Acessibilidade / Reportar erro

ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO NO SERVIÇO DE EMERGÊNCIA PSIQUIÁTRICA: AVALIAÇÃO PELO MÉTODO DE QUARTA GERAÇÃO1 1 Resultado da tese - Avaliação de um serviço de emergência psiquiátrica inserido em um hospital geral por meio do método de quarta geração, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá (UEM), em 2014.

Resumos

Estudo qualitativo que utilizou o referencial da Avaliação de Quarta Geração e que teve como objetivo apreender a percepção de profissionais, usuários e familiares, acerca da atuação do enfermeiro em um serviço de emergência psiquiátrica. Os dados foram coletados no período de fevereiro a junho de 2014, junto a 15 profissionais, nove usuários e seis familiares. Realizou-se observação não participante, observação participante e entrevista individual, por meio do círculo hermenêutico-dialético, com análise pelo método comparativo constante. Os resultados foram agrupados em dois eixos temáticos: O enfermeiro como facilitador do cuidado multidisciplinar e humanizado e; Acúmulo de atividades: limitação para o enfermeiro atuar no serviço de emergência psiquiátrica. Concluiu-se a que a utilização do método de Avaliação de Quarta Geração faz emergir o empoderamento dos grupos de interesse como protagonistas das transformações e que a atuação do enfermeiro é essencial para a humanização do cuidado e à dinâmica de trabalho multidisciplinar.

Enfermagem; Serviços de emergência psiquiátrica; Assistência de enfermagem; Avaliação


Qualitative study that used the framework of Fourth Generation Assessment and aimed to apprehend the perception of professionals, users and family members, about the nurse's practice at a psychiatric emergency service. Data were collected from February to June 2014, involving with 15 professionals, nine users and six family members. In the data collection, non-participant observation, participant observation and individual interviews were held, using hermeneutic-dialectic circle, with analysis by the constant comparative method. The results were grouped into two main themes: The nurse as a facilitator of multidisciplinary and humanized care and; activity accumulation: limitation for nurses to work at the psychiatric emergency service. It was concluded that the use of Fourth Generation Assessment reveals the empowerment of stakeholders as protagonists of change and that the nurse's practice is essential for the humanization of care and the dynamics of multidisciplinary work.

Nursing; Emergency services, psychiatric; Nursing care; Evaluation


Estudio cualitativo que utilizó el marco de Evaluación de la Cuarta Generación y que tuvo como objetivo aprehender la percepción de los profesionales, usuarios y familiares, sobre la actuación del enfermero en un servicio de urgencias psiquiátricas. Los datos fueron recolectados de febrero a junio de 2014, junto con 15 profesionales, nueve usuarios y seis miembros de la familia. En la recogida de datos se llevó a cabo la observación de no participantes, la observación de participantes y las entrevistas individuales, a través del círculo hermenéutico-dialéctico, con análisis por el método comparativo constante. Los resultados se agruparon en dos temas principales: El enfermero como facilitador del cuidado multidisciplinario y humanizado; Acumulación de Actividades: limitación para los enfermeros trabajaren en el servicio de urgencias de psiquiatría. Se concluyó que uso del método Cuarta Evaluación Generación pone de manifiesto el empoderamiento de los actores como protagonistas del cambio y la actuación del enfermero es esencial para la humanización del cuidado y la dinámica del trabajo multidisciplinario.

Enfermería; Servicios de urgencia psiquiátrica; Atención de enfermería; Evaluación


INTRODUÇÃO

Os serviços de emergências psiquiátricas (SEP) realizam diagnósticos clínicos e psicossociais em situações de distúrbios de pensamento, emoções ou comportamento de forma assertiva, rápida e com qualidade no cuidado.11. Brasil. Portaria 3088, de 23 de dezembro de 2011: institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília; Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 30 Dez 2011.-22. Page MJ, Metherall A, Hinchcliffe G. Using an accreditation scheme to demonstrate quality in mental healthcare settings. Nurs Times. 2010; 106(25):18-9. Para tanto, com objetivo de edificar os pressupostos da desinstitucionalização, com redução do estigma e do preconceito em saúde mental,33. Paradis M, Woogh C, Marcotte D, Chaput Y. Is psychiatric emergency service (PES) use increasing over time? Int J Ment Health Syst. 2009 Fev; 3(1):1-5. dispõem de cuidados imediatos pautados na orientação assertiva sobre a melhor terapêutica disponível.44. Sousa FSP, Silva CAF, Oliveira EN. Serviço de Emergência Psiquiátrica em hospital geral: estudo retrospectivo. Rev Esc Enferm USP. 2010 Set; 44(3):796-802.

A desinstitucionalização psiquiátrica refere-se à substituição gradativa dos leitos em unidades de internação manicomial e asilar, por meio da implantação e consolidação de uma Rede de Atenção Psicossocial. Na Itália, país onde esse processo se iniciou, o resultado tem impactado na consolidação da qualidade dos serviços de saúde mental, com repercussão positiva no cuidado humanizado.55. Hirdes AA. Reforma psiquiátrica no Brasil: uma (re) visão. Ciênc Saúde Coletiva. 2009 Jan-Fev; 14(1):297-305.

Para compreender a relevância das unidades de emergência psiquiátrica, inseridas nos hospitais gerais, são necessários estudos que identifiquem as percepções dos sujeitos envolvidos na dinâmica do processo assistencial, uma vez que existe limitada produção acerca dessa temática.44. Sousa FSP, Silva CAF, Oliveira EN. Serviço de Emergência Psiquiátrica em hospital geral: estudo retrospectivo. Rev Esc Enferm USP. 2010 Set; 44(3):796-802.,66. Valera MR, Luciano JV, Ortiz JM, Carulla LS, Gracia A, Blanco AS. Health servisse use and costs associated with aggressiveness or agitation and containment in adult psychiatric care: a systematic review of the evidence. BMC Psychiatry. 2015; 15(35):417-21. Os poucos estudos que descrevem o processo de cuidado em saúde mental, apontam para existência de alta demanda de cuidados nas unidades de emergência, com possível comprometimento na qualidade das ações de saúde ofertadas.44. Sousa FSP, Silva CAF, Oliveira EN. Serviço de Emergência Psiquiátrica em hospital geral: estudo retrospectivo. Rev Esc Enferm USP. 2010 Set; 44(3):796-802.,77. Elias ADS, Tavares CMM, Cortez EA. Nursing care of psychiatric patients in general emergency: sociopoetic inspiration. Online Braz J Nurs. 2012 Out [acesso 2015 Dez 21]; 11(Supl):424-7. Disponível em: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/3606/pdf_1
http://www.objnursing.uff.br/index.php/n...
-88. Kondo EH, Vilella JC, Borba LO, Paes MR, Maftum MA. A nursing team's approach to users of a mental health emergency room. Rev Esc Enferm USP. 2011 Abr; 45(2):501-7.

No que concerne à atuação do enfermeiro nos SEP, a produção científica é ainda mais escassa,99. Pereira MM, Padilha MI, Oliveira AB, Santos TCF, Almeida Filho AJ, Peres MA. Discourses on the nursing and psychiatric nurse models, published in the Annals of Nursing (1933-1951). Rev Gaúcha Enferm. 2014 Jun; 35(2):47-52. principalmente quando se abarca questões subjetivas, referentes à atuação desse profissional no sistema de cuidado institucional1010. Lacchini AJB, Ribeiro DB, Soccol KLS, Terra MG, Silva RM. Enfermagem e a saúde mental após a reforma psiquiátrica. Rev Contexto & Saúde. 2011 Jan-Jun; 10(20):565-8.-1111. Bridges J, et al. Capacity for care: meta-ethnography of acute care nurses' experiences of the nurse-patient relationship. J Adv Nurs. 2013 Apr.; 69(4):760-72. e; também, àqueles com base na perspectiva de usuários, profissionais e familiares que, neste estudo, serão denominados stakeholders.

Sabe-se que o enfermeiro e sua equipe representam, em termos numéricos, a maior força de trabalho das instituições hospitalares1212. Carvalho EMP, Moraes KG. Consequências do subdimensionamento de pessoal na saúde dos trabalhadores da enfermagem. Rev Eletr Gestão & Saúde. 2013 [acesso 2015 Dez 21]; 4(4):1556-70. Disponível em: http://gestaoesaude.unb.br/index.php/gestaoesaude/article/view/687/pdf
http://gestaoesaude.unb.br/index.php/ges...
e a sua atuação, além das atividades assistenciais, direcionadas integralmente ao paciente e sua família,1313. Esperidião E, Silva NS, Caixeta CC, Rodrigues J. A Enfermagem Psiquiátrica, a ABEn e o Departamento Científico de Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental: avanços e desafios. Rev Bras Enferm. 2013 Set; 66(spe):171-6. englobam aquelas que repercutem na dinâmica gerencial das instituições de saúde.1414. Guerra ST, Prochnow AG, Trevizan MA, Guido LA. Conflict in the nurse managing exercise in hospital context. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011 Mar; 19(2):362-9. Nessa perspectiva, o dinamismo assistencial, intrínseco ao enfermeiro, acarreta a este profissional sobrecarga diária de trabalho, que pode comprometer a sua qualidade de vida,1515. Inoue KC, Versa GLGS, Bellucci Júnior JA, Murassaki ACY, Matsuda LM. Qualidade de vida e no trabalho de Enfermagem: revisão integrativa da literatura. UNINGÁ Review. 2013 Out-Dez; 16(1):12-7. as suas relações profissionais e inclusive, o cuidado ofertado nos serviços de saúde mental, fazendo emergir conflitos que podem desvalorizar a sua atuação, seja em âmbito individual ou multidisciplinar.1616. Lapischies SRV, Jardim VMR, Kantorski LP. Satisfaction and over load of workers of community mental health services: systematic review. J Nurs UFPE online. 2013 Set [acesso 2015 Dez 21]; 7(spe):5656-67. Disponível em: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/3696/pdf_3467
http://www.revista.ufpe.br/revistaenferm...

Considerando as poucas discussões/publicações referentes ao trabalho do enfermeiro em SEP, surge o seguinte questionamento: Como stakeholders de um SEP percebem a atuação dos enfermeiros neste local? Para responder a este questionamento, o objetivo deste estudo consiste em apreender a percepção de profissionais, usuários e familiares, acerca da atuação do enfermeiro no SEP, inserido em um hospital geral.

CAMINHO METODOLÓGICO

Estudo de Caso realizado em um SEP de um hospital geral que é referência de atendimento para 45 municípios. Para tanto, como base teórica-metodológica, foi utilizada a Avaliação de Quarta Geração,1717. Guba EG, Lincoln YS. Avaliação de quarta geração. Campinas (SP): Unicamp; 2011. de abordagem hermenêutica-dialética e, de cunho construtivista e responsivo.

A utilização do estudo de caso na pesquisa de avaliação de quarta geração se dá, portanto, pela sua potencialidade em descrever o contexto real do objeto a ser avaliado, bem como na capacidade que este tipo de estudo tem em explorar contextos específicos, uma vez que permite identificar a realidade em estudo e sua correlação com a teoria e a prática concreta dos serviços e programas de saúde.1717. Guba EG, Lincoln YS. Avaliação de quarta geração. Campinas (SP): Unicamp; 2011.

A abordagem hermenêutica-dialética é hermenêutica por possibilitar a interpretação dos dados construídos por meio das subjetividades e; é dialético porque propõe discussão de diferentes pontos de vista, de modo a obter um resultado avaliativo mais próximo à realidade onde as opiniões são produzidas. Já o enfoque responsivo usa as reinvindicações, preocupações e questões dos grupos de interesse (stakeholder) como aspectos que direcionam todo o processo avaliativo.1717. Guba EG, Lincoln YS. Avaliação de quarta geração. Campinas (SP): Unicamp; 2011.

A coleta de dados ocorreu no período de fevereiro a junho de 2014 e contou com 30 respondentes, dos quais 15 eram profissionais; nove eram usuários e; seis eram familiares; designados como grupos de interesse (stakeholders).

Como critérios de inclusão dos profissionais, estabeleceram-se: atuar no serviço há mais de seis meses e prestar cuidados diretos a pessoa com transtorno mental e/ou a família. Já os critérios dos usuários e familiares foram: possuir 18 anos ou mais de idade; ter utilizado o SEP pelo menos uma vez nos três meses anteriores à pesquisa e; fazer parte do grupo de psicoterapia existente no ambulatório de saúde mental, complementar ao SEP.

Para otimizar a entrevista com familiares e usuários optou-se por entrevistar aqueles que já haviam recebido atendimento na emergência e que atualmente faziam parte do grupo de psicoterapia que acontecia no ambulatório de saúde mental, complementar ao SEP. Esta medida foi tomada, uma vez que durante o atendimento psiquiátrico emergencial este tipo de pesquisa seria inviabilizada em decorrência da sua metodologia hermenêutica-dialética que requer a indicação de um novo respondente ao final de cada entrevista.

Foram excluídos do estudo, usuários que apresentavam diagnóstico médico de transtorno mental grave ou incapacitante e; acompanhantes que não estavam presentes no momento do atendimento do paciente na emergência.

Para a consolidação do processo de avaliação qualitativa, a coleta de dados seguiu os pressupostos teóricos e metodológicos da Quarta Geração que se resumem em: Contato com o campo (quando foram realizadas reuniões com a equipe do serviço, usuários e familiares, para discorrer sobre a proposta da pesquisa e assim, estabelecer um contrato entre os sujeitos designados como importantes para a construção do estudo); Identificação dos Stakeholders (neste estudo foram considerados os profissionais, usuários e familiares que participavam da dinâmica da unidade de emergência psiquiátrica); Desenvolvimento e ampliação das construções conjuntas (aplicação do círculo hermenêutico-dialético, identificação); Apresentação dos dados para os grupos de interesse (realizada a partir do processo de negociação, que consistiu na organização das construções de cada grupo, validação das informações e; verificação de consensos). E, por fim, construção dos resultados finais do processo avaliativo (definição dos eixos temáticos, de acordo com os resultados qualificados após a negociação).

A coleta de dados foi realizada por meio de duas técnicas: Observação não participante, observação participante e; entrevista individual áudio-gravada, estabelecida por meio do círculo hermenêutico-dialético.

A reunião de contato com o campo foi realizada em janeiro de 2014. Em seguida, em fevereiro do mesmo ano foi realizada a observação não participante da dinâmica assistencial estabelecida no serviço, totalizando 61 horas de observação, como forma de aproximação do objeto de estudo. Para tanto, a pesquisadora se inseriu no campo nos três períodos de atendimento, realizando a observação livre para que fosse identificada a dinâmica assistencial estabelecida no serviço.

Após a observação não participante, foi iniciada a observação participante, que se estendeu no período de março a junho de 2014, totalizando 152 horas. Para esta etapa estabeleceu-se uma observação mais sistematizada dos aspectos assistenciais, por meio da imersão nos fatores que foram pouco compreendidos na observação não participante. Neste momento, a pesquisadora participava ativamente das atividades de cuidado desenvolvidas no local do estudo, para assim compreender o processo assistencial no serviço. A etapa de entrevistas foi iniciada no mês de maio e finalizada em junho, neste momento foram realizadas entrevistas individuais com os stakeholders, e cujo tempo variou entre 45 a 75 minutos.

A entrevista com o primeiro integrante do grupo foi orientada por um roteiro semi-estruturado, contendo as seguintes questões: Na sua perspectiva, como é o serviço de emergência psiquiátrica? Quais são as fragilidades e potencialidades deste serviço?

A pergunta que originou o presente estudo surgiu de uma construção êmica das primeiras entrevistas nos grupos de interesse, sendo assim, todos respondentes também foram questionados sobre "Como percebiam a atuação do enfermeiro no serviço de emergência psiquiátrica?".

Vale ressaltar que as entrevistas foram organizadas com base no círculo hermenêutico-dialético. Para este método a primeira entrevista foi realizada com o respondente 1 chamado de R1, e ao final de sua entrevista, o mesmo foi solicitado a indicar outro respondente, designado como R2, a fim de que este pudesse apontar novas formulações acerca do SEP.

Contudo, antes da entrevista com o R2, os temas, conceitos, ideias, valores, preocupações e questões centrais, propostos por R1, foram sintetizados, por meio da escuta do áudio da entrevista a fim de extrair os pontos relevantes que possibilitassem a construção 1 (C1) que serviu de fonte de informações para proceder a entrevista com o R2 que também foi convidado, ao final de sua entrevista, a indicar um novo respondente R3.

Para tanto, a entrevista com R2 possibilitou uma nova construção, designada como C2, que por sua vez, serviu para direcionar a entrevista com o respondente 3 (R3) e assim, sucessivamente. Este processo de coleta foi repetido igualmente nos três grupos de interesse, sendo eles os profissionais, familiares e usuários.

Como respondente inicial (R1) do círculo de profissionais, foi eleito aquele com maior tempo de atuação no Serviço; para os usuários, aquele com maior número de internações na Emergência e; para o familiar, aquele que acompanhou o usuário do serviço em pelo menos duas visitas durante a sua internação.

Para a análise inicial do conteúdo das entrevistas foi utilizado o Método Comparativo Constante,1717. Guba EG, Lincoln YS. Avaliação de quarta geração. Campinas (SP): Unicamp; 2011. que consiste em analisar os dados, por meio da escuta dos depoimentos áudio gravados, logo após a sua coleta para assim, identificar as construções de cada respondente e apresentar o conteúdo das entrevistas precedentes, nas entrevistas posteriores, para realizar novas formulações acerca das questões apontadas nos depoimentos.

Vale ressaltar que o Método Comparativo Constante foi utilizado apenas como meio que possibilitasse a análise imediata dos dados coletados por meio do círculo hermenêutico dialético, que por sua vez, para este estudo, teve como função instrumentalizar a coleta dos dados subjetivos trazidos pelos atores envolvidos no SEP. Para justificar a conciliação entre estes dois processos, ancoramos nossa argumentação nas bases teórico-metodológicas do Método de Avaliação de Quarta Geração,1717. Guba EG, Lincoln YS. Avaliação de quarta geração. Campinas (SP): Unicamp; 2011. uma vez que este propõe a interação entre os dois processos descritos.

Com a finalização de todos os círculos hermenêuticos-dialéticos, as entrevistas foram transcritas na íntegra e as informações resultantes da análise dos dados, foram associadas a cada grupo de interesse e decompostas em unidades temáticas; unidades de informação e; fragmentos das entrevistas, destacando-se aquelas referentes à atuação do enfermeiro no SEP, dando-se início à fase de organização e análise dos resultados prévios a serem apresentados na reunião de negociação em forma de eixos temáticos.

A etapa de negociação, que serviu para a construção de consensos acerca do SEP, bem como da atuação do enfermeiro nesta unidade de cuidado ocorreu de forma independente com cada grupo de interesse, por meio de agendamento prévio da data e horário da reunião que contou com o comparecimento da maioria dos entrevistados.

Para esse momento, foi produzido um material impresso, contendo a síntese dos dados das entrevistas, sendo este entregue a cada membro do grupo. Após, foi realizada explanação dos resultados obtidos nas entrevistas, pela pesquisadora, por meio de apresentação com auxílio de Power Point, objetivando a discussão, validação e negociação dos dados, como eixo prioritário da avaliação.

Após a etapa de negociação os dados foram reorganizados com base nas construções e consensos, estabelecidos pelos grupos de interesse, para serem descritos neste estudo em forma de eixos temáticos. Para tanto, foram extraídos extratos/excertos/segmentos, que foram editados gramaticalmente, a fim de melhorar a vazão gráfica, sem alterar o conteúdo.

Esta pesquisa cumpriu todas as exigências éticas e legais vigentes na Portaria 466/121818. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília (DF): MS; 2012. e o seu projeto, está registrado no Comitê Permanente de Ética em Pesquisas Envolvendo Seres Humanos (COPEP), da Universidade Estadual de Maringá (UEM), sob o parecer de n. 23.496 e CAAE n. 25786714.0.0000.0104.

Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias e; para garantir-lhes o anonimato, os excertos de seus depoimentos estão identificados com a letra P (profissional); U (usuário) e F (familiar), seguidos de um número indicativo da sequência em que as entrevistas foram realizadas e; de uma breve caracterização dos sujeitos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados serão descritos a partir de duas categorias temáticas: O enfermeiro como facilitador do cuidado multidisciplinar e humanizado e; Acúmulo de atividades: limitação para o enfermeiro atuar no SEP.

O enfermeiro como facilitador do cuidado multidisciplinar e humanizado

No local onde o estudo foi realizado, o enfermeiro é reconhecido como articulador da dinâmica assistencial, pois em razão da sua competência gerencial, direciona e organiza o cuidado multidisciplinar, além de ter trânsito facilitado entre os outros profissionais.

Eu acho o enfermeiro fundamental porque, a enfermagem tem algo que eu gosto muito que é a organização. Então, ele é um pilar importantíssimo porque consegue organizar e atribuir serviços na equipe multidisciplinar [...] eu acho que é ele que ainda mantêm o Serviço vivo (P2 - médica psiquiatra, 30 anos, atua há quatro anos no Serviço).

Constata-se neste depoimento que a atuação do enfermeiro é percebida como ponto-chave para a dinâmica assistencial e que, o seu modo de atuação, pautado na organização da equipe multidisciplinar, com distribuição de tarefas, mantêm o Serviço funcionando ativamente.

Eu acho ótimo o papel do enfermeiro para ajudar a gente. Tem alguma objeção lá na frente [na recepção], tem qualquer problema; nunca elas se opõem a me ajudar [...]. Elas são a porta-voz quando me enrosco. Elas sempre estão ali [disponíveis], pelo menos estão ouvindo a gente e vai levar [o problema] para alguém resolver [...]. (P9 - recepcionista, 33 anos, atua há dois anos e nove meses no Serviço).

Por meio da análise dos dados foi possível identificar que a atuação do enfermeiro é primordial para o adequado gerenciamento da equipe multidisciplinar e no processo de construção do cuidado emergencial, em saúde mental. No contexto apresentado, fica evidente que a atuação do enfermeiro é fundamental no SEP, principalmente por atuar no âmbito administrativo/gerencial.

Coadunando com a afirmação anterior, um estudo realizado com objetivo de contextualizar a enfermagem psiquiátrica e a saúde mental no Brasil1313. Esperidião E, Silva NS, Caixeta CC, Rodrigues J. A Enfermagem Psiquiátrica, a ABEn e o Departamento Científico de Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental: avanços e desafios. Rev Bras Enferm. 2013 Set; 66(spe):171-6. evidenciou a necessidade de readequações no paradigma do cuidado psicossocial e enfatizou que às ações acerca da atuação do enfermeiro, têm considerado os aspectos legais que gerenciam o cuidado ofertado a pessoa com transtorno mental e sua família. Este avanço pode ser considerado como resposta à formação melhorada em psiquiatria, visto que ela (a formação de enfermeiros) permite que os profissionais atuem como gestores em organizações de assistência à saúde mental.

O enfermeiro também foi apontado como pilar para a execução segura das ações de saúde, contato entre os membros da equipe multidisciplinar, bem como pela sua capacidade gerencial, que contribui para a organização da atenção qualificada e resolutiva em saúde.

Os enfermeiros coordenam, eles dizem o que cada um tem que fazer com o paciente, inclusive na dinâmica da contenção. É diferente quando o enfermeiro está junto. É tudo mais fácil, a gente fica mais confiante no que vai fazer (P15 - médica psiquiatra, 29 anos, atua há dois anos e um mês no Serviço).

A atuação do enfermeiro na unidade de Emergência vai além do seu papel de gerente da equipe multidisciplinar quando, sua prática é reconhecida como facilitadora das ações de saúde1919. Jennings N, Clifford S, Fox AR, O'Connell J, Gardner G. The impact of nurse practitioner services on cost, quality of care, satisfaction and waiting times in the emergency department: A systematic review. Int J Nurs Stud. 2015 Jan; 52(1):421-35.. Contudo, a função de "facilitador" também pode se enquadrar como uma postura ruim, uma vez que o enfermeiro fica sobrecarregado quando se desdobra para preparar o ambiente de cuidado para a execução das ações de saúde de outros profissionais, deixando assim, de realizar o seu próprio trabalho.2020. Thian JHM, Kannusamy P HHG, Klainin-Yobas P. Relationships among Stress, Positive Affectivity, and Work Engagement among Registered Nurses. Psychology. 2015 Feb; 6:159-67. Este fato é agravado pelo pouco reconhecimento da atuação do enfermeiro dentro de um sistema de saúde complexo, sujeito a situações de opressão administrativa, consolidando assim, práticas de saúde pouco reflexivas e reprodutivas do modelo biomédico.1414. Guerra ST, Prochnow AG, Trevizan MA, Guido LA. Conflict in the nurse managing exercise in hospital context. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011 Mar; 19(2):362-9.

Como forma de exercer um cuidado mais reflexivo e resolutivo, faz-se necessário que as unidades de saúde priorizem a organização e a segurança da prática de enfermagem, como forma de ordenamento do cuidado humanizado, reconhecendo o trabalho de enfermagem como prática social importante de construção do cuidado.2121. Ulrich CM, Taylor C, Soeken K, O'Donnell P, Farrar A, Danis M, et al. Everyday ethics: ethical issues and stress in nursing practice. J Adv Nurs. 2013 Nov; 66(11):2510-9. Nesse contexto, a gestão do enfermeiro é necessária à qualidade assistencial, no sentido de promover a organização dos serviços, a adequação da equipe e; à produção organizada de saúde que, certamente, resultam em menos desgaste e melhora da qualidade do cuidado com reduzido tempo de internação e maior segurança do paciente.2222. Kaufman G, McCaughan D. The effect of organizational culture on patient safety. Nurs Stand. 2013; 27(43):50-6.

Já os usuários reconhecem que há construção de vínculo e promoção de ações de saúde acolhedoras durante o atendimento de enfermagem.

[...] quando comecei a ser tratado na psiquiatria, os enfermeiros começaram a me ajudar. Fui orientado a descobrir o motivo que tinha me levado para lá [...]. Foi com eles [enfermeiros] que eu comecei a trabalhar o meu psicológico. Melhorou tudo, então eu comecei a acordar para a vida porque, lá eu tinha o reconhecimento dos enfermeiros [...] (U3- 49 anos, possui transtorno de humor afetivo bipolar, atendido no serviço duas vezes).

É possível reconhecer que o vínculo entre a equipe de enfermagem e usuários é o ponto inicial para o processo terapêutico adequado, uma vez que a "ajuda" ofertada pela equipe de enfermagem fez que com o usuário 3 iniciasse seu processo de interiorização e mudança de comportamento, evidenciando assim, a grandeza do cuidado humano em saúde.

A atuação do enfermeiro também foi evidenciada como altruística pelos familiares que necessitaram do Serviço e isso, contribuiu para que a família percebesse o cuidado de enfermagem como primordial, conforme se vê no extrato a seguir.

[...] as enfermeiras, o que elas fizeram por mim foi assim, uma tábua de salvação porque, quando eu estava no maior desespero com o meu filho, a gente vinha e elas ajudavam, cuidavam do meu filho e falavam para eu ficar calma que tudo ia dar certo. Sem elas ali, não sei como seria [...] (F2 - 63 anos, mãe. Seu filho foi atendido no serviço com quadro de dependência química).

Da fala de F2, apreende-se que a atuação do enfermeiro no Serviço de Emergência possibilitou que as famílias dos usuários do Serviço percebessem novas formas de enfrentamento das dificuldades decorrentes da doença mental e conflitos familiares como, a aceitação do transtorno mental no seio familiar, por meio do cuidado acolhedor e humanizado.

A atuação do enfermeiro também foi descrita como salvadora por um familiar, quando o mesmo refere que o cuidado de enfermagem foi como uma "tábua de salvação", o que pressupõe que o cuidado prestado por esse profissional, à família, foi crucial para que esta enfrentasse o sofrimento acarretado pela experiência de ter um membro familiar necessitando de atendimento emergencial em psiquiatria.

Tem-se que o acolhimento no momento do cuidado, esta é uma ação importante realizada pelo enfermeiro, pois num estudo77. Elias ADS, Tavares CMM, Cortez EA. Nursing care of psychiatric patients in general emergency: sociopoetic inspiration. Online Braz J Nurs. 2012 Out [acesso 2015 Dez 21]; 11(Supl):424-7. Disponível em: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/3606/pdf_1
http://www.objnursing.uff.br/index.php/n...
que objetivou identificar a abordagem fornecida à pacientes psiquiátricos, por enfermeiros, destacou o cuidado que abarca a dimensão existencial, relacional, histórica, cultural e situacional dos pacientes, como abordagem efetiva e acolhedora mediante o intenso sofrimento mental.

Além da atenção humanizada e acolhedora, acredita-se ser relevante a criação de vínculo entre a equipe e a família da pessoa acometida pela doença mental, com o propósito de arquitetar uma assistência baseada na confiança e no vínculo, com vistas a ajudá-las na promoção de mudanças necessárias à manutenção da saúde mental no contexto familiar.2323. Bessa JB, Waidman MAP. Family of people with a mental disorder and needs in psychiatric care. Texto Contexto Enferm. 2013 Jan-Mar [acesso 2015 Dez 21]; 22(1):61-70. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072013000100008
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...

Diante das construções formuladas por profissionais, usuários e família faz-se mister reconhecer a relevância do enfermeiro na unidade de emergência psiquiátrica, pois este profissional é percebido como indispensável ao alcance da qualidade em saúde, principalmente naqueles considerados emergentes no contexto da reforma psiquiátrica brasileira, como é o caso das emergências psiquiátricas nos hospitais gerais.

Acúmulo de atividades: limitação para o enfermeiro atuar no serviço de emergência psiquiátrica

Alguns depoimentos apontaram que o trabalho do enfermeiro pode ser comprometido, quando o mesmo é sobrecarregado.

[...] hoje em dia, o enfermeiro aqui dentro tem sua função tão distorcida [...] ele tem que fazer tantas coisas que eu tenho dó! Muita dó [...]. Muitas vezes nós temos funcionários extremamente competentes, mas estão desgastados porque fazem trabalhos que não são deles. Enfermeiro aqui dentro vira assistente social, auxiliar, faxineira, faz tudo [...]. (P6 - médico psiquiatra, 32 anos, atua há dois anos e seis meses no serviço).

Com base no excerto do P6, é possível identificar o quanto a profissional enfermeiro tem sido subjugado em decorrência da sobrecarga de encargos que lhes são impostos, comprometendo assim, a proposta de cuidado integral e resolutivo.

Como fragilidade para a construção de uma assistência qualificada em saúde mental, ressalta-se que, de maneira geral, a atuação do enfermeiro é prejudicada pela dinâmica estrutural do serviço que se apresenta inadequada para a demanda de usuários. Este aspecto é corroborado pelos excertos de relatos dos profissionais, quando os mesmos referem que os profissionais de enfermagem, com relativa frequência, atuam em mais de um setor.

As dificuldades enfrentadas pelos enfermeiros corresponde com o que aponta a literatura, no sentido de que, a conjuntura estrutural complexa e congesta dos serviços de saúde são, em sua maior parte, decorrentes dos fatores internos e externos à estrutura hospitalar pela qual transitam, revelando à premência de (re)construções acerca da prática assistencial de enfermagem.99. Pereira MM, Padilha MI, Oliveira AB, Santos TCF, Almeida Filho AJ, Peres MA. Discourses on the nursing and psychiatric nurse models, published in the Annals of Nursing (1933-1951). Rev Gaúcha Enferm. 2014 Jun; 35(2):47-52.,2424. Kripalani S, Theobald CN, Anctil B, Vasilevskis EE. Reducing hospital readmission rates: current strategies and future directions. Annu Rev Med. 2014; 65:471-85.

Um estudo que teve como objetivo analisar como o conflito se manifesta nas relações interpessoais e a magnitude que assume no exercício gerencial do enfermeiro, constatou que nem sempre este profissional fica sobrecarregado, apenas em decorrência do seu próprio trabalho, pois muitas vezes, isso ocorre porque ele assume outras atividades e/ou papéis, para diminuir o conflito existente na equipe multidisciplinar.1414. Guerra ST, Prochnow AG, Trevizan MA, Guido LA. Conflict in the nurse managing exercise in hospital context. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011 Mar; 19(2):362-9.

No contexto relacionado à insatisfação no trabalho da enfermagem, acredita-se que este sentimento é decorrente de sua rede complexa de fatores e que para sua resolução faz-se necessário a incorporação de novas formas de atuação do enfermeiro, com vistas a volver um novo olhar sobre a sua prática assistencial.

Repensar o modelo hospitalar, que oprime o enfermeiro por meio do acúmulo de atividades é emergente, principalmente quando se constata que a atual dinâmica assistencial, imposta cotidianamente, tem prejudicado não apenas o cuidado direto ao paciente e à sua família, mas também, toda a equipe de saúde, pela mesma não lograr melhores estratégias de cuidado multidisciplinar.2525. Alves AP, Guidetti GECB, Diniz MA, Rezende MP, Ferreira LA, Zuffi FB. Evaluation of job impact on mental health professionals in a psychiatric institution. Rev Min Enferm. 2013 Abr-Jun; 17(2):429-8. De acordo com a literatura,1515. Inoue KC, Versa GLGS, Bellucci Júnior JA, Murassaki ACY, Matsuda LM. Qualidade de vida e no trabalho de Enfermagem: revisão integrativa da literatura. UNINGÁ Review. 2013 Out-Dez; 16(1):12-7. fatos como esses, resultam em baixa qualidade de vida dos profissionais, com altos níveis de insatisfação.

O desfalque no dimensionamento de trabalhadores em enfermagem é realidade constante nas unidades de saúde.1212. Carvalho EMP, Moraes KG. Consequências do subdimensionamento de pessoal na saúde dos trabalhadores da enfermagem. Rev Eletr Gestão & Saúde. 2013 [acesso 2015 Dez 21]; 4(4):1556-70. Disponível em: http://gestaoesaude.unb.br/index.php/gestaoesaude/article/view/687/pdf
http://gestaoesaude.unb.br/index.php/ges...
Reconhecer esta fragilidade é relevante para a reflexão acerca das consequências diretas no processo assistencial, bem como na equipe multidisciplinar, que também se sente sobrecarregada, com a ausência do enfermeiro. Este fato pode ser evidenciado no excerto a seguir:

É difícil a atuação delas [enfermeiras] aqui. Principalmente quando têm que cobrir duas clínicas. Quando isso acontece, o foco maior de cuidado não é aqui [...] nessas horas quem vê as coisas que acontecem aqui, somos nós médicos, residentes e auxiliares. Todo mundo fica o tempo todo fazendo tudo [...]. (P8 - médica psiquiatra, 31 anos, atua há três anos no serviço).

A atuação do enfermeiro que está alocado em mais de uma clínica/setor em um mesmo plantão, resulta em pouca organização do serviço e método ineficaz para o atendimento, o que acarreta em sobrecarga de toda a equipe de saúde. Para minimizar esse quadro, sugere-se a adoção de medidas votadas ao dimensionamento adequado da equipe de saúde, por meio de um Sistema de Classificação de Pacientes e identificação da carga de trabalho, bem como recursos para capacitação constante relacionado ao cuidado seguro e com qualidade.1212. Carvalho EMP, Moraes KG. Consequências do subdimensionamento de pessoal na saúde dos trabalhadores da enfermagem. Rev Eletr Gestão & Saúde. 2013 [acesso 2015 Dez 21]; 4(4):1556-70. Disponível em: http://gestaoesaude.unb.br/index.php/gestaoesaude/article/view/687/pdf
http://gestaoesaude.unb.br/index.php/ges...

Considera-se então que, a fragilidade da estrutura organizacional das unidades de saúde mental acentua a necessidade de discussões sobre o modelo assistencial de enfermagem psiquiátrica, como um compromisso social em prol de uma classe profissional, que há muito vêm sofrendo com a escassez de recursos humanos e de materiais, para a consolidação de uma prática qualificada.1414. Guerra ST, Prochnow AG, Trevizan MA, Guido LA. Conflict in the nurse managing exercise in hospital context. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011 Mar; 19(2):362-9.,2626. Tavares CMM, Cortez EA, Muniz MP. Cuidado no hospital psiquiátrico sob a ótica da equipe de enfermagem. Rev Rene. 2014 Mar-Abr; 15(2):282-90.

A sobrecarga da equipe de saúde também foi apontada como um aspecto que leva a pouca resolubilidade do cuidado prestado ao usuário e sua família, conforme evidenciado a seguir:

Às vezes eu acho um pouco vago o atendimento para a família porque, por exemplo, teve dia que eu já fiquei duas horas ali fora esperando. Eu chego e eles falam 'espera que vou conversar com não sei quem' [...] fico esperando. [...] demora para voltar. O enfermeiro vai e volta lá dentro e a gente fica lá fora, sem saber o que está acontecendo [...] vejo (as enfermeiras) entrando e saindo de um lado para o outro [...]. (F1 - 49 anos, mãe. Seu filho foi atendido quatro vezes no serviço com quadro de ansiedade grave).

[...] durante a noite eu observei que era raro você trombar com algum enfermeiro no corredor. Fui cuidado bem rápido um passou lá, viu o que tinha que me dar e foi cuidar das outras coisas. Eu acho que também tinha que ter mais gente à noite ali, porque vai que dá uma crise na gente [...] (U7 - 35 anos, dependente de substâncias psicoativas, atendido no serviço quatro vezes).

A sobrecarga também foi apontada como elemento causador de insatisfação do enfermeiro. Esta particularidade faz com que o profissional exteriorize sentimentos de decepção frente à alta demanda assistencial. Esse argumento pode ser observado no excerto a seguir.

[...] se não precisasse fazer tanta coisa eu acho que não teria tanta decepção [...] estou tão decepcionada com a psiquiatria. Nem sempre o enfermeiro consegue participar, fazer aquele trabalho bonito, ficar ali, acompanhar de perto o paciente [...] por isso, fico muito decepcionada (P12 - enfermeira, 37 anos, atua há quatro anos no serviço).

Com relação à limitação de recursos humanos, estudo1212. Carvalho EMP, Moraes KG. Consequências do subdimensionamento de pessoal na saúde dos trabalhadores da enfermagem. Rev Eletr Gestão & Saúde. 2013 [acesso 2015 Dez 21]; 4(4):1556-70. Disponível em: http://gestaoesaude.unb.br/index.php/gestaoesaude/article/view/687/pdf
http://gestaoesaude.unb.br/index.php/ges...
realizado com base em uma revisão sistemática, com objetivo de identificar as consequências do sub-dimensionamento de pessoal na saúde dos trabalhadores de enfermagem, evidenciou que a sobrecarga de trabalho e o estresse, eram as principais queixas relacionadas ao inadequado dimensionamento do quadro de funcionários e que isto, possivelmente, comprometia a qualidade do cuidado ofertado.

Frente aos resultados acerca das dificuldades de atuação do enfermeiro no SEP, é possível apreender que a sobrecarga de trabalho, devido ao acúmulo de atividades, associada ao pouco apoio por parte dos gestores, para dimensionar adequadamente a equipe de enfermagem, são fatores que predispõe a inadequação do processo assistencial de enfermagem. Isso tudo faz emergir a necessidade de reflexões e de ações que promovam mudanças na realidade de trabalho desses profissionais.

Para sanar as difíceis condições de trabalho nas unidades psiquiátricas aponta-se a necessidade de melhor qualificação dos profissionais, associada à autonomia do enfermeiro para a tomada de decisão, bem como o dimensionamento adequado da equipe, de acordo com a complexidade de cada unidade de saúde, como estratégias para melhorar qualidade da assistência em saúde.1010. Lacchini AJB, Ribeiro DB, Soccol KLS, Terra MG, Silva RM. Enfermagem e a saúde mental após a reforma psiquiátrica. Rev Contexto & Saúde. 2011 Jan-Jun; 10(20):565-8.,2727. Silva NG, Silva PP, Oliveira AGB. A percepção dos trabalhadores de enfermagem sobre a assistência à saúde mental em hospital universitário. Cienc Cuid Saude. 2012; 11(2):302-10. Acresçam-se às essas ações, a educação continuada constante e o comprometimento de todos, com o saber científico em saúde mental,2828. Mota A, Silva ALA, Souza AC. Continuing education in daily new practices in mental health: intervention research. Online Braz J Nurs. 2013 [acesso 2015 Dez 21]; 12(Supl):608-10. Disponível em: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/4516/html
http://www.objnursing.uff.br/index.php/n...
principalmente no que concerne a inserção da família como foco desse saber e cuidado, uma vez que esta família sofre constantemente com as fragilidades assistências dos serviços de saúde mental.2929. Oliveira E, Mendonça J. Family member with chemical dependency and consequent burden suffered by the family: descriptive research. Online Braz J Nurs. 2012 [acesso 2015 Dez 21]; 11(1):11-7. Disponível em: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/3480/pdf_2
http://www.objnursing.uff.br/index.php/n...

Em conformidade com o exposto, considera-se que, enquanto a prática assistencial de enfermagem em saúde mental, for tiranizada pelo modelo hospitalocêntrico vigente, a qualidade do cuidado, em especial do enfermeiro, será marginalizada a tarefas sem cunho resolutivo, prejudicando de forma direta, a implantação efetiva da Reforma Psiquiátrica no cenário brasileiro, principalmente nos novos serviços, como é o caso dos SEP, inseridos nos hospitais gerais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio deste estudo foi possível apreender a percepção de stakeholders acerca da atuação do enfermeiro no SEP. Neste contexto, o cuidado de enfermagem foi descrito como essencial para a organização da dinâmica assistencial, bem como para a articulação entre a equipe multidisciplinar e a assistência humanizada em saúde mental. Em contrapartida, foi apontado pelos entrevistados que a Emergência Psiquiátrica apresenta incoerências na sua estrutura organizacional e de recursos humanos, o que leva a sobrecarga do enfermeiro, e consequentemente, a fragilidade do cuidado ofertado. Esta, apontada como determinante à insatisfação profissional.

De acordo com os achados, a atuação do enfermeiro é permeada por limites e desafios, resultantes do processo de trabalho conturbado, onde o mesmo se insere. Contudo, sua presença no SEP é fundamental para a dinâmica de trabalho da equipe de saúde.

Como caráter inovador dessa pesquisa destaca-se a utilização do método de Avaliação de Quarta Geração, já que este referencial teórico-metodológico, que abarca a pesquisa construtivista, com enfoque formativo e responsivo, faz emergir o empoderamento dos grupos de interesse como protagonistas das transformações necessárias ao aprimoramento do Serviço, uma vez que, por meio da negociação, prevista no método de pesquisa, foi possível estabelecer propostas pertinentes aos grupos de interesse quanto a adequação no que diz respeito a atuação do enfermeiro no SEP.

Como sugestão para a adequação das fragilidades apontadas no trabalho de enfermagem, consta a necessidade de sensibilização dos gestores hospitalares acerca do dimensionamento adequado da equipe de saúde, em especial da enfermagem, para que a sobrecarga de trabalho e a insatisfação destes trabalhadores sejam minimizadas. Ressalta-se que este estudo tem como limitação, abranger dados referentes a um serviço específico e por isso, não possibilita generalizações.

REFERENCES

  • 1
    Brasil. Portaria 3088, de 23 de dezembro de 2011: institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília; Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 30 Dez 2011.
  • 2
    Page MJ, Metherall A, Hinchcliffe G. Using an accreditation scheme to demonstrate quality in mental healthcare settings. Nurs Times. 2010; 106(25):18-9.
  • 3
    Paradis M, Woogh C, Marcotte D, Chaput Y. Is psychiatric emergency service (PES) use increasing over time? Int J Ment Health Syst. 2009 Fev; 3(1):1-5.
  • 4
    Sousa FSP, Silva CAF, Oliveira EN. Serviço de Emergência Psiquiátrica em hospital geral: estudo retrospectivo. Rev Esc Enferm USP. 2010 Set; 44(3):796-802.
  • 5
    Hirdes AA. Reforma psiquiátrica no Brasil: uma (re) visão. Ciênc Saúde Coletiva. 2009 Jan-Fev; 14(1):297-305.
  • 6
    Valera MR, Luciano JV, Ortiz JM, Carulla LS, Gracia A, Blanco AS. Health servisse use and costs associated with aggressiveness or agitation and containment in adult psychiatric care: a systematic review of the evidence. BMC Psychiatry. 2015; 15(35):417-21.
  • 7
    Elias ADS, Tavares CMM, Cortez EA. Nursing care of psychiatric patients in general emergency: sociopoetic inspiration. Online Braz J Nurs. 2012 Out [acesso 2015 Dez 21]; 11(Supl):424-7. Disponível em: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/3606/pdf_1
    » http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/3606/pdf_1
  • 8
    Kondo EH, Vilella JC, Borba LO, Paes MR, Maftum MA. A nursing team's approach to users of a mental health emergency room. Rev Esc Enferm USP. 2011 Abr; 45(2):501-7.
  • 9
    Pereira MM, Padilha MI, Oliveira AB, Santos TCF, Almeida Filho AJ, Peres MA. Discourses on the nursing and psychiatric nurse models, published in the Annals of Nursing (1933-1951). Rev Gaúcha Enferm. 2014 Jun; 35(2):47-52.
  • 10
    Lacchini AJB, Ribeiro DB, Soccol KLS, Terra MG, Silva RM. Enfermagem e a saúde mental após a reforma psiquiátrica. Rev Contexto & Saúde. 2011 Jan-Jun; 10(20):565-8.
  • 11
    Bridges J, et al. Capacity for care: meta-ethnography of acute care nurses' experiences of the nurse-patient relationship. J Adv Nurs. 2013 Apr.; 69(4):760-72.
  • 12
    Carvalho EMP, Moraes KG. Consequências do subdimensionamento de pessoal na saúde dos trabalhadores da enfermagem. Rev Eletr Gestão & Saúde. 2013 [acesso 2015 Dez 21]; 4(4):1556-70. Disponível em: http://gestaoesaude.unb.br/index.php/gestaoesaude/article/view/687/pdf
    » http://gestaoesaude.unb.br/index.php/gestaoesaude/article/view/687/pdf
  • 13
    Esperidião E, Silva NS, Caixeta CC, Rodrigues J. A Enfermagem Psiquiátrica, a ABEn e o Departamento Científico de Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental: avanços e desafios. Rev Bras Enferm. 2013 Set; 66(spe):171-6.
  • 14
    Guerra ST, Prochnow AG, Trevizan MA, Guido LA. Conflict in the nurse managing exercise in hospital context. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011 Mar; 19(2):362-9.
  • 15
    Inoue KC, Versa GLGS, Bellucci Júnior JA, Murassaki ACY, Matsuda LM. Qualidade de vida e no trabalho de Enfermagem: revisão integrativa da literatura. UNINGÁ Review. 2013 Out-Dez; 16(1):12-7.
  • 16
    Lapischies SRV, Jardim VMR, Kantorski LP. Satisfaction and over load of workers of community mental health services: systematic review. J Nurs UFPE online. 2013 Set [acesso 2015 Dez 21]; 7(spe):5656-67. Disponível em: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/3696/pdf_3467
    » http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/3696/pdf_3467
  • 17
    Guba EG, Lincoln YS. Avaliação de quarta geração. Campinas (SP): Unicamp; 2011.
  • 18
    Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília (DF): MS; 2012.
  • 19
    Jennings N, Clifford S, Fox AR, O'Connell J, Gardner G. The impact of nurse practitioner services on cost, quality of care, satisfaction and waiting times in the emergency department: A systematic review. Int J Nurs Stud. 2015 Jan; 52(1):421-35.
  • 20
    Thian JHM, Kannusamy P HHG, Klainin-Yobas P. Relationships among Stress, Positive Affectivity, and Work Engagement among Registered Nurses. Psychology. 2015 Feb; 6:159-67.
  • 21
    Ulrich CM, Taylor C, Soeken K, O'Donnell P, Farrar A, Danis M, et al. Everyday ethics: ethical issues and stress in nursing practice. J Adv Nurs. 2013 Nov; 66(11):2510-9.
  • 22
    Kaufman G, McCaughan D. The effect of organizational culture on patient safety. Nurs Stand. 2013; 27(43):50-6.
  • 23
    Bessa JB, Waidman MAP. Family of people with a mental disorder and needs in psychiatric care. Texto Contexto Enferm. 2013 Jan-Mar [acesso 2015 Dez 21]; 22(1):61-70. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072013000100008
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072013000100008
  • 24
    Kripalani S, Theobald CN, Anctil B, Vasilevskis EE. Reducing hospital readmission rates: current strategies and future directions. Annu Rev Med. 2014; 65:471-85.
  • 25
    Alves AP, Guidetti GECB, Diniz MA, Rezende MP, Ferreira LA, Zuffi FB. Evaluation of job impact on mental health professionals in a psychiatric institution. Rev Min Enferm. 2013 Abr-Jun; 17(2):429-8.
  • 26
    Tavares CMM, Cortez EA, Muniz MP. Cuidado no hospital psiquiátrico sob a ótica da equipe de enfermagem. Rev Rene. 2014 Mar-Abr; 15(2):282-90.
  • 27
    Silva NG, Silva PP, Oliveira AGB. A percepção dos trabalhadores de enfermagem sobre a assistência à saúde mental em hospital universitário. Cienc Cuid Saude. 2012; 11(2):302-10.
  • 28
    Mota A, Silva ALA, Souza AC. Continuing education in daily new practices in mental health: intervention research. Online Braz J Nurs. 2013 [acesso 2015 Dez 21]; 12(Supl):608-10. Disponível em: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/4516/html
    » http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/4516/html
  • 29
    Oliveira E, Mendonça J. Family member with chemical dependency and consequent burden suffered by the family: descriptive research. Online Braz J Nurs. 2012 [acesso 2015 Dez 21]; 11(1):11-7. Disponível em: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/3480/pdf_2
    » http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/3480/pdf_2
  • 1
    Resultado da tese - Avaliação de um serviço de emergência psiquiátrica inserido em um hospital geral por meio do método de quarta geração, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá (UEM), em 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    17 Dez 2014
  • Aceito
    11 Set 2015
Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós Graduação em Enfermagem Campus Universitário Trindade, 88040-970 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil, Tel.: (55 48) 3721-4915 / (55 48) 3721-9043 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: textoecontexto@contato.ufsc.br