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ADAPTAÇÃO TRANSCULTURAL E EVIDÊNCIAS DE VALIDAÇÃO DA PERINATAL GRIEF SCALE1 1 Texto extraído da tese - Luto por óbito fetal: estudo comparativo entre Brasil e Canadá, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá (UEM), em 2015.

RESUMO

Objetivo:

realizar a adaptação transcultural e evidências de validação da Perinatal Grief Scale para português do Brasil e francês do Canadá.

Método:

estudo metodológico, envolvendo aplicação da Perinatal Grief Scale a partir do conjunto de procedimentos de adaptação transcultural. A população foram todas as mulheres que tiveram óbito fetal no ano de 2013 residentes no município de Maringá, Paraná, Brasil e por participantes do Centre d'Études et de Recherche en Intervention Familiale, Université du Québec en Outaouais, Canadá.

Resultados:

a escala nas versões português e francês mostrou-se confiável nas duas populações. O coeficiente alfa de Cronbach na escala aplicada no Brasil foi de 0,93 e na aplicada no Canadá foi de 0,94. Apenas na versão português, quatro itens não se correlacionaram com a escala total.

Conclusão:

a Perinatal Grief Scale pode ser utilizada para identificação do estado de luto em mulheres que tiveram óbito fetal, na respectiva versão de cada país.

DESCRITORES:
Óbito fetal; Luto; Psicometria; Estudos de validação; Enfermagem.

ABSTRACT

Objective:

to carry out cross-cultural adaptation and validation of evidence Perinatal Grief Scale into Portuguese of Brazil and French of Canada languages.

Method:

a methodological study involving application of Perinatal Grief Scale from the set of cross-cultural adaptation procedures. The population was all women that had stillbirth in the year 2013 residents in the municipal district of Maringa-Brazil and participants of the Centre d'Etudes et de Recherche en Intervention Familiale, University of Quebec, Outaouais, Canada.

Results:

the scale versions in Portuguese and French was reliable in the two populations. The Cronbach's alpha coefficient in the scale applied in Brazil was of 0.93 and applied in Canada was of 0.94. Only the Portuguese version, four items were not correlated with the total scale.

Conclusion:

the Perinatal Grief Scale can be used to identify the grief state in women that had stillbirth, in its version of each country.

DESCRIPTORS:
Fetal death; Grief; Psychometrics; Validation studies; Nursing.

RESUMEN

Objetivo:

realizar la adaptación transcultural y validación de pruebas de la Perinatal Grief Scale para el portugués Brasil y Canadá francés.

Metodo:

estudio metodológico, con aplicación de Escala de Duelo Perinatal desde el conjunto de procedimientos de adaptación transcultural. La populación fue compuesta por todas las mujeres que tuvieron óbito fetal en el año de 2013 vecinas en el municipio de Maringá-Brasil y participantes del Centre d'Études et de Recherche en Intervention Familiale en la Université du Québec en Outaouais - Canadá.

Resultados:

la escala en las versiones en portugués y francés demostró para ser confiable en las dos poblaciones. Coeficiente alfa de Cronbach de la escala aplicada en Brasil fue de 0,93 y aplicada en Canadá fue 0.94. Versión portuguesa, cuatro elementos no correlacionan con la escala total.

Conclusión:

la Perinatal Grief Scale puede utilizarse para identificar el estado de duelo en mujeres que tenían la muerte fetal, en su versión de cada país.

DESCRIPTORES:
Muerte fetal; Pesar; Psicometría; Estudios de validación; Enfermería.

INTRODUÇÃO

No mundo, a cada ano, aproximadamente três milhões de gestações terminam em óbito fetal,11 Lawn JE, Blencowe H, Waiswa P, Amouzou A, Mathers C, Hogan D, et al. Stillbirths: rates, risk factors, and acceleration towards 2030. Lancet. 2016; 6736(15):837-5. devido a complicações no parto, infecções na gestação, doenças maternas relacionadas, principalmente, à hipertensão e diabetes, malformações congênitas e restrição do crescimento fetal.22 Lawn JE, Blencowe H, Pattinson R, Cousens S, Kumar R, Ibiebele I, et al. Lancet's Stillbirths Series steering committee. Stillbirths: Where? When? Why? How to make the data count? Lancet. 2011; 377(9775):1448-63.

Os óbitos fetais ocorrem, na maioria das vezes, em países de baixa e média renda, como o sudeste da Ásia e África subsaariana, que apresentam os países com maior taxa de natimortalidade, mais de 30 natimortos por mil nascimentos. Outros países estão em processo evolutivo de diminuição, como o Brasil, que tem a variação de cinco a dez natimortos por mil nascimentos conforme a região. Dentre as melhores situações é para o Canadá, com até cinco natimortos por mil nascimentos.11 Lawn JE, Blencowe H, Waiswa P, Amouzou A, Mathers C, Hogan D, et al. Stillbirths: rates, risk factors, and acceleration towards 2030. Lancet. 2016; 6736(15):837-5.

A realidade do óbito fetal apresenta aspectos que ainda precisam ser discutidos, como a questão da perda e do luto para a mulher. Estudos demonstram que a aceitação da perda é difícil para muitas mulheres, e estas podem passar por intenso sofrimento e trauma emocional, gerando perturbações psicológicas,33 Kersting A, Wagner B. Complicated grief after perinatal loss. Dialogues in Clin Neurosci. 2012; 14(2):187-94. como o luto complicado,44 González CM, Bello NC, Calva EA, López MEG, Pichardo MAS. Escala de duelo perinatal validacion em mujeres mexicanas com pérdida gestacional. Rev. Latino-am. Psicol. [Internet]. 2011 [cited 2015 Aug 7]; 11(3):419-28. Available from: http://www.scielo.org.co/pdf/rlps/v43n3/v43n3a03.pdf
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que necessita de tempo e ajuda para superá-lo33 Kersting A, Wagner B. Complicated grief after perinatal loss. Dialogues in Clin Neurosci. 2012; 14(2):187-94. na incompreensão do nascimento de um filho sem sinais de vida.55 Scott J. Stillbirth: breaking the silence of a hidden grief. Lancet. 2011; 377(9775):1386-8.

O luto é uma reação normal, universal e habitual em relação à uma perda significativa. No entanto, é caracterizado em luto complicado quando o indivíduo manifesta um processo do luto excessivo, persitente, angustiante e incapacitante, tornando-se um grave problema de saúde pública, que reflete sobre a pessoa, família e sociedade.66 Adolfsson A. Meta-analysis to obtain a scale of psychological reaction after perinatal loss: focus on miscarriage. Psychol Res Behav Manag. 2011; 4:29-39. O luto complicado foi recentemente reconhecido como um transtorno mental, e proposto sua introdução nos diagnósticos da 5ª e última edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), e na próxima Classificação Internacional de Doenças (CID-11).77 Prigerson HG, Horowitz MJ, Jacobs SC, Parkes CM, Aslan M, Goodkin K, et al. (2009) Prolonged grief disorder: Psychometric validation of criteria proposed for DSM-V and ICD-11. PLos One Med [Internet]. 2009 [cited 2015 Aug 7]; 6(8): e1000121. Available from: http://journals.plos.org/plosmedicine/article/asset?id=10.1371/journal.pmed.1000121.PDF
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A perda de um filho antes de nascer é uma das situações de maior ocorrência para o processo de luto complicado, e ser elaborada ao nível imaginário, pois não existiu uma criança para ouvir chorar, não há memórias e nem experiências de vida partilhadas. É uma contradição da denominada "ordem natural da vida", os filhos morrerem antes dos pais, pois foram meses de planejamento e expectativas para o nascimento de um filho morto.55 Scott J. Stillbirth: breaking the silence of a hidden grief. Lancet. 2011; 377(9775):1386-8.

Para a identificação do luto por óbito fetal, são necessários instrumentos confiáveis44 González CM, Bello NC, Calva EA, López MEG, Pichardo MAS. Escala de duelo perinatal validacion em mujeres mexicanas com pérdida gestacional. Rev. Latino-am. Psicol. [Internet]. 2011 [cited 2015 Aug 7]; 11(3):419-28. Available from: http://www.scielo.org.co/pdf/rlps/v43n3/v43n3a03.pdf
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e adaptados no contexto cultural da população investigada, para assegurar o tempo adequado de identificação e suporte.88 Fenstermacher K, Hupcey JE. Perinatal bereavement: a principle-based concept analysis. J Adv Nurs. 2013; 69(11):2389-400. O instrumento de identificação do luto destinado às mulheres que tiveram aborto, óbitos fetal e neonatal mais utilizado e que mede com mais precisão é a versão curta da Perinatal Grief Scale (em português Escala de Luto Perinatal - ELP).44 González CM, Bello NC, Calva EA, López MEG, Pichardo MAS. Escala de duelo perinatal validacion em mujeres mexicanas com pérdida gestacional. Rev. Latino-am. Psicol. [Internet]. 2011 [cited 2015 Aug 7]; 11(3):419-28. Available from: http://www.scielo.org.co/pdf/rlps/v43n3/v43n3a03.pdf
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A ELP originalmente na língua inglesa, foi primeiramente aplicada em uma população da Pensilvânia, nos Estados Unidos,99 Potvin L, Lasker JN, Toedter LJ. Measuring grief: A short version of Perinatal Grief Scale. J Psychopathol Behav Assess. 1989 [cited 7 Aug 2015]; 11:29-45. Available from: http://link.springer.com/article/10.1007%2FBF00962697
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e tem sido utilizada em várias pesquisas de diversos países do mundo, os mais recentes na República Tcheca,1010 Ratislavová K, Kalvas F, Beran J. Validation of the czech version of the perinatal grief scale. Cent Eur J Nurs Midw [Internet]. 2015 [cited 2015 Aug 7]; 6(1):191-200. Available from: http://periodika.osu.cz/cejnm/dok/2015-01/3-ratislavova-kalvas-beran.pdf
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Estado Unidos,1111 Johnson OP, Langford RW. A randomized trial of a bereavement intervention for pregnancy loss. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs. 2015; 44(4):492-9. Índia,1212 Roberts LR, Lee JW. Autonomy and social norms in a three factor grief model predicting perinatal grief in India. Health Care Women Int. 2014; 35(3):285-99. e México.44 González CM, Bello NC, Calva EA, López MEG, Pichardo MAS. Escala de duelo perinatal validacion em mujeres mexicanas com pérdida gestacional. Rev. Latino-am. Psicol. [Internet]. 2011 [cited 2015 Aug 7]; 11(3):419-28. Available from: http://www.scielo.org.co/pdf/rlps/v43n3/v43n3a03.pdf
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Diante da literatura, para uma compreensão do processo do luto vivido pelas mulheres após óbito fetal, este estudo teve como objetivo realizar a adaptação transcultural e evidências de validação da Perinatal Grief Scale para português do Brasil e francês do Canadá. Visando assegurar o processo de identificação do estado de luto de mulheres que tiveram óbito fetal, em dois países distintos que utilizaram pela primeira vez a ferramenta, e uma qualificação profissional especializada na área por meio de convênio entre Universidades dos dois países. A exemplo do Canadá, infelizmente, no Brasil ainda não existe uma proposta organizada de política pública dos grupos profissionais de apoio de referência para essas mulheres.

MÉTODO

Estudo metodológico, envolvendo aplicação da ELP a partir do conjunto de procedimentos de tradução e adaptação transcultural de instrumentos autoaplicáveis,1313 Beaton DEB, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000; 25(24):3186-91. de modo a garantir a equivalência linguística, cultural e métrica dos conceitos em estudo.

A população do estudo foi determinada por conveniência com o censo de mulheres que tiveram óbito fetal no ano de 2013 residentes no município de Maringá (PR), na Região Sul do Brasil, e as participantes do Centre d'Études et de Recherche en Intervention Familiale (CERIF), Université du Québec en Outaouais (UQO), em Gatineau, Canadá. O CERIF é uma referência desde 2010, com as principais intervenções de acompanhamento grupal aos pais que vivenciaram uma perda perinatal, encontros contínuos com profissionais que atuam diretamente no momento do óbito do bebê, e capacitação de profissionais e estudantes, canadenses e estrangeiros, para posterior atuação profissional no luto perinatal de famílias.

O CERIF atende anualmente aproximadamente 250 mulheres que vivenciaram uma perda perinatal, acompanhadas ou não do companheiro, sua mãe ou outras pessoas próximas, participando pela primeira vez ou retornando para continuação da assistência pelo grupo profissional de apoio.

No Brasil, o atendimento puerperal gratuito após alta hospitalar, é disponível nas Unidades Básicas de Saúde, com remuneração pelo sistema público de saúde ou em consultórios privados, quando as consultas são pagas diretamente pela cliente ou indiretamente, por meio de convênios médicos ou sistema de seguro saúde. Ainda que, no Brasil ocorra o aprimoramento das informações dos óbitos fetais por meio da investigação dos Comitês de Mortalidade Fetal e Infantil, ao contrário do Canadá, no Brasil com relação a assistência ao estado de luto após óbito fetal, ainda são poucas e isoladas as referências de apoio profissional a essas mulheres.

No município de Maringá, a partir do endereço da declaração de óbito, foram excluídas quatro mulheres, por não residirem no endereço informado, totalizando 26. Para o município de Gatineau, dentre as mulheres que participaram do CERIF, 18 tiveram óbito fetal.

Para a coleta de dados, foi utilizada, conforme língua oficial de cada país, uma ficha de caracterização das mulheres com as variáveis idade, situação conjugal, duração da gestação e planejamento da gravidez, e a ELP nas versões em português ou francês.

Instrumento

A ELP é composta de 33 afirmações psicométricas, divididas em três subescalas, que pretendem avaliar pensamentos, sentimentos atuais e sintomatologia de adaptação da perda da mulher em relação ao óbito fetal.99 Potvin L, Lasker JN, Toedter LJ. Measuring grief: A short version of Perinatal Grief Scale. J Psychopathol Behav Assess. 1989 [cited 7 Aug 2015]; 11:29-45. Available from: http://link.springer.com/article/10.1007%2FBF00962697
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Para avaliação das características pscicométricas, a ELP envolve uma escala do tipo Likert, com cinco opções de resposta, variando de 1 a 5 pontos, correspondendo, respectivamente, a "concordo totalmente", "concordo parcialmente", "não concordo e nem discordo", "discordo parcialmente" e "discordo totalmente". Para cálculo da contagem total da ELP, somente nas afirmações "é ótimo estar viva" e "sinto que me adaptei bem à perda", não inverteu-se a ordem da pontuação na escala Likert.

Cada subescalas da ELP têm 11 afirmações e escores mínimo de 11 pontos e máximo de 55 pontos cada. A soma das três subescalas varia, então, de 33 a 165 pontos.

Processo de tradução e adaptação transcultural

A fim de assegurar a adequação da ELP na versão em português e francês, foi utilizado o referencial metodológico de adaptação transcultural de instrumentos,1313 Beaton DEB, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000; 25(24):3186-91. conforme etapas percorridas a seguir.

Primeiramente, foi solicitada permissão aos autores para tradução da versão original em inglês para português e francês.99 Potvin L, Lasker JN, Toedter LJ. Measuring grief: A short version of Perinatal Grief Scale. J Psychopathol Behav Assess. 1989 [cited 7 Aug 2015]; 11:29-45. Available from: http://link.springer.com/article/10.1007%2FBF00962697
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Os autores responderam que a ELP fazia parte de domínio público e autorizaram a tradução, que foi realizada por dois tradutores em cada idioma, sendo um especialista na área de saúde e informado sobre o tema da pesquisa e outro tradutor juramentado, não conhecedor da área e sem informação da pesquisa.

As traduções foram reconciliadas pelos dois tradutores de cada idioma e por um pesquisador do estudo para identificação das discordâncias e realização de um consenso da primeira versão em português e francês da ELP. Na sequência, realizou-se a retrotradução por dois tradutores de cada idioma não conhecedores da área de saúde e sem informações da pesquisa para o idioma inglês.

Na sequência, foi feita a versão por um comitê de juízes especialistas, composto especificamente para cada idioma pelos dois tradutores, dois retrotradutores, dois autores da pesquisa, dois observadores (mulheres leigas que tiveram óbito fetal), quatro enfermeiras especialistas em obstetrícia com experiência em pesquisa na área da saúde materna e construção de questionários e dois profissionais de linguística específico de cada idioma. O consenso do comitê de juízes especialistas, foi a partir das versões de traduções, reconciliação e retrotraduções e baseado na equivalência semântica, cultural, conceitual e coloquial da língua oficial de cada país. Todos os itens foram considerados absolutamente equivalentes, com concordância de 100% e compreensíveis a cultura de cada país.

A versão final do instrumento foi submetida ao pré-teste com todas as mulheres que tiveram óbito fetal no ano de 2013, residentes no município de Maringá (n=26), e as canadenses participantes do CERIF (n=18). A coleta de dados foi realizada por uma enfermeira especialista na área de obstetrícia, em ambiente privado com duração média de 12 min cada. A compreensão da ELP pelas mulheres foi adequada tem visto que todas participantes responderam que não tiveram nenhuma dúvida na indagação das proposições ao finalizar a pesquisa.

Com as respostas dos instrumentos, foi analisada as propriedades psicométricas da escala, ou seja, confirmar se mede o que propõe. Para viabilizar evidências de validação da ELP, foram realizados os testes estatísticos mais comumente utilizados, a confiabilidade pelo coeficiente alfa de Cronbach e do item correlação total escala pelo programa estatístico Statistica. Por fim, foi feita uma auditoria de todas as etapas recomendadas e análise dos resultados estatísticos pelos autores da pesquisa.

O estudo seguiu as normas de pesquisa envolvendo seres humanos conforme Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá, sob o parecer 407.840/2013 (CAAE 20291013.3.0000.0104).

RESULTADOS

As duas versões traduzidas da ELP para o português resultaram em diferenças quanto à utilização do pronome "eu". O tradutor da área de saúde, conhecedor do tema de pesquisa, utilizou o pronome, e o tradutor juramentado, desinformado da área e tema da pesquisa, não utilizou. Na versão reconciliada das traduções, pela gramática brasileira subentender a primeira pessoa, os itens 2, 3, 4, 5, 6, 8, 9, 12, 13, 14, 15, 16, 18, 19, 21, 23 e 27 não iniciaram com o pronome "eu" e, em alguns casos, foi inserido o pronome reflexivo "me" nos itens 1, 11, 17, 20, 24, 25, 26, 29, 30 e 32, para indicar que a ação do sujeito se volta para ele mesmo, ou seja, refletia nele próprio.

As duas retrotraduções para a língua brasileira apresentaram proposições semelhantes com a escala original; por esse resultado, não foram encaminhadas aos autores da versão original em inglês.

No comitê de juízes especialistas, devido à cultura popular brasileira, o feto dentro do útero é chamado de "bebê", sendo mantido o termo "bebê" na tradução para o português, nos itens 3, 4, 6, 7, 8, 10, 16, 21, 24, 25, 28 e 29. Para focalizar a perda fetal, foi padronizado o termo "bebê" ("perda do bebê na gravidez") quando, na escala original, apareciam os termos "ele" ou "ela", itens 9, 11 e 30. Nas opções das respostas, foi acrescentado "parcialmente" às palavras isoladas "concordo" ou "discordo".

As duas versões traduzidas da ELP para o francês resultaram em diferença com relação à expressão americana "second-class citizen". O tradutor da área de saúde, conhecedor do tema de pesquisa, manteve a estrutura gramatical mais próxima da tradução literária. O tradutor desinformado da área e do tema da pesquisa adequou a expressão ao significado de ter menos valor para a sociedade ("33. d'avoir moins de valeur pour la société"). Na versão reconciliada das traduções, foi consenso a adequação da expressão, na busca de melhor entendimento para os entrevistados.

No comitê de juízes, para a população canadense quebequense, foi normatizado o acréscimo no item em francês "6. sinto muita falta do bebê" a expressão "do bebê que eu não tive" para melhor compreensão das entrevistadas. Nas opções das respostas, para o item não concordo e nem discordo" foi adequado para "indeciso".

As versões finais da ELP em português do Brasil e em francês do Canadá são apresentadas no quadro 1.

Quadro 1
Versões finais da adaptação transcultural da Escala de Luto Perinatal português do Brasil e francês do Canadá

Quanto à mensuração do nível do luto por óbito fetal nas duas populações, a ELP se comportou confiável, com coeficiente alfa de Cronbach de 0,93 na ELP global aplicada no Brasil e de 0,94 na ELP global aplicada no Canadá (Quadro 2).

Quadro 2
Confiabilidade e correlação do item com o escorre total escala, segundo dimensões da escala, nas versões em português do Brasil e em francês do Canadá

Em relação à correlação de cada item com o total da escala, foi encontrada uma diferença nas populações estudadas. Na população brasileira, as proposições "3. sinto necessidade de falar sobre o bebê", "6. sinto muita falta do bebê", "23. tomo remédio para os nervos" e "24. sinto-me culpada quando penso no bebê" não obtiveram bons níveis de colaboração com a escala para a identificação no luto em relação aos outros itens.

Por outro lado, se a análise item-correlação total permitiu identificar quais itens eram considerados mais importantes para assegurar maior confiabilidade à escala, especificamente para a população brasileira, os itens que permaneceram no questionário, sob pena de redução da confiabilidade do questionário trataram-se das afirmações "8. fico incomodada quando penso no bebê"; "10. o tempo passa muito devagar desde que o bebê morreu"; "13 .não consigo dar conta das minhas atividades habituais"; "20. sinto-me um tanto afastada e distante, mesmo entre amigos"; "27. tento rir, mas não acho graça de mais nada".

Na ELP na versão em francês do Canadá, analisando cada item e sua correlação total com a escala, todos os itens colaboraram bem com o constructo, não resultando nenhum item de correlação muito baixa.

Os itens que continuaram no questionário para a população quebequense, sob pena de redução da confiabilidade do questionário a sua retirada, foram as afirmações "11. sinto-me muito só desde que o bebê morreu"; "20. sinto-me um tanto afastada e distante, mesmo entre amigos"; "21. tem sido difícil tomar decisões desde que o bebê morreu"; "30. sinto-me sem valor desde que o bebê morreu"; "32. preocupo-me sobre como será o meu futuro".

Características das participantes e os escores da Escala de Luto Perinatal nas duas versões

Com relação às características das brasileiras, a média da idade foi 29 anos (desvio padrão de 7,6; variação de 16 a 43), 84% tinham companheiro, a média da duração da gestação foi 30 semanas (desvio padrão de 6,0; variação de 21 a 39) e apenas 35% planejaram a gravidez. Para as canadenses, as características foram idade média de 31 anos (desvio padrão de 3,7; variação de 25 a 38), 100% tinham companheiro e planejaram a gestação, e a média da duração da gestação foi de 26 semanas (desvio padrão de 6,7; variação de 20 a 37).

A ELP, nas versões em português do Brasil e francês do Canadá, apresentou média de escore do luto para as brasileiras de 81±28 pontos (mínimo de 52 e máximo de 136) e para as canadenses de 68±23 pontos (mínimo de 33 e máximo de 119). Na versão da ELP do Brasil, a subescala "sofrimento ativo" apresentou média de escore de 34±8 pontos (mínimo de 22 e máximo de 54), a subescala "dificuldade de enfrentar a situação" apresentou média de escore de 23±11 pontos (mínimo de 11 e máximo de 46), e a subescala "desespero" apresentou média de escore de 23±10 pontos (mínimo de 11 e máximo de 42).

Na versão da ELP do Canadá, a subescala "sofrimento ativo" apresentou média de escore de 29±9 pontos (mínimo de 11 e máximo de 51), a subescala "dificuldade de enfrentar a situação" apresentou média de escore de 18±8 pontos (mínimo de 11 e máximo de 39), e a subescala "desespero" apresentou média de escore de 21±8 pontos (mínimo de 11 e máximo de 38).

DISCUSSÃO

A adaptação transcultural da ELP deste estudo permitiu a inserção de aplicação da escala nos serviços de saúde para o reconhecimento do processo de luto nas mulheres que tiveram óbito fetal. Sua utilização ajudou a ter uma melhor identificação do sofrimento das mães enlutadas,44 González CM, Bello NC, Calva EA, López MEG, Pichardo MAS. Escala de duelo perinatal validacion em mujeres mexicanas com pérdida gestacional. Rev. Latino-am. Psicol. [Internet]. 2011 [cited 2015 Aug 7]; 11(3):419-28. Available from: http://www.scielo.org.co/pdf/rlps/v43n3/v43n3a03.pdf
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,99 Potvin L, Lasker JN, Toedter LJ. Measuring grief: A short version of Perinatal Grief Scale. J Psychopathol Behav Assess. 1989 [cited 7 Aug 2015]; 11:29-45. Available from: http://link.springer.com/article/10.1007%2FBF00962697
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10 Ratislavová K, Kalvas F, Beran J. Validation of the czech version of the perinatal grief scale. Cent Eur J Nurs Midw [Internet]. 2015 [cited 2015 Aug 7]; 6(1):191-200. Available from: http://periodika.osu.cz/cejnm/dok/2015-01/3-ratislavova-kalvas-beran.pdf
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11 Johnson OP, Langford RW. A randomized trial of a bereavement intervention for pregnancy loss. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs. 2015; 44(4):492-9.
-1212 Roberts LR, Lee JW. Autonomy and social norms in a three factor grief model predicting perinatal grief in India. Health Care Women Int. 2014; 35(3):285-99. possibilitou abordagem do enfermeiro na investigação do luto em decorrência do óbito fetal e aumentou a qualidade da assistência psicossocial.

No processo de adaptação transcultural da escala em estudos anteriores,1010 Ratislavová K, Kalvas F, Beran J. Validation of the czech version of the perinatal grief scale. Cent Eur J Nurs Midw [Internet]. 2015 [cited 2015 Aug 7]; 6(1):191-200. Available from: http://periodika.osu.cz/cejnm/dok/2015-01/3-ratislavova-kalvas-beran.pdf
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também foram realizadas modificações nas expressões conforme a identidade cultural de cada população.44 González CM, Bello NC, Calva EA, López MEG, Pichardo MAS. Escala de duelo perinatal validacion em mujeres mexicanas com pérdida gestacional. Rev. Latino-am. Psicol. [Internet]. 2011 [cited 2015 Aug 7]; 11(3):419-28. Available from: http://www.scielo.org.co/pdf/rlps/v43n3/v43n3a03.pdf
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,99 Potvin L, Lasker JN, Toedter LJ. Measuring grief: A short version of Perinatal Grief Scale. J Psychopathol Behav Assess. 1989 [cited 7 Aug 2015]; 11:29-45. Available from: http://link.springer.com/article/10.1007%2FBF00962697
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-1010 Ratislavová K, Kalvas F, Beran J. Validation of the czech version of the perinatal grief scale. Cent Eur J Nurs Midw [Internet]. 2015 [cited 2015 Aug 7]; 6(1):191-200. Available from: http://periodika.osu.cz/cejnm/dok/2015-01/3-ratislavova-kalvas-beran.pdf
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Por exemplo, contestaram em relação às subescalas acrescentando itens para culpa,1010 Ratislavová K, Kalvas F, Beran J. Validation of the czech version of the perinatal grief scale. Cent Eur J Nurs Midw [Internet]. 2015 [cited 2015 Aug 7]; 6(1):191-200. Available from: http://periodika.osu.cz/cejnm/dok/2015-01/3-ratislavova-kalvas-beran.pdf
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depressão, luto ativo e aceitação,44 González CM, Bello NC, Calva EA, López MEG, Pichardo MAS. Escala de duelo perinatal validacion em mujeres mexicanas com pérdida gestacional. Rev. Latino-am. Psicol. [Internet]. 2011 [cited 2015 Aug 7]; 11(3):419-28. Available from: http://www.scielo.org.co/pdf/rlps/v43n3/v43n3a03.pdf
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e/ou modificando as proposições para sentimento de inutilidade, isolamento social e de recolhimento doloroso;1010 Ratislavová K, Kalvas F, Beran J. Validation of the czech version of the perinatal grief scale. Cent Eur J Nurs Midw [Internet]. 2015 [cited 2015 Aug 7]; 6(1):191-200. Available from: http://periodika.osu.cz/cejnm/dok/2015-01/3-ratislavova-kalvas-beran.pdf
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para as populações deste estudo, pela confiabilidade apresentada em cada subescala, permaneceram as três subescalas propostas pelo instrumento original.99 Potvin L, Lasker JN, Toedter LJ. Measuring grief: A short version of Perinatal Grief Scale. J Psychopathol Behav Assess. 1989 [cited 7 Aug 2015]; 11:29-45. Available from: http://link.springer.com/article/10.1007%2FBF00962697
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Outras modificações se deram nas opções das respostas original para "definitivamente sim", "provavelmente sim", "provavelmente não" e "definitivamente não", e eliminaram a opção de resposta central da escala, pela alta proporção de respostas.44 González CM, Bello NC, Calva EA, López MEG, Pichardo MAS. Escala de duelo perinatal validacion em mujeres mexicanas com pérdida gestacional. Rev. Latino-am. Psicol. [Internet]. 2011 [cited 2015 Aug 7]; 11(3):419-28. Available from: http://www.scielo.org.co/pdf/rlps/v43n3/v43n3a03.pdf
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Para a população da República Tcheca foi adaptado para "eu não sei".1010 Ratislavová K, Kalvas F, Beran J. Validation of the czech version of the perinatal grief scale. Cent Eur J Nurs Midw [Internet]. 2015 [cited 2015 Aug 7]; 6(1):191-200. Available from: http://periodika.osu.cz/cejnm/dok/2015-01/3-ratislavova-kalvas-beran.pdf
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A confiabilidade dos instrumentos medidos pelo alfa de Cronbach foi considerada satisfatória, em razão dos valores acima de 0,80, e condizentes com os resultados dos estudos realizados na República Tcheca (α=0,95),1010 Ratislavová K, Kalvas F, Beran J. Validation of the czech version of the perinatal grief scale. Cent Eur J Nurs Midw [Internet]. 2015 [cited 2015 Aug 7]; 6(1):191-200. Available from: http://periodika.osu.cz/cejnm/dok/2015-01/3-ratislavova-kalvas-beran.pdf
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Índia (α=0,91),12 México (α=0,85).44 González CM, Bello NC, Calva EA, López MEG, Pichardo MAS. Escala de duelo perinatal validacion em mujeres mexicanas com pérdida gestacional. Rev. Latino-am. Psicol. [Internet]. 2011 [cited 2015 Aug 7]; 11(3):419-28. Available from: http://www.scielo.org.co/pdf/rlps/v43n3/v43n3a03.pdf
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Os valores do alfa de Cronbach asseguraram a confiabilidade da ELP em sua dimensão geral e nas três subescalas isoladamente, quando, por questões de natureza clínica, houver necessidade de considerar as subescalas em separado. Recomenda-se, entretanto, a utilização em conjunto das três dimensões, que incluem sofrimento ativo, dificuldade de enfrentamento e desespero, para adequada identificação do luto.

Os itens da população brasileira que não obtiveram bons níveis de colaboração com a escala para a identificação no luto em relação aos outros itens, considerando que apresentaram valores menores do mínimo (0,200) recomendado, foi devido as mulheres com e sem luto complicado responderam de maneira igual as questões, e consequentemente a baixa correlação do item com a escala. Na população mexicana, foram os itens "tenho pensado em suicídio desde a perda", "parece que somente existo e não estou viva de verdade desde que o bebê morreu" e "é melhor não amar" que não colaboraram.44 González CM, Bello NC, Calva EA, López MEG, Pichardo MAS. Escala de duelo perinatal validacion em mujeres mexicanas com pérdida gestacional. Rev. Latino-am. Psicol. [Internet]. 2011 [cited 2015 Aug 7]; 11(3):419-28. Available from: http://www.scielo.org.co/pdf/rlps/v43n3/v43n3a03.pdf
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Acredita-se que os itens "sinto necessidade de falar sobre o bebê" e "sinto muita falta do bebê" não colaboraram com a escala devido as questões culturais de cada país. No Brasil, pelo fato da ausência de assistência profissional em ouvir as necessidades das mulheres e a falta de contato da mulher com o bebê. Observou-se que na adaptação para o francês do Canadá essas proposições tiveram dependência com a escala total e as mulheres são ouvidas pelos profissionais e estimulas a ter contato com o bebê mesmo quando não desejam.1414 Paris GF. Luto por óbito fetal: estudo comparativo entre mulheres brasileiras e canadenses [tese]. Maringá (PR): Universidade Estadual de Maringá. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2015.

Além disso, pelo presente estudo relacionar apenas óbito fetal, e a escala, em sua versão original, é também direcionada para mulheres que tiveram óbito neonatal, ou seja, aquelas que tiveram um bebê além do imaginário e com maiores possibilidades de terem visto e/ou pegado no colo. Sugere-se na ELP para as mulheres que tiveram óbito fetal o acréscimo de "o bebê que eu não tive" em cada afirmação para melhor adequação no contexto, como identificado nos melhores resultados da escala do Canadá que utilizou este acréscimo.

A baixa correlação da proposição "tomo remédio para os nervos" demonstrou que as mulheres com luto complicado, que provavelmente necessitariam de algum tratamento, estavam desassistidas, pelas mulheres sem luto complicado terem respondido igualmente e assim apresentar baixa correlação deste item com a escala. Em algumas populações, a busca por profissionais na área de saúde mental ainda é um estigma.1515 Ahmedani BK. Mental Health Stigma: Society, Individuals, and the Profession. J Soc Work Values Ethics. 2011; 8(2):1-14.

Para a população brasileira, a palavra "culpa", no item "sinto-me culpada quando penso no bebê", provavelmente é devido a falta de assistência profissional em explicar o possível motivo da ocorrência do óbito,1414 Paris GF. Luto por óbito fetal: estudo comparativo entre mulheres brasileiras e canadenses [tese]. Maringá (PR): Universidade Estadual de Maringá. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2015. criando assim dúvidas nas mulheres em relação as condutas que tiveram e relacioná-las a causa do óbito. No Brasil, apenas nos casos de anencefalia que pode-se interromper uma gestação, assim para a mulher a não explicação quanto a razão da perda pode evoluir para um sentimento de culpa em relação ao óbito do bebê e relacionar ao crime por aborto; no Canadá, o aborto não é caracterizado como crime. Outro estudo utilizando a ELP também chamou a atenção para o estado de culpa que, juntamente da depressão, explicaram a maior variância dos casos de luto. Atribuindo a necessária observação do luto patológico nos casos de culpa e depressão.44 González CM, Bello NC, Calva EA, López MEG, Pichardo MAS. Escala de duelo perinatal validacion em mujeres mexicanas com pérdida gestacional. Rev. Latino-am. Psicol. [Internet]. 2011 [cited 2015 Aug 7]; 11(3):419-28. Available from: http://www.scielo.org.co/pdf/rlps/v43n3/v43n3a03.pdf
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Mesmo que os itens do instrumento brasileiro que não colaboraram com a escala fossem alterados ou eliminados, e estatisticamente o alfa global aumentaria, os itens para a população brasileira não precisam necessariamente ser revistos, pois a ELP global apresentou valor de alfa satisfatório. Embora uma possível causa para a baixa correlação desses itens poderia ser o fato de estarem mal redigidos ou estarem associados a outros conceitos, pois as mulheres com e sem luto complicado responderam de maneira igual as questões pela baixa correlação do item com a escala, foi demonstrado que a realidade cultural1414 Paris GF. Luto por óbito fetal: estudo comparativo entre mulheres brasileiras e canadenses [tese]. Maringá (PR): Universidade Estadual de Maringá. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2015. que comprometeu a correlação dos itens com a ELP. Manter o instrumento conforme a escala original facilita a comparação em estudo prévios e futuros.

Apesar das iniciativas do Ministério da Saúde, para auxiliar os profissionais e serviços de saúde a garantir a integralidade da atenção à saúde no Brasil, em conformidade com os princípios e as diretrizes do atual sistema de saúde, a formação dos profissionais de saúde ainda está muito distante do preconizado.1616 Batista KBC, Gonçalves OSJ. Education of health professionals for the SUS: meaning and care. Saúde Soc. São Paulo. 2011; 20(4):884-99. O perfil dos profissionais da saúde demonstra qualificação insuficiente para as necessidades das mulheres que tiveram perda fetal, ao relatarem pouca interação com a mulher, condutas focadas nos aspectos clínicos e um contato ambivalente entre bom e discriminatório conforme a etiologia da perda fetal.1717 Strefling ISS, Lunardi Filho WD, Kerber NPC, Soares MC, Ribeiro JP. Nursing perceptions about abortion management and care: a qualitative study. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2015 [cited 2015 Aug 7]; 24(3):784-91. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072015000300784
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As características sociodemográficas e reprodutivas das mulheres nos estudos abrangendo o luto por óbito fetal devem ser incluídas, tendo sido observado que as normas sociais, conforme cada país, podem contribuir para os altos níveis do luto.1212 Roberts LR, Lee JW. Autonomy and social norms in a three factor grief model predicting perinatal grief in India. Health Care Women Int. 2014; 35(3):285-99. As diferentes médias do escore da pontuação da ELP entre as populações deste e de outros estudos com perda perinatal (m=88±27),1010 Ratislavová K, Kalvas F, Beran J. Validation of the czech version of the perinatal grief scale. Cent Eur J Nurs Midw [Internet]. 2015 [cited 2015 Aug 7]; 6(1):191-200. Available from: http://periodika.osu.cz/cejnm/dok/2015-01/3-ratislavova-kalvas-beran.pdf
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e fetal (m=91±21),99 Potvin L, Lasker JN, Toedter LJ. Measuring grief: A short version of Perinatal Grief Scale. J Psychopathol Behav Assess. 1989 [cited 7 Aug 2015]; 11:29-45. Available from: http://link.springer.com/article/10.1007%2FBF00962697
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comprova que embora a perda possa ser uma experiência universal, sua representação e sua influência na vida de um indivíduo são modificadas por sua personalidade, cultura e sociedade.1010 Ratislavová K, Kalvas F, Beran J. Validation of the czech version of the perinatal grief scale. Cent Eur J Nurs Midw [Internet]. 2015 [cited 2015 Aug 7]; 6(1):191-200. Available from: http://periodika.osu.cz/cejnm/dok/2015-01/3-ratislavova-kalvas-beran.pdf
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Dentre as limitações do estudo inclui-se a duração do tempo de estudo, pois influenciou no número de participantes do censo anual de mulheres com óbito fetal em um município brasileiro e das mulheres canadenses que participaram em um centro de referência de apoio a famílias, embora mesmo assim os testes estatísticos apresentaram robustez nos resultados.

CONCLUSÃO

O presente estudo evidenciou que a Escala de Luto Perinatal fornece informação confiável para a população do Brasil e Canadá. A adaptação transcultural e as evidências de validação da ELP para brasileiras e canadense quebequenses foi comprovada, podendo ser utilizada para identificação do estado de luto em mulheres que tiveram óbito fetal, nas respectivas versões de cada país.

O cenário estudado demonstrou o fenômeno do luto nas duas culturas diferentes, e evidenciou a condição precária na maior prevalência dos casos de luto complicado nas mulheres brasileiras em relação às canadenses. Partindo do pressuposto que assistência de enfermagem pode envolver um cuidado antecipatório no processo de luto, com planejamento das intervenções necessárias em cada caso, a importância da incorporação da aplicação da ELP nos serviços de saúde para detecção precoce das condições patológicas e estruturação do atendimento adequado.

A partir deste estudo, também é possível refletir sobre a necessidade de atualização dos currículos universitário e técnicos e educação permanente para os profissionais da área de saúde do Brasil quanto ao tema, para que a prática profissional seja adequada nos casos de óbito fetal. Desenvolver competências profissionais direcionadas para um atendimento em excelência nas necessidades na área do luto por óbito fetal implica na prática do cuidado direcionada para promoção da saúde e na ampliação dos novos modelos assistenciais com identificação precoce dos casos de luto complicado.

Este foi o primeiro estudo para que novas pesquisas envolvam reaplicação da ELP e verifiquem a estabilidade do processo de luto por óbito fetal ao longo do tempo e em outras localidades dos países estudados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    08 Dez 2015
  • Aceito
    12 Jul 2016
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