já tinha a ala 5, então todo mundo que internava nesta ala é porque tinha aids. E muitos pacientes com aids não queriam internar de jeito nenhum, porque se eles internassem na ala 5, a família inteira ia saber que eles tinham aids (M3).

Os relatos revelam diferentes formas de enfrentamentos relacionados à fragilidade da descoberta do diagnóstico, à necessidade de ocultar a infecção, decorrente da discriminação e do preconceito que vivenciaram, à constante percepção da morte; além de emitirem sentimentos, como vergonha, preocupação com a família, abandono, solidão, tristeza, medo da morte, ansiedade.

O diagnóstico da aids representa um evento catastrófico, por estar associado a uma evolução clínica de rápida deterioração, além de não se dispor de qualquer tratamento curativo e de apresentar um prognóstico extremamente ruim. Neste sentido, dúvidas a respeito do processo de adoecimento surgem, do quão doloroso e inevitável poderá ser o progresso da doença, fazendo-o conviver permanentemente com a certeza de morte breve.22. Natividade JC, Camargo BV. Elementos caracterizadores das representações sociais da aids para adultos. Temas Psicol. 2011 Jun; 19(1):179-92.

A relação entre a doença e a morte parece inevitável, trazendo aspectos relacionados com a vida íntima e com profundas repercussões em sua vida social. A vida é colocada em questionamento para a grande maioria das pessoas, cujo diagnóstico do HIV deu positivo. Assim, passam a rever suas histórias, seus planos e reavaliar aquilo que consideram essencial.1616. Carvalho CML, Galvão MTG. Enfrentamento da AIDS entre mulheres infectadas em Fortaleza-CE. Rev Esc Enferm USP. 2008 Mar; 42(1):90-7.-1717. Vieira M, Padilha MIC, Santos EKA. Histórias de vida - mãe e filho soropositivo para o HIV. Texto Contexto Enferm. 2009 Jan-Mar; 18(1):33-40.

No presente estudo, os trabalhadores da saúde ressaltaram que o sentimento de morte iminente pôde ser observado em alguns dos pacientes, que sabiam ser portadores de uma doença até então letal, o que gerou uma diversidade de sentimentos angustiantes, como medo, ansiedade e depressão. E, ainda, associados a todos esses sentimentos, vivenciaram todo o estigma, preconceito, isolamento e, muitas vezes, o abandono.

O diagnóstico do HIV, por acarretar trauma de natureza física, emocional e social, é considerado um choque.1313. Maliska ICA, Padilha MIC, Vieira M, Bastiani J. Percepções e significados do diagnóstico e convívio com o HIV/aids. Rev Gaúcha Enferm. 2009 Mar; 30(1):85-91. A pessoa diante da descoberta da aids, experimenta sentimentos de incerteza e insegurança, conduzindo a viver momentos de crise. A forma como cada pessoa vai reagir às mudanças geradas decorrente da doença vai depender de diversos fatores, dentre eles, o de sua personalidade e de seu contexto sócio-familiar.

No que se refere ao contexto sócio-familiar, enfatizamos a importância da família como alicerce, apoio no enfrentamento do diagnóstico de uma doença tão estigmatizada como no caso da aids.1515. Vieira M, Padilha MIC. O cotidiano das famílias que convivem com o HIV: um relato de experiência. Esc Anna Nery. 2007 Jun; 11(2):351-7.-1616. Carvalho CML, Galvão MTG. Enfrentamento da AIDS entre mulheres infectadas em Fortaleza-CE. Rev Esc Enferm USP. 2008 Mar; 42(1):90-7. No entanto, de acordo com os relatos dos trabalhadores da saúde, não foi isso que os mesmos vivenciaram no início do surgimento da aids no HNR e sim sentimentos de discriminação, preconceito, vergonha por alguns familiares, sobretudo pelos pais com relação à situação sorológica do seu filho. Fato que se observa nas seguintes falas:

quando a família do paciente descobria que o motivo da aids era o homossexualismo ficava mais envergonhada ainda. Era complicadíssimo, além da aids, naquela época, ser homossexual era pecado, a família discriminava (M1).

olha, era muito triste ver o paciente ali deprimido, isolado, discriminado pela própria família. Muitos dos pacientes eram largados e culpados por ter a doença, por serem homossexuais, usuários de drogas (TE2).

teve família que internou seu familiar aqui e que trancava o quarto, e daí só entrava pessoas autorizadas para fazer a medicação, o banho. A família não queria que seu familiar fosse visto, porque, mais que a aids, era ter a fama de homossexual (TE4).

algumas mães não queriam que outras pessoas da família soubessem que seu filho estava com aids. Tinham medo da discriminação dos outros com seu filho, era uma certa forma de proteger (E4).

É notável, nos relatos dos trabalhadores da saúde, o quanto marcante foi a estigmatização, discriminação, vergonha, isolamento por algumas famílias, frente ao conhecimento do diagnóstico HIV positivo de seu parente, assim como a culpabilidade no familiar com a doença. Tais sentimentos, atitudes decorrem do HIV/aids ter sido construído diante do conceito de perversidade e de misérias humanas, como as questões do homossexualismo masculino, promiscuidade feminina e uso de drogas injetáveis.

A infecção pelo HIV, por constituir à sociedade um significado carregado de sentidos morais, foi suficiente para conduzir aos acometidos pela doença uma sensação de culpa e vitimização, pois se transmitia a ideia de que a aids era uma espécie de castigo divino contra pessoas cujo comportamento sexual não condizia com dogmas religiosos.77. Monteiro S, Villela WV, Knauth D. Discrimination, stigma, and AIDS: a review of academic literature produced in Brazil (2005-2010). Cad Saúde Pública. 2012 Jan; 28(1):170-6.

Ainda neste contexto, a aids, por sua associação inicial com comportamentos socialmente desviantes e, por isso mesmo, sujeitos à condenação da sociedade, a contaminação pelo vírus trouxe um problema adicional, não só às pessoas soropositivos para o HIV, mas também aos seus familiares: o de tornar pública a condição de ter um membro da família infectado. Já que um dos dilemas vividos por algumas das famílias foi a revelação do diagnóstico do seu parente, sobretudo das mães em relação à soropositividade para o HIV de seu filho. Estas foram levadas a ocultar o diagnóstico dos mesmos, devido ao medo de serem estigmatizados, rejeitados, vítimas do preconceito das pessoas.1515. Vieira M, Padilha MIC. O cotidiano das famílias que convivem com o HIV: um relato de experiência. Esc Anna Nery. 2007 Jun; 11(2):351-7.-1616. Carvalho CML, Galvão MTG. Enfrentamento da AIDS entre mulheres infectadas em Fortaleza-CE. Rev Esc Enferm USP. 2008 Mar; 42(1):90-7. As famílias, por medo do julgamento e da exclusão social, preferiram que a sociedade não tomasse conhecimento do diagnóstico do seu familiar, como forma de proteção, caso contrário, iriam olhá-los diferente e tratá-los com indiferença.

Atitudes e/ou sentimentos da população frente ao surgimento da aids

Nesta categoria os relatos abordam os sentimentos de discriminação, preconceito, medo da sociedade, incluso neste contexto os demais hospitais, instituições de saúde às pessoas com HIV/aids, assim como o próprio HNR e seus funcionários .

No que se refere aos sentimentos de discriminação, rejeição, medo às pessoas com HIV/aids, estes estiveram bastante presentes desde o surgimento da doença, vinculados à influência negativa da mídia, que divulgava a concepção da doença como consequência de condutas socialmente reprováveis. Desta forma, o preconceito e a intolerância estamparam-se nos discursos e o termo "aidético" veio à tona, considerando a pessoa com HIV/aids um inimigo condenado à morte física, sem utilidade para o desenvolvimento social, enfim retirado dele o direito de ser cidadão.55. Darde VWS. A AIDS na imprensa: a construção da imagem da epidemia e a influência na promoção da cidadania. Em Questão. 2004 Jul-Dez; 10(2):247-59.

Tal fato decorreu do surgimento da aids estar associado diretamente ao homossexualismo e aos usuários de drogas injetáveis, os quais foram enquadrados em estigmatizados grupos de risco. Pois, até então, o percurso dessa doença causava certo estranhamento. Primeiro, afirmaram que só afetava homossexuais masculinos, logo depois, surgiu a história dos macacos africanos que teriam transmitido o vírus aos humanos. Em seguida, usuários de drogas começaram a ser infectados.1818. Gomes AMT, Oliveira DC, Santos EI, Santo CCE, Valois BRG, Pontes APM, et al. As facetas do convívio com o HIV: formas de relações sociais e representações sociais da AIDS para pessoas soropositivas hospitalizadas. Esc Anna Nery. 2012 Mar;16(1):111-20. É possível observar até então, que apenas grupos considerados marginais, desviantes da sociedade haviam sido atingidos, o que sedimentava o estigma do grupo de risco pela sociedade.

As pessoas, se pudessem, elas se jogavam em uma armadura de ferro ao passar por um aidético, era assim que as pessoas chamavam o paciente com a doença (D1).

No início do surgimento da aids no hospital, os pacientes com a doença foram muito estigmatizados pela sociedade, alimentado pela mídia preconceituosa. A culpa era colocada nas pessoas com aids, tipo assim: 'Ele tem aids porque ele fez isso e isso e aquilo de errado' (AE2).

Muito preconceito no início, mas acho até que o maior preconceito não foi tanto da doença, mas sim do estilo de vida, da opção sexual da pessoa. Porque a questão do homossexualismo era muito recriminada, a sociedade culpava os homossexuais, alegando serem os culpados por estarem com a doença, de que foi uma escolha deles (M2).

A mídia na época era um horror e fez um papel muito complicado à discriminação. O estigma da população era tanto, que as pessoas segregavam, jogavam, largavam o paciente no hospital, não queriam que ficassem na comunidade. Então, eu e as duas assistentes sociais, na época, trabalhávamos em conjunto, tivemos que manejar isso tudo (P1).

Os outros hospitais ligavam para dizer: 'Estou mandando um paciente' e, enquanto estávamos recebendo a informação, o paciente já estava na porta do hospital. Deparávamos com coisas absurdas, os pacientes do interior eram colocados na porta do hospital e a ambulância ia embora (E3).

A discriminação era muito grande por parte da população e até dos outros serviços de saúde. Lembro de uma pessoa famosa na época, que entrou bem, quer dizer bem entre aspas, porque o pessoal de outro hospital, quando descobriu que o paciente tinha aids, largaou na frente do Nereu[...]. Puxa, era uma dificuldade, até para levar o paciente para fazer uma ultrassom fora, porque as clínicas diziam que não havia vaga (E6).

É visível nos relatos dos trabalhadores da saúde, o quanto a sociedade e, neste contexto, os próprios serviços, instituições de saúde por influência da mídia, estigmatizaram, discriminaram as pessoas acometidas pela doença. Tal conduta decorreu das primeiras veiculações na imprensa, as quais associavam a aids a um "câncer gay" ou mal do século.55. Darde VWS. A AIDS na imprensa: a construção da imagem da epidemia e a influência na promoção da cidadania. Em Questão. 2004 Jul-Dez; 10(2):247-59.Início este marcado pelo processo de descoberta da doença, que aliada à ausência de informações a respeito das formas de contágio, induziu indubitavelmente, como infelizmente ainda induz, a pessoa soropositivo para o HIV a um degradante ciclo discriminatório.

Sem dúvida, a imagem preconceituosa da sociedade às pessoas com aids, associada aos grupos dos homossexuais, usuários de drogas injetáveis, foi reforçada pela mídia, que com seu poder, noticiava reportagens sensacionalistas, distorcia e estigmatizava a aids como uma doença que não tinha cura, que levava à morte e era restrita a "grupos de riscos", disseminando, desta forma, na população pânico, rejeição, estigmatização. Tal situação não foi diferente em Florianópolis, município onde se localiza o HNR, contexto deste estudo, tendo em vista que a população reagiu fortemente ao episódio denominado "Gangue da aids". Evento este, relatado por algum dos sujeitos entrevistados, que gerou pânico e apresentou-se à cidade como um perigo a sua normalidade, principalmente os moradores do Edifício Helsinque, localizado no bairro Trindade na capital, que fizeram parte deste episódio.1919. Arney L, Fernandes M, Green JN. Significados sociais da homossexualidade masculina na era Aids. Cad AEL. 2003; 10(18/19):219-57.

Teve na época, um caso muito conhecido, que gerou muita discriminação, preconceito e que a população caiu em cima. Foi de um grupo de jovens que compartilhavam agulhas contaminadas com sangue, em festas no condomínio em que moravam, era no bairro Trindade. Este caso ficou muito conhecido pela mídia, lembro que chamavam de "Gangue da aids", saiu até nos jornais. E os pais dos jovens, que moravam nas proximidades, por influência negativa da mídia diziam que aqueles depravados tinham que sair do condomínio. E, quando a mídia descobriu que essas pessoas vinham colher sangue aqui, vieram jornalistas do Brasil inteiro, foi uma loucura(TE4).

A "Gangue da aids" foi um fato noticiado nos jornais de Florianópolis em outubro de 1987, que desencadeou entre a população uma onda de perseguição, medo e preconceito aos jovens acusados de participarem do grupo. Estes jovens passaram a ficar na mira da polícia, já que eram considerados suspeitos de estarem disseminando o HIV de forma intencional. Ainda com relação a este acontecimento, o escândalo foi tamanho, que as autoridades de saúde pública, no município e estado, foram procuradas para se manifestarem sobre o caso, lançando a discussão sobre a necessidade de se criar mecanismos para o controle da epidemia.2020. Amorim GR. Outsiders do bairro Trindade: "pacto da morte" ou "gangue da Aids?" Para além da construção de um episódio (Florianópolis, 1987) [dissertação]. Florianópolis (SC): Centro de Ciências Humans, Departamento de História, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009. Tal evento também chamou a atenção para o tráfico de drogas na cidade, que na época pensava-se ser um problema mais voltado às grandes cidades e metrópoles.

Marcado pelo fim da ditadura, o poder da mídia, já na época foi gritante, que nos jornais da capital, capas e matérias especiais, noticiavam, à população, toda a trama acerca da aids. Aproveitaram a onda de informações que uma das moradoras do edifício revelava e passaram a realizar reportagens sensacionalistas, que mostrava a imagem de que aqueles jovens estavam mesmo comprometidos em transmitir o HIV.1919. Arney L, Fernandes M, Green JN. Significados sociais da homossexualidade masculina na era Aids. Cad AEL. 2003; 10(18/19):219-57. Nota-se que tal representação alimentada pela mídia, acabou por orientar práticas sociais de discriminação da população e das autoridades públicas, ao ponto de desencadear um inquérito policial e deixar na memória a idéia de que o bairro Trindade foi foco de transmissão da aids.

Não bastasse o poder da mídia à maciça discriminação da população às pessoas com HIV/aids, no início da epidemia, há de se ressaltar, também, que tais canais de comunicação contribuíram pelos sentimentos de discriminação, estigma, preconceito da população ao HNR e aos funcionários, sobretudo aos da saúde que trabalhavam na instituição, conforme demonstram as falas:

o Nereu já era discriminado pela população por atender os pacientes com tuberculose. E, com a aids, o hospital passou a ser mais marginalizado, estigmatizado pela população. E tudo isso se deu por muita influência negativa da mídia que ficava direto em cima do hospital, alimentando o medo (M1).

via que o preconceito da sociedade era com o Nereu e também com a gente por trabalhar lá. Já existia até bem antes da aids, estigma, discriminação pela tuberculose. A gente tinha um ônibus do bairro que subia até o Nereu, mas antes o ônibus passava na comunidade atrás do hospital e dai ninguém sentava no nosso lado (AE1).

o hospital, antes mesmo da aids, já era mal visto pela sociedade, tinha a imagem de ser um hospital de pobre, esquecido, discriminado por cuidar de pacientes com doença infectocontagiosas. E, com a aids, isso veio mais à tona, gerou na população um certo pânico do lugar, não só dos pacientes, mas também de nós que trabalhávamos lá (TE3).

na minha família, o meu pai já não queria que eu fosse enfermeira, aí quando eu fui trabalhar no HNR ele dizia: 'mas tu estudastes tanto para trabalhar com tuberculose?' A minha sogra também, tinha medo que eu fosse levar tuberculose para casa. A questão da discriminação era muito forte, inclusive pelos nossos familiares. Mas, isso para mim nunca foi um fator impeditivo (E2).

o HNR, no início, foi um misto de curiosidade e sensacionalismo, porque a aids era uma coisa que mexia com a sexualidade das pessoas, com a droga, com tudo isso. Então, os jornalistas ficavam lá esperando para ter notícia, para ver quem entrava e saia do hospital, isso gerou muita confusão(E3).

Nota-se, nos relatos dos sujeitos, o quanto o HNR, assim como os trabalhadores da saúde, que executavam suas práticas laborais na instituição, foram estigmatizados pela população, por sua vez fomentada pela mídia, que veiculava na imprensa escrita e falada informações distorcidas, que contribuíram claramente para a constituição do preconceito e discriminação do HNR, por ser este uma referência no atendimento às pessoas com HIV/aids. Tais notícias tinham por objetivo divulgar um fato novo e desconhecido, de forma, sensacionalista e pouco precisa, sem a preocupação de difundir informações de cunho educativo.55. Darde VWS. A AIDS na imprensa: a construção da imagem da epidemia e a influência na promoção da cidadania. Em Questão. 2004 Jul-Dez; 10(2):247-59.

Inicialmente, antes mesmo do surgimento da aids, o HNR, por ser considerado referência na assistência às doenças infectocontagiosas em Santa Catarina, já era considerado um hospital de exclusão, rejeitado pela sociedade e esquecido pelo governo.2121. Delfino R. Cidade amendontrada com a aids. Diário Catarinense, Florianópolis, 25 de outubro 1987, p. 21.-2222. Borenstein MS, Ribeiro AAA, Padilha MICS. Hospital Nereu Ramos: as condições de trabalho do pessoal de enfermagem (1943-1960). In: Borenstein MS, organizador. Hospitais da Grande Florianópolis: fragmentos de memórias coletivas (1940-1960). Florianópolis (SC): Assembléia Legislativa de Santa Catarina, 2004. p. 49-61. Porém, com o advento da aids e por ser de referência, este passou a receber, a partir das políticas públicas voltadas a melhoria da assistência das pessoas com HIV/aids, incentivos e financiamentos para sua estruturação.11. Miranda AFB. História da AIDS em Santa Catarina: características de uma epidemia [dissertação]. Florianópolis (SC): Centro de Ciências da Saúde, Ciências Médicas. Universidade Federal de Santa Catarina; 2003. Tais avanços, estudos, políticas públicas em torno da aids, assim como a divulgação de seus resultados pelos meios científicos, proporcionou à mídia o interesse de produzir noticias acerca da aids com maior responsabilidade.2323. Souza BMB, Vasconcelos CC, Tenório DM, Lucema MGA, Holanda RLT. A Política de AIDS no Brasil: uma abordagem histórica. J Manag Prim Health Care. 2010; 1(1):23-6.

Por fim é possível ratificarmos que a aids surpreendeu e estabeleceu novos valores, atitudes de respeito, reconhecimento da sociedade, não apenas com relação aos indivíduos acometidos pela doença, mas também perante ao HNR, assim como aos profissionais que trabalhavam na instituição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo permitiu conhecer os diferentes sentimentos, atitudes dos trabalhadores da saúde frente ao surgimento da aids no HNR, decorrente da falta de conhecimento sobre a real forma de transmissão do HIV e o fato da doença ter surgido de forma devastadora às pessoas por ela acometida. Neste contexto, foi possível conhecer, ainda, do ponto de vista dos trabalhadores da saúde, alguns dos sentimentos oriundos do próprio paciente frente ao diagnóstico soropositivo para o HIV, a destacar: estigma, discriminação, abandono, tristeza, revolta, sentimento de morte iminente, assim como sentimentos de rejeição, discriminação, vergonha por parte dos familiares dos pacientes com HIV/aids internados no HNR.

Compreender o enfrentamento das questões relacionadas a aids foi complexo, pois ela carregou consigo o estereótipo de uma doença vergonhosa, fortemente associada a conotações como desvalorização moral e social. Neste sentido, diferentes sentimentos de discriminação, preconceito, medo da sociedade, dos demais hospitais, instituições de saúde as pessoas com HIV/aids, assim como ao próprio HNR e seus funcionários foram apresentados neste estudo.

E, neste cenário, a mídia sensacionalista, ao noticiar matérias sobre a aids de cunho moralista e discriminatório, foi a grande responsável por semear pânico na população. Tendo em vista que tais notícias foram os primeiros contatos que a sociedade teve com a aids, dessa forma contribuíram para reforçar a imagem do doente a partir da morte, do preconceito, associado aos grupos dos homossexuais, usuários de drogas injetáveis. Não é à toa que, desde o surgimento da aids, muitos foram os sentimentos negativos às pessoas com a doença, por parte dos trabalhadores da saúde, pelos próprios pacientes e seus familiares, bem como pela população.

Entendemos que este estudo tem uma relevância social e acadêmica em saúde, além de apresentar dados importantes para o enfrentamento da problemática do estigma, preconceito frente à epidemia da aids. Pois, apesar de tais sentimentos, infelizmente, ainda existirem, é possível ratificarmos, com base no estudo, que muitos foram os enfrentamentos à desmistificação da marca estigmatizante da aids, na vida das pessoas. De que a pessoa com HIV necessita de um olhar diferenciado, mas não desigual, pois continua sendo a mesma, com a diferença que, circunstancialmente, entrou em contato com um vírus do HIV.

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    Artigo resultante da tese - Evolução das práticas de cuidado dos trabalhadores da saúde às pessoas com HIV/AIDS, em um hospital referência em doenças infectocontagiosas de Santa Catarina: no período de 1986 a 2006, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    25 Jan 2013
  • Aceito
    16 Jul 2013
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