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DESMAME PRECOCE NA PERSPECTIVA DE PUÉRPERAS: UMA ABORDAGEM DIALÓGICA1 1 Este artigo é proveniente da dissertação - Aleitamento materno e desmame precoce: aspectos transformadores e exclusores, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em 2012.

RESUMO

A complexidade do desmame precoce sugere tornar a mãe personagem principal deste fenômeno. Mais do que ouvir essa personagem, a Metodologia Comunicativa Crítica propõe colocar em igualdade o conhecimento científico e o popular, por meio do diálogo igualitário. Este estudo tem objetivo de identificar aspectos transformadores e obstáculos para o desmame precoce com 12 mães que desmamaram precocemente. Foi realizado no interior de São Paulo, no período de 2010 e 2011, utilizando o relato comunicativo, grupo de discussão comunicativo e questionário. Os resultados mostram mães jovens, primíparas, casadas, ensino médio/técnico completo e não trabalhavam fora de casa. A amamentação revelou emoções como vínculo com bebê, mas também sentimentos de derrota e frustração. O diálogo igualitário permitiu apreender que ainda existem obstáculos enraizados na cultura que precisam ser dialogados com as mães, e não somente julgados e condenados, buscando, por meio da intersubjetividade, estratégias de superação do desmame precoce.

DESCRITORES:
Desmame precoce; Aleitamento materno; Período pós-parto

ABSTRACT

The complex issue of early weaning from breastfeeding suggests making the mother the main character in this phenomenon. Beyond listening to that character, the Critical Communicative Method proposes to equate scientific and popular knowledge. The goal was to identify the transforming aspects and obstacles to early weaning with 12 mothers who weaned early. The study was developed in the interior of São Paulo, in 2010 and 2011, using communicative reporting, communicative discussion group and a questionnaire. Results show young mothers, primipara, married, who finished secondary or technical school and did not have a paid job. The breastfeeding revealed emotions like bonding with the baby, but also feelings of failure and frustration. The equalitarian dialogue revealed that obstacles remain rooted in culture, which need to be discussed with the mothers, and not only judged and condemned, looking for strategies to overcome early weaning through intersubjectivity.

DESCRIPTORS:
Early weaning; Breastfeeding; Postpartum period

RESUMEN

La complejidad del destete precoz sugiere hacer de la madre el personaje principal de este fenómeno. Más que escucharlas, la Metodología Comunicativa Crítica, propone poner en igualdad, el conocimiento científico y el popular, por medio del diálogo igualitario. El objetivo es identificar los aspectos de las transformaciones y los obstáculos para la lactancia materna. Resultados de datos recolectados en 2010 e 2011 en el interior de São Paulo, a través de grupo de discusión, muestran madres jóvenes, primíparas, casadas, de educación secundaria y no trabajadoras. La lactancia materna reveló emociones como vínculo con el bebé, pero también sentimientos de derrota y frustración. El diálogo igualitario reveló que aún existen obstáculos arraigados en la cultura que deben ser dialogados con las madres, y no sólo juzgados y condenados, buscando, por medio de la intersubjetividad, estrategias de superación del destete precoz.

DESCRIPTORES:
Deteste precoz; Lactancia materna; Período postparto

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno exclusivo (AME) como importante estratégia para reduzir a mortalidade infantil. É definido como o oferecimento de leite materno (exclusivamente) até o sexto mês de vida da criança e após este período, os alimentos e outros líquidos devem ser associados ao leite materno.11. American Academy of Pediatrics. Breastfeeding and the use of human milk. Pediatrics. 2012; 129(3):827-41.

As vantagens do aleitamento materno exclusivo até os seis meses são mais efetivas do que o aleitamento materno somente até três ou quatro meses seguido de aleitamento misto. Estas vantagens incluem diminuição do risco de infecção gastrintestinal no bebê, maior perda de peso materno após o parto e aumento do tempo de retorno ao período menstrual.22. Kramer MS, Kakuma R. Optimal duration of exclusive breastfeeding, The Cochrane Library, n. 4, 2009. Estudos revelam que a maioria das crianças hospitalizadas por diarreia recebeu leite artificial, o que comprova o efeito protetor do aleitamento materno exclusivo.33. Santos FS, Santos FCS, Santos LH, Leite AM, Mello DF. Breastfeeding and protection against diarrhea: an integrative review of literature. Einstein (São Paulo). 2015; 13(3):435-40.

A amamentação é construída socialmente como um ato biológico, natural, inato, próprio da mãe e filho, no entanto, o ato de amamentar possui um contexto cultural que pode estar relacionado a uma obrigação social resultante de uma escolha racional e motivada por vantagens e benefícios para mãe e bebê, podendo levar ao desmame precoce por inúmeras razões.44. Frota MA, Costa LF, Soares SD, Filho OAS, Albuquerque AM, Casimiro CF. Fatores que interferem no aleitamento materno. Rev Rene. 2009 Jul-Set; 10(3):61-7. Este é definido como sendo a interrupção do aleitamento materno antes de o lactente haver completado seis meses de vida, independentemente de a decisão ser materna ou não e do motivo de tal interrupção.55. Parizotto J, Zorzi NT. Breast-feeding: factors leading to precocious weaning in Passo Fundo, RS. O mundo da Saúde: São Paulo. 2008; 32(4):466-74.

O desmame precoce é uma realidade no Brasil, apenas 41% dos menores de seis meses no conjunto das capitais brasileiras e Distrito Federal estavam em AME, sendo a duração mediana do aleitamento materno exclusivo de 54,1 dias (1,8 meses). A Região Norte foi a que apresentou maior prevalência (45,9%), seguida da Centro-Oeste (45,0%), Sul (43,9%) e Sudeste (39,4%), com a Nordeste apresentando a pior situação (37,0%), dados da última pesquisa nacional publicada.66. Venancio SI, Escuder MML, Saldiva SRDM, Giugliani ERJ. Breastfeeding practice in the Brazilian capital cities and the Federal District: current status and advances. J Pediatr. 2010; 86(4):317-24.

Considerando a complexidade do fenômeno desmame precoce, ele pode ser influenciado por inúmeros fatores, tais como biológicos, histórico-culturais, econômico-sociais e psíquicos, reconhecendo-se um processo repleto de ideologias e determinantes que resultam de condições inconscientes e concretas de vida.77. Sampaio MA, Falbo AR, Camarotti MC, Vasconcelos MGL, Echeverria A, Lima G,. Psicodinâmica interativa mãe-criança e desmame. Psicol: Teor Pesq. 2010; 26(4):613-21.

Neste sentido, as dificuldades dos profissionais de saúde no manejo das questões relacionadas com a amamentação podem representar outro obstáculo à manutenção do aleitamento materno exclusivo. Segundo estudo, os profissionais de saúde encontram dificuldades para resolução de questões práticas relacionadas às orientações às mães, refletindo diretamente nas taxas de aleitamento materno exclusivo.88. Souza NL, Araujo ACPF, Costas ICC. The meanings that postpartum women assign to gestational hypertension and premature birth. Rev Esc Enferm USP. 2011; 45(6):1285-92.

O manejo das dificuldades com o aleitamento materno exige um conjunto de habilidades técnicas e relacionais, que tem por base uma boa interação com a puérpera. O enfermeiro deve aprender a desenvolver uma escuta sensível e ser capaz de observar as dificuldades da nutriz, para promover e apoiar o aleitamento materno, ajudando-a a superar as dificuldades iniciais no processo de aleitar.99. Baptista SS, Alves VH, Souza RMP, Rodrigues DP, Cruz AFN, Branco MBLR. Manejo clínico da amamentação: atuação do enfermeiro na unidade de terapia intensiva neonatal. Rev Enferm UFSM. 2015; Jan-Mar; 5(1):23-31. Isto evidencia que o processo de comunicação que se estabelece entre o profissional de saúde e a clientela favorece o desenvolvimento de habilidades e competências necessárias para as pessoas encontrarem, compreenderem, avaliarem e utilizarem a informação relacionada com a saúde.1010. Flecha A, Ruiz L, Vrecer N. La alfabetizaciónen salud y el empoderamiento de las comunidades. Diálogo igualitário entre los profesionales de la salud y la comunidad. Scripta Nova. 2013 [cited 2016 Mar 1]; 17(427):. Available from: http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-427/sn-427-5.htm
http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-427/sn-4...

Portanto, faz-se necessário utilizar outras abordagens que não somente privilegiem a voz das puérperas, mas que avancem no sentido de construir com elas as estratégias de superação. Para tanto, este estudo se propôs a utilizar um método de pesquisa que se tem consolidado no exterior, por meio do Centro Especial de Investigação em Teorias e Práticas Superadoras de Desigualdades (CREA) da Universidade de Barcelona/Espanha e chama-se Metodologia Comunicativa Crítica (MCC).1111. Gomez J, Latorre A, Sanchez M, Flecha R. Metodologia comunicativa crítica. Barcelona (ES): El Roure Editorial; 2006. A MCC tem suas bases nas elaborações de Habermas1212. Habermas J. Teoria do agir comunicativo: Racionalidade da ação e racionalização social. São Paulo (SP): Editora WMF Martins Fontes; 2012. sobre a Ação Comunicativa e no conceito de Dialogicidade, desenvolvido por Paulo Freire.1313. Freire, P. Pedagogia do oprimido. 43 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2005.

A pergunta desta pesquisa foi: como podemos compreender dialogicamente o desmame precoce a partir da interação com mulheres que o vivenciaram? Teve como objetivo identificar os elementos que representaram obstáculos e aspectos transformadores da vivência do desmame precoce e do aleitamento materno.

MÉTODO

A MCC tem os seguintes pressupostos: universalidade de linguagem e da ação (capacidade que qualquer pessoa tem em se comunicar e interagir, sendo estes atributos universais de cada um); as pessoas são agentes sociais transformadores (todas as pessoas constituem agentes transformadores de seus contextos); racionalidade comunicativa (se contrapõe a racionalidade instrumental); sentido comum (é o sentido subjetivo que depende da experiência da vida, que se dá no próprio contexto cultural); não há hierarquia interpretativa (a validade dos pressupostos interpretativos é de igual valor entre as pessoas investigadas e o próprio investigador, que não outorga seu papel de intérprete científico); igual nível epistemológico (todas e todos apontam as suas interpretações e experiências, buscando consensuar os argumentos) e conhecimento dialógico (construído a partir da comunicação e do diálogo entre as pessoas e grupos).1111. Gomez J, Latorre A, Sanchez M, Flecha R. Metodologia comunicativa crítica. Barcelona (ES): El Roure Editorial; 2006.

O intuito foi compreender dialogicamente o significado do desmame para as mulheres. As informações geradas em espaços dialógicos se constituem em novos conhecimentos pela identificação dos aspectos transformadores, ou seja, aqueles que contribuem para superar as barreiras que impedem ou dificultam a incorporação de uma pessoa ou grupo a um benefício prático ou social. Já os elementos que representam obstáculos são as barreiras experimentadas por uma pessoa ou um grupo para participar de uma prática social ou benefício.

A pesquisa foi realizada em um município do interior do estado de São Paulo com 12 mães que residiam em diversos bairros. Estas foram recrutadas em Unidades de Saúde da Família, no município onde a pesquisadora trabalhava como enfermeira, o que facilitou a localização e o primeiro contato com elas, que ocorria pessoalmente ou por telefone. O único critério de inclusão foi o desmame precoce ter ocorrido antes de o bebê ter completado seis meses de vida, e que não tenha transcorrido mais de três meses do desmame, devido ao possível esquecimento de informações. Os instrumentos de coletas de dados foram: relato comunicativo (um tipo de entrevista individual diferenciada), grupo de discussão comunicativo (um tipo de entrevista coletiva diferenciada) e um questionário (para caracterização das participantes). O período de coleta de dados ocorreu entre 2010 e 2011. A saturação dos dados direcionou o encerramento da coleta de dados. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em pesquisa com Seres Humanos (CAAE: 0472.0.000.135-10/Parecer nº 269/2010).

A pesquisa seguiu três etapas:

1ª etapa: construção coletiva do roteiro do relato comunicativo. O roteiro definitivo foi elaborado em conjunto com mulheres da comunidade que partilharam dialogicamente seus saberes com a pesquisadora. Os encontros aconteciam durante as consultas de saúde da mulher, grupo de ginástica e sala de espera das unidades de saúde. As informações foram anotadas em um diário de campo e depois incluídas em forma de perguntas no roteiro definitivo, utilizado na etapa seguinte. Estas mulheres participaram somente nesta etapa inicial de construção dos roteiros, ou seja, não são as mulheres das etapas seguintes. A metodologia comunicativa crítica é baseada na premissa de que cada pessoa, independentemente da sua condição educacional, cultural ou socioeconômica, possui inteligência cultural, isto é, pode analisar as experiências e propor maneiras de reverter a situação.1414. Oliver E, Botton L, Soler M, Merril B. Cultural intelligence to overcome educational exclusion. Qualitative Inquiry. 2011; 17(3):267-76. Neste sentido, é uma etapa importante do método, a construção coletiva dos instrumentos de coleta de dados, visto que se propõe superar o desnível metodológico entre os sujeitos investigadores e investigados, gerando conhecimento por meio da criação de um diálogo intersubjetivo; portanto qualquer mulher que tenha vivenciado a amamentação poderia sugerir temas que auxiliassem na construção do roteiro.1111. Gomez J, Latorre A, Sanchez M, Flecha R. Metodologia comunicativa crítica. Barcelona (ES): El Roure Editorial; 2006. Também neste momento foi elaborado o questionário que teve a finalidade de caracterizar o perfil das mulheres investigadas.

2ª etapa: realização do relato comunicativo. É uma entrevista diferenciada, em que há um diálogo entre o pesquisador e o participante de forma a interpretar e refletir sobre a vida cotidiana do participante no estudo. Neste diálogo, há uma interação entre o pesquisador que expõe seus conhecimentos científicos sobre o tema em estudo e contrapõe a vivência e saberes com o participante. São elaboradas perguntas chaves ao participante para desenrolar-se o diálogo, de acordo com questões identificadas anteriormente. As entrevistas foram realizadas nos domicílios das puérperas, gravadas e transcritas na íntegra. As mulheres foram identificadas com a inicial do primeiro nome, preservando sua identidade. Após as entrevistas, a pesquisadora retornou com as mães em um segundo encontro para que houvesse um consenso dos resultados obtidos, ampliando e aprofundando-se nos aspectos que julgassem necessários, visando a validação dos dados coletados.1111. Gomez J, Latorre A, Sanchez M, Flecha R. Metodologia comunicativa crítica. Barcelona (ES): El Roure Editorial; 2006.

3ª etapa: realização do grupo de discussão comunicativo. Esta técnica permite confrontar a subjetividade individual com a grupal, colocando em contato diferentes pessoas, experiências, pontos de vistas, entre outros.1111. Gomez J, Latorre A, Sanchez M, Flecha R. Metodologia comunicativa crítica. Barcelona (ES): El Roure Editorial; 2006. Ele foi realizado com base em um roteiro construído a partir da análise das entrevistas, gravado em áudio e trouxe novas contribuições e esclarecimentos de temas que haviam sido abordados nas entrevistas.

O processo de análise foi regido pelos postulados da MCC e seguiu os passos da transcrição da informação, codificação, descrição, interpretação dessas informações, resultados e conclusões.1111. Gomez J, Latorre A, Sanchez M, Flecha R. Metodologia comunicativa crítica. Barcelona (ES): El Roure Editorial; 2006. Foi utilizado o nível básico de análise, que compreende a ordenação dos elementos que representaram obstáculos e aqueles que foram identificados como transformadores com relação aos aspectos do AME e do desmame precoce.1111. Gomez J, Latorre A, Sanchez M, Flecha R. Metodologia comunicativa crítica. Barcelona (ES): El Roure Editorial; 2006. Assim, o número de elementos remete à quantidade deles que foram elencados como obstáculos e/ou transformadores, destacados nas falas; e, o número de menções refere-se à quantidade de falas apresentadas pela pessoa participante para um determinado elemento. Para este artigo, utilizaram-se os elementos que tiveram quatro ou mais menções para compor os temas, de forma a priorizar aqueles que foram mais citados.1515. Gabassa V. Comunidades de aprendizagem: a construção da dialogicidade na sala de aula [tese]. São Carlos (SP): Universidade Federal de São Carlos; 2009.

Os passos da análise foram: transcrição na íntegra das entrevistas e análise dos dados do questionário de caracterização do perfil a partir do programa Microsoft Office Excel 2007; leitura exaustiva dos dados; identificação dos trechos nas falas das mães referentes aos fatores que representaram obstáculos e aqueles transformadores. Montagem dos quadros iniciais para cada mãe; alocações das contribuições do segundo encontro; alocação e contribuição do grupo de discussão comunicativo; elaboração do quadro final com os pré-temas e construção dos temas e subtemas na matriz final.

A categoria explicitada neste artigo foi intitulada "o processo de amamentar e desmamar precocemente", com os subtemas: significados do amamentar e desmamar precocemente e saberes do processo de amamentar e desmamar precocemente. Trata dos sentimentos, vivências e a posição das mães quanto a estes processos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O perfil das participantes constitui-se de mães jovens com idade até 29 anos, totalizando 84%; em sua maioria mantinham relação conjugal estável, sendo 42% casadas; 59% possuíam o ensino médio/técnico completo; eram primíparas em sua maioria (75%) e não estavam trabalhando fora de casa no momento da pesquisa.

Significados do amamentar e desmamar precocemente

A experiência de desmamar precocemente não foi algo desejado pelas mães, o que se comprova quando elas relatam o sentimento de tristeza com o desmame. Este fato foi identificado como um aspecto transformador, no sentido de não ter havido planejamento para isso: [...] fiquei triste, eu queria que ele mamasse [...] (J).

Estes sentimentos negativos frente ao desmame, também foram evidenciados em outro estudo onde as mulheres relataram tristeza, impotência e frustração frente a este processo.16 Sentimentos semelhantes foram vivenciados por mulheres ao amamentar em público. Um estudo realizado na Inglaterra, com 63 mães, concluiu que as mesmas experimentam julgamentos e condenações em interações com os profissionais de saúde, e comunidade, levando- as a sentimentos de fracasso, inadequação e isolamento.1717. Thomson G, Burton KE, Flacking R. Shame if you do - shame if you don't: women's experiences of infant feeding. Matern Child Nutr. 2015 Jan; 11(1):33-46.

O relato das mães evidenciou que amamentar foi uma prática muito desejada, a qual simbolizou a transmissão de carinho, afeto, aproximação, confiança, segurança para a criança e aumento do vínculo entre mãe e filho. Viver a experiência de amamentar e chegar à compreensão que este processo é essencial para a ligação mãe e filho é transformador para que seja uma experiência marcante na vida da mulher e que possibilite, todavia num futuro, superar alguns obstáculos inerentes à prática de amamentar e não desmamar precocemente: [...] comigo foi super prazeroso, porque não doeu nada [...]. Assim, o nenê fica mais próximo da gente, fica mais calminho, dá uma segurança para ele e para gente [...] (K).

Estudo realizado em New Haven, Connecticut, Estados Unidos, que teve o objetivo de comparar a ressonância magnética funcional de mães que amamentavam e não amamentavam concluiu que houve ligações entre amamentação e maior resposta materna a estímulos infantis em regiões do cérebro implicadas na ligação materno-infantil e empatia durante o pós-parto.1818. Kim P, Feldman R, Mayes LC, Eicher V, Thompson N, Leckman JF, Swain JE.. Breastfeeding, brain activation to own infant cry, and maternal sensitivity. J Child Psychol Psychiatry. 2011 Aug; 52(8):907-15. No Brasil, pesquisa com mães da Bahia também concluiu que a amamentação bem- sucedida qualifica o desempenho da mãe, com um sentido social e familiar na vida da mulher.1919. Demétrio F, Silva MCM, Santos SMC, Assis NMO. Meanings attributed to breastfeeding in the first two years of life: a study with women from two municipalities in the Recôncavo Baiano region of Bahia, Brazil. Rev Nutr. 2013; 26(1):5-16.

Além disso, as mães identificaram que, com o desmame houve maior gasto financeiro da família, devido à compra de mamadeiras e leites artificiais, e refletir sobre isso durante o processo de diálogo com a pesquisadora foi um elemento transformador, pois foi vivendo o desmame que a questão financeira foi revelada e permitiu também associar o oferecimento do leite materno com diminuição do gasto familiar: [...] é bem mais fácil você quando ele chora, você tira o peito e dá de mamar... então depois que você desmama aumenta tudo, é remédio [...] (P). O custo com fórmulas infantis é um aspecto relevante e as mulheres, neste estudo, identificaram que o aleitamento materno exclusivo não requer nenhum custo quando comparado com o leite artificial.2020. Thet MM, Khaing EE, Smith ND, Sudhinaraset M, Oo S, Aung T. Barriers to exclusive breastfeeding in the Ayeyarwaddy Region in Myanmar: Qualitative findings from mothers, grandmothers, and husbands. Appetite. 2015; 96(2016):62-9.

Além disso, foi identificada a esperança em viver a experiência de amamentar com sucesso um próximo filho. Aspectos estes transformadores, pois ter a esperança de conseguir concretizá-lo é uma forma de incentivo e de prevenção indireta de desmames futuros: [...] mas eu queria muito que tivesse oportunidade de mamar no meu seio, mas eu não consegui... eu acho assim, vou tentar fazer, se eu tiver outro filho de novo eu faria assim [...] (SIR).

Neste sentido, a intenção ou desejo por amamentar pode ser um precursor da adesão a esta prática. Estudo realizado com 2.400 gestantes de Bangladesh concluiu que o conhecimento correto da amamentação, atitudes positivas e altos níveis de autoeficácia e confiança das mães sobre aleitamento materno exerceram influência sobre a intenção de amamentar exclusivamente.2121. Thomas JS, Yu EA, Tirmizi N, Owais A, Das SK, Rahman S, et al. Maternal knowledge, attitudes and self-efficacy in relation to intention to exclusively breastfeed among pregnant women in rural Bangladesh. Matern Child Health J. 2015 Jan; 19(1):49-57. Já a experiência prévia com a amamentação, mesmo que não tenha sido satisfatória, proporcionou às mães, em outro estudo, um desejo e uma intenção de vivenciar de maneira diferente no segundo filho, idealizando uma experiência de amamentar com sucesso.2222. Esteves AM, Sonego JC, Vivian AG, Lopes RCS, Piccinni CA. A gestação do segundo filho: sentimento e expectativas da mãe. Psico. 2013; 44(4):542-51.

Ter o apoio da família e dos amigos para amamentar foi um aspecto relatado pela maioria das mães, e foi identificado como elemento transformador, uma vez que amamentar não pode ser um processo solitário, deve incluir a todos: família, amigos e sociedade: [...] ele que fazia tudo, levava o neném para eu dar a mama, que na primeira semana eu não consegui levantar, ele participou nessa parte, ele [esposo] estava de férias [...] (K).

Com resultados semelhantes, estudo revela que a família ajudou as mães a serem protagonistas na amamentação, organizando a coparticipação dos maridos, que providenciavam os cuidados diários, enquanto as mães amamentavam. A prática da amamentação está ligada com a experiência de amamentação da família. Sob a perspectiva fenomenológica, a amamentação é uma prática sociocultural, isto é um processo interativo com a família e o cotidiano social.1919. Demétrio F, Silva MCM, Santos SMC, Assis NMO. Meanings attributed to breastfeeding in the first two years of life: a study with women from two municipalities in the Recôncavo Baiano region of Bahia, Brazil. Rev Nutr. 2013; 26(1):5-16. Outro estudo identificou o pai e a avó como as principais referências de apoio à mulher que amamenta, evidenciando a necessidade de agregar familiares nas atividades de atenção à saúde.2323. Sousa AM, Fracolli LA, Zoboli ELCP. Práticas familiares relacionadas à manutenção da amamentação: revisão da literatura e metassíntese. Rev Panam Salud Publica. 2013; 34(2):127-34.

Apesar de o desmame não ter sido algo desejado ou planejado pelas mães, ele gerou sentimentos de derrota, desistência, incapacidade, o que se configurou como obstáculo, uma vez que este olhar negativo e autoculpabilizante poderão influenciar nas próximas experiências com a amamentação: [...] nem para dar leite eu presto, para que eu vou prestar nesse mundo... eu me sinto frustrada, é ruim [...] (D).

A sensação de incapacidade gerada pelo desmame precoce é bastante comum, o que pode provocar o sentimento de fracasso no exercício da maternidade.2424. Polido CG, Mello DF, Parada CMGL, Carvalhesma MABL, Tonete VLPl. Vivências maternas asociadas ao aleitamento materno exclusivo mais duradouro: um estudo etnográfico. Acta Paul Enferm. 2011; 24(5):624-30. A interação estabelecida entre pesquisadora e as mulheres permitiu que elas percebessem que a culpa somente gera sentimentos de inutilidade, que não são positivos, sendo necessário superar esses sentimentos e concentrar as esperanças em uma nova gestação e na força de querer fazer diferente.

Saberes do processo de amamentar e desmamar precocemente

Apesar do desmame precoce ter ocorrido para estas mães, todas tinham a compreensão do período mínimo recomendado para o AME (seis meses), o que foi identificado como um elemento transformador: [...] acho que até os seis meses, seria o ideal para a criança a amamentação [...] (P).

Contudo, ter o conhecimento não foi fator suficiente para a não ocorrência do desmame precoce, fato revelado por outros estudos que identificaram que o percentual de mães que demonstram ter o conhecimento sobre o AME é alto (63,8%), porém ainda é insuficiente e com informações contraditórias.2525. Silva PS, Moraes MS. Caracterização de parturientes adolescentes e de seus conhecimentos sobre amamentação. Arq Ciênc Saúde. 2011; 18(1):28-35. Estudo realizado na Malásia avaliou os conhecimentos e crenças sobre a amamentação com 213 nutrizes e concluiu que, para garantir uma prática bem sucedida de amamentação, além de conhecimento e atitude, precisam ser abordados nos aconselhamentos, questões que envolvem a cultura e tradições, bem como melhorar o apoio.2626. Ishak S, Adzan NAM, Quan LK, Shafie MH, Rani NA, Ramil KG. Knowledge and beliefs about breastfeeding are not determinants for successful breastfeeding. Breastfeed Med. 2014; 9(6):308-12.

Neste sentido, o profissional de saúde capacitado é um ator importante neste cenário. Um estudo realizado na Suécia revelou que ele é a figura central para apoiar a nutriz e sua família, associando o treinamento de parteiras e enfermeiras com a redução no número de crianças que estavam recebendo substitutos do leite materno durante a primeira semana de vida, atrasando assim a introdução dos leites artificiais após a alta hospitalar.2727. Ekstrom A, Kylberg E, Nissen E. A process-oriented breastfeeding training program for healthcare professionals to promote breastfeeding: an intervention study. Breastfeeding Med. 2012; 7(2):85-92. As nutrizes revelaram que o conhecimento sobre aleitamento materno exclusivo, partiu do aprendizado com os profissionais da saúde, pelos quais elas revelam ter um alto nível de confiança.2020. Thet MM, Khaing EE, Smith ND, Sudhinaraset M, Oo S, Aung T. Barriers to exclusive breastfeeding in the Ayeyarwaddy Region in Myanmar: Qualitative findings from mothers, grandmothers, and husbands. Appetite. 2015; 96(2016):62-9.

A fisiologia da produção e ejeção do leite materno e os reflexos inatos da criança foram aspectos conhecidos por algumas mães, elementos entendidos como transformadores, porque permitiram direcionar as mulheres a seguirem rotinas que favorecem o AME, tais como amamentação sob livre demanda, não controle do tempo da mamada, entre outras: [...] ele não sugava, aí ía acabando né, porque a criança tem que sugar para poder sair mais leite, produzir mais leite [...] (S).

Conhecer a fisiologia da produção e ejeção do leite materno é extremamente importante para manter o aleitamento materno, e este conhecimento, na maioria das vezes, é proporcionado pela educação maternal, que se concretiza antes do nascimento e durante a lactação. Todavia, estudos apontam que ele ainda é pequeno e pode revelar que a mulher precisa ser acompanhada.2828. Rocha NB, Garbin AJI, Garbin CAS, Moimaz SAS. O ato de amamentar: um estudo qualitativo. Physis. 2010; 20(4):1293-305.-2929. Galiano JMM, Rodriguez MD. El inicio precoz de la lactancia materna se ve favorecido por la realización de la educación maternal. Rev Assoc Med Bras. 2013; 59(3):254-57.

As consequências do uso dos leites artificiais são conhecidas pelas mães e foram vivenciadas por elas, que relataram as dificuldades de adaptação do bebê a eles. A constipação intestinal foi a dificuldade mais citada por elas. Estes elementos foram considerados aspectos transformadores, pois saber acerca dos riscos da alimentação artificial leva a mãe a repensar suas condutas e avaliar risco e benefícios: [...] eu comecei com o NAN, daí eu parei, porque eu ví que ressecou [...] (S).

Estudo que associou tipo de alimentação, consumo de fibra alimentar e ocorrência de constipação em lactentes, revela que, no primeiro semestre, os lactentes com leite artificial demonstram chance 4,5 vezes maior de apresentar constipação do que os em aleitamento predominante.3030. Aguirre ANC, Vitolo MR, Puccini RF, Moraes MB. Constipação em lactentes: influência do tipo de aleitamento e da ingestão de fibra alimentar. J Pediatr. 2002; 78(3):202-8.

Estudo realizado em um hospital do Canadá com 17 mães revelou que, para as mães que descrevem a amamentação como bem-sucedida, ela é entendida como fisiologicamente natural e como algo que deve ser aprendido. Já as experiencias malsucedidas revelam que os profissionais de saúde interpretam a amamentação como não "funcionando" e o discurso se desloca para a fórmula como um meio para alcançar uma ótima saúde infantil.3131. Braimoh J, Davies L. When 'breast' is no longer 'best': Post-partum constructions of infant-feeding in the hospital. Soc Sci Med. 2014 Dec; 123:82-9.

As vantagens para a saúde da criança com o AME e o conhecimento do efeito protetor do leite materno também foram relatadas pela maioria das entrevistadas. Elementos, estes, considerados transformadores, ou seja, conhecer os benefícios do aleitamento materno faz o ato de amamentar ser um compromisso da mãe para com a saúde presente e futura de seu filho: [...] a amamentação é um... como posso dizer, é um leite ideal. O que evita mais doença, alergia entendeu [...] (N).

Diferente do encontrado no presente estudo, outra pesquisa concluiu que aproximadamente 30% das mulheres entrevistadas não tinham conhecimento da importância do colostro, porém outros autores evidenciam que mesmo as mães com conhecimento sobre as propriedades do leite materno e algumas de suas vantagens, ainda não foi suficiente para manutenção e continuidade da amamentação, demonstrando que o conhecimento é necessário, porém não suficiente para incorporação de hábitos saudáveis, como dito anteriormente.2828. Rocha NB, Garbin AJI, Garbin CAS, Moimaz SAS. O ato de amamentar: um estudo qualitativo. Physis. 2010; 20(4):1293-305.,3232. Garg R, Deepti SS, Padda A, Singh T. Breastfeeding knowledge and practices among rural women of punjab, india: a community-based study. Breastfeeding Med. 2010; 5(6):303-7.-3333. Campos AAO, Ribeiro RCL, Santana LFR, Castro FAF, Reis RS, Oliveira CA, et al. Práticas de aleitamento materno: lacuna entre o conhecimento e a incorporação do saber. Rev Med Minas Gerais. 2011; 21(2):161-7.

Praticar o aleitamento materno exclusivo não traz benefícios somente para a criança aleitada, mas também para a mãe que aleita, principalmente no pós-parto imediato. Este saber não foi mencionado pela maioria das mães, que relataram desconhecer as vantagens do aleitamento materno para a saúde materna. Fato este considerado como um obstáculo, uma vez que o não conhecimento das vantagens faz estas mães amamentarem somente pelo seu filho, esquecendo-se de si própria. Isso facilita o desmame e a mulher perde a oportunidade de usufruir dos benefícios para sua própria saúde e ainda pode gerar a culpa na mãe por não concretizar o papel social de nutriz esperado pela sociedade, questões refletidas na interação com as mulheres: [...] Ah, eu nunca fui à palestra, eu não sei direito, eu sei as vantagens delas, a minha para falar a verdade eu não sei [...] (TH).

Estudo realizado com mães de crianças menores de seis meses, identificou que os benefícios citados pelas mães foram relacionados à prevenção de doenças no bebê, dentição e redução nos gastos da família com a alimentação. Não mencionou nenhum benefício para a mulher, o que vai de acordo com o presente estudo.3434. Frota MA, Mamede ALS, Vieira LJES, Albuquerque CM, Martins MCl. Cultural practices about breastfeeding among families enrolled in a Family Health Program. Rev Esc Enferm USP. 2009; 43(4):895-901.

A necessidade da presença do bico para amamentar foi um elemento marcante nas falas da maioria das mães entrevistadas. Além de relacioná-lo à questão hereditária, a presença do bico foi condição sine qua non para a pega correta no mamilo e, assim, o sucesso da prática de amamentar. As mães tentaram diversas formas para reverter a não protrusão do bico, utilizando para isso algumas estratégias não recomendadas.

O diálogo proporcionado pelo grupo de discussão comunicativo revelou que não podemos negar as dificuldades que podem advir de mamilos planos ou mal formados, mas essa crença impregnada nas mulheres, aliada à falta de apoio do profissional de saúde, realimenta a exclusiva responsabilidade das mulheres no insucesso da amamentação: [...] tinha um pouco de bico, aí depois que ela nasceu sumiu, acho que o peito inchou e aí sem meu bico, isso também dificultava [...] (N). A percepção de que somente mamilos salientes permitem uma pega correta também foi um dado evidenciado em outro estudo, em que de todas as mães com mamilo plano, 25% referiram achar que o bebê não abocanha a mama com facilidade, enquanto apenas 8,8% das mães com mamilo normal, (81%) tinham esta queixa.35

Foram identificados, nas falas das mães, alguns mitos relacionados ao leite materno, tais como: leite materno é fraco, não sustenta, provoca cólicas no bebê e que altas temperaturas corporais e agitação materna interferem no leite materno. Por meio do diálogo entre conhecimento científico e conhecimento popular foi possível chegar ao consenso de que estes mitos são considerados elementos que representam obstáculos ao aleitamento materno, uma vez que favorecem condutas inadequadas que podem acarretar o desmame precoce, além de serem elencados como motivos para a prática do desmame precoce: [...] até eu chegar ao meu serviço, daí eu tinha que esperar ela acalmar um pouco, porque era muito calor, tinha que esperar o leite acalmar [...] (K).

Estes mitos foram utilizados pelas mães, como justificativas para o desmame e apenas 4,3% das mães assumiram que desmamaram sem motivo.36 O mito de que o leite materno é fraco foi relatado por 47% das puérperas em um estudo, sendo que estas acreditavam que através da amamentação exclusiva, o bebê ganharia pouco peso.3737. Melo MCP, Marques HVN, Valois HR, Coelho IMS, Souza JA, Silva JCR. Vivências do projeto mitos e tabus do aleitamento materno: vamos desfazer esse nó? RESVASF. 2013; 2(2):11-9. Outro estudo retrata que as dúvidas e mitos das gestantes e mães sobre amamentação são originados na falta de informação ou de uma orientação não adequada, o que influencia negativamente na prática da amamentação.3737. Melo MCP, Marques HVN, Valois HR, Coelho IMS, Souza JA, Silva JCR. Vivências do projeto mitos e tabus do aleitamento materno: vamos desfazer esse nó? RESVASF. 2013; 2(2):11-9.-3838. Barbosa JAG, Santos FPC, Silva PMC. Fatores associados à baixa adesão ao aleitamento materno exclusivo e ao desmame precoce. Rev Tecer. 2013; 6(11):154-65.

Quando abrimos um canal de comunicação desprendido de hierarquias e prescrições, as mulheres repensam sua forma de ver a amamentação e o desmame, superam seus medos e tentam se agarrar a esperança de ter uma nova chance de poder aleitar seus filhos. Esta comunicação necessita ser realizada em um nível de igualdade com as mães, a partir de um diálogo que respeita as interpretações sobre a realidade em função da validade dos argumentos, tanto da pessoa investigadora como da pessoa investigada, e não pelas posições de poder e/ou status. Fica evidente, no entanto a necessidade de mais pesquisas, em especial com a utilização da MCC, que através da intersubjetividade permite alcançar outros níveis de transformação.

Considerando a amamentação na perspectiva dos direitos reprodutivos, cabe às mulheres, detentoras de seus corpos, o direito de gestar, parir e amamentar. Aos profissionais de saúde, compete acolhê-las, compreendendo seu modo de vida e respeitando suas opiniões, para assim, apoiá-las nas decisões sobre amamentação.3939. Monteiro JCS, Gomes FA, Nakano AMS. Amamentação e o seio feminino: uma análise sob a ótica da sexualidade e dos direitos reprodutivos. Texto Contexto Enferm. 2006; 15(1):146-50.

CONCLUSÃO

A complexidade de fatores interligados ao desmame precoce revela a necessidade de não homogeneizar os fenômenos de forma a valorizar o ponto de vista de cada mulher, nas suas particularidades. O método proposto permitiu exercitar seus pressupostos ao privilegiar a reflexão e o diálogo igualitário com as mães participantes da pesquisa acerca da vivência do desmame precoce e aleitamento materno.

Esta pesquisa permitiu descrever o processo do aleitamento materno a partir da visão e vivência das mães que desmamaram precocemente, e que mesmo diante de situações adversas compreenderam o significado do aleitamento materno e os saberes desprendidos deste processo. O desmame precoce não foi algo planejado e as mulheres revelaram a esperança de vivenciar o aleitamento materno com sucesso em próximas experiências, o que é transformador para estas e todas outras mulheres que vivenciarem este processo.

Desmamar precocemente não retratou a ideia de que o aleitamento materno não foi vivenciado com intensidade, uma vez que, mesmo com as dificuldades encontradas, as mães conseguiram desprender aspectos facilitadores do aleitamento materno como a praticidade; o elo de carinho e prazer com a criança; o oferecimento de saúde à criança e a importância do apoio da família e dos profissionais de saúde.

Existem obstáculos a serem superados pelas mães que desmamaram precocemente. Estes, em sua maioria, são enraizados na cultura dominante do determinismo biológico do aleitamento materno e que precisam ser dialogados com as progenitoras e com a sociedade e não só julgados e condenados. A necessidade de protrusão do mamilo; o conformismo com a dor na amamentação; o não cumprimento das leis trabalhistas em favorecimento ao aleitamento materno pelas empresas e a credibilidade em mitos do leite materno foram alguns destes obstáculos que precisam ser revistos e aprofundados em outros estudos.

Vivenciar o desmame precoce é reviver o processo do aleitamento materno com maturidade por parte das mães, família e sociedade, superar os preconceitos e estigmas que cerceiam estas vivências, que são processos sociais. É necessário que os profissionais da saúde também revejam suas condutas perante o desmame precoce, para que não o vejam mais como o ponto final e, sim, como partida para novos aprendizados.

A busca pelos elementos transformadores e anunciadores de capacidades em superar as dificuldades com o aleitamento materno e evitar o desmame precoce, bem como a revelação dos obstáculos e das estratégias de superação mostram o grande potencial do método utilizado. Superar o desmame precoce ainda é uma ação futura e o presente estudo teve o intuito de trazer este tema trilhado por um caminho metodológico que pode trazer outros olhares para o tema.

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    Este artigo é proveniente da dissertação - Aleitamento materno e desmame precoce: aspectos transformadores e exclusores, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    17 Jun 2015
  • Aceito
    12 Fev 2016
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