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AVALIAÇÃO DO TRABALHO MULTIPROFISSIONAL DO NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA (NASF)1 1 Este trabalho é parte integrante da tese - A dimensão social do trabalho do enfermeiro na Estratégia de Saúde da Família, em desenvolvimento no Programa de Pós Graduação da Faculdade de Enfermagem (PPG-ENF) da Universidade Federal de Goiás (UFG), financiado pela CAPES.

Resumos

O objetivo do estudo foi compreender os significados atribuídos pelos atores (assistente social, educador físico, farmacêutico, nutricionista e psicólogo) ao trabalho desenvolvido em uma unidade do Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Estudo descritivo de cunho qualitativo, realizado por meio de Grupo Focal, com 14 profissionais de saúde pertencentes ao Núcleo, cujos dados foram analisados por análise de conteúdo modalidade temática. Emergiram três categorias "interdisciplinaridade", "território desconhecido" e "isolamento do Núcleo interprofissional". Os dados apontam que a interdisciplinaridade tem sido perseguida pelos profissionais atuantes na equipe do Núcleo. No entanto, essa atuação diferenciada não se estende às equipes de Saúde da Família vinculadas, salvo em situações específicas de saúde mental, quando há utilização do Apoio Matricial para discussão e condução dos casos apresentados pelas equipes da Estratégia de Saúde da Família.

Saúde da família; Atenção primária; Interdisciplinaridade


The aim of this study was to understand the meanings attributed by the actors (social assistant, physical educator, pharmacist, nutritionist, and psychologist) to the work developed at a Family Health Support Center. A descriptive study with a qualitative focus was carried out by a focus group with 14 health professionals belonging to the center whose data were analyzed by means of a thematic content analysis. Three categories emerged: "interdisciplinarity", "lack of knowledge of the territory," and the "Support Center's isolation". Through this research it was possible to realize that interdisciplinarity has been sought after by the Support Center's professionals. However, this performance does not include the Family Health teams linked to the center, except in specific situations of mental health when Matrix Support is used for discussing and guiding the cases presented by the Family Health Strategy teams.

Family health; Primary health care; Interdisciplinarity


El objetivo del estudio fue comprender los significados de los actores (trabajadores sociales, educadores físicos, farmacéutico, nutricionista y psicólogo) en su labor en la unidad del Núcleo de Apoyo a la Salud de la Familia. Estudio descriptivo con enfoque cualitativo, llevado a cabo a través de grupos focales con 14 profesionales de la salud en el Núcleo, cuyos datos fueron analizados empleando el análisis de contenido temático. Los análisis han resultado en tres categorías: "interdisciplinariedad", "territorio desconocido" y "aislamiento del núcleo interprofesional". Los datos indican que la interdisciplinariedad ha sido perseguida por los profesionales que trabajan en el Núcleo. Sin embargo, esta actuación diferenciada no abarca el trabajo de los otros equipos de salud, excepto em situaciones específicas de salud mental, cuando se utiliza la herramienta de 'Apoyo Matricial' para la discusión y el manejo de los casos presentados por los equipos de la Estrategia de Salud de la Familia.

Salud de la familia; Atención primaria de salud; Interdisciplinariedad


INTRODUÇÃO

O fortalecimento da Atenção Primária como porta de entrada no Sistema Único de Saúde (SUS), a ampliação do acesso da população às ações de promoção e prevenção, bem como melhoria na qualidade da assistência prestada pelos profissionais de saúde, pressupõem que algumas estratégias devem ser utilizadas para garantir a formação básica, o aperfeiçoamento e aumento da resolutividade por parte dos profissionais que trabalham diretamente no atendimento às famílias, como por exemplo as equipes de Saúde da Família.11. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília (DF): MS; 2012. O Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) é uma dessas estratégias adotadas pelo Ministério da Saúde (MS) para alcance dos objetivos na Atenção Primária. Trata-se de uma equipe multidisciplinar criada pelo MS mediante a Portaria GM n. 154/2008,22. Brasil. Portaria n. 154/GM de 24 de janeiro de 2008: cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família - NASF. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, n. 18, 26 jun 2001, Seção 1. sendo composta por profissionais de acordo com a necessidade local (assistente social, educador físico, farmacêutico, fisioterapeuta, nutricionista, psicólogo, psiquiatra, terapeuta ocupacional, entre outros). Seu principal objetivo é o de auxiliar nas mudanças de atitudes e atuação dos profissionais de Saúde da Família, por meio de ampliação no escopo de ações da Atenção Primária.33. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio a Saúde da Família. Série A. Normas e manuais técnicos. Cadernos de Atenção Básica, n. 27. Brasília (DF): MS; 2009.

O NASF tem como principal diretriz a integralidade, compreendida em três sentidos: o indivíduo, as práticas de saúde e a organização do sistema de saúde. Além disso, outros princípios orientam as ações desenvolvidas pelo NASF como: território, educação popular em saúde, interdisciplinaridade, participação social, intersetorialidade, educação permanente em saúde, humanização e promoção da saúde.33. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio a Saúde da Família. Série A. Normas e manuais técnicos. Cadernos de Atenção Básica, n. 27. Brasília (DF): MS; 2009.

Somado aos esforços do NASF em garantir e ampliar a resolutividade do trabalho das equipes da ESF, o MS também criou o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ),44. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Autoavaliação para a melhoria do acesso e da qualidade da Atenção Básica: AMAQ. Brasília (DF): MS; 2012. que visa ao desenvolvimento da Atenção Primária no sentido do acesso e da qualidade do SUS. Esse último é um programa de acompanhamento que visa à identificação dos pontos positivos e pontos críticos da ESF, além de propor medidas que fortaleçam sua resolutividade, composto por quatro fases que formam um ciclo, isto é, contratualização ou adesão, desenvolvimento, avaliação externa e recontratualização. Na fase de desenvolvimento do PMAQ, é prevista a autoavaliação por parte de gestores e equipes com a finalidade de orientar os resultados a serem alcançados pelas equipes da ESF.

A avaliação pode ser entendida como um processo pelo qual se toma conhecimento da realidade a fim de subsidiar a tomada de decisão.55. Cameron A, Lart R, Bostock L, Coomber C. Factors that promote and hinder joint and integrated working between health and social care services: a review of research literature. Health Soc Care Community. 2014 May; 22(3):225-33.-66. Contandriopoulos AP, Champagne F, Denis JL, Pineault R. A avaliação na área da saúde: conceitos e métodos. In: Hartz ZMA, organizador. Avaliação em Saúde: dos modelos conceituais à prática na análise da implantação de programas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 1997. p. 29-47. Especificamente na área da saúde, no contexto do SUS, é necessário que o processo avaliativo leve em consideração as necessidades reais de cada município e esteja comprometida com a construção de uma cultura institucional de avaliação contínua, o desenvolvimento de recursos humanos e a busca pela qualidade na assistência.77. Felisberto E. Da teoria à formulação de uma Política Nacional de Avaliação em Saúde: reabrindo o debate. Ciênc Saúde Coletiva. 2006; 11(3):553-63.

Nesse sentido, uma vez que o Ministério da Saúde não incluiu as equipes NASF no Programa de Avaliação, o Núcleo Telessaúde de Santa Catarina, baseado no PMAQ, elaborou um instrumento de autoavaliação para o NASF (AMAQ-NASF SC), tendo em vista a necessidade de acompanhamento da implantação dessa estratégia em diferentes realidades de Atenção Primária.88. Núcleo Telessaúde da Secretaria de Saúde do Estado de Santa Catarina. Autoavaliação para melhoria do acesso e da qualidade da Atenção Básica/ NASF SC: AMAQ-NASF SC. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 2012. O intuito é promover a discussão e reflexão sobre pontos críticos a serem melhorados para consecução dos objetivos do NASF, na "ampliação do escopo de olhares e ações na Atenção Primária, contribuindo para a longitudinalidade e integralidade com a inserção de diferentes profissionais neste nível de atenção".8:20

Partindo do pressuposto de que novas estratégias implementadas precisam de acompanhamento e ajustes nos pontos críticos evidenciados e, com vistas a lançar luz sobre aspectos do trabalho desenvolvido no NASF, contribuindo para a discussão sobre os aspectos da interdisciplinaridade e resolutividade na Atenção Primária, este estudo teve como objetivo compreender os significados atribuídos pelos atores (assistente social, educador físico, farmacêutico, nutricionista e psicólogo) ao trabalho desenvolvido em uma unidade do NASF.

MÉTODO

Pesquisa descritiva de abordagem qualitativa, pois busca análise em profundidade dos significados atribuídos pelos sujeitos no contexto pesquisado.99. Minayo MCS, editor. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 31ª ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 2012.

Considerando a pluralidade da composição das equipes NASF devido a sua própria concepção apresentada nas diretrizes para o NASF,33. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio a Saúde da Família. Série A. Normas e manuais técnicos. Cadernos de Atenção Básica, n. 27. Brasília (DF): MS; 2009. no local do nosso estudo, existem três equipes NASF. Em sua composição, cada equipe possui no total cinco profissionais de nível superior. Na primeira há um assistente social, um educador físico, um farmacêutico, um nutricionista e um psicólogo. Na equipe dois não há educador físico, porém possui duas nutricionistas. Na equipe três, não há assistente social mas possui dois psicólogos.

A pesquisa foi desenvolvida em uma capital brasileira que possui cerca de 700 km2 de área territorial, população total maior que um milhão e duzentos mil habitantes em 2010, segundo estimativas do IBGE. A capital atua como polo de referência na área de saúde para municípios do interior do estado e outras regiões do Brasil.

Essa capital conta com cinquenta e seis Unidades de Atenção Básica de Saúde da Família (UABSF), distribuídas em seis Distritos Sanitários. A pesquisa foi realizada no maior Distrito Sanitário da capital, com população de 178 mil habitantes. Esse Distrito Sanitário possui em sua estrutura uma Maternidade, três Centros de Atenção Integral à Saúde (CAIS), um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e dezoito UABSF, nas quais estão distribuídas cinquenta e uma equipes de Saúde da Família (ESF). É o único Distrito da capital que possui equipes do NASF.

Participaram do estudo 14 profissionais que compõem as três equipes NASF do Distrito Sanitário, que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Cabe salientar que durante o processo de avaliação houve solicitação de transferência de um dos profissionais do NASF para outra unidade de atendimento.

A coleta de dados foi realizada a partir do processo de autovaliação do NASF e conduzido por profissional externo à Secretaria Municipal de Saúde, por meio da realização de um Grupo Focal com os trabalhadores do NASF, gravado em vídeo. No processo de autoavaliação, inicialmente, foi proposto que as equipes NASF respondessem ao instrumento AMAQ-NASF SC,88. Núcleo Telessaúde da Secretaria de Saúde do Estado de Santa Catarina. Autoavaliação para melhoria do acesso e da qualidade da Atenção Básica/ NASF SC: AMAQ-NASF SC. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 2012. como ponto de partida. Dessa forma, um pesquisador coordenou as reuniões necessárias com cada uma das três equipes NASF, que em grupo responderam ao instrumento.

Após a consolidação dos resultados de cada equipe, foi realizado um Grupo Focal com todos os trabalhadores do NASF para discussão sobre os pontos que fossem considerados importantes. Nesse Grupo Focal, os participantes foram divididos em quatro grupos para que discutissem por vinte minutos cada uma das subdimensões avaliadas dentro da dimensão "Consolidação do Modelo de Atenção à Saúde" do Instrumento AMAQ-NASF SC. Cada grupo elaborou um relatório das discussões e apresentou ao grande grupo que teve mais vinte minutos para discussão.

O quadro 1 apresenta a distribuição das Subdimensões constantes no instrumento AMAQ NASF SC relativas ao trabalho das equipes NASF, discutidas pelos quatro grupos durante o Grupo Focal. Cabe salientar que houve a preocupação em manter ao menos um representante de cada equipe NASF em cada grupo e, na medida do possível, priorizar a diversidade das categorias profissionais.

Quadro 1
- Distribuição dos grupos conforme os temas discutidos - Grupo Focal NASF 2013

As discussões do Grupo Focal foram gravadas em meio digital para posterior transcrição das falas dos participantes e análise segundo a proposta da análise de conteúdo, modalidade temática.1010. Bardin L. Análise de conteúdo. 3ª ed Lisboa (PT): 70; 2004. O processo de codificação ocorreu em três momentos, sendo o primeiro a leitura exaustiva de todo o material transcrito e a identificação das ideias centrais contidas nas falas. No segundo, essas ideias foram agrupadas por semelhança em núcleos de sentido, os quais foram reagrupados, originando as categorias temáticas "interdisciplinaridade", "território desconhecido" e "isolamento do NASF". No terceiro momento foi redigido o tratamento dos resultados por meio de um diálogo entre as questões, objetivos e a literatura.99. Minayo MCS, editor. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 31ª ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 2012.-1010. Bardin L. Análise de conteúdo. 3ª ed Lisboa (PT): 70; 2004.

Para apresentação dos resultados as falas transcritas foram identificadas pela letra "G", seguida do número correspondente ao grupo quando se referir ao conteúdo apresentado pelos grupos após a discussão das subdimensões. As falas que se referirem à discussão posterior no grande grupo serão identificadas pela letra "P" seguida do número do participante, conforme a distribuição dos participantes no círculo durante o Grupo Focal.

O estudo foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás (protocolo 117/13) e pela Secretaria Municipal da Saúde da capital em estudo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização dos sujeitos

Constatamos que se trata de equipe relativamente jovem e com alta qualificação, em que a maioria vem construindo sua trajetória na Atenção Primária com a experiência de pouco mais de dois anos na implantação do NASF na capital estudada.

Há predominância de trabalhador do sexo feminino (71,5%).Quanto à idade, 64% está na faixa etária de 31 a 40 anos, seguidos de 28,5% acima de 50 anos. Ao todo, quatorze profissionais compõem as três equipes NASF: três farmacêuticos, três nutricionistas, quatro psicólogos, dois assistentes sociais, dois educadores físicos. O tempo de formado na sua área de atuação encontra maioria entre seis a dez anos (42,8 %) e os demais se dividem entre dez a quinze anos (28,5%) e acima de quinze anos (28,5%). Quanto ao tempo de atuação na ESF, um está há menos de um ano, 50% está entre um e dois anos, 21,4% está entre dois a cinco anos ou cinco a dez anos. Percebe-se que pouco mais de 50% dos profissionais iniciaram suas atividades na ESF já na equipe NASF. Quanto à formação complementar, 50% dos profissionais possuem especialização em Saúde da Família, apenas dois profissionais não possuem pós-graduação, um nível mestrado, um mestrado em andamento, um profissional com nível doutorado, cinco profissionais possuem mais de uma especialização. Duas especializações são voltadas à área específica (ciências farmacêuticas e educação física), as demais a áreas multidisciplinares: educação em saúde, saúde mental, políticas sociais e saúde pública. Portanto, compreendemos que a qualificação profissional traz um diferencial significativo na assistência.

As categorias "interdisciplinaridade", "território desconhecido" e "isolamento do NASF" serão apresentadas e discutidas a seguir.

Interdisciplinaridade

A interdisciplinaridade é um princípio que permeia todo o trabalho do NASF, entendida como uma ação, uma vivência entre os profissionais de diversas disciplinas que reflete a permeabilidade de conceitos, modos de se relacionarem e habilidades características de determinado conjunto de conhecimentos que conformam cada prática profissional.33. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio a Saúde da Família. Série A. Normas e manuais técnicos. Cadernos de Atenção Básica, n. 27. Brasília (DF): MS; 2009. Exige integração e estreita relação entre saberes e práticas, entre conhecimento e ação.1111. Scherer MDA, Pires DEP, Rémy J. A construção da interdisciplinaridade no trabalho da Equipe de Saúde da Família. Ciênc Saúde Coletiva. 2013; 18(11):3203-12.-1212. Schultz CR, Walker R, Bessarab D, McMillan F, Macleod J, Marriott R. Interdisciplinary care to enhance mental health and social and emotional wellbeing. In: Dudgeon P, Milroy H, Walker R, organizadores. Working together: aboriginal and torres strait islander mental health and wellbeing principles and practice. barton. Camberra (AU): Australian Government Department of the Prime Minister and Cabinet; 2014.

Ao responderem o instrumento AMAQ-NASF SC,88. Núcleo Telessaúde da Secretaria de Saúde do Estado de Santa Catarina. Autoavaliação para melhoria do acesso e da qualidade da Atenção Básica/ NASF SC: AMAQ-NASF SC. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 2012. os sujeitos desta pesquisa pontuaram o seu processo de trabalho como "satisfatório" ou "muito satisfatório" nos padrões que faziam alguma menção ou se relacionavam à prática interdisciplinar: reunião de equipe, agenda integrada, ações pactuadas previamente, flexibilidade frente às demandas e elaboração conjunta de atividades de Educação Permanente. Essas atividades refletem principalmente o Apoio Matricial, definido como metodologia de trabalho que pretende prover as equipes básicas de retaguarda especializada e apoio técnico pedagógico que,1313. Campos GWS, Domitti AC. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad Saúde Pública. 2007; 23(2):399-407. quando realizada, envolve a discussão de casos, atendimento conjunto, visita domiciliar, elaboração conjunta de Projeto Terapêutico Singular e ações intersetoriais. Porém, fica evidente que essa atividade está restrita a alguns casos de poucas equipes ESF, em sua maioria de saúde mental ou uso e abuso de álcool e outras drogas.

A interdisciplinaridade é reconhecida como um ponto forte dos sujeitos da pesquisa, muito em virtude da convivência durante o período de formação inicial que durou cerca de um ano, além da forte influência de profissionais ligados à área de saúde mental que conduziram o processo de seleção e organização inicial do NASF na capital estudada, conforme pode-se perceber na fala de um dos participantes: disseram que o pessoal do NASF que não é psicólogo fala como se fosse. [...] é sinal que a gente tá conseguindo... (P 5); O grupo pontua que nossa organização atende ao objetivo da subdimensão proposta. Considera que o alcance se deve ao período de formação inicial do grupo (G 2). É possível identificar que há uma percepção no grupo quanto à necessidade de ampliação da prática interdisciplinar para além dos casos de saúde mental.

O grupo identificou a mudança de horário (de integral para parcial com reposições aos sábados) como dificultador do processo de trabalho interdisciplinar: [...] com a mudança do horário o tempo que antes era dedicado à Educação Permanente, troca de experiências/discussão de casos tem sido insuficiente (G 2). A diminuição do tempo disponível para reuniões de equipe é apontada como um dos grandes entraves para a prática interdisciplinar. Somente por meio do debate, das discussões, é possível o compartilhamento de saberes. São apontadas também algumas necessidades de aprimoramento nas habilidades e atitudes para o avanço na prática do trabalho em equipe e consequentemente na prática interdisciplinar como, por exemplo, o desenvolvimento de empatia, assertividade e planejamento pessoal. Percebe-se a necessidade de integração organizacional e mudanças pessoais entre os trabalhadores.1414. Iliadi P. Accountability and Collaborative Care: How interprofessional education promotes them. Health Science J. 2010; 4(3):129-35.

Ainda com relação à prática interdisciplinar, o grupo sente resistência por grande parte das equipes da ESF, muitas com práticas arraigadas no modelo ambulatorial e fragmentado em resposta às demandas: [...] com as equipes [ESF] ainda há uma busca pela especificidade [...] falta uma compreensão das equipes em relação a essa ação compartilhada. Continuam fazendo uma ação fragmentada. Profissionais que vieram de outros serviços, como ambulatório, chegam na estratégia e continuam reproduzindo a lógica do ambulatório (G 3).

O trabalho em saúde, especialmente no modelo da Atenção Primária, com enfoque no trabalho em rede, solicita do trabalhador habilidades que dizem respeito à autonomia e comunicação em relação aos demais trabalhadores.1212. Schultz CR, Walker R, Bessarab D, McMillan F, Macleod J, Marriott R. Interdisciplinary care to enhance mental health and social and emotional wellbeing. In: Dudgeon P, Milroy H, Walker R, organizadores. Working together: aboriginal and torres strait islander mental health and wellbeing principles and practice. barton. Camberra (AU): Australian Government Department of the Prime Minister and Cabinet; 2014.,1515. Peduzzi M. Multiprofessional healthcare team: concept and typology. Rev Saúde Pública. 2001; 35(1):103-9. A comunicação é o grande diferencial entre as equipes multidisciplinares em que há fragmentação nas ações, e as equipes interdisciplinares em que a troca de saberes gera um projeto terapêutico compartilhado entre os diversos profissionais da equipe.1212. Schultz CR, Walker R, Bessarab D, McMillan F, Macleod J, Marriott R. Interdisciplinary care to enhance mental health and social and emotional wellbeing. In: Dudgeon P, Milroy H, Walker R, organizadores. Working together: aboriginal and torres strait islander mental health and wellbeing principles and practice. barton. Camberra (AU): Australian Government Department of the Prime Minister and Cabinet; 2014.,1515. Peduzzi M. Multiprofessional healthcare team: concept and typology. Rev Saúde Pública. 2001; 35(1):103-9.

Os resultados encontrados no presente estudo reforçam a importância do desenvolvimento de competências relacionadas à comunicação e ao compartilhamento no processo de trabalho,1111. Scherer MDA, Pires DEP, Rémy J. A construção da interdisciplinaridade no trabalho da Equipe de Saúde da Família. Ciênc Saúde Coletiva. 2013; 18(11):3203-12.

12. Schultz CR, Walker R, Bessarab D, McMillan F, Macleod J, Marriott R. Interdisciplinary care to enhance mental health and social and emotional wellbeing. In: Dudgeon P, Milroy H, Walker R, organizadores. Working together: aboriginal and torres strait islander mental health and wellbeing principles and practice. barton. Camberra (AU): Australian Government Department of the Prime Minister and Cabinet; 2014.

13. Campos GWS, Domitti AC. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad Saúde Pública. 2007; 23(2):399-407.

14. Iliadi P. Accountability and Collaborative Care: How interprofessional education promotes them. Health Science J. 2010; 4(3):129-35.

15. Peduzzi M. Multiprofessional healthcare team: concept and typology. Rev Saúde Pública. 2001; 35(1):103-9.
-1616. Barwell J, Arnold F, Berry H. How interprofessional learning improves care. Nurs Times. 2013; 109(21):14-6. uma vez que os aspectos pontuados pelas equipes NASF como necessários ao trabalho interdisciplinar, dizem respeito às possibilidades e oportunidades de troca de saberes, discussões conjuntas e elaboração de planos de cuidados em comum acordo entre os profissionais.

A Clínica Ampliada, definida como "o ajuste dos recortes teóricos de cada profissão às necessidades dos usuários",3:25 foi apontada como mais uma ferramenta com possibilidade de ampliação do escopo de ações dos profissionais do NASF, de forma a contribuir para a interdisciplinaridade e, ao mesmo tempo, reforçar a especificidade de cada um,conforme ilustrado pela fala de um participante: não vimos clínica ampliada. Para mim, falta isso (P 5).

A inserção da formação interdisciplinar desde o início da graduação tem sido apontada como uma estratégia para minimizar essas dificuldades encontradas na prática profissional em sistemas integrados de saúde.1414. Iliadi P. Accountability and Collaborative Care: How interprofessional education promotes them. Health Science J. 2010; 4(3):129-35.,1616. Barwell J, Arnold F, Berry H. How interprofessional learning improves care. Nurs Times. 2013; 109(21):14-6. As ferramentas de Clínica Ampliada e Apoio Matricial são consideradas como fundamentais e estratégicas para o atendimento em rede, com ações intersetoriais compartilhadas no território, porém, esse mesmo autor, ressalta que um dos maiores dificultadores do processo é a formação insuficiente dos profissionais de saúde para lidarem com a prática da cogestão do trabalho, a qual inclui lidar com os conflitos históricos e relações de poder inerentes ao campo da saúde.1717. Campos GWS. Apoio matricial e práticas ampliadas e compartilhadas em redes de atenção. Psicol Rev. 2012; 18(1):148-68.

Território desconhecido

O tema de maior destaque nas discussões no interior de cada equipe NASF durante o processo de autoavaliação (resposta ao instrumento AMAQ NASF SC) e no Grupo Focal, foi o insuficiente diagnóstico territorial e sócio epidemiológico da população adscrita, apesar das equipes terem conhecimento dos equipamentos sociais disponíveis na região, bem como desenvolverem algumas ações intersetoriais como, por exemplo, com o Conselho Tutelar.

O déficit no diagnóstico foi apontado como um dos fatores cruciais para o desenvolvimento de todas as demais ações preconizadas nas Diretrizes do Ministério da Saúde para o NASF, uma vez que, sem informações não há planejamento, nem propostas. A fala transcrita a seguir reflete essa realidade: percebe-se que muitas ações específicas relacionadas à promoção/vigilância, etc., previstas nas políticas públicas e nas diretrizes do NASF não são contempladas no nosso planejamento [...] (G 4).

Os profissionais do NASF atribuem esse déficit de conhecimento do território à falta de capacitação em ferramentas que facilitem a busca e consolidação dos dados do território, porém, percebem que o diagnóstico também é negligenciado pelas equipes da ESF: o grupo conclui que precisa aprofundar o diagnóstico das Unidades e do Território e ainda se aproximar mais da comunidade (G 1); [...] eles [equipes de Saúde da Família] vão te colocar alguns empecilhos [para realizar o diagnóstico local] às vezes eles falam que não têm horário, [...] (P 8).

O grupo reconhece que há necessidade de capacitação em conceitos e abordagens da epidemiologia, da administração (planejamento) e também da abordagem junto às equipes: falta ainda uma maior proatividade do NASF no sentido de ser mais propositivo em ações tanto de diagnóstico, vigilância em saúde, de educação permanente, promoção da saúde [...] baseado na realidade, necessidades de seu território [...] (G 4). Além disso, o perfil de algumas instâncias da gestão e o sistema de informações disponibilizado pela SMS da capital estudada contribuem para o diagnóstico falho do território e consequente diminuição das propostas voltadas às necessidades da comunidade com base na realidade local: o sistema é muito falho, [...] os dados que são colocados ali não são os que a gente mais precisa na realidade, até pra fazer um diagnóstico populacional [...] ele é um sistema que não conversa com quem está na ponta [...] eu acho que eles [gestão] tem que conversar mais com a gente, pra saber o que a gente está precisando, para trabalhar e até pra planejar, vislumbrar ações futuras. [...] é tudo de cima pra baixo (P 10).

A territorialização ou a orientação para o trabalho comunitário muitas vezes é negligenciada pelas equipes de Saúde da Família,1818. Sala A, Luppi CG, Simões O, Marsiglia RG. Integralidade e Atenção Primária à Saúde: avaliação na perspectiva dos usuários de unidades de saúde do município de São Paulo. Saúde Soc. 2011; 20(4):948-60. seja por sobrecarga de trabalho, por falta de capacitação para o diagnóstico e planejamento, seja pela incompreensão do gestor sobre o processo de trabalho no âmbito da ESF, exigindo dos profissionais o cumprimento de agendas ambulatoriais de atendimento.

Esse quadro de desconhecimento do território dificulta o trabalho interdisciplinar. Há necessidade de qualificação dos profissionais para o trabalho interdisciplinar em vários aspectos,1212. Schultz CR, Walker R, Bessarab D, McMillan F, Macleod J, Marriott R. Interdisciplinary care to enhance mental health and social and emotional wellbeing. In: Dudgeon P, Milroy H, Walker R, organizadores. Working together: aboriginal and torres strait islander mental health and wellbeing principles and practice. barton. Camberra (AU): Australian Government Department of the Prime Minister and Cabinet; 2014.

13. Campos GWS, Domitti AC. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad Saúde Pública. 2007; 23(2):399-407.

14. Iliadi P. Accountability and Collaborative Care: How interprofessional education promotes them. Health Science J. 2010; 4(3):129-35.

15. Peduzzi M. Multiprofessional healthcare team: concept and typology. Rev Saúde Pública. 2001; 35(1):103-9.

16. Barwell J, Arnold F, Berry H. How interprofessional learning improves care. Nurs Times. 2013; 109(21):14-6.

17. Campos GWS. Apoio matricial e práticas ampliadas e compartilhadas em redes de atenção. Psicol Rev. 2012; 18(1):148-68.

18. Sala A, Luppi CG, Simões O, Marsiglia RG. Integralidade e Atenção Primária à Saúde: avaliação na perspectiva dos usuários de unidades de saúde do município de São Paulo. Saúde Soc. 2011; 20(4):948-60.
-1919. Thomas K, Krevers B, Bendtsen P. Implementing healthy lifestyle promotion in primary care: a quasi-experimental cross-sectional study evaluating a team initiative. BMC Health Serv Res. 2015; 15(31): 1-10. entre eles "competências para avaliar o produto do seu trabalho e tomar medidas para melhoria da sua qualidade, domínio de técnicas de planejamento e organização do trabalho".20:78 A complexa rede que forma os diversos atores no atendimento à saúde na Atenção Primária exige que haja constituição coletiva de projetos de trabalho que dêem sustentação às práticas interdisciplinares. Dessa forma, é imprescindível a participação cooperativa da gestão em todos os níveis do Sistema de Saúde, promovendo a educação permanente voltada às necessidades dos trabalhadores e do serviço.55. Cameron A, Lart R, Bostock L, Coomber C. Factors that promote and hinder joint and integrated working between health and social care services: a review of research literature. Health Soc Care Community. 2014 May; 22(3):225-33.,1919. Thomas K, Krevers B, Bendtsen P. Implementing healthy lifestyle promotion in primary care: a quasi-experimental cross-sectional study evaluating a team initiative. BMC Health Serv Res. 2015; 15(31): 1-10.

O território é a principal característica da atuação das equipes da ESF, uma vez que delimita o campo de atuação, direciona as ações de acordo com as demandas locais e possibilita avaliação contínua dos resultados, além de permitir o vínculo adequado às ações com vistas à integralidade.11. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília (DF): MS; 2012. O Ministério da Saúde incorpora a compreensão de que o território é dinâmico e comporta diferentes dimensões: demográfica, epidemiológica, administrativa, política, tecnológica, social e cultural.11. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília (DF): MS; 2012.,2121. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde. Série B. Textos Básicos de Saúde. Política nacional de promoção da saúde. Brasília (DF): MS; 2006. A visão sobre o território, no âmbito da promoção da saúde, vai além da abordagem epidemiológica, na qual se faz o mapeamento das áreas endêmicas e de riscos relacionadas às diversas doenças. Considera que o território se forma por meio de interações sociais, políticas, relações de poder e interesses econômicos, portanto, está em processo de construção permanente.1919. Thomas K, Krevers B, Bendtsen P. Implementing healthy lifestyle promotion in primary care: a quasi-experimental cross-sectional study evaluating a team initiative. BMC Health Serv Res. 2015; 15(31): 1-10.,2222. Perekehouskei NA, Benaduce GMC. Geografia da saúde e as concepções sobre o território. Gestão & Regionalidade. 2007; 23 (68): 34-44.-2323. Santos AL, Rigotto RM. Território e territorialização: incorporando as relações produção, trabalho, ambiente e saúde na Atenção Básica à Saúde. Trab Educ Saúde. 2010; 8(3):387-406.

Nesse sentido, espera-se que as equipes de saúde da família realizem a territorialização de suas áreas de abrangência considerando ambiente, espaço e dinâmica social, por meio de diálogos estabelecidos com todos os setores envolvidos no território, além dos equipamentos específicos da área da saúde, de forma a se conhecerem os condicionantes e determinantes sociais da saúde, além dos dados epidemiológicos locais.2323. Santos AL, Rigotto RM. Território e territorialização: incorporando as relações produção, trabalho, ambiente e saúde na Atenção Básica à Saúde. Trab Educ Saúde. 2010; 8(3):387-406.-2424. Gondim GMM, Monken M, Iñiguez Rojas L, Barcellos C, Peiter P, Navarro MBMA et al. O território da saúde: a organização do sistema de saúde e a territorialização. In: Miranda AC, Barcellos C, Moreira JC, Monken M, organizadores. Território, ambiente e saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008. p. 237-55.

Os resultados aqui apontados ressaltam o caráter histórico dos desafios enfrentados pelos sistemas de saúde para a transformação das práticas de saúde em direção à integralidade. Entre esses desafios, sobressaem as questões de formação dos profissionais de saúde e gestores, organização institucional das políticas públicas e mobilização social para garantia dos direitos conquistados constitucionalmente.1919. Thomas K, Krevers B, Bendtsen P. Implementing healthy lifestyle promotion in primary care: a quasi-experimental cross-sectional study evaluating a team initiative. BMC Health Serv Res. 2015; 15(31): 1-10.,2525. Göttems LBD, Pires MRGM. Para além da Atenção Básica: reorganização do SUS por meio da interseção do setor político com o econômico. Saúde Soc. 2009; 18(2):189-98. Percebe-se também a necessidade de aproximação com o contexto sociocultural da comunidade, condição indispensável para compreensão dos fenômenos que envolvem o processo saúde-doença.1414. Iliadi P. Accountability and Collaborative Care: How interprofessional education promotes them. Health Science J. 2010; 4(3):129-35.,1616. Barwell J, Arnold F, Berry H. How interprofessional learning improves care. Nurs Times. 2013; 109(21):14-6.

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http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010...
-2727. Petch A. Integration of health and social care. IRISS Insights. 2012; 14: 1-12.

O isolamento do NASF

As equipes NASF na capital de estudo foram alocadas inicialmente em uma residência alugada pela SMS, especificamente para acolhimento desses profissionais. A localização da casa onde se instalou o NASF ficava em bairro diverso da localização da gestão local do Distrito Sanitário, onde trabalham o gestor, o coordenador e os apoiadores e técnicos que atendem à região. Essa distância física dos demais profissionais da rede de atenção à saúde possibilitou a aproximação dos profissionais das equipes NASF, que compartilhavam além das questões de trabalho, diversos momentos de confraternização, como café da manhã, almoço e horários de descanso entre os turnos, promovendo uma grande interação e um ambiente extremamente acolhedor. Porém, o que aproximou os profissionais das equipes NASF promoveu também o distanciamento físico das demais Unidades de Saúde.

Mas, não só a distância física provocou uma sensação de isolamento por parte dos profissionais do NASF. A gestão distante e a falta de compartilhamento de dificuldades e soluções conjuntas entre a coordenação central, as equipes NASF e as equipes ESF, foi evidenciada como importante reforço para a manutenção do comportamento mais reativo e menos proativo por parte do NASF: [...] a gestão distante [...] fazem uma gestão isolada daquilo que deveria ser enquanto uma ação conjunta. Uma questão é a política em detrimento da relação técnica. Os gestores, por exemplo, vêm para fazer política e não para pensar a Estratégia [ESF] dentro de uma lógica compartilhada (G 3).

Os cargos de gestão das Unidades de Saúde, às quais estão vinculadas as Equipes de Saúde da Família, são ocupados de forma comissionada, sem a exigência de formação ou experiência na área de saúde. Os profissionais do NASF percebem que isso reflete diretamente no processo de trabalho das equipes ESF, reforçando a manutenção da lógica ambulatorial em detrimento das ações de promoção da saúde e desenvolvimento comunitário: [...] o gestor, por ele ser contrato, cargo de confiança, pra ele não ter nada na ouvidoria, pra ele não ser chamado, pra ele não ter reclamação da população, ele meio que obriga os profissionais a fazer atendimento quase que ambulatorial (P 8).

A interação entre as equipes promove o conhecimento mútuo, não só de seus profissionais e suas práticas, como também de seu modo de ser e de relacionar-se com "o outro" ou "os outros". Somente a partir dessa interação é possível conceber uma prática interdisciplinar, já que essa pressupõe abrir as fronteiras resistentes construídas historicamente entre os diversos atores nas instituições de saúde.1414. Iliadi P. Accountability and Collaborative Care: How interprofessional education promotes them. Health Science J. 2010; 4(3):129-35.,2727. Petch A. Integration of health and social care. IRISS Insights. 2012; 14: 1-12.-2828. Bridges DR, Davidson RA, Odegard PS, Maki IV, Tomkowiak J. Interprofessional collaboration: three best practice models of interprofessional education. Med Educ Online [online]. 2011 [acesso 2014 Nov 05]; 16: 6035-45.

Algumas experiências de implantação de equipes NASF relatadas na literatura confirmam a relevância do entendimento da gestão sobre o processo de trabalho da equipe multidisciplinar, no entanto, esse tem sido fator de impacto negativo sobre os resultados esperados.2929. Martiniano CS, Sampaio J, Magalhães FC, Souza FF, Marcolino EC, Rocha AMO. Review of implementation of the teams of nuclei of support for family health. Rev Enferm UFPE Online [online]. 2013 [acesso 2014 Nov 05]; 7(1):53-61. Dipsonível em: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/3684/pdf_1808
http://www.revista.ufpe.br/revistaenferm...
,3131. Santos SFS, Benedetti TRB. Cenário de implantação do Núcleo de Apoio a Saúde da Família e a inserção do profissional de Educação Física. Rev Bras Ativ Fis Saúde. 2012; 17(3):188-94. A falta de apoio e reconhecimento institucional e por parte da gestão pode se tornar fator de desmotivação da equipe.1414. Iliadi P. Accountability and Collaborative Care: How interprofessional education promotes them. Health Science J. 2010; 4(3):129-35.,3232. Matos E, Pires DEP, Ramos FRS. Expressões da subjetividade no trabalho de equipes interdisciplinares de saúde. REME Rev Min Enferm. 2010; 14(1):56-97.

No entanto, apesar de não constar como uma categoria de análise, foi possível perceber que o processo de autoavaliação do NASF trouxe imensas contribuições para a reflexão dos profissionais sobre seu processo de trabalho, como podemos verificar na seguinte fala: [...] esse instrumento já ajuda [...] eu acho que ele deixou bem claro que a gente precisa rever as nossas educações permanentes, troca de experiência, como que a gente se organiza e é mais propositivo por equipe NASF [...] tem coisas que são diferenciadas e a gente tem que valorizar as diferenças também [...] avançar a questão das Unidades [UABSF], pensar sobre elas [...] (P 14).

A utilização do instrumento AMAQ-NASF SC88. Núcleo Telessaúde da Secretaria de Saúde do Estado de Santa Catarina. Autoavaliação para melhoria do acesso e da qualidade da Atenção Básica/ NASF SC: AMAQ-NASF SC. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 2012. promoveu a diversificação da discussão sobre as múltiplas interfaces do trabalho, tornando-se um instrumento catalisador do debate, do diagnóstico e da proposição de ações para melhoria. Esse instrumento, associado à estratégia de Grupo Focal, possibilitou o aprofundamento necessário às questões que mais influenciam o trabalho atualmente realizado pela equipe NASF, bem como a ampliação do olhar dos profissionais sobre o contexto no qual estão inseridos.

CONCLUSÕES

O processo de resposta ao instrumento AMAQ-NASF SC foi permeado por intensos debates e discussões entre os profissionais do NASF e, o fato de haver um coordenador único para as reuniões de autoavaliação, configurou-se como facilitador devido à necessidade de uniformização de conceitos e interpretações dos padrões constantes nas subdimensões avaliadas. Dessa forma, o processo de autoavaliação, realizado por meio do instrumento aliado ao Grupo Focal, proporcionou reflexão e análise sobre o cotidiano de trabalho das equipes, gerando propostas alternativas no sentido de garantir ações compatíveis com as diretrizes para o NASF. Em todo esse movimento, observamos que nossa questão norteadora foi respondida, bem como o objetivo proposto atingido, oferecendo subsídios para a discussão sobre os aspectos da interdisciplinaridade e resolutividade na Atenção Primária.

Por meio dessa pesquisa também é possível perceber que a interdisciplinaridade tem sido perseguida pelos profissionais atuantes no NASF. No entanto, essa atuação diferenciada não se estende às Equipes de Saúde da Família vinculadas, salvo em situações específicas de saúde mental, quando há utilização do Apoio Matricial para discussão e condução dos casos apresentados pelas equipes da ESF.

O território, mesmo representando um conceito chave para a Atenção Primária, não tem sido trabalhado como tal. Em decorrência disso, há prioridade em demandas espontâneas, os atendimentos ficam restritos a casos isolados e a comunidade é pouco envolvida em ações que trabalhem os determinantes sociais da saúde.

O modelo de gestão adotado na capital estudada permite que haja diferentes tipos de vínculo empregatício entre os diversos profissionais da equipe e da rede de atenção à saúde, inclusive com gestores que ingressam no sistema por meio de contratos temporários por meio de cargos comissionados. Isso dificulta o comprometimento da gestão com a mudança do modelo assistencial e da lógica de atendimento ambulatorial, individualizada e médico-centrada. Nesse contexto, os trabalhadores do NASF se percebem isolados dos demais atores pertencentes ao sistema de saúde e ressentem a falta de apoio por parte das instâncias superiores.

Portanto, esse estudo indica que há desafios a serem vencidos para que os profissionais da equipe multidisciplinar não sejam tragados pela lógica ambulatorial vigente nas práticas de saúde: gestão compartilhada, porém com responsabilização das instâncias decisórias; aperfeiçoamento e educação permanente da equipe multidisciplinar em ferramentas de diagnóstico e planejamento; desenvolvimento de habilidades e competências para a comunicação e o trabalho com os diversos grupos com os quais se relacionam no âmbito da Atenção Primária (equipes da Estratégia de Saúde da Família, trabalhadores dos demais níveis da rede de atenção à saúde, comunidade, instituições e equipamentos sociais). Além disso, se faz necessário atender à necessidade urgente e emergente de investir na formação de todos os envolvidos no processo de trabalho na Atenção Primária, incluindo a gestão. Também são importantes: a sensibilização das equipes de Saúde da Família para o modelo de apoio na lógica da maior resolutividade na própria Unidade de Saúde e a discussão e apropriação, pelos trabalhadores, da saúde dos conceitos de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.

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    Este trabalho é parte integrante da tese - A dimensão social do trabalho do enfermeiro na Estratégia de Saúde da Família, em desenvolvimento no Programa de Pós Graduação da Faculdade de Enfermagem (PPG-ENF) da Universidade Federal de Goiás (UFG), financiado pela CAPES.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    11 Nov 2014
  • Aceito
    25 Set 2015
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