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ACONTECENDO O CUIDADO 'DO NÓS' NOS MOVIMENTOS E ONDULAÇÕES DOS PROCESSOS INTERATIVOS NO AMBIENTE HOSPITALAR1 1 Artigo extraído da tese - Acontecendo o cuidado "do nós" nos movimentos e ondulações dos processos interativos, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 2012.

Resumos

Objetivou-se compreender como os profissionais de enfermagem e de saúde experienciam e significam as relações no processo de cuidado 'do nós', utilizando a Teoria Fundamentada nos Dados como método. Participaram 25 profissionais de Enfermagem e de saúde de um hospital universitário, distribuídos em quatro grupos amostrais, cuja coleta dos dados foi realizada por entrevista semiestruturada, no período de março a julho de 2011. A contextualização da instituição e da gestão forma o contexto, os movimentos das relações/interações humanas e a saúde do profissional são condições causais, enquanto o avanço da tecnologia, o declínio do cuidado humano e o viver social são condições intervenientes. As relações/interações humanas de cuidado processadas são as estratégias para acontecer o cuidado 'do nós' na circularidade processual de cuidar e ser cuidado. Nos movimentos e ondulações dos processos de interação humana, os profissionais constroem na sua prática o cuidado 'do nós', entendido como relacional e processual.

Enfermagem; Cuidados de enfermagem; Interação interpessoal; Pesquisa nos serviços de saúde


This study's objective was to understand how nursing and health professionals experience and signify the relationships in the care "of us" process, using Grounded Theory as its method. A total of 25 nursing and health workers from a university hospital, distributed into four sample groups, participated in the study. Data were collected through semi-structured interviews in March-July 2011. The contextualization of the institution and management form the context. The movements of human relations/interactions and the professionals' health are causal conditions, while the advance of technology and decline of human care and social life are intervenient conditions. The processed human relations/interactions of care are the strategies that cause the care "of us" to take place in the procedural circularity of care and being-cared-for. The professionals construct the care "of us" in their practice, understood as relational and procedural, in the movements and fluctuations of processes of human interactions.

Nursing; Nursing care; Interpersonal interaction; Research in health services


La finalidad fue comprender como los profesionales de enfermería y salud viven y significan las relaciones en el proceso de cuidado de "lo nosotros", utilizando la Teoría Fundamentada en los Datos como método. Participaron 25 profesionales de enfermería y salud de un hospital universitario, distribuidos en cuatro grupos de muestreo. Los datos fueron recolectados mediante entrevista semiestructurada, en el período de marzo a julio del 2011. La contextualización de la institución y gestión forma el contexto, los movimientos de las relaciones/interacciones humanas y la salud del profesional son condiciones causales, mientras el avance de la tecnología, el declive del cuidado humano y el vivir social son condiciones intervinientes. Las relaciones/interacciones humanas de cuidado procesadas son estrategias para que ocurra el cuidado de "lo nosotros" en la circularidad del proceso de cuidar y ser cuidado. En los movimientos y ondulaciones de los procesos de interacción humana, los profesionales construyen en su práctica el cuidado de "lo nosotros", entendido como relacional y procesual.

Enfermería; Cuidados de enfermería; Relaciones interpersonales; Investigación en los servicios de salud


INTRODUÇÃO

As relações de cuidado, em seus movimentos, apresentam dimensões múltiplas e interligadas, advindas do viver complexo. São relações subjetivas, plurais e também singulares à experiência humana, as quais envolvem, além da formação de vínculos e trocas mútuas, conflitos, conturbações e animosidades inerentes às relações coletivas.11. Baggio MA, Erdmann AL. Multiple Relationships of Nursing Care: the Emergence of Care "of the us". Rev Latino-Am Enferm. 2010; 18(5):895-902.

Nas relações intersubjetivas estabelecidas entre os profissionais de saúde, cada um coloca um pouco de si, mostra seu modo de agir e influencia o outro de forma positiva ou negativa.22. Cunha PJ, Zagonel IPS. As relações interpessoais nas ações de cuidar em ambiente tecnológico hospitalar. Acta Paul Enferm. 2008 Jul-Set; 21(3):412-9. Compreender essas relações demanda reconhecer as particularidades inerentes à subjetividade dos envolvidos, a multiplicidade de interpretações possíveis pela mente humana e os distintos fenômenos que ocorrem no ambiente de interação e permeiam as ações de cuidado.33. Lanzoni GMM, Lessmann JC, Sousa FGM, Erdmann AL, Meirelles BHS. Interações no ambiente de cuidado: explorando publicações de Enfermagem. Rev Bras Enferm. 2011 Mai-Jun; 64(3):580-6.

O ambiente, as pessoas, as condições de trabalho, a infraestrutura institucional, dentre outros aspectos, podem influenciar as relações de cuidado que acontecem no multifacetado e dinâmico espaço hospitalar.44. Braga JP, Dyniewicz AM, Campos O. Tendências no relacionamento humano na área da saúde. Cogitare Enferm. 2008 Jan-Mar; 13(2):290-5. As relações estabelecidas também podem ser influenciadas pelas múltiplas inter-relações com outros seres, pelas trocas e pelos múltiplos aspectos que envolvem cada ser, sejam eles biológicos, sociais, culturais, psicológicos e/ou econômicos.55. Morin E. Introdução ao pensamento complexo. 4ª ed. Porto Alegre (RS): Sulina; 2011.

O cuidado como modo de ser e fazer é abordado em diversos estudos, assim assume diferentes contornos na história da enfermagem enquanto profissão. O tema cuidar/cuidado merece compreensão mais ampliada à luz de novos referenciais66. Backes DS, Sousa FGM, Mello ALSF, Erdmann AL, Nascimento KC, Lessmann JC. Concepções de cuidado: uma análise das teses apresentadas para um programa de pós-graduação em enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2006; 15(Esp):71-8. e, por que não, de novos enfoques, como o cuidado 'do nós', a ser compreendido pelas/nas interações estabelecidas entre os seres envolvidos no processo de cuidar/cuidado.

Conforme o exposto, a pesquisa norteou-se pela seguinte questão de investigação: como os profissionais de enfermagem e de saúde experienciam e significam as relações no processo de cuidado 'do nós'? Assim, objetivou-se compreender como os profissionais de enfermagem e de saúde experienciam e significam as relações no processo de cuidado "do nós"

METODOLOGIA

Trata-se de estudo de natureza qualitativa com uso da Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) como o referencial metodológico77. Baggio MA, Erdmann AL. Teoria fundamentada nos dados ou Grounded Theory e o uso na investigação em enfermagem no Brasil. Rev Enf Ref. 2011 Mar; 3(3):177-85. e a Teoria da Complexidade como referencial teórico.55. Morin E. Introdução ao pensamento complexo. 4ª ed. Porto Alegre (RS): Sulina; 2011.

O cenário investigado foi um hospital universitário localizado na região Sul do Brasil. Participaram 25 sujeitos, divididos em quatro grupos amostrais. O primeiro grupo foi formado por seis profissionais de enfermagem de uma unidade de cuidados cirúrgicos (unidade aberta), os quais apontaram a formação do segundo grupo, composto por cinco profissionais da equipe multiprofissional (Psicóloga, Médico, Enfermeira, Farmacêutica, Nutricionista) dessa unidade. Visando à comparação de dados e à confirmação de hipóteses, o terceiro grupo foi formado por 11 profissionais de Enfermagem e de Saúde (Enfermeiros, Técnicos em Enfermagem, Médicos, Psicóloga, Fonoaudióloga, Assistente Social) de uma unidade de cuidados intensivos (unidade fechada).

Os fenômenos foram comparados e as hipóteses confirmadas, a fim de que se obtivesse a saturação dos dados com a formação do quarto grupo amostral, constituído por três diretores do hospital (diretoria geral, de enfermagem e de apoio assistencial). Para manter o anonimato, os participantes foram identificados por letra que representa o Participante, seguida de número ordinal correspondente à ordem da participação (P1, P2... P25).

Os dados foram coletados de março a julho de 2011, por meio de entrevista individual, semiestruturada e gravação digital de voz para o registro das falas. As entrevistas foram concedidas pelos participantes mediante explicação do objetivo da pesquisa e da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Iniciou-se a pesquisa, com a seguinte questão: fale-me sobre o significado do cuidado 'do nós' a partir da sua experiência de cuidado no ambiente hospitalar. Outras questões foram direcionadas conforme as respostas dos entrevistados e hipóteses levantadas de entrevistas anteriores.

O processo de coleta e análise foi guiado por amostragem teórica, conforme preconiza a TFD. Os códigos foram agrupados e as categorias e subcategorias definidas e desenvolvidas em termos de suas propriedades e dimensões, seguindo-se o processo de codificação aberta, axial e seletiva. Na codificação aberta, foram analisadas e codificadas palavras e frases, linha por linha, para a formação de códigos preliminares. Na codificação axial, os códigos foram agrupados, a fim de que se constituíssem as categorias e subcategorias, as quais, quando relacionadas entre si, forneceram explicações sobre o fenômeno estudado bem como suas propriedades e dimensões. Na codificação seletiva, houve a integração e o refinamento das categorias, para a identificação, a partir das categorias e relações sistemáticas das mesmas, da categoria ou do fenômeno central do estudo. O processo analítico foi construído na perspectiva paradigmática, a partir de cinco componentes (contexto, causa, condição interveniente, estratégias e consequências).77. Baggio MA, Erdmann AL. Teoria fundamentada nos dados ou Grounded Theory e o uso na investigação em enfermagem no Brasil. Rev Enf Ref. 2011 Mar; 3(3):177-85.

Oito categorias e 26 subcategorias emergiram do processo analítico, as quais inter-relacionadas sustentam o fenômeno central. O Modelo Teórico foi validado de acordo com o retorno aos dados brutos e por dois pesquisadoresexperts no método.

O desenvolvimento do projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, sob o n. 860/2010. Os aspectos éticos foram respeitados em todas as etapas da pesquisa, como prevê a Resolução n. 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.88. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196. Aspectos éticos envolvendo seres humanos. Brasília (DF); 1996.

RESULTADOS

O fenômeno 'Acontecendo o Cuidado 'do Nós' nos Movimentos e Ondulações dos Processos Interativos" é composto por oito categorias e suas subcategorias, organizadas em cinco componentes, conforme o modelo paradigmático,66. Backes DS, Sousa FGM, Mello ALSF, Erdmann AL, Nascimento KC, Lessmann JC. Concepções de cuidado: uma análise das teses apresentadas para um programa de pós-graduação em enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2006; 15(Esp):71-8. cuja apresentação gráfica está disponível na figura 1.

Figura 1-
Diagrama do fenômeno do estudo

O contexto no qual o fenômeno se desenvolve é apresentado pelas categorias "Conhecendo a instituição" e "Significando a gestão". A instituição pesquisada é um hospital público de ensino, assistência, pesquisa e extensão, subsidiado pela União, vinculada a uma universidade de grande visibilidade. Por pertencerem a um hospital de ensino, os profissionais estão em constante aprendizado e crescimento intelectual, o que favorece ao cuidado 'do nós'.

A formação, a qualificação e o aperfeiçoamento profissional são oportunizados e continuamente estimulados. Consequentemente, os profissionais ao aperfeiçoarem seus saberes e práticas, contribuem com a unidade em que se situam e com o todo institucional para o cuidado 'do nós'. Atualmente, a instituição conta com residência médica, residência integrada multiprofissional em saúde e mestrado profissional em Enfermagem, um contributo importante no processo de trabalho para o cuidado 'do nós'. Isso favorece as interações interprofissionais para um trabalho em equipe. Devido ao vínculo com a universidade, os profissionais têm sido favorecidos com a formação em saúde em nível lato estricto sensu, cujos resultados advindos dessa formação contribuem para a qualidade dos serviços em sua área/unidade de atuação, promovendo o cuidado quando beneficiam o contexto e os múltiplos sujeitos envolvidos.

[...] por ser um hospital-escola, têm sempre capacitações voltadas ao cuidado 'do nós', no sentido intelectual, nos mantendo sempre informados, reciclados [...]. O cuidar 'do nós' é saber que a gente está em constante processo de aprendizado (P12).

[...] estou satisfeito, principalmente por estar dentro de um ambiente acadêmico (P21).

As unidades de internação (ambientes de trabalho) são entendidas como microespaços, os quais, quando inseridos em um macroespaço institucional, se relacionam com múltiplos serviços de apoio para seu funcionamento, onde transitam e interagem múltiplos profissionais, uma multiplicidade 'de nós', que cuidam e são cuidados. Nestes espaços, a intercomunicação profissional acontece entre as diferentes áreas. A mesma é considerada um cuidado 'do nós' quando saudável e eficiente, ou seja, quando a comunicação processada pela escrita, fala ou linguagem corporal comunica claramente o coletivo envolvido, especialmente para o benefício do paciente. Todavia, identifica-se que as informações de interesse coletivo precisam ser bem comunicadas, pois não têm atingido a totalidade dos envolvidos. A comunicação entre os profissionais da equipe multiprofissional, entre as diferentes áreas/setores e entre os próprios enfermeiros também sinaliza falhas, assim como a comunicação entre os profissionais da instituição de referência com os da contrarreferência.

[...] falta organização para que as informações ocorram melhor... às vezes, eles mandam um comunicado por escrito... colocam num quadro... (P3).

No processo de gestão do micro e do macroespaço institucional, a circularidade dos processos de cuidar/cuidado acontece junto aos membros que lideram e aos que são liderados, na perspectiva de que se um diretor tem postura de cuidado junto à chefia diretamente subordinada, consequentemente a chefia cuidará do trabalhador a ela subordinado, o qual retornará o cuidado aos seus líderes ou colegas de forma direta ou indireta, numa ação e reação circular de cuidado.

As ações de gestão do micro e do macroespaço institucional são articuladas e intimamente associadas, integradas, relacionadas, cujas condutas tidas em um microespaço influenciam outros microespaços e alteram a dinâmica e os movimentos no macroespaço institucional, e vice-versa; conduzindo a movimentos aleatórios e circulares de ação e reação de cuidado entre líderes e liderados. Todavia, as ações de gestão institucional para o cuidado 'do nós' podem ser intensificadas, visto que são percebidas em movimentos isolados e fragmentados, que nem sempre atingem a totalidade dos sujeitos.

Os gestores são eleitos pelos próprios pares, cuja função é permeada de responsabilidades administrativas e burocráticas. A direção geral preocupa-se principalmente com a sustentabilidade da instituição visando também ao cuidado 'do nós'. Os diretores de área buscam prioritariamente manter o funcionamento pleno das unidades sob suas responsabilidades, a fim de assegurarem tanto adequado ambiente físico como recursos humanos suficientes para o trabalho. Já as chefias de unidade atentam para a própria equipe de trabalho, suas relações e interações, para a mediação de conflitos oriundos dos movimentos e processos relacionais.

Identificam-se ações e atividades lúdicas referentes ao gerenciamento de recursos humanos que visam integrar, associar, agregar pessoas e cuidar dos indivíduos e do grupo de trabalho. Tais ações são comumente promovidas por enfermeiros, como a realização de amigo secreto, de dinâmicas de grupo e confraternizações. Há também o Projeto Amanhecer, uma iniciativa da Enfermagem, que se utiliza de práticas integrativas e complementares - uso da medicina tradicional e complementar ou alternativa - para o cuidado do trabalhador da instituição.

Melhora na comunicação... as pessoas chegam mais leves para trabalhar... torna o ambiente realmente mais tranquilo para se trabalhar(P14).

Neste contexto, as interações que se estabelecem na arena institucional são agitadas pela ordem/desordem/organização próprias de um ambiente complexo como o hospitalar, onde múltiplas pessoas, em suas singularidades e pluralidades, autonomias e dependências inter-relacionam-se, retroagem, são cuidadas e produzem cuidado. Nos movimentos e ondulações das relações entre trabalhadores e gestores, vislumbram-se contradições que oscilam entre satisfações e insatisfações, conflitos e relações harmoniosas, discursos e práticas que apontam, por vezes, resultados mais negativos do que positivos, os quais requerem aperfeiçoamento para atender às expectativas de um cuidado 'do nós'.

As categorias "Percebendo os movimentos e ondulações das relações e interações humanas" e "Significando a saúde do profissional de enfermagem" desencadeiam o fenômeno. As relações e interações humanas, nos seus movimentos e ondulações, são permeadas de atitudes e ações de cuidado, mas também de conflitos intermediados pela subjetividade de cada indivíduo, que se organizam/desorganizam e conferem equilíbrio/desequilíbrio às relações humanas e profissionais estabelecidas.

A partir de atitudes, ações e condições criadas no ambiente relacional, o ser humano contribui para o sucesso das relações/interações/associações de cuidado, ou, contraditoriamente, cria um espaço de relações frágeis e instáveis. Disponibilidade, solidariedade, confiança, participação, atenção, colaboração, respeito, trabalho em equipe, liderança positiva, companheirismo, otimismo, motivação, maturidade, pontualidade, ouvir e esperar são atitudes, ações e condições que potencializam as relações e interações humanas. Favorecem também o processo de trabalho e, consequentemente, o cuidado 'do nós' no espaço laboral.

Cuidado 'do nós' é cuidar das relações, sobretudo... elas são baseadas em questões objetivas, práticas, mas são intermediárias pela subjetividade de cada um... envolvem múltiplas pessoas... e sugerem relações conflituosas (P17).

O cuidado 'do nós' manifesta-se ligado ao agir ético dos profissionais, tendo como base ações, atitudes e comportamentos, premissas da profissão (ética profissional) e da moral que constituem a sociedade e a cultura em que vivem. Já no campo das Ciências Biológicas e das Ciências da Saúde, a bioética contempla o cuidado 'do nós' ao apontar possibilidades de decisões seguras, humanas e de cuidado sobre a vida e o viver do outro. De outro modo, a decisão sobre a vida e o viver do outro possibilita o cuidado 'do nós' quando permeada por responsabilidade, consciência, ciência e sensibilidade humana.

A saúde física e mental confere condições para cuidar do outro, de outros e 'do nós'. Entretanto, a realização de esforço físico no cuidado dos pacientes e a convivência com doenças e pessoas doentes, peculiares ao ambiente hospitalar, são responsáveis pela manifestação de doenças físicas e psíquicas nos profissionais de enfermagem, que requerem prevenção. As múltiplas atuações dos profissionais também estão relacionadas aos transtornos de saúde, que condicionam dupla ou tripla jornada de trabalho, justificadas por necessidade financeira; além dos compromissos paralelos, como os de estudos de graduação ou pós-graduação.

Essas situações sinalizam que a saúde não apenas física ou mental, mas de todas as dimensões da vida do profissional, dependem de ações próprias para o cuidado de si, o qual também integra e depende de ações de cuidado advindas de outros seres de interação, que possibilitem as condições necessárias para um cuidado mais amplo da saúde do profissional de enfermagem ao envolver cada um e todos os sujeitos, cada micro e o macroespaço institucional, imbuídos de responsabilidades e de sentimentos de pertença pelo cuidado da saúde do eu e do outro, pela saúde individual e do coletivo institucional, seja com base em estudos ou em experiências vivenciadas.

As condições intervenientes, que interferem no fenômeno, são apresentadas nas categorias "Deparando-se com o avanço da tecnologia e com o declínio do cuidado humano" e "Significando o viver em uma sociedade moderna/pós-moderna/globalizada". A presença de inovação tecnológica em materiais, instrumentos e equipamentos de saúde tem atuado na segurança, na manutenção da vida e na sobrevida de pacientes bem como tem facilitado o processo de trabalho dos profissionais de saúde. Tal fato ocorre pela qualificação na atuação técnica, pois permite procedimentos e cuidados seguros que convergem para um cuidado 'do nós'. No contrafluxo desse movimento, ao mesmo tempo em que as tecnologias avançam, o cuidado humano dos profissionais declina para com os pacientes. Logo, são identificadas fragilidades e negligências na assistência em saúde que podem deixar de processar o cuidado, como pontuam os depoimentos a seguir.

Vejo com as tecnologias a agilização dos processos (P14).

A tecnologia ajuda muito... o próprio marca-passo tem auxiliado muito à saúde e à sobrevida das pessoas (P3).

[...] as pessoas vêm para cá para trabalhar, mas não querem cuidar (P1).

[...] colocam muito o paciente em encaixe de cirurgia... afeta bastante a pessoa, de como ela está preparada para aquele momento... suspendem esse encaixe, às vezes, por até quatro dias seguidos. Deixam o paciente o dia inteiro em jejum... (P5).

[...] chamar as pessoas por número, por caso: o 'quatrocentos e cinco um'... 'a vesícula que está ali', 'o câncer gástrico está no número tal' (P11).

Identifica-se que o cuidado 'do nós' tem forte relação com o viver em uma sociedade moderna e, ao mesmo tempo, pós-moderna ou contemporânea e globalizada, ou melhor, sintonizada no âmbito mais global. Os aspectos sociais, culturais, espirituais, econômicos, tecnológicos, entre outros, são, ao mesmo tempo, causa e causadores de mudanças e de transformações, cujos atos, atitudes e comportamentos dos profissionais alteram e fazem alterar as relações constituídas nos micro e macroespaços de interações, seja no ambiente hospitalar em que atuam, nos seus lares ou nos espaços de convivência com outras pessoas, entendidas como condições interventoras para que o cuidado 'do nós' aconteça, ou não. Assim, por acontecer na relação/interação/integração entre uma e as múltiplas dimensões da vida dos profissionais, entre cada um e todos os elementos heterogêneos constituintes de suas vidas, o cuidado 'do nós' como fenômeno complexo associa-se e integra-se ao modo de viver dos profissionais que tem em si as características de uma sociedade moderna/pós-moderna/contemporânea/globalizada.

Eu acho que essa modernização tem proporcionado que as pessoas busquem algumas situações mais estressantes (P2).

[...] há sempre os dois lados: há o lado bom dessa aceleração, dessa globalização e também sempre haverá as perdas (P14).

A categoria "Processando o cuidado 'do nós' nas relações e interações humanas" representa as ações/estratégias para o alcance do fenômeno. O cuidado 'do nós' é entendido como relacional e processual, pois envolve múltiplas relações e processos interativos entre indivíduos, em determinado contexto, cujas relações são maximizadas por: afinidade, convivência e proximidade física e temporal estabelecida entre os sujeitos. Essas, consequentemente, conduzem a uma relação de intimidade, de troca, de diálogo e de ajuda mútua, bem como auxiliam a constituição de vínculos afetivos. Como o processo interativo ocorre por meio da interação humana, o mesmo está em constante crescimento, movimento e mutação a partir de entradas, saídas e trocas entre os diferentes sujeitos. Tais relações são constituídas de expectativas de uns em relação aos outros, de fragilidades e falhas inerentes aos próprios seres.

No processo relacional, o cuidado 'do nós' acontece a partir de ações e atitudes simples de cuidado entre os profissionais, no convívio intergrupal, como a presença, escuta, atenção, sorriso, elogio, empatia, acolhimento, respeito, valorização, disponibilidade, preocupação e interesse que um manifesta em relação ao outro. Manifestações de carinho, zelo, afeto e solidariedade são peculiares e entendidas como características pessoais que se somam ao cuidado processado junto às pessoas que transitam e se relacionam no espaço de trabalho e de cuidado.

[...] quando você consegue respeitar, valorizar, cuidar... nas pequenas coisas (P7).

O cuidado 'do nós' é relacionado ao cuidado coletivo. Significa pensar no plural, no cuidado de múltiplas pessoas e ou grupos de pessoas; significa também cuidar além do eu, de outros, de vários outros, sendo participante ativo das relações constituídas; pensar uns nos outros, no bem-estar e no cuidado de todos os envolvidos e integrantes de um mesmo grupo social, mas com características distintas e específicas. O cuidado 'do nós' na dimensão coletiva relaciona uma multiplicidade de sujeitos de interações que interagem no âmbito hospitalar e também fora dele, cujas relações interpessoais com os diversos 'nós' se tecem na subjetividade e singularidade dos seres a partir de como cada sujeito percebe o outro, as necessidades particulares desse outro e as necessidades de vários outros que constituirão o atendimento do que é essencial para o cuidado 'do nós'.

É uma construção coletiva e todos com suas especificidades são importantes nesse processo (P17).

'Do nós' é nós, o grupo, todo mundo que está em contato(P21).

[...] esse nós coletivo... vai além do profissional, do paciente e da família do paciente..., envolve também as relações do profissional fora do seu ambiente de trabalho (P18).

[...] a gente não pode só pensar na gente, só no nosso bem estar, porque a gente cuida de um outro ser humano, convive com outro ser humano, então temos que pensar no bem estar coletivo (P5).

A assistência hospitalar visa ao cuidado do paciente, que traz consigo seus familiares e pessoas próximas. A relação e a interação de cuidado junto aos pacientes e seus familiares constituem importante significado aos profissionais e são permeadas de cuidado, carinho, preocupação, acolhimento, sensibilidade, respeito, reciprocidade, empatia, toque. A interação de cuidado entre os profissionais, pacientes e familiares possui características de bondade, generosidade, solidariedade e de espiritualidade. Portanto, representa a nobreza das atitudes e ações humanas nas relações de cuidado 'do nós'.

A categoria "Identificando o cuidado 'do nós' na circularidade processual de cuidar e ser cuidado" revela as consequências que conformam o fenômeno. Os profissionais enquanto cuidam, sentem-se cuidados e retribuem o cuidado recebido. É possível compreender que o cuidado do outro implica antes a realização do cuidado de si mesmo pelo profissional. No entanto, cuidar do outro, pelas trocas advindas da interação com esse outro, nos remete ao cuidado de si do profissional como ser de cuidado. Identifica-se que ao tempo em que cuidam de si e do outro, os profissionais sentem o cuidado advindo das múltiplas interações constituídas no espaço/ambiente de trabalho e de cuidado, com vários outros, sejam eles pacientes, familiares, os próprios pares ou demais profissionais que integram e circulam no mesmo espaço/ambiente. Assim, os profissionais cuidam e sentem-se cuidados na circularidade processual do cuidado, conformando o cuidado 'do nós'.

Cuidado 'do nós' eu acho que nos integra... é estar atento conosco mesmo, estar percebendo, além de cuidar do outros, esse cuidado 'de nós' próprios (P17).

A família ocupa lugar de destaque no processo de cuidado dos profissionais de saúde e de enfermagem, cujos valores apreendidos no corpo da família são trazidos para as relações constituídas com outras pessoas (colegas e amigos). A família é a estrutura que fortalece os profissionais para os enfrentamentos necessários que surgem no processo de viver, seja na vida pessoal ou profissional. Na circularidade dos processos de cuidar e ser cuidado, a família é cuidada e cuidadora.

[...] essa preocupação com o nós... eu acho que é uma coisa que vem da tua família (P10).

No processo de cuidar, os profissionais da equipe multiprofissional percebem o profissional de enfermagem como um profissional que cuida 'do nós', pois além de realizar o cuidado integral, permanecer por mais tempo e possuir maior envolvimento com os pacientes, esse profissional interliga os pacientes aos múltiplos profissionais de saúde (médico, psicóloga, assistente social, fonoaudióloga) que transitam no espaço de cuidado. No processo de cuidar, o enfermeiro é articulador, facilitador e organizador dos cuidados de enfermagem e de saúde na tríade paciente, profissionais e instituição. Além de ser responsável pelo cuidado de si e de sua equipe de trabalho, sendo a visão do todo e da complexidade que permeia o ambiente e as pessoas, fundamental para que o cuidado 'do nós' seja processado.

[...] o técnico e o enfermeiro que estão mais presentes na enfermaria o tempo todo (P8).

DISCUSSÃO

As interações constituem o ponto essencial do cuidado sendo objeto-produto das ações humanas que, estabelecidas por meio da comunicação, tornam possível o desenvolvimento das relações e interações.33. Lanzoni GMM, Lessmann JC, Sousa FGM, Erdmann AL, Meirelles BHS. Interações no ambiente de cuidado: explorando publicações de Enfermagem. Rev Bras Enferm. 2011 Mai-Jun; 64(3):580-6.,99. Casey A, Wallis A. Effective communication: principle of nursing practice E. Nurs Stand. 2011 Apr; 25(32):35-7. A comunicação verbal e a não verbal são base fundamental das relações interpessoais.1010. Oliveira T, Simões S. Communication faces in the practice of nursing. A bibliographic research. Online Braz J Nurs [online]. 2010 [acesso 2012 Out 10]; 9(2). Disponível em: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/j.16764285.2010.3116/698
http://www.objnursing.uff.br/index.php/n...
É impossível que o enfermeiro cuide, o médico cure, o fisioterapeuta reabilite, o psicólogo compreenda e aconselhe ou que se faça qualquer outra ação na assistência ao ser humano sem lançar mão de habilidades comunicativas.1111. Araujo MMT, Silva MJP, Pugina ACG. A comunicação não verbal enquanto fator iatrogênico. Rev Esc Enferm USP. 2007 Set; 41(3):419-25. A comunicação não verbal é necessária e importante para as interações intersujetivas. Pode completar, contradizer ou substituir a comunicação verbal1010. Oliveira T, Simões S. Communication faces in the practice of nursing. A bibliographic research. Online Braz J Nurs [online]. 2010 [acesso 2012 Out 10]; 9(2). Disponível em: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/j.16764285.2010.3116/698
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nas relações de cuidado com pacientes, familiares e profissionais. Todavia, a identificação da necessidade de investimentos em ações comunicativas no ambiente de trabalho, com vistas ao cuidado coletivo, sugere aos gestores analisar e investir nessa interatividade.1212. Santos MCL, Braga VAB, Fernandes AFC. Nível de satisfação dos enfermeiros com seu trabalho. Rev Enferm UERJ. 2008 Jan-Mar; 16(1):101-5.-1313. Pirolo SM, Ferraz CA, Gomes R. A integralidade do cuidado e ação comunicativa na prática interprofissional da terapia intensiva. Rev Esc Enferm USP. 2011 Dez; 45(6):1396-402.

No ambiente de trabalho, os movimentos e ondulações das relações e interações humanas são comuns às ocorrências de conflitos11. Baggio MA, Erdmann AL. Multiple Relationships of Nursing Care: the Emergence of Care "of the us". Rev Latino-Am Enferm. 2010; 18(5):895-902.,33. Lanzoni GMM, Lessmann JC, Sousa FGM, Erdmann AL, Meirelles BHS. Interações no ambiente de cuidado: explorando publicações de Enfermagem. Rev Bras Enferm. 2011 Mai-Jun; 64(3):580-6.,1414. Brinkert R. A literature review of conflict communication causes, costs, benefits and interventions in nursing. J Nurs Manag. 2010 Mar; 18(2):145-56.-1515. Mahon MM, Nicotera AM. Nursing and conflict communication: avoidance as preferred strategy. Nurs Adm Q. 2011 Apr-Jun; 35(2):152-63. oriundos dos movimentos e ondulações próprios da complexidade, que na ordem/desordem se auto-organizam para conferir novo estado de equilíbrio.55. Morin E. Introdução ao pensamento complexo. 4ª ed. Porto Alegre (RS): Sulina; 2011. A ordem/desordem dos conflitos é mediada pela ética das relações e o cuidado acontece na interação entre os indivíduos quando aponta atitudes éticas fundamentadas na abertura do diálogo de iguais.33. Lanzoni GMM, Lessmann JC, Sousa FGM, Erdmann AL, Meirelles BHS. Interações no ambiente de cuidado: explorando publicações de Enfermagem. Rev Bras Enferm. 2011 Mai-Jun; 64(3):580-6. A interação dialógica permite estabelecer e atingir objetivos comuns; propicia troca de experiências e conhecimentos, momentos de reflexão, compartilhamento de ideias e decisões, assim, culminam no enriquecimento mútuo e transformação dos envolvidos.

O trabalho nos hospitais públicos é complexo e demandante e pode produzir facilmente os conflitos interpessoais que provocam desgaste da confiança e do respeito na relação entre funcionários e profissionais com cargos de chefia. Por esta razão, em uma perspectiva prática, a chefia pode fortalecer a dimensão ética da relação com seus subordinados,1616. Yañez-Gallardo R, Valenzuela-Suazo S. Critical incidents of trust erosion in leadership of head nurses. Rev Latino-Am Enferm. 2012 Jan-Fev; 20(1):143-50.a fim de assegurar a harmonia das relações que independem de hierarquia.

A participação na escolha dos gestores mobiliza os profissionais para a definição das suas lideranças. Entretanto, espera-se que o gestor seja líder e tenha capacidade de integrar conhecimentos técnicos e administrativos em uma prática concreta que alia o racional e o humano. O exercício da liderança, embora complexo, é inerente à organização do trabalho e repercute na articulação das equipes,1717. Moura GMSS, Magalhães AMM, Dall'agnol CM, Juchem BC, Marona DS. Leadership in Nursing: Analysis of the Process of Choosing The Heads. Rev Latino-Am Enferm. 2010 Nov-Dez; 18(6):1099-106. nos processos que exigem ações de cuidado com os liderados e condutas adequadas para a resolução de problemas relacionais e técnicos cada vez que surgem.

É desafio de uma gestão em saúde atender à necessidade de cuidado de um coletivo e buscar o comprometimento dos profissionais de saúde na perspectiva de estabelecer interação e articular ações com vistas ao cuidado integral no âmbito hospitalar. Neste sentido, identifica-se a possibilidade de investimentos de ações para atender às necessidades de cuidado tanto dos doentes e familiares, quanto dos trabalhadores.1313. Pirolo SM, Ferraz CA, Gomes R. A integralidade do cuidado e ação comunicativa na prática interprofissional da terapia intensiva. Rev Esc Enferm USP. 2011 Dez; 45(6):1396-402.

A perspectiva de ações de cuidado que atendam às necessidades de um coletivo faz parte de um contexto social mais amplo em que o hospital visa recuperar o doente e as unidades de atenção básica visam à continuidade dos cuidados com vistas à promoção da saúde.1313. Pirolo SM, Ferraz CA, Gomes R. A integralidade do cuidado e ação comunicativa na prática interprofissional da terapia intensiva. Rev Esc Enferm USP. 2011 Dez; 45(6):1396-402. A interação saudável entre os profissionais de saúde nos diferentes níveis de complexidade é um caminho para o cuidado na dimensão coletiva - 'do nós'.

A Residência Integrada Multiprofissional em Saúde instituída no cenário estudado consegue superar o cuidado fragmentado ao orientar as ações em saúde por meio de um trabalho em equipe. Neste sentido, a perspectiva da interprofissionalidade possibilita aos profissionais o entendimento de que o cuidado integral se constrói a partir da complementaridade e interdependência das ações de saúde,1313. Pirolo SM, Ferraz CA, Gomes R. A integralidade do cuidado e ação comunicativa na prática interprofissional da terapia intensiva. Rev Esc Enferm USP. 2011 Dez; 45(6):1396-402. intermediadas pelas múltiplas interações interdisciplinares, o que favorece o cuidado 'do nós'.

As atividades lúdicas promovidas pela enfermagem são entendidas como instrumentos de interação, cujas finalidades são: favorecer o encontro entre pessoas, o estabelecimento de vínculos, a minimização do isolamento e do estresse emocional, além de evitar o distanciamento afetivo33. Lanzoni GMM, Lessmann JC, Sousa FGM, Erdmann AL, Meirelles BHS. Interações no ambiente de cuidado: explorando publicações de Enfermagem. Rev Bras Enferm. 2011 Mai-Jun; 64(3):580-6. que a sociedade contemporânea predispõe.

A jornada e o ritmo acelerado de trabalho, e também o salário, são fatores na vida dos trabalhadores que se relacionam ao estado de saúde física e mental desses profissionais. A jornada e o ritmo de trabalho são intensificados quando o trabalhador possui outros vínculos empregatícios. Maximizam o desgaste do trabalhador resultante da exposição excessiva de trabalho.1818. Schmidt DRC, Dantas RAS, Marziale MHP. Ansiedade e depressão entre profissionais de enfermagem que atuam em blocos cirúrgicos. Rev Esc Enferm USP. 2011 Abr; 45(2):487-93.

19. Mininel VA, Baptista PCP, Felli VEA. Psychic Workloads and Strain Processes in Nursing Workers of Brazilian University Hospitals. Rev Latino-Am Enferm [online]. 2011 [accesso 2012 Out 11]; 19(2):[09 telas]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n2/pt_16.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n2/pt_1...
-2020. Rocha MCP, De Martino MMF. O estresse e qualidade de sono do enfermeiro nos diferentes turnos hospitalares. Rev Esc Enferm USP. 2010 Jun; 44(2):280-6.Todavia, o desgaste advindo das relações sociais no trabalho pode ser mais impactante na vida dos trabalhadores do que os advindos da natureza do trabalho.1919. Mininel VA, Baptista PCP, Felli VEA. Psychic Workloads and Strain Processes in Nursing Workers of Brazilian University Hospitals. Rev Latino-Am Enferm [online]. 2011 [accesso 2012 Out 11]; 19(2):[09 telas]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n2/pt_16.pdf
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Desse modo, a intervenção sobre as condições que provocam desgaste no trabalhador pode elevar a qualidade do cuidado, da saúde do trabalhador e das relações interpessoais no trabalho.

Atualmente, depara-se com o avanço das tecnologias e com o declínio do cuidado humano, cujo desafio dos profissionais de enfermagem e de saúde nas instituições de saúde está associado à demanda tecnológica incorporada ao cotidiano das profissões e à utilização das relações como forma de tecnologia de cuidado. O objetivo é valorizar tanto as necessidades dos seres cuidados como o sujeito trabalhador.33. Lanzoni GMM, Lessmann JC, Sousa FGM, Erdmann AL, Meirelles BHS. Interações no ambiente de cuidado: explorando publicações de Enfermagem. Rev Bras Enferm. 2011 Mai-Jun; 64(3):580-6.

Num contexto de mudanças que afetam o coletivo, importantes e significativas transformações nas instituições da família e do casamento, na sexualidade, nos papeis de gênero, na identidade pessoal, no trabalho e na religião têm afetado o comportamento das pessoas e influenciado as tradições, os costumes e o modo como se configuram as relações e os papeis dos sujeitos na sociedade,2121. Giddens A. Mundo em descontrole: O que a globalização está fazendo "de nós". 6ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Record; 2007. influenciando de algum modo o cuidado 'do nós'.

Na dimensão do cuidado humano, o cuidado 'do nós' incita a preocupação com o coletivo e remete à compreensão dos fenômenos múltiplos e inesgotáveis do constante movimento de interação entre os seres e, desses, com os ambientes em que estão inseridos, modificando, alterando e fazendo alterar as redes de relações de cuidado existentes. Essas relações correspondem à complexidade que permeia o conviver humano. São subjetivas, plurais e singulares à experiência humana e envolvem a formação de vínculos e trocas mútuas que atendem positivamente às expectativas individuais e/ou coletivas.11. Baggio MA, Erdmann AL. Multiple Relationships of Nursing Care: the Emergence of Care "of the us". Rev Latino-Am Enferm. 2010; 18(5):895-902.

Compreende-se que os seres dependem uns dos outros para seu cuidado pessoal e profissional, em um processo relacional construtivo e criativo. Na abordagem da complexidade, em qualquer contexto em que o cuidado se processe, o cuidador deve exercitar, sobretudo, antes de prestar o cuidado ao outro, o cuidado a si mesmo, na sua sistemicidade/totalidade. A busca é pela integração das múltiplas dimensões de cuidado para alcançar harmonia relativa entre o cuidado de si e o cuidado do outro,2222. Baggio MA, Monticelli M, Erdmann AL. Cuidando de si, do outro e "do nós" na perspectiva da complexidade. Rev Bras Enferm. 2009 Jul-Ago; 62(4):627-31. de modo que, enquanto cuida, se cuida e sente-se cuidado por outros em um movimento circular de cuidado que conforma o cuidado 'do nós'.

Cuidar em saúde exige preocupação, conhecimento e principalmente dedicação ao próximo e a si mesmo, assim sendo, os profissionais e estudos11. Baggio MA, Erdmann AL. Multiple Relationships of Nursing Care: the Emergence of Care "of the us". Rev Latino-Am Enferm. 2010; 18(5):895-902.,2222. Baggio MA, Monticelli M, Erdmann AL. Cuidando de si, do outro e "do nós" na perspectiva da complexidade. Rev Bras Enferm. 2009 Jul-Ago; 62(4):627-31. confirmam que, dentre os profissionais da saúde, o da enfermagem é o que possui mais condições de proporcionar, incentivar e facilitar um ambiente de cuidado aos clientes, familiares e à equipe multiprofissional. Os objetivos são interconectar e fortalecer os laços de relações entre esses diferentes sujeitos. Nessas relações, o cuidado 'do nós' é manifestado pelos profissionais no compromisso de cuidar do outro ser humano, e pelos pacientes e família devido à satisfação das necessidades de cuidado humano atendidas pelos profissionais de saúde, satisfação fortemente relacionada com a qualidade dos cuidados de enfermagem.2323. Yagil D; Luria G; Admi H; Moshe-Eilon Y; Linn S. Parents, spouses, and children of hospitalized patients: evaluation of nursing care. J Adv Nurs. 2010 Aug; 66(8):1793-801.

CONCLUSÕES

Nos movimentos e ondulações das relações e interações humanas no ambiente hospitalar, os profissionais de enfermagem e de saúde constroem, na sua prática de cuidado, um conjunto de significados que se conformam em uma estrutura de referência do processo de cuidar mutuamente coletivo, o cuidado 'do nós'. Esse acontece na circularidade dos processos de cuidar, ser cuidado e sentir-se cuidado. É entendido como relacional, processual e animado por constantes movimentos e ondulações advindos dos processos interativos no ambiente hospitalar e fora dele. Tem forte relação com o viver em uma sociedade moderna/pós-moderna/globalizada.

Podemos apontar como limitação do estudo o tratamento de um tema complexo que envolve uma multiplicidade de conceitos e de significados explorados em apenas uma realidade, que podem e devem ser explorados em profundidade em outros ambientes sociais e de saúde. Entretanto, considera-se a sua importância por despertar a atenção dos que cuidam e são cuidados para o cuidado 'do nós', um tema atual, emergente e pertinente na contemporaneidade.

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    Artigo extraído da tese - Acontecendo o cuidado "do nós" nos movimentos e ondulações dos processos interativos, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2014
  • Aceito
    10 Jul 2014
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