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A GERÊNCIA DO CUIDADO DE ENFERMAGEM À MULHER COM CÂNCER DE MAMA EM QUIMIOTERAPIA PALIATIVA1 1 Artigo extraído da dissertação - A gerência do cuidado de enfermagem à paciente com câncer de mama avançado em quimioterapia paliativa, apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2015.

RESUMO

Objetivou-se compreender e analisar a gerência do cuidado de enfermagem à mulher com câncer de mama em quimioterapia paliativa. Estudo exploratório, qualitativo, que utilizou a Teoria Fundamentada nos Dados. Foram entrevistados oito enfermeiras e dez pacientes de uma das unidades do Instituto Nacional de Câncer, Rio de Janeiro, Brasil. A análise dos dados evidenciou cinco categorias conceituais. As categorias que representam o objeto de composição deste estudo foram: Gerenciando o cuidado no momento da consulta de enfermagem; Apontando as dificuldades na realização da gerência do cuidado de enfermagem; e Elencando estratégias administrativas para melhor gerenciar o cuidado. Diante da decisão em realizar a quimioterapia paliativa, deve-se atentar para as necessidades de cuidado que a mulher pode apresentar. O enfermeiro tem importante participação ao gerenciar o cuidado, contribuindo para um olhar mais apurado quanto ao reconhecimento de tais necessidades, priorizando a qualidade de vida.

DESCRITORES:
Enfermagem oncológica; Câncer de mama; Antineoplásicos; Gerência

ABSTRACT

The objective was to understand and to analyze the management of nursing care for women with breast cancer in palliative chemotherapy. This was an exploratory and qualitative study, which used the Grounded Theory. Eight nurses and ten patients of one of the units of the National Cancer Institute, Rio de Janeiro, Brazil, were interviewed. Data analysis showed five conceptual categories. The categories that represent the object of this study were: managing care during nursing consultation; pointing out the difficulties in carrying out nursing care management; listing administrative strategies to better manage care. Faced with the decision to administer palliative chemotherapy, nurses should pay attention to the need for care that women may present. Nurses play an important role in managing care, and contribute to a closer look at the recognition of such needs, prioritizing the quality of life.

DESCRIPTORS:
Oncology nursing; Breast neoplasms; Antineoplastic agents; Management

RESUMEN

El objetivo fue conocer y analizar la gestión de los cuidados de Enfermería para las mujeres con cáncer de mama en fase de quimioterapia paliativa. Estudio exploratorio, cualitativo, que utilizó la teoría fundamentada en los datos. Ocho enfermeras y diez pacientes fueron entrevistadas en el Instituto Nacional del Cáncer, Rio de Janeiro, Brasil. El análisis de los datos mostró cinco categorías conceptuales. Las categorías que representan la composición del objeto de este estudio fueron: La gestión de la atención de Enfermería en la consulta; Señalando las dificultades para llevar a cabo la gestión de los cuidados de enfermería; Mostrando las estrategias administrativas para gestionar el cuidado. Ante la decisión de hacer la quimioterapia paliativa, se debe prestar atención a las necesidades de las mujeres, y la enfermera tiene un papel importante en la gestión de la atención, lo que contribuye a una mirada más próxima en el reconocimiento de tales necesidades, priorizando calidad de vida.

DESCRIPTORES:
Enfermería oncológica; Neoplasias de la mama; Antineoplásicos; Gerencia

INTRODUÇÃO

O câncer de mama é o que mais acomete as mulheres, representando 23% de todos os tipos de câncer incidentes no mundo. Em 2014, foram esperados 57.120 novos casos desta doença no Brasil.11. Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, Coordenação Geral de Ações Estratégicas, Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2014: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 2014. E, apesar de existirem diversas modalidades de tratamento para o câncer de mama, muitos casos apresentam-se como fora de possibilidades terapêuticas para a cura. De modo geral, estima-se que 50% das pacientes com câncer não se curam de sua doença.22. Ortiz JS. Quimioterapia en la fase final de la vida: ¿es compasiva? Med Clin. 2011; 136(8):343-4

Alguns autores discutem o uso da quimioterapia paliativa como mais um recurso para controle do câncer de mama avançado. No entanto, o uso desnecessário da quimioterapia pode piorar o quadro clínico da mulher, devido às indesejáveis toxicidades e reações adversas relacionadas a este tipo de tratamento.22. Ortiz JS. Quimioterapia en la fase final de la vida: ¿es compasiva? Med Clin. 2011; 136(8):343-4

3. Kadakia KC, Moynihan TJ, Smith TJ, Loprinzi CL. Palliative communications: addressing chemotherapy in patients with advanced cancer. Ann Oncol. 2012 Apr; 23 (Suppl 3):29-32.

4. Ng T, Chew L, Yap CW. A clinical decision support tool to predict survival in cancer patients beyond 120 days after palliative chemotherapy. J Palliat Med. 2012 Aug; 15 (8):863-9.
-55. Van Bekkum ML, Van Munster BC, Thunnissen PL, Smorenburg CH, Hamaker ME. Current palliative chemotherapy trials in the elderly neglect patient-centred outcome measures. J Geriatr Oncol. 2015; 6(1):15-22.

Diante da decisão em realizar a quimioterapia paliativa, deve-se atentar para as necessidades de cuidado que a paciente pode apresentar. O enfermeiro é o profissional que se relaciona diretamente com as mulheres e seus familiares, sendo responsável pela administração dos agentes quimioterápicos. Quando no contexto ambulatorial, a consulta de enfermagem é uma estratégia eficaz, favorecendo a aproximação e a construção de uma relação interpessoal de ajuda, onde a gerência do cuidado de enfermagem implica o reconhecimento e o atendimento das necessidades de cuidado do binômio paciente-família.66. Silva MM, Silva JA, Esteves LO, Mesquita MGR, Stipp MAC, Duarte SCM. Perfil sociodemográfico e clínico de pessoas em tratamento quimioterápico: subsídios para o gerenciamento em enfermagem. Rev Eletr Enf [Internet]. 2013 Jul-Set [cited 2014 Out 13]; 15(3):704-12. Available from: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v15i3.18417
http://dx.doi.org/10.5216/ree.v15i3.1841...

Em assim sendo, o presente estudo objetivou compreender e analisar a gerência do cuidado de enfermagem à mulher com câncer de mama em quimioterapia paliativa.

O estudo justifica-se diante dos seguintes aspectos: a situação do câncer no contexto da saúde e as elevadas taxas de morbimortalidade; pela necessidade de discussão acerca da decisão clínica de indicação da quimioterapia paliativa nos casos avançados; pelos impactos causados na vida da mulher, que podem representar múltiplas necessidades de cuidado; e pelas demandas para qualificação profissional, ao encontro das políticas públicas de saúde.

MÉTODO

Estudo exploratório, com abordagem qualitativa, que utilizou a Grounded Theory, no português conhecida como Teoria Fundamentada nos Dados (TFD), e seguiu a abordagem da descrição conceitual plena (full conceptual description).77. Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2ª edição. Porto Alegre (RS): Artmed; 2008.

A coleta e a análise dos dados aconteceram simultaneamente, sendo a análise estruturada pelas codificações aberta, axial e seletiva. Para contextualizar o fenômeno central, bem como delimitar e refinar a matriz teórica, aplicou-se o modelo paradigmático. Seus elementos relacionam-se a dois aspectos fundamentais: às condições estruturais e ao processo. O primeiro compreende as condições causais, o contexto e as condições intervenientes; o segundo abrange as estratégias ação-interação e as consequências.77. Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2ª edição. Porto Alegre (RS): Artmed; 2008.

A investigação do fenômeno central contempla a contribuição de diferentes participantes, que compõem distintos grupos amostrais, dos quais decorre do conceito de amostragem teórica, ou seja, que possibilita ao pesquisador buscar seus dados em locais ou por meio do depoimento que indicam deter conhecimento acerca da realidade. Neste estudo os grupos desenvolvidos no processo de investigação foram o de enfermeiros e pacientes.

Participaram do estudo oito enfermeiros e dez pacientes, que atenderam, respectivamente, os seguintes critérios de inclusão: ser enfermeiro com vínculo empregatício com a instituição e com experiência mínima de seis meses no tratamento quimioterápico a pacientes com câncer. Ser mulher com câncer de mama avançado, realizando quimioterapia paliativa, acima de 18 anos de idade e com capacidades cognitivas não afetadas. Os critérios de exclusão foram: enfermeiros em licença ou em férias durante o período de coleta de dados, e no caso das pacientes, mulheres que não compareceram ou que apresentaram qualquer problema relacionado ao tratamento, como desconfortos ou outras reações adversas. A captação das pacientes foi realizada mediante consulta aos enfermeiros e prontuários.

Todos aceitaram participar do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, respeitando os aspectos éticos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde no 466/2012. O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN), como instituição proponente, e do Instituto Nacional de Câncer (INCA), como instituição coparticipante. A aprovação aconteceu em 18/12/2013, com parecer no 468.478. Ressalta-se que para composição do segundo grupo amostral foi submetida emenda, aprovada em 24/06/2014, com parecer no 698.923.

Os dados foram coletados no ambulatório de quimioterapia do Hospital do Câncer III (HC-III), uma das unidades de atendimento do INCA, no município do Rio de Janeiro, Brasil, O HC-III é especializado no tratamento do câncer de mama, credenciado como Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON).88. Brasil. Portaria nº 62, de 11 de março de 2009. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 11 Mar 2009, Seção 1.

A coleta de dados aconteceu entre janeiro a agosto de 2014, por meio de entrevista semiestruturada. O roteiro para os enfermeiros continha as perguntas geradoras: qual a sua visão acerca da gerência do cuidado de enfermagem à paciente com câncer de mama em quimioterapia paliativa? Como você gerencia o cuidado a esta paciente? Para as pacientes as questões foram: a sua vida mudou depois que começou a quimioterapia? De que forma? Quais foram ou estão sendo os principais problemas? De quem você mais recebe ajuda? Como o enfermeiro te ajuda todas as vezes que vem aqui? O que você acha que ele poderia fazer para ajudar? Você considera que tem bom nível de entendimento sobre este tratamento? Como o enfermeiro contribuiu com o que você sabe? Você se comunica bem com o enfermeiro?

O segundo grupo amostral orientou-se pela hipótese: ao gerenciar o cuidado o enfermeiro busca atender as necessidades da mulher com câncer de mama a partir, principalmente, da comunicação com valorização da escuta ativa, considerando as particularidades inerentes à quimioterapia como proposta terapêutica paliativa.

As entrevistas, realizadas individualmente, foram gravadas em aparelho digital, e posteriormente transcritas na íntegra, identificadas por códigos alfanuméricos.

A análise dos dados foi conduzida da seguinte forma: desenvolvimento da microanálise linha a linha dos dados brutos, que gerou 1.496 códigos preliminares; agrupamento destes códigos, por similaridade, em conceitos mais abstratos, originando 18 códigos conceituais, que evoluíram para cinco categorias e 13 subcategorias, de acordo com seus níveis de complexidade; e aplicação do modelo paradigmático, numa perspectiva assumida em relação aos dados, de forma a organizá-los e configurar o fenômeno central.

A discussão dos dados foi realizada a partir do posicionamento crítico das autoras frente aos resultados e com base na revisão de literatura.

RESULTADOS

Os enfermeiros apresentaram uma média aritmética de 15 anos como tempo de atuação profissional na área da oncologia. Com relação à faixa etária das pacientes, uma estava na faixa etária entre 20 a 30 anos, duas possuíam entre 31 a 40 anos, seis estavam entre 41 a 50 anos e uma possuía entre 51 a 60 anos de idade.

As cinco categorias centraram-se no seguinte fenômeno central: os enfermeiros gerenciam o cuidado à mulher com câncer de mama avançado em quimioterapia paliativa, empregando etapas do processo de enfermagem, especialmente no momento da consulta de enfermagem, que é guiada pelas necessidades desta mulher, considerando a integralidade do ser vivenciando esta fase da doença, assumindo, assim, alguns preceitos dos cuidados paliativos, e enfrentando problemas relacionais, conceituais e estruturais.

Dada a relevância e importância da gerência do cuidado de enfermagem no contexto investigado, as seguintes categorias foram selecionadas para composição deste estudo: Gerenciando o cuidado no momento da consulta de enfermagem; Apontando as dificuldades na realização da gerência do cuidado de enfermagem; e Elencando estratégias administrativas para melhor gerenciar o cuidado. Tais categorias se qualificaram para ocupar as posições de condições causais, condições intervenientes e estratégias de ação-interação, respectivamente, de acordo com o modelo paradigmático empregado.

Gerenciando o cuidado no momento da consulta de enfermagem

Esta categoria é constituída por quatro subcategorias.

A subcategoria 'Valorizando a consulta de enfermagem' apresenta a importância da consulta de enfermagem, realizada na admissão da paciente no ambulatório de quimioterapia, contribuindo para o levantamento e consequente atendimento das suas necessidades de forma individualizada e contextualizada. A consulta de enfermagem apresenta-se como ação primordial, uma vez que [...] é o primeiro contato com a paciente; e é o básico para começar a gerência do cuidado. A gente vai direcionando o cuidado, aqui e do que ela vai precisar em casa. E nesse momento percebemos que, muitas vezes, ela chega aqui já como paliativa (E1).

Para as mulheres este momento também foi valorizado. Passei duas vezes pela consulta de enfermagem. As enfermeiras esclarecem bem, tiram todas as dúvidas, todos os pormenores que só a enfermagem mesmo esclarece (P1).

A subcategoria 'Aplicando o processo de enfermagem' evidencia as etapas do processo de enfermagem aplicadas na consulta, com destaque para a taxonomia utilizada nos diagnósticos e intervenções de enfermagem: a Classificação Internacional para a Prática da Enfermagem (CIPE). Neste processo, [...] primeiramente a gente identifica os problemas apresentados pela paciente ou o que a gente consegue observar e, então, a gente planeja a assistência, e seguimos as orientações da CIPE (E3).

É a partir da aplicação das etapas do processo de enfermagem que o enfermeiro se instrumentaliza e torna-se capaz de elencar as prioridades, visando a otimização do tempo e a qualidade do atendimento.

Levando em consideração o tempo disponível para poder ajudar, e toda a logística que a gente tem, eu vejo as prioridades. O que está sendo mais importante para a paciente naquele momento. Muitas vezes eu percebo que ela tem uma dificuldade na deambulação, mas também está apresentando dor. Então, vou direcionar para a dor. Se eu conseguir minimizar ou até sanar essa dor eu passo para a parte da deambulação (E3).

Dos principais diagnósticos de enfermagem destacaram-se: [...] fadiga, apetite diminuído, náuseas e vômitos, mobilidade física comprometida, principalmente quando a paciente tem metástase óssea, o que também é muito comum [...]. Outro problema importante é o acesso intravenoso ruim, comprometido, porque não são todas as pacientes que tem cateter venoso central, então se ela já passou por uma quimioterapia curativa e está voltando agora para paliação, as veias podem estar muito piores [...] (E2).

Na subcategoria 'Destacando a importância da comunicação', ressalta-se a importância da comunicação entre enfermeiro, pacientes e familiares, no que se refere, principalmente, à facilitação da compreensão das informações acerca da proposta do tratamento e à criação de laços de confiança. Para isso, é preciso conversar com a paciente. Eu sempre explico: 'olha, eu vou falar sobre quimioterapia e vou te explicar tudo que vai acontecer, mas antes eu quero saber o que o médico te disse. O que ele te explicou sobre a quimioterapia?' Assim, busco ter a noção do que ela sabe, porque muitas vezes elas chegam sem saber. Aí explico tudo, falo tudo da quimioterapia, sua finalidade e tal. A gente fala: 'quimioterapia é para controlar a sua doença'. Como que a quimioterapia age e daí vou falando passo a passo do que ela pode ter e como ela pode lidar com isso [...] (E1).

Ressalta-se a sensibilidade do enfermeiro ao buscar perceber o que a paciente deseja saber naquele momento, uma vez que muitas mulheres trazem consigo sentimentos de negação, tendo como método de defesa a privação de informações sobre sua situação.

Às vezes eu prefiro não saber muito. Sei, eu sei do que se trata, o negócio é estar do meu jeito e continuar. Prefiro deixar algumas coisas para trás (P2).

Em geral, no contexto investigado, os enfermeiros lidam com uma clientela que tem baixo a médio grau de escolaridade, o que influencia muito. Então, fica complicado, e o enfermeiro tem que ter perspicácia para saber o que a paciente sabe, e o que consegue captar, porque tem todo um aspecto emocional em torno de saber que é paliativo (E4).

Observou-se nas entrevistas a importância do enfermeiro na vida da paciente neste momento. Ficou claro que, por causa dos vínculos criados, o profissional mais próximo da paciente e de sua família é o enfermeiro.

A paciente escolhe alguém como referência no hospital e geralmente é o enfermeiro. Porque a gente tem mais contato com elas [...]. Ela sai da consulta médica e vem atrás de você, porque quer ouvir de você que o que ela vai tomar está certo. Então isso não tem preço (E8).

Esta realidade é reforçada no depoimento de uma paciente: [...] tirei mais dúvida com os enfermeiros do que com os próprios médicos. Acho que você fica mais ligada neles, se acostuma, parece até que é colega. Aí você consegue, às vezes, perguntar coisas que você não pergunta para o médico (P6).

Na subcategoria 'Cuidando integralmente buscando a autonomia da paciente', observa-se a necessidade de o enfermeiro conduzir a consulta de enfermagem, de forma que a mulher compreenda a importância de desfrutar seus dias da melhor maneira possível e possa aderir ao tratamento, mas que o "fazer quimioterapia" não supere o bem-estar e a qualidade de vida.

Não é o câncer, não é a mama, não é o tumor propriamente dito. É um ser humano com as suas necessidades. Temos que ver tudo que pode estar envolvido. Tem a questão da família, dos filhos, de possível gravidez, de trabalho, faculdade, e a gente tenta se adequar também diante da nossa situação aqui de atendimento (E4).

Apontando as dificuldades na realização da gerência do cuidado de enfermagem

Esta categoria é constituída por quatro subcategorias.

Na subcategoria 'Apresentando a situação do câncer', verifica-se que apesar de existirem diversos tratamento para o câncer de mama e medidas para diagnóstico precoce, grande parte das pacientes se depara com a paliação. Observa-se, nos depoimentos, que a maior parte das mulheres que chega ao setor para iniciar o tratamento já está fora de possibilidades terapêuticas para a cura.

Olha, é muito triste, porque a mídia, o tempo todo, aborda que o câncer de mama tem cura. Sei que tem cura quando diagnosticado precocemente, mas você vê que, nessa condição, cerca de 10% das pacientes que você trata tem realmente chance de cura, o restante é tudo paliativo, e você tem pouco a oferecer (E3).

Para um elevado número de pacientes como o do ambulatório do HCIII, referência nacional, seria necessário maior coeficiente de profissionais para cuidar dessas mulheres, além de estrutura física mais adaptada. Entretanto, como pôde ser percebido nas entrevistas, os recursos humanos e físicos disponíveis no serviço não são adequados, o que pode influenciar na qualidade da assistência prestada.

Desse modo, [...] o ponto negativo é que, às vezes, o volume de trabalho é tão grande que tudo acaba sendo mais corrido. Acho que isso às vezes dificulta, fica sendo um cuidado um pouco mais superficial. Você quer conversar, evoluir, falar com a paciente, mas às vezes acaba fazendo tudo mais rápido [...]. O volume de trabalho [...], eu não sei, acho que não tem jeito, entra paciente mesmo, e a gente está sempre tentando ajustar a agenda, mas acho que isso não tem muita solução (E1).

Na subcategoria 'Relatando os déficits no serviço', relacionam-se os déficits apresentados no setor, que pode gerar consequência direta na qualidade do atendimento de enfermagem, no tempo de espera da paciente para administração da quimioterapia e na qualidade de vida do próprio profissional, que além de não oferecer a assistência da forma como gostaria, sofre pela falta de tempo para si mesmo, e com as agressões vindas de acompanhantes, ou mesmo dos próprios pacientes. Nós já sofremos aqui agressões verbais e quase físicas de acompanhantes, e por conta disso, ocorreram algumas mudanças em relação à permanência deles aqui [...] (E8).

No contexto investigado tem-se déficits não só de recursos humanos, mas físicos também. Essa estrutura não comporta tanto atendimento. Às vezes a gente usa a cadeira de rodas e a maca de emergência. E estamos numa referência nacional [...]. São dez cadeiras, e a gente cresceu muito. A gente tem pacientes com reação anafilática, que acabam ocupando por mais tempo a cadeira do que a gente previa [...] (E2).

Além dos problemas estruturais e dos déficits de recursos humanos, existe uma grande dificuldade para as pacientes em realizar exames que, mesmo que de urgência, demoram meses para serem marcados. Este fato pode atrasar a confirmação de um diagnóstico e, consequentemente, o início do adequado tratamento.

Primeiro problema foi que foi muito complicado para entrar aqui, mas depois fui bem assistida. E aqui tudo é bem demorado, os exames são bem demorados. Inclusive, acho que isso prejudica muito o tratamento. Você vai marcar um exame que é de urgência e aí marca para daqui a um mês, dois meses. Então é complicado, mas fora isso, não tenho do que reclamar não (P1).

A subcategoria 'Relatando problemas diários no fluxo de atendimento', mostra a dificuldade atual para organizar o fluxo de atendimento, e exigências particulares com relação ao tempo necessário para realização de cada protocolo de quimioterapia.

A dificuldade em estruturar a agenda e seus respectivos horários está relacionada não só à elevada quantidade de pacientes que necessitam realizar quimioterapia, mas, principalmente, às possibilidades de encaixes que podem ocorrer no decorrer do dia. Em assim sendo, os funcionários se esforçam ao máximo para atender o elevado número de pacientes, enquanto as pacientes sofrem com as horas de espera.

Então, você vem para cá, às vezes você tem que passar o dia todo aqui, nem sempre você tem previsões, tem vezes que você chega aqui seis, sete horas da manhã, porque ainda tem os exames, e sai daqui cinco horas da tarde. Quer dizer, seu emocional mexe bastante (P9).

A subcategoria 'Enfrentando dificuldades emocionais para lidar com este perfil de clientela', evidenciou que mesmo com anos de experiência, algumas enfermeiras têm dificuldades em lidar com a paliação. Muitas sofrem com a situação apresentada por pacientes jovens. Sendo assim, pela empatia com cada paciente, tais particularidades desencadeiam sentimento de tristeza.

É horrível! Até hoje eu não lido bem com isso, fico triste, acabo me envolvendo. Quando a paciente some daqui, e percebo que é paliativo, já imagino que não está mais viva. Às vezes, procuro saber se internou e vou visitar, porque eu gosto de criar vínculo. É muito triste chegar no hospital num estágio tão avançado, às vezes tão jovem, até mais nova do que eu, com filho pequeno [...]. E você acaba se colocando no lugar daquela pessoa. Eu acho que é muito triste você ver a sentença de morte na sua frente assim (E7).

A faixa etária das mulheres atualmente é uma característica observada pelas enfermeiras, que desperta sentimentos de vulnerabilidade própria e afeta questões emocionais.

Atualmente a faixa etária da mulher com câncer de mama está cada vez menor [...]. Hoje em dia, vemos mulheres jovens que ainda não casaram, não tiveram filhos ou são mães de filhos pequenos. Então quando vem a questão da paliação é um choque muito grande, porque você sabe que é uma situação que não tem mais retorno [...] (E4).

Elencando estratégias para melhor gerenciar o cuidado

Esta categoria é constituída por uma subcategoria: realizando uma triagem para confirmar a condição de a paciente realizar a quimioterapia naquele dia. Esta acontece sempre antes de um novo ciclo, e compreende uma estratégia administrativa.

No caso, essa consulta subsequente é o que a gente chama de triagem. É quando o paciente volta no segundo momento para o tratamento e aqui a gente faz tipo um 'checklist': se ela teve febre, se no momento está com alguma infecção, alguma lesão. Nesse momento a gente verifica se ela tem condições de fazer a quimioterapia. Logicamente que não somos nós que cancelamos a quimioterapia, mas de acordo com o que a gente observa, examina e diagnostica, a gente pode levar esse problema ao médico e ele sim vai cancelar (E3).

DISCUSSÃO

A gerência do cuidado de enfermagem engloba todas as ações destinadas direta ou indiretamente ao cuidado às pacientes. Nas entrevistas de ambos os grupos amostrais, destacou-se a importância da consulta de enfermagem como ação fundamental para a gerência do cuidado de enfermagem no ambulatório de quimioterapia, sendo importante estratégia tecnológica leve-dura de cuidado com grande potencial de resolutividade.99. Silva JP, Garanhani ML, Peres AM. Sistematização da assistência de enfermagem na graduação: um olhar sob o pensamento complexo. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015; 23(1):59-66.

A categoria 'Gereciando o cuidado no momento da consulta de enfermagem' aborda as ações do enfermeiro ao gerenciar o cuidado de enfermagem à mulher, considerando a importância do momento dedicado a ela na consulta de enfermagem, que deve ser guiada pelas etapas do processo de enfermagem. Assim, tem-se a oportunidade de esclarecer questões relativas à quimioterapia como proposta paliativa, muitas vezes, sendo o primeiro momento de contato entre tais atores; bem como de conscientizar a mulher e contribuir para que seja capaz de cuidar de si.

Sendo assim, a consulta se torna o momento de integração, criação de vínculos e estabelecimento de relações de confiança, o que pode favorecer a adesão ao tratamento. Além disso, é no momento da consulta de enfermagem que as possíveis dúvidas e os protocolos de tratamento são esclarecidos.

Destacou-se, nas entrevistas, a taxonomia utilizada nos diagnósticos e intervenções de enfermagem: a CIPE, que foi criada pelo Conselho Internacional de Enfermeiros, em 1989, devido à necessidade de padronizar a prática da enfermagem em nível mundial. Em assim sendo, a CIPE surgiu com o intuito de ser um instrumento global de informação, facilitando a documentação das ações de enfermagem de forma padronizada, visando à melhoria dos cuidados prestados aos pacientes.1010. Conselho Internacional de Enfermeiros. Linhas de orientação para a elaboração de catálogos CIPE(r). Genebra (CH): Edição Portuguesa - Ordem dos Enfermeiros; 2009.

Na primeira etapa do processo de enfermagem, os enfermeiros evidenciaram a escuta como uma atitude primordial para identificar e perceber os problemas que podem estar afetando a paciente nesta fase. A comunicação é fundamental, valorizando seus meios verbais e não verbais, uma vez que existem necessidades implícitas e que requerem alguma abordagem.

Dentre os diagnósticos de enfermagem, os destaques vão ao encontro das evidências na literatura, como, por exemplo, no caso de mulheres mastectomizadas ou em tratamento quimioterápico, bem como portadoras de câncer avançado. Assim, destacam-se os seguintes diagnósticos: falta de padrão de exercícios, bem-estar psicológico prejudicado, padrão alimentar prejudicado, padrão de sono prejudicado. A fadiga também foi evidenciada como efeito colateral importante no tratamento quimioterápico, capaz de interferir na realização das atividades diárias da mulher.1111. Pisoni AC, Kolankiewicz ACB, Scarton J, Loro MM, Souza MM, Rosanelli CLSP. Dificuldades vivenciadas por mulheres em tratamento para o câncer de mama. Rev Pesq Cuid Fundam [Internet]. 2013 Jul-Set [cited 2014 Aug 8]; 5(3): Available from: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/2029
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As intervenções acontecem de acordo com o problema apresentado por paciente individualmente, sendo assim estas são individuais e variam de acordo com a necessidade de cuidado levantada no momento da consulta ou na ocasião da administração da quimioterapia. Considerando características do atendimento ambulatorial, enfatizou-se a necessidade de orientação adequada, visando à continuidade dos cuidados no domicílio; incentivo à participação da família; e estímulo ao cuidado de si. Estas ações são possíveis a partir do momento que se reconhece a consulta de enfermagem como momento de troca e geração de oportunidade à paciente em adquirir conhecimentos, segurança e satisfação.1111. Pisoni AC, Kolankiewicz ACB, Scarton J, Loro MM, Souza MM, Rosanelli CLSP. Dificuldades vivenciadas por mulheres em tratamento para o câncer de mama. Rev Pesq Cuid Fundam [Internet]. 2013 Jul-Set [cited 2014 Aug 8]; 5(3): Available from: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/2029
http://www.seer.unirio.br/index.php/cuid...
-1212. Oliveira SK, Queiroz APO, Matos DPM, Moura AF, Lima FET. Temas abordados na consulta de enfermagem: revisão integrativa da literatura. Rev Bras Enferm. 2012 Jan-Fev; 65(1):155-61.

Os laços criados na consulta de enfermagem facilitam a retirada de dúvidas por parte das pacientes de modo que se sintam à vontade para exposição das dificuldades enfrentadas, permitindo, assim, que o enfermeiro possa atuar de forma a ajudá-las no enfrentamento deste momento da melhor forma possível. A boa comunicação entre equipe de enfermagem, pacientes e familiares contribui para esta aproximação e para a qualidade do cuidado.1313. Silva MM, Moreira MC, Leite JL, Erdmann AL. Analysis of nursing care and the participation of families in palliative care in cancer. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2012 Jul-Set [cited 2014 Aug 8]; 21(3):658-66. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072012000300022&lng=en&nrm=iso&tlng=en
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...

É de extrema importância que a mulher entenda a proposta do tratamento quimioterápico que será utilizado. Entretanto, quando se trata de um plano de tratamento paliativo, existe, muitas vezes, a dificuldade de entendimento, em especial, quando ela possui baixo nível de escolaridade, influenciando no modo como conduz a sua rotina e seu próprio cuidado no domicílio. Em um estudo realizado sobre o perfil dos pacientes em quimioterapia paliativa verificou-se, quanto à escolaridade, que o maior número de pacientes declarou ter apenas o ensino fundamental (58,5%), enquanto que apenas 10% dos pacientes possuíam ensino superior.1414. Souza RS, Simão DAS, Lima EDRP. Perfil sociodemográfico e clínico de pacientes atendidos em um serviço ambulatorial de quimioterapia paliativa em Belo Horizonte. Rev Min Enferm. 2012 Jan-Mar; 16(1):38-47. Esta informação vai ao encontro das falas das enfermeiras, e é um dado preocupante devido à importância de entendimento por parte das mulheres acerca do tratamento e das orientações que lhes são dadas. Além disso, de acordo com o mesmo estudo, o menor grau de escolaridade está associado a padrões inferiores de cuidado à saúde.

Sobre a relação construída entre o enfermeiro e a paciente, evidenciou-se, nos depoimentos, maior identificação entre eles, do que na relação médico-paciente. Este fato pode estar relacionado ao receio de importunar o médico com perguntas, dificuldade de compreensão pelo uso de termos científicos, e desconhecimento do seu próprio direito em participar. Assim, o enfermeiro assume importante papel, facilitado também por estar mais próximo da paciente. Então, responsabiliza-se pelo fornecimento de informações sobre o tratamento, sobre as drogas específicas que serão utilizadas e os possíveis efeitos colaterais decorrentes da quimioterapia. Além disso, é necessário que os enfermeiros facilitem a retirada de dúvidas, desfazendo medos e tabus acerca da doença e do tratamento quimioterápico. Para isso, a equipe de enfermagem precisa estar preparada para assistir a mulher em sua totalidade, compreendendo o cuidado humanizado e baseado na integralidade.1515. Lima PC, Comassetto I, Faro ACM, Magalhães APN, Monteiro VGN, Silva PSG. O ser enfermeiro de uma central de quimioterapia frente à morte do paciente oncológico. Esc Anna Nery. 2014; 18(3):503-9.

Alguns problemas foram citados pelas enfermeiras e pacientes quanto à realização da gerência e utilização dos serviços de forma adequada. Dentre os problemas citados, a alta demanda de pacientes mostrou ser importante razão para a sobrecarga de trabalho dos enfermeiros, bem como para o atraso no fluxo de atendimento diário. Isto porque o número de pacientes que chega para ser atendido é reflexo direto da situação do câncer no Brasil no âmbito epidemiológico. Nos depoimentos, foi possível perceber que cada vez mais pacientes chegam para receber atendimento no ambulatório, o que eleva a doença a um grande problema de saúde pública e confirma o câncer de mama como o mais frequente entre a população feminina, reforçando a necessidade de detecção precoce e tratamento adequado.11. Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, Coordenação Geral de Ações Estratégicas, Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2014: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 2014.,1616. Kluthcovsky ACGC, Faria TNP, Carneiro FH, Strona R. Câncer de mama feminino: análise da mortalidade no Brasil e regiões. Rev Assoc Med Bras. 2014; 60(4):387-93.

A falta de uma estrutura adequada, que permita fornecer conforto à mulher, dificulta seu relaxamento no momento da administração da quimioterapia. Isto porque o espaço físico do setor é pouco adaptado às necessidades da paciente, impossibilitando, dentre outros aspectos, a presença de um acompanhante. Além disso, o espaço inadequado também dificulta a dinâmica de trabalho da enfermagem.1717. Gomes SFS, Santos MMMCC, Carolino ETMA. Riscos psicossociais no trabalho: estresse e estratégias de coping em enfermeiros em oncologia. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013; 21(6):1282-9.

Apesar de tais dificuldades, o estabelecimento de boas relações contribui para maior tranquilidade no ambiente e vencimento de algumas barreiras, imprimindo certa leveza na rotina diária, o que é reconhecido por meio de elogios. Contudo, as críticas negativas também se fazem muito presentes, sendo a principal queixa, relatada pelas mulheres, o atraso no atendimento, motivo este que gera estresse na relação com os acompanhantes.

Ao longo do curso da doença, a família enfrenta uma sequência de estressores que podem influenciar negativamente nas relações interpessoais, contribuindo para as crises. Sendo assim, a situação estressora relacionada à fase do tratamento quimioterápico, conjugada às demais situações, como as dificuldades do serviço e os atrasos no atendimento, explicam as confusões geradas por acompanhantes junto à equipe. Logicamente que as agressões verbais por parte dos acompanhantes são injustificáveis, mas cabe ao enfermeiro compreender e contextualizar as dificuldades, assumindo-os como parte de todo o processo doença/tratamento e como ícone importante na vida da paciente, favorecendo, assim, a harmonia no ambiente e minimizando sofrimento.1818. Nascimento NA, Castro DS, Bicudo SDS, Amorim MHC. Estratégias de enfrentamento de familiares de mulheres acometidas por câncer de mama. Cienc Cuid Saúde. 2011; 10(4):789-94.

Este tipo de problema relaciona-se, também, ao obstáculo do dimensionamento do quadro de funcionários atual, diante da descomedida demanda do serviço de saúde. Todavia, para alcançar uma assistência de qualidade, a partir do cuidado integral, individual, respeitoso e humanizado, faz-se necessário um número adequado de profissionais, de modo que consigam aplicar os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde, no que se refere, principalmente, à integralidade e à igualdade da assistência.19

Com relação às barreiras na trajetória do cuidado, deve-se atentar para a política de matrícula de novos pacientes, uma vez que a interrupção deste processo pode significar ignorar a necessidade da população. Deve-se, também, pensar estrategicamente a organização dos serviços no que se refere à realização de exames, considerando que a lista de espera, por exemplo, pode mudar o rumo da proposta de tratamento, resultar no diagnóstico tardio da doença e na diminuição da sobrevida, além de gerar estresse e angústia para a mulher. De modo ampliado, as barreiras devem ser consideradas nas políticas públicas de saúde e nos programas de controle do câncer de mama.2020. Gonçalves LLC, Travassos GL, Almeida AM, Guimarães AMD'aN, Gois CFL. Barreiras na atenção em saúde ao câncer de mama: percepção de mulheres. Rev Esc Enferm USP. 2014; 48 (3):394-400.

Os problemas citados nos depoimentos para organização do fluxo de atendimento, relacionados à estruturação da agenda, também causam estresse. Percebe-se que a oferta de serviços é relativamente inferior quando comparada à grande demanda. Sendo assim, é preciso instituir mudanças que gerem melhorias no acesso aos serviços.

O número inadequado de profissionais à demanda do serviço pode gerar sobrecarga de trabalho, estresse e desgaste não só físico, como emocional, conforme relatado nas falas das enfermeiras. Este tipo de problema é intensificado diante de contextos complexos de trabalho, em especial quando se vivencia o processo de morte e morrer.

Assim, diante das falas das enfermeiras, é possível observar a dificuldade em lidar com a situação de paliação e com o prognóstico de morte. Isto ocorre, pois, por serem cuidadoras, prezarem pela vida e terem como meta de trabalho a manutenção desta. Ao verem em suas pacientes o sofrimento e a possibilidade de morte, vêm à tona os sentimentos de tristeza e frustração, por se sentirem incapazes de cumprir tal objetivo. Ficou clara nas entrevistas, a sensação de impotência diante da luta contra o câncer de mama. Este sentimento surge devido à própria formação profissional, que é direcionada à manutenção da vida, não preparando, muitas vezes, para o enfretamento da morte. Sendo assim, o pressentimento de que o comando da situação foi perdido e de que a morte deixará de ser apenas uma possibilidade e passará a ser uma realidade próxima, faz com que o enfermeiro perceba suas limitações e inicie um questionamento sobre suas habilidades profissionais e, até mesmo, sobre sua própria vida.1515. Lima PC, Comassetto I, Faro ACM, Magalhães APN, Monteiro VGN, Silva PSG. O ser enfermeiro de uma central de quimioterapia frente à morte do paciente oncológico. Esc Anna Nery. 2014; 18(3):503-9.

No perfil social das mulheres acometidas pelo câncer de mama, observam-se casos incomuns na faixa etária jovem, assim como podemos observar, no estudo, a minoria das pacientes em tratamento quimioterápico é mais jovem. Entretanto, pacientes jovens com câncer de mama também são uma realidade do serviço e nas estatísticas mundiais. O problema é que, quando comparadas às pacientes acima de 40 anos, as mulheres mais jovens geralmente possuem um pior prognóstico.2121. Pinheiro AB, Lauter DS, Medeiros GC, Cardozo IR, Menezes LM, Souza RMB, et al. Câncer de mama em mulheres jovens: análise de 12.689 casos. Rev Bras Cancerol. 2013; 59(3):351-9.

O outro problema relacionado à entrada de pacientes jovens no serviço é o impacto causado no cuidado. Foi possível observar, nos depoimentos, a dificuldade em lidar com a situação paliativa de pacientes jovens; entretanto, é necessária a capacitação da equipe, pois existe a necessidade dos profissionais de saúde atenderem as necessidades de cuidado das pacientes jovens com câncer de mama.2222. Dolina JV, Bellato R, Araújo LFS. O adoecer e o morrer de mulher jovem com câncer de mama. Ciênc Saúde Coletiva. 2013; 19(8):2671-80.

Na categoria 'Elencando estratégias administrativas para melhor gerenciar o cuidado', destacou-se a realização de uma triagem nos atendimentos subsequentes para confirmar a condição da paciente realizar a quimioterapia naquele dia. Trata-se de uma estratégia administrativa utilizada pelos enfermeiros para melhor organizar o cuidado. Esta consulta subsequente serve como artifício para evitar a interrupção da quimioterapia após seu início, prevenindo assim que uma cadeira seja ocupada por uma paciente que não poderá receber a medicação, o que geraria atrasos nos atendimentos seguintes. Além disso, também previne desconfortos para a paciente, como, por exemplo, no caso da avaliação prévia da rede venosa periférica, impedindo que ela sofra repetidas tentativas de punções caso já seja identificada a impossibilidade da realização deste procedimento.

Em assim sendo, no momento da consulta, o enfermeiro deve estar atento às queixas da paciente, identificando suas necessidades de cuidado para atendê-las da melhor forma possível e incentivar as práticas de cuidado de si, relacionadas, especialmente, ao controle das reações adversas e promoção da qualidade de vida.

Contudo, os fatores impeditivos para realização da quimioterapia, naquele dia, devem ser cuidadosamente administrados e conduzidos, uma vez que a paciente vai ao consultório alimentando a esperança de receber o medicamento, e quando isso não acontece como esperado, pode gerar angústia e medo relacionado à contínua manifestação da doença.

Portanto, faz-se necessário que o enfermeiro possua aptidão e conhecimento para avaliação das condições clínicas da paciente e tomada de decisão, junto à equipe médica, no que se refere à liberação ou não da administração da quimioterapia naquele determinado momento, tendo como foco a qualidade de vida da mulher e a melhora do seu estado geral.2323. Souza CA, Jericó MC, Perroca MG. Mensuração de carga de trabalho de enfermeiros em ambulatório de oncologia. Rev Esc Enferm USP. 2014; 48(1):97-103.

CONCLUSÃO

O estudo apresentou resultados que representam a realidade observada no cenário de pesquisa, evidenciando a importância do enfermeiro na gerência do cuidado à paciente com câncer de mama avançado em quimioterapia paliativa, seja na assistência direta, no momento da consulta de enfermagem ou durante a administração de quimioterapia, seja na assistência indireta, através da organização do ambiente e do fluxo de atendimento.

O enfermeiro, por estar mais próximo da paciente, tem oportunidade de conhecer suas fragilidades e dificuldades, bem como, por meio da sensibilidade e do conhecimento técnico-científico, de perceber até que ponto a mulher tem condições de receber a quimioterapia.

Os problemas apresentados para realização adequada da gerência do cuidado de enfermagem referem-se às dificuldades institucionais relacionadas ao déficit de recursos humanos, físicos e estruturais e à alta demanda de pacientes.

O estudo apresentou como limitação o fato de a pesquisa retratar apenas a realidade de um único contexto, o que demanda ampliações futuras, incorporando, inclusive, perspectivas de outros profissionais.

Sugere-se, então, avanço na pesquisa de modo a investigar outras realidades; a validação dos dados, objetivando o atendimento das necessidades da mulher, para que sua qualidade de vida não deixe de ser uma prioridade; e a possibilidade de integração precoce entre a oncologia e os cuidados paliativos, de modo a facilitar o alcance deste objetivo.

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    Artigo extraído da dissertação - A gerência do cuidado de enfermagem à paciente com câncer de mama avançado em quimioterapia paliativa, apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2015
  • Aceito
    12 Jun 2016
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