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COMO ENFERMEIROS VÊM EXERCENDO A ADVOCACIA DO PACIENTE NO CONTEXTO HOSPITALAR? - UMA PERSPECTIVA FOUCAULTIANA

CÓMO ENFERMEROS VEEN EJERCENDO LA DEFENSA DEL PACIENTE EN EL CONTEXTO DEL HOSPITAL? - UNA PERSPECTIVA FOUCULTIANA

Resumos

Objetivou-se conhecer como os enfermeiros vêm exercendo a advocacia do paciente no contexto hospitalar. Realizou-se uma pesquisa qualitativa, do tipo exploratório-descritiva, em um hospital universitário do Sul do Brasil. Foram respondentes da pesquisa 16 enfermeiros, selecionados por meio de amostragem não probabilística, do tipo bola de neve. Para a coleta de dados, foram realizadas entrevistas semiestruturadas, gravadas e transcritas, analisadas mediante análise textual discursiva e referencial teórico foucaultiano. Como resultados, emergiram duas categorias: a coragem de verdade: o exercício da advocacia mediado pelo diálogo franco; estratégias de resistência para o exercício da advocacia do paciente. Conclui-se que a estabilidade profissional e o apoio da instituição contribuem para que os enfermeiros se sintam encorajados a exercer a advocacia, mesmo diante de situações de difícil enfrentamento, utilizando-se da parrésia e de estratégias de resistência para garantir a defesa efetiva dos interesses dos pacientes.

Advocacia em saúde; Enfermagem; Ética em enfermagem. Poder


Este estudio tuvo como objetivo conocer cómo los enfermeros están practicando la defensa del paciente en el contexto del hospital. Se realizó una investigación cualitativa, exploratorio- descriptiva, en un hospital universitario en el sur de Brasil. Los encuestados fueron 16 enfermeros, seleccionados mediante muestreo no probalístico, del tipo bola de nieve. Para recopilar los datos, fueron realizadas encuestas semi-estructuradas, grabadas y transcritas, analizadas mediante análisis textual discursivo y referencial teórico foucaultiano. Como resultados, emergieron dos categorías: el coraje de verdad: el ejercicio de la defensa mediada por el diálogo franco; estrategias de resistencias para el ejercicio de la defensa de los pacientes. Se concluye que la estabilidad profesional y el apoyo de la institución contribuyen para que los enfermeros se sientan encorajados a practicar la defensa, mismo en situaciones difíciles de enfrentamiento, utilizándose de la parresia y de estrategias de resistencia para asegurar la defensa efectiva de los intereses de los pacientes.

Defensa de la salud; Enfermería; Ética en enfermería; Poder


This study aimed to discover how nurses have exercised patient advocacy in the hospital context. A qualitative, exploratory-descriptive research was carried out at a university hospital in the South of Brazil. The respondents were 16 nurses, chosen through non-probable snowball sampling. For data collection, semi-structured interviews were conducted, recorded, transcribed and analyzed by discursive textual analysis and the Foucaultian philosophical reference framework. Two categories resulted from the discursive textual analysis: the real courage: exercise of advocacy mediated by open dialogue; strategies of resistance for the exercise of patient advocacy. It is concluded that professional stability and the institution's support help nurses to feel encouraged to exercise advocacy, even when facing with situations that are hard to deal with, using parrhesia and strategies of resistance to ensure the effective defense of the patients' interests.

Health advocacy; Nursing; Nursing, ethics; Power


INTRODUÇÃO

A prática da advocacia do paciente pelos enfermeiros foi reconhecida nos Estados Unidos na década de 1970,11. Annas GJ. The patient rights advocate: can nurses effectively fill the role? Superv Nurse. 1974 Jul; 5(7):20-5. ainda hoje, retrata um papel relativamente novo da profissão,22. Hanks RG. The medical-surgical nurse perspective of advocate role. Nurs Forum. 2010 Apr-Jun; 45(2):97-107.-33. Ware LJ, Bruckenthal P, Davis GC, O'Conner-Von SK. Factors that influence patient advocacy by pain management nurses: results of the American society for pain management nursing survey. Pain Manag Nurs. 2011 Mar; 12(1):25-32. especialmente em alguns países, como o Brasil, onde as investigações acerca do exercício da advocacia do paciente por enfermeiros ainda são incipientes.

Já no cenário internacional, a advocacia do paciente na enfermagem reflete amplas e diferentes perspectivas em quadros éticos e legais e, mais recentemente, como um fundamento filosófico e um ideal para a prática da profissão.44. Negarandeh R, Oskouie F, Ahmadi F, Nikravesh M, Hallberg IR. Patient advocacy: barriers and facilitators. BMC Nurs. 2006 Mar; 5(3):1-8.-55. Mahlin M. Individual patient advocacy, collective responsibility and activism within professional nursing associations. Nurs Ethics. 2010 Mar; 17(2):247-54. No contexto brasileiro, investigações já identificaram que a negação do papel do enfermeiro como advogado do paciente pode constituir uma das principais fontes de sofrimento moral.66. Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Dalmolin GL, Tomaschewski JG. The experience of moral distress in nursing: the nurses' perception. Rev esc enferm USP. 2012 Jun; 46(3):681-8.

7. Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Tomaschewski-Barlem JG, Silveira RS. Moral distress in everyday nursing: hidden traces of power and resistance. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013 Feb; 21(1):293-9.
-88. Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Tomaschewski-Barlem JG, Silveira RS, Dalmolin GL. Moral distress in nursing personnel. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013 Feb; 21(spe):79-87.

Embora a advocacia do paciente venha sendo cada vez mais discutida como um componente essencial e uma obrigação moral do enfermeiro, muitas definições têm sido propostas na literatura, implicando em contradições e diferentes interpretações acerca deste conceito.22. Hanks RG. The medical-surgical nurse perspective of advocate role. Nurs Forum. 2010 Apr-Jun; 45(2):97-107. Desse modo, diversos estudos vêm descrevendo o conceito de advocacia do paciente a partir de ações dos enfermeiros, em diferentes contextos, clínicos ou culturais e em diferentes situações.22. Hanks RG. The medical-surgical nurse perspective of advocate role. Nurs Forum. 2010 Apr-Jun; 45(2):97-107.

3. Ware LJ, Bruckenthal P, Davis GC, O'Conner-Von SK. Factors that influence patient advocacy by pain management nurses: results of the American society for pain management nursing survey. Pain Manag Nurs. 2011 Mar; 12(1):25-32.
-44. Negarandeh R, Oskouie F, Ahmadi F, Nikravesh M, Hallberg IR. Patient advocacy: barriers and facilitators. BMC Nurs. 2006 Mar; 5(3):1-8.

Em termos de ações específicas, o papel dos enfermeiros na advocacia tem sido definido como a voz dos pacientes, como um guia de condutas, como uma forma de enfrentamento dos diversos desafios impostos pelas tradicionais estruturas de saúde e suas relações de poder, como uma forma de capacitar os pacientes para suas decisões e intervir nas falhas de comunicação entre os pacientes e outros profissionais da saúde.44. Negarandeh R, Oskouie F, Ahmadi F, Nikravesh M, Hallberg IR. Patient advocacy: barriers and facilitators. BMC Nurs. 2006 Mar; 5(3):1-8.,99. Hamric AB. What is happening to advocacy? Nurs Outlook. 2000 May-Jun; 48(3):103-4.

10. Vaartio H, Leino-Kilpi H, Suominen T, Puukka P. Nursing advocacy in procedural pain care. Nurs Ethics. 2009 May; 16(3):340-62.

11. Hanks RG. Development and testing of an instrument to measure protective nursing advocacy. Nurs Ethics. 2010 Mar; 17(2):255-67.
-1212. Cole C, Wellard S, Mummery J. Problematising autonomy and advocacy in nursing. Nurs Ethics. 2014 Jan; 21(5):576-82. Ainda, tem como propósito auxiliar o paciente a obter cuidados de saúde necessários, defender seus direitos, garantir a qualidade do cuidado e servir como um elo entre o paciente e o ambiente de saúde,44. Negarandeh R, Oskouie F, Ahmadi F, Nikravesh M, Hallberg IR. Patient advocacy: barriers and facilitators. BMC Nurs. 2006 Mar; 5(3):1-8.,99. Hamric AB. What is happening to advocacy? Nurs Outlook. 2000 May-Jun; 48(3):103-4.,1111. Hanks RG. Development and testing of an instrument to measure protective nursing advocacy. Nurs Ethics. 2010 Mar; 17(2):255-67. podendo contribuir para o reconhecimento e valorização da enfermagem.

Contudo, quando os enfermeiros advogam para os pacientes, podem enfrentar certos riscos e obstáculos, relacionados à organização e às relações de poder próprias do ambiente de trabalho. Assim, a tentativa de advogar por um paciente pode falhar, e inúmeras barreiras podem surgir ao abordar os direitos, as escolhas ou o bem-estar dos pacientes.44. Negarandeh R, Oskouie F, Ahmadi F, Nikravesh M, Hallberg IR. Patient advocacy: barriers and facilitators. BMC Nurs. 2006 Mar; 5(3):1-8.,1313. Josse-Eklund A, Jossebo M, Sandin-Bojo AK, Wilde-Larsson B, Petzall K. Swedish nurses' perceptions of influencers on patient advocacy. Nurs Ethics. 2014 Sep; 21(6):673-83.

Considerando a enfermagem brasileira, pode-se questionar: como os enfermeiros vêm enfrentando as barreiras e dificuldades para exercer a advocacia do paciente em seus ambientes de trabalho? Essas barreiras e enfrentamentos conduzem ao entendimento de que o exercício da advocacia do paciente está fortemente articulado ao exercício de poder dos enfermeiros como uma relação de forças, de ação e reação,1414. Foucault M. Microfísica do poder. 26ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Edições Graal; 2008. pois o exercício da advocacia requer a coragem de falar a verdade, ou seja, a parrésia,1515. Foucault M. Fearless speech. Pearson J, editor. Los Angeles (US): Semiotext(e); 2001. do mesmo modo como são necessárias estratégias de resistência para enfrentar possíveis barreiras que se apresentam.

A partir da compreensão de que as relações de poder estão incorporadas à prática cotidiana da enfermagem, como às demais práticas sociais, como relações de forças, assimétricas, não fixas, com permanente possiblidade de resistência,1414. Foucault M. Microfísica do poder. 26ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Edições Graal; 2008. enfatiza-se o questionamento: os enfermeiros vêm exercendo a advocacia do paciente?99. Hamric AB. What is happening to advocacy? Nurs Outlook. 2000 May-Jun; 48(3):103-4. É possível perceber que, apesar da advocacia constituir um ideal moral para a prática de enfermagem, muitas vezes, não se traduz em ações, principalmente, pelo frágil exercício de poder do enfermeiro e sua dificuldade para resistir mesmo em situações que reconhece como moralmente incorretas.

Contudo, considerando-se a parrésia como uma metáfora conceitual para as ações de advocacia do paciente na prática de enfermagem, o exercício da advocacia pode ser compreendido como uma obrigação moral do enfermeiro, que deve sempre falar a verdade baseado na franqueza e no exercício da sua liberdade.1616. Drought T. Editorial comment: parrhesia as a conceptual metaphor for nursing advocacy. Nurs Ethics. 2007 Mar; 14(2):127-8. A parrésia constitui uma ação verbal em que o sujeito evidencia sua relação pessoal com a verdade e, ao dizê-la, coloca-se em situação de risco, uma vez que concebe a atitude de dizer a verdade como um dever para auxiliar os outros e a si mesmo.1515. Foucault M. Fearless speech. Pearson J, editor. Los Angeles (US): Semiotext(e); 2001.

Situações que comumente originam conflitos éticos nos diferentes ambientes de cuidado requerem dos enfermeiros ações morais, a expressão da verdade, resistências, enfrentamentos e, especialmente, o exercício de advocacia, tendo em vista que suas omissões podem repercutir de forma negativa no cuidado aos pacientes. Logo, este estudo justifica-se em virtude da necessidade de explorar como os enfermeiros vêm exercendo a advocacia do paciente em seus ambientes de trabalho, o que pode culminar em potenciais benefícios aos pacientes e à profissão.

Diante do exposto, buscando compreender as questões que envolvem o fenômeno da advocacia do paciente na realidade hospitalar, emergiu a seguinte questão de pesquisa: Como enfermeiros vêm exercendo a advocacia do paciente no contexto hospitalar? Teve-se como objetivo: conhecer como os enfermeiros vêm exercendo a advocacia do paciente no contexto hospitalar.

MÉTODO

Pesquisa qualitativa, do tipo exploratório-descritiva, desenvolvida em um hospital universitário do Sul do Brasil, o qual atende exclusivamente usuários do Sistema Único de Saúde. Possui 195 leitos e conta com a atuação de 67 enfermeiros, em sua maioria, servidores públicos concursados (Regime Jurídico Único) e, em menor quantitativo, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, ambos com carga horária semanal de 30h.

Os critérios para a seleção dos sujeitos limitaram-se a ser profissional enfermeiro; atuar profissionalmente há pelo menos um ano; desejar participar da pesquisa; ter disponibilidade para responder ao guia de entrevista; não se encontrar em férias, afastamento ou licença; e possuir vínculo empregatício de Regime Jurídico Único, uma vez que se acredita que esses enfermeiros têm maior possibilidade de exercer a advocacia do paciente em seus ambientes de trabalho, visto que apresentam estabilidade no emprego, favorecendo, assim, o exercício de sua liberdade para advogar pelos pacientes.

Foram respondentes da pesquisa 16 enfermeiros, selecionados por meio de amostragem não probabilística por conveniência, do tipo bola de neve. Desse modo, a partir da identificação de um enfermeiro que, aparentemente, era reconhecido por advogar pelos pacientes, lhe foi solicitado, após sua entrevista, que indicasse outro enfermeiro com as características necessárias à população de interesse, e assim, sucessivamente, até o momento em que não houve indicação de novos sujeitos pelos entrevistados no ambiente selecionado para a pesquisa.

A coleta de dados ocorreu no período de janeiro de 2014, em diferentes locais e horários, indicados de acordo com a preferência dos participantes. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, gravadas, com duração média de 40 minutos, contendo questões fechadas, para a caracterização dos sujeitos, e questões abertas, enfocando aspectos relacionados ao exercício da advocacia do paciente na enfermagem, especialmente, no que se referem às estratégias utilizadas pelos enfermeiros para advogar pelos pacientes, barreiras, facilitadores e possíveis implicações desse exercício.

O processo de análise dos dados, obtidos pelas transcrições das entrevistas, foi realizado com a técnica de análise textual discursiva, a qual compreende uma metodologia de análise de dados qualitativos que tem por finalidade produzir novas compreensões sobre discursos e fenômenos, inserindo-se entre os extremos da análise de conteúdo e análise de discurso.1717. Moraes R, Galiazzi MC. Análise textual discursiva. 2. ed. rev. Ijuí: Ed. Unijuí; 2013. Foram seguidas três etapas: a unitarização dos textos; o estabelecimento de relações; e a captação do novo emergente, focalizando a construção de um processo auto-organizado.1717. Moraes R, Galiazzi MC. Análise textual discursiva. 2. ed. rev. Ijuí: Ed. Unijuí; 2013.

A unitarização consistiu na imersão do pesquisador nas transcrições das entrevistas realizadas, implicando na desconstrução do texto e na captação das unidades elementares e unidades constituintes, as quais originaram as unidade de sentido. Após a realização da unitarização, realizou-se a articulação das unidades de sentido semelhantes, o que constitui o processo de estabelecimento de relações.1717. Moraes R, Galiazzi MC. Análise textual discursiva. 2. ed. rev. Ijuí: Ed. Unijuí; 2013.

Durante o estabelecimento de relações ou categorização, foram realizadas comparações entre as unidades de sentido à luz do referencial foucaultiano, emergindo duas categorias finais. A última etapa da análise, captação do novo emergente, englobou a descrição e interpretação dos sentidos e significados construídos com base no do texto, o que permitiu a produção de novos entendimentos sobre o fenômeno da advocacia do paciente na enfermagem.1717. Moraes R, Galiazzi MC. Análise textual discursiva. 2. ed. rev. Ijuí: Ed. Unijuí; 2013.

Os aspectos éticos foram respeitados, conforme as recomendações da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, de forma que o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local (Parecer n. 97/2013). Os depoimentos dos enfermeiros estão identificados pela letra E, seguida de um número sequencial (E1 a E16).

RESULTADOS

A partir da caracterização dos dezesseis enfermeiros, constatou-se que: sua idade variou entre 30 e 56 anos; 14 eram mulheres; sete enfermeiros possuíam o curso de especialização como titulação mais elevada, quatro eram mestres e apenas um enfermeiro possuía o curso de doutorado; o tempo de atuação profissional variou entre seis e 30 anos.

Com base na análise dos dados, em resposta às questões abertas, emergiram duas categorias apresentadas a seguir: A coragem de verdade: o exercício da advocacia mediado pelo diálogo franco; e Estratégias de resistência para o exercício da advocacia do paciente.

A coragem de verdade: o exercício da advocacia mediado pelo diálogo franco

Nessa categoria, foi possível evidenciar que a advocacia do paciente é exercida pelos enfermeiros, especialmente através do diálogo franco e verdadeiro, seja com os pacientes, seja com profissionais de saúde, numa tentativa de auxiliar os pacientes nas suas decisões e garantir a qualidade do cuidado, mesmo com o risco de possíveis rupturas em suas relações profissionais.

Desse modo, os enfermeiros parecem advogar pelo paciente em seus ambientes de trabalho, principalmente quando identificam que os pacientes não se mostram suficientemente informados e esclarecidos sobre os cuidados com sua saúde para exercerem sua autonomia. Assim, mediados pelo diálogo franco que, diversas vezes, pode contrariar os interesses da equipe ou instituição de saúde, os enfermeiros optam por dizer a verdade e advogar pelos pacientes, cumprindo o dever moral de garantir sua autonomia e auxiliá-los nas suas tomadas de decisão.

Muitas vezes, o paciente está sendo empurrado para um caminho que não é o único, e tu podes orientá-lo para que ele decida o que ele quer dentro daquilo que ele possui de possibilidades; então eu acho que eu exerço a advocacia quando eu deixo o paciente plenamente ciente das possibilidades para decidir o que ele quer (E2).

Oriento todos os pacientes acerca dos direitos deles e das nossas obrigações, mesmo que eu tenha que ir contra o sistema [de trabalho], mas eu consigo colocar em prática aquilo que eu acredito que deve ser feito; vou para casa com a minha consciência tranquila, porque o sistema, ele é feito para acomodar a instituição, para acomodar os trabalhadores, mas nem sempre visa o melhor para o paciente(E16).

Ao compreenderem o ato de dizer a verdade como um dever moral inerente às suas ações, os enfermeiros também utilizam o diálogo franco e corajoso com a própria equipe de saúde para exercer a advocacia do paciente, numa manifestação de exercício de poder, seja na ênfase e na priorização de ações benéficas ao paciente, seja no enfrentamento de situações reconhecidas como moralmente inadequadas. Desse modo, ao manifestarem claramente suas crenças em relação aos cuidados que prestam e aos que são prestados aos pacientes, ou mesmo, ao aconselharem ou criticarem um membro da equipe de saúde sobre sua forma de agir, os enfermeiros advogam pelos interesses dos pacientes, optando por exercer poder e não permanecer indiferentes e coniventes com o que presenciam.

A gente procura o profissional ou a categoria envolvida e tenta conversar, tenta esclarecer aquilo que não está sendo desenvolvido da forma correta, bem como quando identificamos que o paciente precisa de esclarecimentos; precisamos falar tudo que está acontecendo de forma clara (E13).

Eu advogo diariamente quando, por exemplo, eu questiono uma prescrição médica, quando acredito que ela não está de acordo com aquilo que o paciente precisa, quando se discute a questão de continuar ou não investindo naquele paciente; eu sempre passo para a equipe o meu ponto de vista em relação a um determinado paciente (E14).

Os enfermeiros, ao optarem por estabelecer uma relação de verdade com o paciente ou com os demais membros da equipe de saúde, em defesa dos interesses do paciente, mesmo numa dimensão dialógica, reconhecem seu exercício de poder e, consequentemente, a possibilidade de desencadear um conflito em suas relações profissionais, com o risco de desconfortos e rupturas.

O fato de tu falares para alguém da equipe que ele está errado, executando práticas inadequadas e que precisa mudar, sempre gera indiferença, mas é preciso falar, para que ele próprio internalize que precisa melhorar suas práticas de cuidado. O fato de sair com a consciência limpa por ter advogado por um paciente ultrapassa qualquer desentendimento passageiro (E5).

Não obstante, quando situações reconhecidas como inadequadas não são resolvidas por meio do diálogo franco com a equipe de saúde, os enfermeiros afirmam advogar pelos pacientes, principalmente através da denúncia, demonstrando coragem para tentar romper com situações cotidianas que, muitas vezes, não são modificadas ou mesmo questionadas em seus ambientes de trabalho. Ao romperem com tais situações, os enfermeiros referem sentir-se aliviados, apesar dos conflitos e do aparente desgaste provocado.

Tinha um colega que negligenciava os cuidados de enfermagem e eu registrei uma queixa como manda o figurino, mas eu não me arrependo de ter advogado, porque eu estava com a razão e faria tudo novamente se eu percebesse que os pacientes estão sendo mal atendidos (E13).

Se eu tiver que encaminhar alguém para o Ministério Público, para a procuradoria, eu vou fazer e inclusive eu já fui nesses órgãos[...] mas eu vou para casa e durmo tranquila por ter feito o melhor pelo paciente, independente do desgaste que isso me cause; se tu me perguntares agora se estou cansada, eu vou te responder que estou muito cansada, porque advogar pelo paciente envolve um conflito constante (E16).

Estratégias de resistência para o exercício da advocacia do paciente

Nessa categoria, encontram-se as estratégias de resistência adotadas pelos enfermeiros para exercer a advocacia do paciente, especialmente, os caminhos de enfrentamento utilizados diante das barreiras que se apresentam ao exercício da advocacia. Ao utilizarem estratégias e encontrarem espaços para resistir em seus ambientes de trabalho, os enfermeiros pretendem fortalecer seu exercício de poder, potencializando as ações em defesa dos interesses do paciente.

O exercício da autonomia e a opção de persistir em advogar pelos pacientes foram evidenciadas como importantes estratégias de resistência utilizadas pelos enfermeiros, mesmo diante das barreiras que possam dificultar ou impedir o exercício da advocacia. Ao exercerem sua autonomia e demonstrarem coragem para persistir, os enfermeiros buscam, principalmente, auxiliar o paciente a obter cuidados de saúde necessários e garantir a qualidade desses cuidados.

Existe muita resistência de profissionais quando eu advogo pelos pacientes, eles reclamam de tudo que eu peço a mais pelo conforto do paciente. Alguns médicos reclamam quando tu sugeres alguma avaliação ou pedido de exame, mas eu vou conseguindo enfrentar essas situações por meio da persistência. Eu não desisto e continuo a advogar da melhor forma possível com as disponibilidades que encontro (E12).

Eu me sinto com autonomia e me coloco por aquilo que considero correto, se eu vou ser ouvido já é diferente, mas exercer a advocacia não é um problema; eu não posso deixar de tentar, eu sempre argumento e, assim, eu advogo pelo paciente (E14).

Do mesmo modo, a busca e ampliação do conhecimento, mediadas pelas capacitação e qualificação profissional, possibilitam que os enfermeiros resistam em situações que reconhecem como inadequadas, argumentando em defesa dos pacientes, construindo estratégias capazes de favorecer o exercício de poder nos ambientes em que atuam. Logo, ao utilizarem o conhecimento como estratégia para advogar pelos pacientes, os enfermeiros fortalecem o exercício de sua autonomia e o exercício de poder, desafiando, comumente, decisões baseadas na autoridade médica.

Precisamos estar sempre estudando, nos capacitando, porque eu vejo alguns profissionais dizendo que não podem falar determinadas coisas para o paciente porque quem conversa é o médico, numa posição muito subalterna, não assumindo sua função. Então, eu saber que o paciente tem direito de saber das coisas, direito de ser esclarecido, isso tudo vai me construindo para que eu exerça a advocacia do paciente (E6).

Quando tu mostras o conhecimento para a equipe, ela passa a depositar confiança em ti e, a partir disso, fica mais fácil realizar ações em benefício do paciente, mesmo porque, quem não tem conhecimento não advoga (E2).

Outra estratégia de resistência utilizada pelos enfermeiros para advogar pelos pacientes refere-se à exigência de melhores condições de trabalho, seja em decorrência do número reduzido de profissionais nas equipes, da escassez e precariedade dos recursos materiais, ou mesmo, da ausência de protocolos, normas e rotinas. Assim, os enfermeiros afirmam realizar enfrentamentos numa tentativa de modificar e qualificar os ambientes em que atuam, advogando indiretamente pelos pacientes através da busca pela garantia da qualidade do cuidado prestado.

Enquanto estamos brigando para que as coisas tenham um bom andamento, por melhores condições de trabalho, nós estamos advogando pelo paciente; afinal de contas, o nosso trabalho é para os pacientes, a melhor ou pior resposta desse serviço é para clientela (E4).

Em qualquer setor que tu estejas, o enfermeiro está sempre em função de algum problema identificado em que o paciente está sendo prejudicado, não está sendo bem atendido ou está correndo algum risco, e nós interferimos nessa realidade de alguma maneira, tentando mudar comportamentos, procedimentos, protocolos e formas de trabalhar [...] então nessas situações eu estou advogando pelo paciente. Eu vejo a advocacia no sentido de buscar caminhos para resolver determinadas situações, no sentido de procurar implementar protocolos, capacitar profissionais, instituir uma cultura de cuidado, para que o paciente seja beneficiado, e isso é o que mais eu tenho trabalhado no momento (E7).

Desse modo, frequentemente, os enfermeiros recorrem à coordenação de enfermagem ou à direção da instituição, seja para exigir melhores condições de trabalho, seja para reivindicar que suas responsabilidades e decisões sejam apoiadas, especialmente, quando o diálogo franco não se mostra suficiente ou quando não conseguem ultrapassar as barreiras que comprometem o exercício da advocacia do paciente. Logo, o apoio da chefia, bem como da instituição de saúde, foram evidenciados como importantes espaços de contribuição para o fortalecimento da resistência, ao possibilitar que os enfermeiros se sintam encorajados para exercer a advocacia do paciente.

Eu sei que eu vou ter enfrentamentos que eu não consigo solucionar sozinha, porque são questões institucionais; uma andorinha só não faz verão, tu podes te posicionar, mas isso vai indo até o momento que tu vai te desgastando; então, alguns enfrentamentos precisam ser resolvidos institucionalmente (E6).

Quando não consigo advogar pelo paciente seja por limitações médicas, da equipe de enfermagem ou de outros trabalhadores, minha estratégia é ir atrás da gestão ou da coordenação para resolver o problema, sempre buscando resolver a situação [...] e, além disso, possuímos estabilidade, temos apoio da chefia, abertura para o diálogo e isso me deixa mais segura para advogar pelo paciente (E5).

DISCUSSÃO

Foi possível perceber que o exercício da advocacia do paciente pelos enfermeiros em seus ambientes de trabalho compreende ações que envolvem coragem para dizer a verdade e resistir diante de situações moralmente inadequadas, que comumente repercutem de forma negativa no cuidado aos pacientes. Desse modo, advogar pelos interesses dos pacientes requer dos enfermeiros o exercício da parrésia, como uma manifestação de exercício de poder, tornando aparentes verdades que, muitas vezes, permanecem ocultas em seus ambientes de trabalho,77. Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Tomaschewski-Barlem JG, Silveira RS. Moral distress in everyday nursing: hidden traces of power and resistance. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013 Feb; 21(1):293-9.,1515. Foucault M. Fearless speech. Pearson J, editor. Los Angeles (US): Semiotext(e); 2001. o que pode contrariar interesses da equipe ou da instituição de saúde.

Nesse sentido, considerando que os enfermeiros pesquisados vêm exercendo a advocacia do paciente, especialmente, mediada pelo diálogo franco e verdadeiro, é possível afirmar que o papel do enfermeiro como advogado do paciente pode ser comparado ao de um parresiasta, ao se reconhecer que tem necessidade de franqueza e de verdade ao falar o que sabe, bem como de percepção do dever incorporado em suas ações e de que é preciso coragem para assumir um papel, muitas vezes, perigoso.1616. Drought T. Editorial comment: parrhesia as a conceptual metaphor for nursing advocacy. Nurs Ethics. 2007 Mar; 14(2):127-8.

Observou-se que, diversas vezes, os enfermeiros referem utilizar o diálogo franco e verdadeiro com os pacientes para informá-los sobre seus direitos e assegurar que exerçam sua autonomia na tomada de decisões, visto que podem não se mostrar suficientemente informados em virtude das práticas e políticas restritivas das instituições de saúde. Resultados semelhantes foram encontrados em estudos acerca do exercício da advocacia em diferentes nações e culturas, evidenciando-se que ações de advocacia compreendem, especialmente, informar e esclarecer os pacientes visando garantir seu direito à autodeterminação e a qualidade do cuidado.22. Hanks RG. The medical-surgical nurse perspective of advocate role. Nurs Forum. 2010 Apr-Jun; 45(2):97-107.,1818. Davis AJ, Konishi E, Tashiro M. A pilot study of selected japanese nurses' ideas on patient advocacy. Nurs Ethics. 2003 Jul; 10(4):404-13.

19. O'Connor T, Kelly B. Bridging the Gap: a study of general nurses' perceptions of patient advocacy in Ireland. Nurs Ethics. 2005 Sep; 12(5):453-67.
-2020. Negarandeh R, Oskouie F, Ahmadi F, Nikravesh M. The meaning of patient advocacy for Iranian nurses. Nurs Ethics. 2008 Jul; 15(4):457-67.

Ainda, o reconhecimento da condição dos pacientes como sujeitos com direito ao exercício de sua autonomia e a omissão da enfermagem quanto à não reivindicação dos direitos dos pacientes pode resultar em sofrimento moral, conforme já constatado em estudos brasileiros.77. Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Tomaschewski-Barlem JG, Silveira RS. Moral distress in everyday nursing: hidden traces of power and resistance. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013 Feb; 21(1):293-9.-88. Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Tomaschewski-Barlem JG, Silveira RS, Dalmolin GL. Moral distress in nursing personnel. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013 Feb; 21(spe):79-87. Assim, ao optar pela verdade e pela franqueza nas suas relações com os pacientes, os enfermeiros exercem poder e desafiam práticas institucionais que, muitas vezes, não são questionadas, mas que, se modificadas, podem repercutir em benefícios para os pacientes, assegurando sua autonomia e minimizando a possível ocorrência do sofrimento moral entre enfermeiros.

O reconhecimento de práticas inadequadas realizadas por outros profissionais de saúde também pareceu desencadear nos enfermeiros a necessidade do exercício da parrésia, manifestada pela crítica às condutas desses profissionais ou mesmo pela denúncia de tais práticas. Conforme evidenciado em estudos com enfermeiros japoneses e iranianos, o exercício da advocacia do paciente ocorre, especialmente, quando os enfermeiros lhe protegem da incompetência de outros profissionais da saúde, assumindo comportamentos arriscados para defendê-lo em situações antiéticas.1818. Davis AJ, Konishi E, Tashiro M. A pilot study of selected japanese nurses' ideas on patient advocacy. Nurs Ethics. 2003 Jul; 10(4):404-13.,2020. Negarandeh R, Oskouie F, Ahmadi F, Nikravesh M. The meaning of patient advocacy for Iranian nurses. Nurs Ethics. 2008 Jul; 15(4):457-67. Desse modo, é possível perceber que exercer a advocacia em saúde envolve julgamentos éticos constantes e, frequentemente, implica questionar e confrontar valores, normas e práticas, de modo a garantir que os direitos dos pacientes sejam respeitados.

A crítica e a denúncia de situações reconhecidas como moralmente inadequadas constituem-se em exercício de poder, evidenciando que a parrésia pode ser considerada uma importante ferramenta para romper com tais situações, beneficiando pacientes e a profissão da enfermagem. Contudo, destaca-se que o exercício da advocacia mediado pela parrésia sempre implica numa tomada de posição que pode gerar riscos e conflitos, visto que desencadeia diferenças de opinião acerca dos melhores interesses do paciente, desequilibrando as relações de poder entre enfermeiros e demais profissionais de saúde.21

Esses conflitos podem trazer riscos aos enfermeiros, como perder o emprego ou serem rotulados com uma imagem negativa, contribuindo para que se sintam inibidos para exercer poder e advogar pelos direitos do paciente nos seus ambientes de trabalho.44. Negarandeh R, Oskouie F, Ahmadi F, Nikravesh M, Hallberg IR. Patient advocacy: barriers and facilitators. BMC Nurs. 2006 Mar; 5(3):1-8.,2020. Negarandeh R, Oskouie F, Ahmadi F, Nikravesh M. The meaning of patient advocacy for Iranian nurses. Nurs Ethics. 2008 Jul; 15(4):457-67. No entanto, para os enfermeiros do presente estudo, que possuem estabilidade profissional, os riscos associados ao exercício da advocacia estavam relacionados aos possíveis desconfortos em suas relações profissionais, o que não foi evidenciado como uma barreira à advocacia, visto que os enfermeiros refiram sentir-se aliviados ao defender os interesses do pacientes.

Considera-se que há sempre implicações pessoais para qualquer enfermeiro que, ao advogar por um paciente, questione práticas de outros profissionais e a política da instituição de saúde.55. Mahlin M. Individual patient advocacy, collective responsibility and activism within professional nursing associations. Nurs Ethics. 2010 Mar; 17(2):247-54. Contudo, à semelhança dos achados de outro estudo, é possível perceber que, ao advogarem com sucesso para os pacientes, os enfermeiros podem aumentar sua satisfação profissional, autoconfiança e visibilidade da enfermagem,55. Mahlin M. Individual patient advocacy, collective responsibility and activism within professional nursing associations. Nurs Ethics. 2010 Mar; 17(2):247-54.bem como, minimizar a possibilidade da ocorrência do sofrimento moral em suas vivências profissionais.

Desse modo, conforme identificado em estudos brasileiros acerca da vivência do sofrimento moral, o exercício da advocacia do paciente, em situações de conflitos éticos, pode gerar alívio para os trabalhadores de enfermagem ou, diferentemente, maior intensidade de sofrimento moral, quando o profissional de enfermagem não consegue desempenhar esse papel de maneira que corresponda aos seus ideais.66. Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Dalmolin GL, Tomaschewski JG. The experience of moral distress in nursing: the nurses' perception. Rev esc enferm USP. 2012 Jun; 46(3):681-8.

7. Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Tomaschewski-Barlem JG, Silveira RS. Moral distress in everyday nursing: hidden traces of power and resistance. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013 Feb; 21(1):293-9.
-88. Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Tomaschewski-Barlem JG, Silveira RS, Dalmolin GL. Moral distress in nursing personnel. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013 Feb; 21(spe):79-87.

Destaca-se que, mesmo que a parrésia se faça presente nas ações cotidianas dos enfermeiros, o exercício da advocacia do paciente carrega consigo, inevitavelmente, o risco do insucesso, visto que as barreiras diante desse exercício são evidentes, pautando-se na própria estrutura das organizações de saúde e nas relações de poder entre equipes médica e de enfermagem. Essas barreiras atuam desafiando e desencorajando os enfermeiros a agirem de acordo com seus conhecimentos, crenças e valores, conduzindo-os, muitas vezes, também, a vivência do sofrimento moral.

Contudo, numa perspectiva foucaultiana, não existe relação de poder sem resistência, sem a possibilidade de uma inversão da intensidade das relações de forças.1414. Foucault M. Microfísica do poder. 26ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Edições Graal; 2008. Assim, toda relação de poder implica, ao menos, no desejo de luta, do enfrentamento que busca estabelecer uma nova relação de poder, transformando barreiras por meio de estratégias de resistência.66. Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Dalmolin GL, Tomaschewski JG. The experience of moral distress in nursing: the nurses' perception. Rev esc enferm USP. 2012 Jun; 46(3):681-8.,1414. Foucault M. Microfísica do poder. 26ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Edições Graal; 2008.

Não obstante, a dificuldade de exercer poder e de estabelecer pontos de resistência nas relações de poder também podem conduzir os enfermeiros ao sofrimento moral,1414. Foucault M. Microfísica do poder. 26ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Edições Graal; 2008.,2222. Epstein EG, Delgado S. Understanding and addressing moral distress. Online J Issues Nurs. 2010 Sep; 15(3):25-34. comprometendo o exercício da advocacia do paciente. Nesse sentido, os enfermeiros pesquisados evidenciaram importantes estratégias e espaços de resistência diante de barreiras que podem comprometer o exercício da advocacia em seus ambientes de trabalho, demonstrando que optam por não permanecer indiferentes, mas por exercer poder e advogar pelos interesses dos pacientes.

Em relação à autonomia e à persistência em advogar pelos interesses do paciente, verificadas como estratégias de resistência, destaca-se que a impotência e a falta de autonomia do enfermeiro para tomar decisões fortalecem o desequilíbrio de forças com a equipe médica e podem constituir as principais barreiras ao exercício da advocacia.2020. Negarandeh R, Oskouie F, Ahmadi F, Nikravesh M. The meaning of patient advocacy for Iranian nurses. Nurs Ethics. 2008 Jul; 15(4):457-67. Contrapondo os resultados deste estudo, é possível perceber que, em muitos contextos, os enfermeiros ainda permanecem imersos na aversão ao risco, na aculturação do silêncio e na conformidade em detrimento do conflito ou confronto,2020. Negarandeh R, Oskouie F, Ahmadi F, Nikravesh M. The meaning of patient advocacy for Iranian nurses. Nurs Ethics. 2008 Jul; 15(4):457-67. o que possivelmente está relacionado ao fato de que os sujeitos deste estudo possuíam estabilidade profissional, favorecendo o exercício de sua autonomia e de sua liberdade para exercer poder e advogar pelos pacientes.

Ainda, inúmeras vezes, observa-se que enfermeiros se esquivam de examinar as decisões e ações da equipe médica, abdicando de sua responsabilidade como profissionais de saúde, o que reforça a concepção de que as barreiras à advocacia não residem apenas no desrespeito médico pelo conhecimento da enfermagem, mas também nas atitudes e práticas da própria profissão, comprometendo o exercício da advocacia do paciente. Contudo, conforme constatado nesse estudo, os conhecimentos e competências dos enfermeiros são considerados fatores determinantes no exercício da advocacia em saúde, podendo ser desenvolvidos na formação ou durante a experiência profissional, por meio de programas de educação continuada,1919. O'Connor T, Kelly B. Bridging the Gap: a study of general nurses' perceptions of patient advocacy in Ireland. Nurs Ethics. 2005 Sep; 12(5):453-67.,2323. Gazarian PK, Fernberg LM, Sheehan KD. Effectiveness of narrative pedagogy in developing student nurses' advocacy role. Nurs Ethics. 2014 Dec 10.oportunizando-lhes o preparo adequado para liderem com situações que necessitem da defesa dos direitos dos pacientes e favorecendo o exercício de poder e da advocacia em saúde nos ambientes em que atuam.

No que se refere a exigências de melhores condições de trabalho, também verificada como estratégia de resistência, pode-se afirmar que quando os enfermeiros exigem melhores condições organizacionais de trabalho, estão indiretamente advogando pelos pacientes.2424. Josse-Eklund A, Petzall K, Sandin-Bojo AK, Wilde-Larsson B. Swedish registered nurses' and nurse managers' attitudes towards patient advocacy in community care of older patients. J Nurs Manag. 2013 Jul; 21(5):753-61.-2525. Hebert K, Moore H, Rooney J. The nurse advocate in end-of-life care. Ochsner J. 2011; 11(4):325-9. Ainda, ao reivindicarem que suas responsabilidades éticas e profissionais sejam apoiadas pela instituição de saúde podem estar desempenhando importantes ações para advogar pelos pacientes.55. Mahlin M. Individual patient advocacy, collective responsibility and activism within professional nursing associations. Nurs Ethics. 2010 Mar; 17(2):247-54.

Nesse sentido, conforme constatado neste estudo, a direção da instituição e a coordenação de enfermagem podem ser consideradas importantes espaços de resistência, na medida em que reforçam e apoiam as ações desenvolvidas pelos enfermeiros, encorajando-os no exercício da advocacia em saúde.1818. Davis AJ, Konishi E, Tashiro M. A pilot study of selected japanese nurses' ideas on patient advocacy. Nurs Ethics. 2003 Jul; 10(4):404-13. Diferentemente, em outros contextos, diversas vezes, os enfermeiros estão aptos e preparados para advogar por seus pacientes, mas não são capazes de defendê-los em virtude do modo como se organizam as instituições de saúde e, possivelmente, pelo desequilíbrio de poder vivenciado nos ambientes de trabalho e com a própria chefia.2424. Josse-Eklund A, Petzall K, Sandin-Bojo AK, Wilde-Larsson B. Swedish registered nurses' and nurse managers' attitudes towards patient advocacy in community care of older patients. J Nurs Manag. 2013 Jul; 21(5):753-61.

Desse modo, para atuarem como advogados em saúde eficazes, os enfermeiros precisam buscar o apoio de seus empregadores e das instituições de trabalho, visto que os enfermeiros de maneira individual são capazes de reconhecer e advogar por problemas locais de seus pacientes, mas é praticamente impossível que enfrentem e promovam mudanças em problemas sistêmicos que afetam seus pacientes, o que poderia lhes ocasionar um sofrimento desnecessário.55. Mahlin M. Individual patient advocacy, collective responsibility and activism within professional nursing associations. Nurs Ethics. 2010 Mar; 17(2):247-54. A expressão da advocacia do paciente como elemento coletivo, institucional e indissociável da prática profissional do enfermeiro poderá oportunizar o enfrentamento das barreiras que vêm impedindo a enfermagem de promover transformações no contexto de saúde, culminando na defesa efetiva dos interesses dos pacientes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os enfermeiros entrevistados, ao usufruírem de estabilidade profissional e vivenciarem maior abertura ao diálogo com a instituição, parecem sentir-se encorajados a advogar pelos interesses dos pacientes, mesmo quando as situações aparentam ser de difícil enfrentamento, utilizando-se da parrésia e de estratégias de resistência para garantir a defesa dos interesses dos pacientes.

A parrésia, manifestada pelo diálogo franco, pela coragem de falar a verdade e de romper com situações aparentemente percebidas como inquestionáveis nos ambientes de trabalhos dos enfermeiros parece contribuir para que pacientes sejam suficientemente informados para exercer sua autonomia e para defendê-los de práticas inadequadas executadas por outros profissionais de saúde. Contudo, quando a parrésia não se mostra suficiente para exercer a advocacia em saúde, os enfermeiros parecem utilizar estratégias de resistência como caminhos de fortalecimento de seu exercício de poder, enfrentando barreiras que podem comprometer o exercício da advocacia do paciente, pautando-se, principalmente, na autonomia profissional, no conhecimento, na exigência de melhores condições de trabalho e no apoio da instituição e da coordenação de enfermagem para advogar de forma efetiva pelos interesses dos pacientes.

Destaca-se ainda que a estabilidade profissional e a abertura ao diálogo com a instituição, além de favorecer o exercício de poder dos enfermeiros e sua liberdade para advogar pelos pacientes, pode minimizar a ocorrência de sofrimento moral decorrente das dificuldades para resistir e enfrentar quem representa poder em seus ambientes de trabalho. Desse modo, o apoio das chefias e o reconhecimento da advocacia do paciente como parte integrante do trabalho, poderá estimular a prática da advocacia nos ambientes de atuação dos enfermeiros, beneficiando pacientes e profissionais e, evitando implicações, como o sofrimento moral.

Por fim, parece relevante questionar: os resultados desse estudo seriam semelhantes em outras instituições hospitalares? Como enfermeiros sem estabilidade profissional vêm exercendo a advocacia do paciente em seus ambientes de trabalho? Esses questionamentos conduzem à necessidade e à importância de prosseguir realizando estudos acerca do exercício da advocacia do paciente em outros contextos, especialmente, investigando se enfermeiros sem estabilidade profissional também são capazes de exercer poder e advogar pelos pacientes, pautando-se na parrésia e na adoção de estratégias de resistência para enfrentar as barreiras que podem comprometer o exercício da advocacia em saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    22 Ago 2014
  • Aceito
    12 Maio 2015
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