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O SIGNIFICADO ATRIBUIDO PELO CASAL AO PARTO DOMICILIAR PLANEJADO, ASSISTIDO PELAS ENFERMEIRAS OBSTÉTRICAS DA EQUIPE HANAMI

RESUMO

Objetivo:

conhecer o significado atribuído pelo casal acerca da experiência do parto domiciliar planejado, assistido pelas enfermeiras obstétricas da Equipe Hanami.

Método:

estudo de natureza qualitativa, na modalidade de Pesquisa Convergente-Assistencial, desenvolvida com 30 casais, no Sul do Brasil, no período de outubro de 2011 a novembro de 2012. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista e observação participante. A análise compreendeu quatro etapas: apreensão, síntese, teorização e transferência.

Resultados:

identificado uma categoria central: O parto culturalmente respeitoso e sensível, que aponta para um cenário parturitivo esperado pelo casal, alimentado na crença de que os profissionais escolhidos para compor este momento tenham a compreensão da visão de mundo, das crenças, dos valores, dos rituais de cuidados e dos significados que lhes são atribuídos; e por três subcategorias: A concretização de um ideal, O nascimento em família e A escolha do domicílio em detrimento do hospital.

Conclusão:

o contexto ambiental do domicílio implica na totalidade de uma experiência singular que respeita as dimensões físicas, holístico-ecológicas, emocionais e culturais do casal, trazendo à tona o domicílio como o local de escolha para a ocorrência do parto. A experiência positiva dos casais concretiza o significado de que o parto domiciliar planejado é um ideal coerente com o estilo de vida, crenças, valores, cultura e constitui-se num direito reprodutivo e sexual. O parto domiciliar é uma nova chance para interagir com o mundo e com pessoas que fazem parte da rede de apoio ao casal no processo de nascimento.

DESCRITORES:
Parto domiciliar; Enfermagem obstétrica; Enfermeiras obstétricas; Características culturais; Assistência

ABSTRACT

Objective:

to understand the meaning assigned by couples to the experience of planned home birth supported by the nurse midwives of the Hanami team.

Method:

qualitative study in the form of convergent care research developed with 30 couples in the southern region of Brazil within the period between October 2011 and November 2012. Data were collected through interview and participant observation. Analysis included four stages: apprehension, synthesis, theorization, and transfer.

Results:

one core category was identified: Culturally respectful and sensitive delivery, pointing to a parturitive scenario expected by the couple, fueled by the belief that the professionals selected for this moment are able to understand the worldview, beliefs, values, rituals of care, and the meanings assigned to them; and three subcategories: The realization of an ideal, Birth with the family and The option for their home instead of a hospital.

Conclusion:

the environmental context of a home implies the totality of a singular experience that respects the physical, holistic-ecological, emotional, and cultural dimensions of a couple, bringing up the home as the place of choice for the delivery. The positive experience of the couples makes up the meaning that the planned home birth is an ideal consistent with the lifestyle, beliefs, values, and culture, consisting in a reproductive and sexual right. Home birth is a new chance to interact with the world and people that are part of the support network to couples in the birth process.

DESCRIPTORS:
Home childbirth; Obstetric nursing; Nurse midwives; Cultural characteristics; Care

RESUMEN

Objetivo:

conocer el significado atribuido por la pareja sobre la experiencia del parto domiciliar planeado, asistido por enfermeras obstétricas del Equipo Hanami.

Métodos:

investigación cualitativa, en la Modalidad de Investigación Convergente-Asistencial, desarrollada con 30 parejas en el Sur de Brasil, de octubre de 2011 a noviembre de 2012. La recolección de datos fue realizada por medio de entrevista y observación participante. El análisis comprendió cuatro etapas: aprensión, síntesis, teorización y transferencia.

Resultados:

fue identificada una categoría central: El parto culturalmente respetuoso y sensible que apunta para un escenario partutitivo esperado por la pareja, alimentado en la creencia de que los profesionales seleccionados para componer este momento tengan la comprensión de la visión de mundo, de las creencias, de los valores, de los rituales de cuidados y de los significados que le son atribuidos; y por tres subcategorías: la concretización de un ideal, El nacimiento en familia y La elección del domicilio en lugar del hospital.

Conclusión:

el domicilio implica la totalidad de una experiencia singular que respeta las dimensiones físicas, holístico-ecológicas, emocionales y culturales de la pareja, de ahí que nazca la elección del mismo para el parto. La experiencia positiva de las parejas concretiza el significado de que el parto domiciliar planeado es un ideal coherente con el estilo de vida, creencias, valores, cultura y se constituye en un derecho reproductivo y sexual. El parto domiciliar es una nueva oportunidad para interactuar con el mundo y con personas que forman parte de la red de apoyo a la pareja en el proceso del nacimiento.

DESCRIPTORES:
Parto domiciliario; Enfermería obstétrica; Enfermeras obstetrices; Características culturales; Asistencia.

INTRODUÇÃO

A gestação, o parto e o puerpério são eventos sociais, singulares, experiências contemplativas e marcantes na vida de um casal, envolvendo, na maioria das vezes, suas famílias e pessoas significativas do seu entorno. O parto pode se colocar como um compromisso do casal contemporâneo para perpetuar a vida, exercício do direito de parir, da forma, com quem e onde desejar, atendendo valores e crenças pessoais. É potencialmente um espaço de poder e de saber do casal que, concretamente, pode assumir o controle do processo de nascer. Com o nascimento inicia-se um novo ciclo de desenvolvimento organizacional familiar, sendo que a forma como este acontece pode indicar como será o cuidado ao novo ser e como poderão ser mantidas as relações com os outros membros da família.11 Burigo RA. Planejando o parto no domicílio e tendo que parir no hospital: significados da experiência para as mulheres [dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2013. 139

O parto e o nascimento são eventos que podem ser vividos de forma compartilhada, sendo consideradas formas de celebração da vida, eventos do universo do casal, em consonância com as suas crenças. Estes eventos podem envolver a segurança, a sensibilidade, a intimidade, sendo influenciados pela cultura familiar, o tipo de parto e o significado atribuído por todos que participam desse processo. Os significados são construídos com base na visão de mundo, nas crenças e nos valores que são influenciados pelo contexto sociocultural dos indivíduos ou grupos, ou seja, não estão dissociados do conceito de cultura, que pode ser entendida como valores, crenças, normas e práticas de vida de um determinado grupo, aprendidos, partilhados e transmitidos, que orientam o pensamento, as decisões e as ações, de maneira padronizada.22 Pimenta LF, Silva SD, Barreto CN, Ressel LB. The culture interfering on the wish about the type of parturition. J Res Fundam Care. 2014; 6(3):987-97.

3 Pinheiro BC, Bittar CML. Expectativas, percepções e experiências sobre o parto normal: relato de um grupo de mulheres. Fractal Rev Psicol. 2013; 25(3):585-602.
-44 Leininger M. Culture care diversity and universality: a theory of nursing. New York (US): National League for Nursing Press; 1991.

O parto domiciliar planejado surge, na contemporaneidade, como uma possibilidade de reaproximação entre ciência e tradição, habilidade e intuição, que apontam para a aproximação do natural, no sentido de deixar a natureza agir, de estimular o casal a assumir o protagonismo do processo de parir, com o mínimo de intervenção, tendo o apoio e o suporte de uma equipe de enfermagem, caso necessitem. Esta modalidade de assistência é pautada no pensamento de que o local mais adequado para o parto é aquele onde a mulher se sinta segura e que resgata a família, o filho, a mãe e o pai, separados anteriormente com a medicalização do parto, em conformidade com o paradigma tecnocrático de assistência ao nascimento.55 Lessa HF, Tyrrell MAR, Alves VH, Rodrigues DP. Information for the option of planned home birth: women's right to choose. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 [cited 2016 Oct 17]; 23(3):665-72. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014000930013
http://dx.doi.org/10.1590/0104-070720140...

No domicílio, a participação de outros familiares e pessoas significativas no cenário do parto é oportunizada. Este tipo de parto propicia a troca de afetividade da mãe/pai com o bebê, além de possibilitar a participação do casal no evento, respeitando crenças, valores e rituais de cuidado que são significativos para os envolvidos e que vem sendo tecidos no seio das coletividades.22 Pimenta LF, Silva SD, Barreto CN, Ressel LB. The culture interfering on the wish about the type of parturition. J Res Fundam Care. 2014; 6(3):987-97.,55 Lessa HF, Tyrrell MAR, Alves VH, Rodrigues DP. Information for the option of planned home birth: women's right to choose. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 [cited 2016 Oct 17]; 23(3):665-72. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014000930013
http://dx.doi.org/10.1590/0104-070720140...

6 Odent M. Primal health research: four essays. J Prenat Perinat Psychol Health. 2011; 26(2):1-10.
-77 Feyer ISS, Monticelli M, Boehs AE, Santos EKA. Rituais de cuidado realizados pelas famílias na preparação para a vivência do parto domiciliar planejado. Rev Bras Enferm. 2013; 66(6):879-86. Além disso, pode contribuir para uma evolução mais favorável do parto. A familiaridade da mulher com o ambiente domiciliar pode proporcionar menor sensação dolorosa, pois propicia à parturiente maior relaxamento e, em consequência, menor liberação de adrenalina e mais liberação das endorfinas, que são substâncias produzidas em estados do sistema nervoso central.66 Odent M. Primal health research: four essays. J Prenat Perinat Psychol Health. 2011; 26(2):1-10.

O contexto ambiental do processo de gestação, parto e puerpério no domicílio diz respeito ao espaço físico e sociocultural, a casa do casal (espaço alternativo para o parto e nascimento), no qual podem ser estabelecidas as relações interpessoais e de cuidados, em especial o respeito à privacidade do casal, assim como o recebimento do bebê, de forma mais saudável e respeitosa. O contexto ambiental também pode expressar o acolhimento interpessoal, a privacidade, a cultura com respeito às crenças, os valores e a visão de mundo do casal/recém-nascido (RN), e das enfermeiras obstétricas que envolvem questões holístico-ecológicas.88 Koettker JG, Brüggemann OM, Dufl at RM. Partos domiciliares planejados assistidos por enfermeiras obstétricas: transferências maternas e neonatais. Rev Esc Enferm USP. 2013; 47(1):15-21.-99 Ministério da Saúde (BR). Saúde sexual e saúde reprodutiva. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010.

Nesta perspectiva, a "Equipe Hanami: O Florescer da Vida", composta por enfermeiras obstétricas, atende o parto domiciliar de forma planejada, com um olhar voltado para as necessidades do casal e de seus familiares, respeitando suas crenças e valores culturais. Embora seja visível o crescente interesse pelo tema e sua relevância na área obstétrica e neonatológica, a realização e a socialização de estudos acerca do parto domiciliar planejado assistido por enfermeiras obstétricas, no Brasil, ainda são escassos, apontando para uma importante lacuna do conhecimento. Destaca-se, também, a inexistência de estudos publicados sobre o significado atribuído pelo casal sobre o parto domiciliar. Por estes motivos, é relevante a produção de conhecimento nesta temática, assim como, conhecer o significado atribuído pelo casal acerca da experiência do parto domiciliar planejado, assistido pelas enfermeiras obstétricas da Equipe Hanami.

Estes aspectos, aliados à experiência de sete anos desenvolvida à essa clientela com esse tipo de parto, justificam a relevância deste estudo, emergindo a questão de pesquisa: qual o significado atribuído pelo casal acerca da experiência do parto domiciliar planejado assistido pelas enfermeiras obstétricas da Equipe Hanami?

O presente estudo integra um macroprojeto intitulado "Parir e nascer num novo tempo: o significado para o casal do parto domiciliar planejado atendido por enfermeiras obstétricas da Equipe Hanami". Neste recorte, desenvolvemos o presente estudo, que teve como objetivo conhecer o significado atribuído pelo casal acerca da experiência do parto domiciliar planejado, assistido pelas enfermeiras obstétricas da Equipe Hanami.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, na modalidade de pesquisa convergente-assistencial (PCA). No paradigma qualitativo, a finalidade é descobrir características, padrões e significados do fenômeno em estudo.10

Na PCA, há uma conexão intensa com o processo de cuidar pesquisando, estreitando a relação entre o cuidado e a pesquisa, pois pode ser implementada nas atividades cotidianas da enfermeira, promovendo uma articulação intencional com a prática assistencial, para solucionar ou minimizar problemas, realizar mudanças e introduzir inovações no cotidiano.1010 Trentini M, Paim L. Pesquisa convergente-assistencial: um desenho que une o fazer e o pensar na prática assistencial em saúde-enfermagem. Florianópolis (SC): Insular; 2014.

Na PCA, as ações de cuidados são incorporadas na pesquisa e vice-versa. O "fazer" e o "pensar" caminham juntos, consequentemente, promovem uma significativa evolução da prática que buscando ampliar e contribuir com à práxis da enfermagem.10 Possui como fundamento um tipo de investigação que se desenvolve ao mesmo tempo com a prática assistencial de enfermagem, por isso sua principal característica é a convergência com essa prática.1010 Trentini M, Paim L. Pesquisa convergente-assistencial: um desenho que une o fazer e o pensar na prática assistencial em saúde-enfermagem. Florianópolis (SC): Insular; 2014.

O caráter metodológico se revela na "dança" da PCA, pelos movimentos de aproximação, de distanciamento e de convergência com a prática, de maneira a criar espaços de superposição com a assistência. Nesse processo de ir e vir neste bailado entre pesquisa e prática assistencial necessita ser respeitada a autonomia de cada um desses eventos.1010 Trentini M, Paim L. Pesquisa convergente-assistencial: um desenho que une o fazer e o pensar na prática assistencial em saúde-enfermagem. Florianópolis (SC): Insular; 2014.

O caminho percorrido pelo pesquisador na PCA segue um pensamento dentro desta lógica: o que fazer, como fazer, porque fazer e saber fazer.1010 Trentini M, Paim L. Pesquisa convergente-assistencial: um desenho que une o fazer e o pensar na prática assistencial em saúde-enfermagem. Florianópolis (SC): Insular; 2014.

A PCA teve inicio no primeiro contato com os casais, que se deu através dos "encontros abertos" mensais, promovidos pelas enfermeiras do Hanami, com a finalidade de apresentar a proposta do parto domiciliar planejado, e esclarecerem as dúvidas dos casais e familiares. A partir desse encontro, a pesquisadora propôs aos casais a participação na pesquisa. O processo, contudo, iniciou na primeira consulta pré-natal, com o aceite do casal. A PCA foi realizada durante todo o atendimento prestado pela Equipe Hanami, no domicílio, desde o pré-natal, trabalho de parto e parto, até o puerpério imediato.

O local e o contexto do estudo foi o domicílio dos casais que optaram pelo parto domiciliar planejado atendido pela Equipe Hanami. Participaram do estudo 30 casais, entre os meses de outubro de 2011 a novembro de 2012, na grande Florianópolis, Santa Catarina.

O número de sujeitos foi estabelecido de acordo com a saturação dos dados, ou seja, quando os dados passaram a se repetir e atenderam os objetivos propostos.1010 Trentini M, Paim L. Pesquisa convergente-assistencial: um desenho que une o fazer e o pensar na prática assistencial em saúde-enfermagem. Florianópolis (SC): Insular; 2014.

As técnicas para a coleta de dados foram a observação participante e a entrevista, sendo a segunda, complementar à primeira. O tempo utilizado na observação participante foi em média 25 horas, distribuídas nas consultas de pré-natal, no parto e no pós-parto. A entrevista durou em média 30 minutos. Foi audiogravada e contemplou as seguintes perguntas: conte como foi o (parto) O que mais marcou? Como foi ter um parto no domicílio com o suporte das enfermeiras obstétricas da Equipe Hanami?

Os critérios de inclusão dos casais foram: casais com idade maior que 18 anos; gestação única e de risco habitual; idade gestacional maior ou igual há 37 semanas e menor que 42 semanas, com apresentação cefálica; acompanhamento pré-natal com no mínimo seis consultas; bateria de exames laboratoriais nos três trimestres e ultrassonografias (USG) completos, enquanto que os de exclusão foram: casais que foram encaminhados no trabalho de parto para o hospital; casais cujos RNs apresentaram alguma complicação e, ainda, puérperas que apresentaram intercorrências físicas e/ou psicológicas.

O registro dos dados se deu através da organização formal das informações por meio das notas do diário (ND), registros do que aconteceu diariamente; das notas de observação (NO); das notas teóricas (NT), das notas metodológicas (NM); das notas de cuidado (NC), e das notas das entrevistas (NE), que foram aplicadas no puerpério tardio ou remoto, dependendo de cada casal. A análise se deu em quatro etapas: apreensão, síntese, teorização e transferência,1010 Trentini M, Paim L. Pesquisa convergente-assistencial: um desenho que une o fazer e o pensar na prática assistencial em saúde-enfermagem. Florianópolis (SC): Insular; 2014. procurando responder ao objetivo da pesquisa. A manutenção do anonimato ocorreu utilizando-se codinomes de flores para cada casal.

A apreensão correlacionou-se com a coleta dos dados e com a análise inicial das informações, registradas como notas de diário e codificação das informações, adaptando-se as palavras-chave ou temas-chave que marcaram os temas centrais. Estes procedimentos depois foram agrupados por similaridade de ideal, dando origem às categorias. A síntese satisfez a sintetização e a discussão das informações, após leitura aprofundada. A teorização foi interpretação e a análise dos dados, a fulgor do referencial teórico. A transferência envolveu o período de significação dos achados ou descobertas, contextualizando-os em situações semelhantes, sem a ambição de generalizações, mas sim, a socialização de resultados únicos, justificando adequações que pudessem ser realizadas em outras realidades.1010 Trentini M, Paim L. Pesquisa convergente-assistencial: um desenho que une o fazer e o pensar na prática assistencial em saúde-enfermagem. Florianópolis (SC): Insular; 2014.

Neste estudo, a reflexão sobre os dados obtidos foi feita, sempre que possível, de forma concomitante com a coleta dos mesmos à luz da Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural4,11 e nos modelos de atenção ao parto.1212 Davis-Floyd R. The technocratic, humanistic, and holistic paradigms of childbirth. Int J Gynaecol Obstet. 2001; 75(1):S5-S23.-1313 Davis-Floyd R, John GS. Del medico al sanador. Buenos Aires (AR): Editorial Creavida; 2004. O olhar atentivo e reflexivo ao diário de campo levou à análise e interpretação dos dados, por meio de um processo de ir e vir constante.1010 Trentini M, Paim L. Pesquisa convergente-assistencial: um desenho que une o fazer e o pensar na prática assistencial em saúde-enfermagem. Florianópolis (SC): Insular; 2014.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, conforme protocolo n. 1199 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética, seguindo as diretrizes da Resolução n. 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.1414 Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução 466/12, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras sobre pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília (DF): CNS; 2012. Os casais foram individualmente orientados sobre as ações referentes à pesquisa, incluindo seu objetivo, benefícios, riscos e, somente após devidamente informados, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Caracterização dos casais

A idade média foi 32 anos, brancos, nível superior, relação estável, casa própria, vegetarianos, espiritualistas, autônomos, procedentes de Florianópolis e também de outros países, e com miscigenação. No universo obstétrico: mulheres multigestas, porém nulíparas, sendo que 13% estão repetindo a experiência do parto domiciliar planejado. Consultas pré-natais: em média 14 (com enfermeiras da Equipe Hanami e com médico obstetra). Consultas de puerpério com as enfermeiras da Equipe Hanami: em média seis. Indicações para o parto domiciliar vieram de amigos e da internet. As posições escolhidas para o parto foram verticais.

Os processos de análise resultaram no delineamento da categoria O parto culturalmente respeitoso e sensível e de três subcategorias,

O parto culturalmente respeitoso e sensível

O cuidado no parto que respeita a cultura, e de forma sensível, é uma característica do trabalho das enfermeiras da Equipe Hanami, e que atraiu os casais quando procuraram a Equipe para serem cuidados pelas mesmas.

Os detalhes como respeito e muita sensibilidade ao que é importante para o outro no cuidado são ferramentas poderosas para a satisfação dos seres cuidados, premissas que todos os profissionais deveriam ter como prioridade no seu cotidiano de trabalho:

[...] quando começamos a busca pelo parto domiciliar, já tínhamos referencia de dois casais que nos contaram como vocês tralhavam, mas, na prática, foi muito mais, porque sabem ser sensíveis e fazem questão de que tudo que foi planejado aconteça... (Casal Prímula).

Subcategoria 1 - A concretização de um ideal

O parto domiciliar planejado, considerado como ideal para os casais, é uma construção que vem ao encontro do desejo, do estilo de vida, das crenças e dos valores que estes possuem, e que se consolidou e se sedimentou após experienciarem positivamente o processo de parto e nascimento no seu ambiente social e cultural, ou seja, no seu lar.

Estes casais possuem alto nível de escolaridade e de informação, então, esta busca é muito responsável e esclarecida; é um ideal com bases sólidas.

Nesse contexto, seguem-se os relatos que demonstram a posição dos casais e suas disposições para superar ao modelo tecnocrático, bem como a concretização de seus ideais, que os remeteu ao que se pode reconhecer como a construção de um novo tempo, ou seja, que o parto é idealizado como um sonho e uma oportunidade singular de aprendizado e repadronização cultural, ou seja, são casais que participam do modelo holístico porque é nos seus lares que querem ter seus filhos, quando não há risco. Em caso de necessidade de encaminhamento é para "maternidades humanizadas" que querem ir.

Queríamos privacidade, intimidade, segurança, sermos respeitados. Entendíamos o momento do parto como algo natural e, por isso, queríamos ajuda para vivê-lo com segurança, confiança em quem estaria conosco e, principalmente, intimidade. Na nossa concepção, a casa é o lugar onde nos sentimos plenamente à vontade para estarmos tranquilos. Nosso lar reflete o que somos, é o nosso ninho, o nosso lugar (Casal Prímula).

[...] pesquisamos muito para chegarmos a esta escolha, tanto em relação ao local, quanto à equipe [...] (Casal Flor de Liz).

[...] uma realização, um sonho, um aprendizad,o e mais uma prova de que não há outro caminho a ser seguido por um casal que não seja este, a não ser em casos de emergência, sem fugir das evidências científicas [...] (Notas do Diário do Casal Rosa).

A experiência do parto planejado no domicílio significou, para os casais, autoridade preservada e fortalecida, autonomia e domínio sobre o parto e nascimento. Significou, ainda, confiança e fortalecimento da sua competência para fazer escolhas sobre como conduzir estes momentos especiais em suas vidas e de decidir sobre o apoio de profissionais que reconhecessem seus valores e crenças para apoiá-los em suas decisões e na concretização de seus ideais.

A construção desse ideal de parto em casa se deu porque queria que a Dália viesse a esse mundo em um ambiente acolhedor. A ideia de ter pessoas estranhas ao meu redor, de viver o momento mais importante da minha vida em um local que eu vejo como tão frio e, principalmente, a ideia de transferir a responsabilidade do meu parto, da minha vida e da Dália para uma equipe desconhecida [...]. No dia em que fomos conhecer o trabalho das Hanamis [...], foi ótimo! Conversamos muito e sentimos que elas [enfermeiras da Equipe Hanami] fazem isso seguindo uma verdadeira vocação... Fiquei ainda mais segura porque meu marido se convenceu de vez (Notas do Diário do Casal Dália).

Subcategoria 2 - O nascimento em família

O parto domiciliar planejado permite também uma ampliação da família, pois os amigos apoiadores que participam do processo, por diversos motivos, passam a resignificar os laços familiares e a fortalecê-los.

Nossa! O parto mudou tudo na verdade [...] uma nova vida, a criação de uma nova família. As minhas amigas que participaram desse processo, agora pertencem ao núcleo familiar (Casal Brinco-de-Pricesa).

Os casais explicitaram que houve uma transformação e o fortalecimento na relação conjugal que se iniciou na gestação e culminou com o parto. As mulheres, por sua vez, no seu contexto social, permitiram-se expressar seus instintos mais primitivos, sua sexualidade e sensualidade por meio de comportamentos, por exemplo, gritos e gemidos. Os casais que já tinham filhos apontaram que a participação da família no parto domiciliar significou um crescimento e um amadurecimento na relação conjugal e entre pais e filhos.

O parto significou o renascimento familiar. Nos fortalecemos, unimos. Como casal, nos apaixonamos e nos amamos ainda mais, nos tornamos mais íntimos e completos como esposos e pais. Nossa relação com nossos filhos se tornou mais madura, mais intensa. Com certeza, foi uma experiência transformadora, que modificou nossas estruturas familiares, nos modificou e nos fez entender mais da vida (Casal Orquídea).

O parto domiciliar planejado é, então, considerado um acontecimento paradigmático para as mulheres, para os homens, para os casais e, também, para os bebês. Assim, o contexto ambiental emocional do nascimento deve possuir uma característica harmoniosa. Nesta perspectiva, o(s) profissional(is) que atende(m) ao parto precisaria(m) conhecer muito a fisiologia dos processos pelos quais a mulher e o bebê passam durante o trabalho de parto, parto e pós-parto, ter sensibilidade, amar a vida e transmitir segurança à família que está atendendo, respeitando o silêncio, a privacidade, sendo atencioso e carinhoso com ambos, mas, em especial, com o bebê:

[...] foi uma realização. Esse foi o momento mais maravilhoso que tive. Quando passei a mão na cabecinha dela, antes mesmo dela nascer, foi uma sensação que não dá pra descrever. Sei que nunca mais vou esquecer esse momento e nem a carinha dela quando ela acabou de nascer. Ela é a pessoa mais importante da minha vida. Algo que só o universo pode proporcionar (Casal Flor do Campo).

Os homens, assim como as mulheres, são afetados pela gravidez e nascimento dos seus filhos. A inclusão da figura paterna no planejamento dos cuidados no trabalho de parto, parto e nascimento, é feita como participante ativo em todo o processo. Ainda, novas vivências e novos desafios aos profissionais de saúde, especialmente às enfermeiras obstétricas que, neste caso, precisam estar atentas, também, à figura masculina no parto, compreendendo seus medos, expectativas, emoções e responsabilidades.

Considerando as apreensões desse estudo, no que se refere à experiência do homem no parto domiciliar, significou o fortalecimento do papel do pai e sua inclusão ativa no processo de nascimento.

No parto ele participou de tudo, ajudando as enfermeiras, mas em primeiro lugar me cuidando, fazendo massagens, carinhoso e me apoiando. Ele é muito parceiro, é companheiro na divisão das tarefas. Hoje mesmo ele acordou às sete horas e eu fiquei dormindo (Casal Hortênsia).

Foi a experiência mais forte que passei; é uma experiência forte e fico bem feliz de ter conseguido. Sofri junto com ela cada contração, dá medo por não saber o que fazer. Tentei fazer minha parte de estar junto dela o tempo todo, mas quando vi a carinha dele me senti pai, fui às nuvens, chorei. Foi muita emoção. Agora é uma nova responsabilidade, somos realmente uma família (Casal Azálea).

Desse modo, o homem/pai percebe a dor do trabalho de parto e parto com novo significado, como o sofrimento necessário para o nascimento, e que deve ser vivenciado com sua companheira.

Subcategoria 3 - A escolha do domicílio em detrimento do hospital

Os casais consideraram parto domiciliar planejado preferível ao hospitalar, porque este resgata o ambiente familiar, dá oportunidade ao pai e à família de participarem, permite um retorno ao natural, aumenta o domínio e o controle da situação. Assim, com possibilidades de ampliar a liberdade e a responsabilidade do casal. O parto planejado no domicílio resgata a autonomia, o empoderamento; reconhecidamente inscritos em uma perspectiva mais ampla de direitos relacionados à saúde; nesse caso, especificamente, nos direito sexuais e reprodutivos de mulheres e homens.

Hospital nem pensar, temos horror a tudo que se ouve falar. Lá as mulheres até podem ter um acompanhante, mas continuam sob a responsabilidade dos profissionais, que decidem quando isso, quando aquilo. Mesmo em maternidades humanizadas, se houve falar de muitas práticas violenta,s tipo: subiram na barriga da mulher, cortaram o períneo, recebeu soro para ter mais contração. O Pai, coitado, fica ali sem poder fazer nada, com medo de que o expulsem do ambiente por incomodar. Claro, sabemos que temos que estar prontos para o plano B, ser encaminhados, por isso preparamos as malinhas, simulamos a experiência de uma cesariana, trabalhamos a questão do parto cerebral [...]. Fomos conhecer as maternidades. Não dá, mesmo com toda a parte de hotelaria. Nunca, jamais seria como na nossa casa. Ficamos dias conversando se precisarmos ser encaminhados, mas teremos apoio das enfermeiras (Notas do Diário do Casal Copo-de-Leite).

Eu, na verdade, nunca me imaginei parindo num hospital, nunca nem passou pela minha cabeça sabe, não sei nem da onde surgiu a ideia de ter em casa. Para mim, sempre achei que tinha que ser assim. Nunca pensei de outra forma, na verdade. E aí tudo foi automático, por eu estar aqui na ilha e existir a Equipe Hanami (casal Brinco-de-Pricesa).

As diferentes culturas apontam uma convergência com os casais brasileiros deste estudo, por apresentam motivos similares e convergentes para não optarem pelo parto no hospital, ou seja, medo de hospital e da violência obstétrica Porém, quando um encaminhamento para o hospital é necessário, o apoio do profissional e dos familiares é fundamental para que o casal sinta-se seguro, não apenas no que se refere ao desfecho; mas, à compreensão e repadronização da experiência.

DISCUSSÃO

O parto culturalmente respeitoso e sensível aponta para um cenário parturitivo almejado pelos casais, além de um ambiente íntimo, acolhedor, familiar e conhecido, no qual os profissionais escolhidos para participar desse momento tão especial, compreendem a visão de mundo, as crenças, os valores, os rituais de cuidados e os significados que atribuem ao momento de parto e nascimento. Para tanto, é imprescindível que o modo de cuidar seja culturalmente responsável, respeitoso, sensível e competente.77 Feyer ISS, Monticelli M, Boehs AE, Santos EKA. Rituais de cuidado realizados pelas famílias na preparação para a vivência do parto domiciliar planejado. Rev Bras Enferm. 2013; 66(6):879-86.,1515 Leininger MM, McFarland MR. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. New York (US): Rock City Books; 2006. Nesse sentido atuam as enfermeiras da Equipe Hanami, com pressupostos que se apoiam na Teoria da Diversidade e Universalidade,44 Leininger M. Culture care diversity and universality: a theory of nursing. New York (US): National League for Nursing Press; 1991. ao buscarem a repadronização cultural no processo de cuidar desses casais, fortalecendo, assim, um cuidado fundamentado num modelo reconstruído ou alterado para auxiliar os casais a mudar/reconhecer os padrões de saúde ou de vida, de forma a tornar significativo o processo de parir ou coerente com os significados que possuem. Desta forma, esse cuidado resignificado é marcante em suas vidas.44 Leininger M. Culture care diversity and universality: a theory of nursing. New York (US): National League for Nursing Press; 1991.,1616 Leininger M. Teoria do cuidado transcultural: diversidade e universalidade. In: Anais do I Simpósio Brasileiro de Teorias de Enfermagem. 1985 May 20-24, Florianópolis, Santa Catarina; 1985. p. 255-70.

Os casais do estudo buscam e vivem a contracultura do modelo tecnocrático de atenção ao parto, que perpetua rituais tecnológicos e biologistas no parto, com base em valores que fortalecem a impotência feminina, por meio do uso indiscriminado e, por vezes, irracional da tecnologia, e que privilegia a dominação das máquinas sobre os corpos, as crenças individuais e coletivas, culminando no que se pode denominar de indústria do nascimento.1313 Davis-Floyd R, John GS. Del medico al sanador. Buenos Aires (AR): Editorial Creavida; 2004.

No seu próprio domicílio, o casal sente segurança, principalmente, por estar cercado de pessoas que o ama; experimenta, ainda, a liberdade para expressar seus sentimentos; a legitimidade no seu comportamento, a compreenssão e esclarecimento de suas dúvidas e respeito às suas decisões e desejos.1717 Frank TC, Pelloso SM. A percepção dos profissionais sobre a assistência ao parto domiciliar planejado. Rev Gaúcha Enferm. 2013; 34(1):22-9.

Nessa perspectiva, o domicílio foi compreendido como um espaço, também, potencializador do encontro do casal com suas raízes filogenéticas.1818 Odent M. Fisiologia do parto: a gênese do homem ecológico. São Paulo (SP): Tao; 1981.-1919 Boainain E. Tornar-se transpessoal: transcendência e espiritualidade. São Paulo (SP): Summus editorial, 1999. A relação desse casal com a Equipe Hanami foi determinante para a decisão pelo parto domiciliar planejado. Para alguns dos casais, a ideia de segurança está relacionada à privacidade e, em particular, à relação construída com os profissionais, que deve ser iniciada no pré-natal.

No momento do parto, os casais que decidiram por um parto domiciliar planejado, tiveram a oportunidade de serem acompanhados por seus filhos, amigas(os), familiares que os apoiaram em sua escolha, como também pelas enfermeiras obstétricas da Equipe Hanami, cujo cuidado se fundamenta, desde a sua criação, em 2006, nos conceitos da Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural,44 Leininger M. Culture care diversity and universality: a theory of nursing. New York (US): National League for Nursing Press; 1991.,1111 Leininger M. Transcultural nursing: concepts, theories and practices. New York (US): Wiley & Sons; 1978. e nos modelos de atenção ao parto.12-13.

O casal, na maioria das vezes, prefere não expor à sua família a decisão em relação ao lugar onde será o parto, principalmente quando os familiares demonstram resistência ao parto domiciliar, ainda que seja planejado. Assim, recorrem aos amigos, que compartilham desse ideário, solicitando a presença dos mais queridos no momento da parturição. O parto planejado no domicílio, para estes casais, significa o reconhecimento e a ampliação de sua família nuclear, porque inclui as pessoas de suas relações sociais, que se tornam mais íntimas e próximas, por compartilharem do mesmo ideal do parto planejado no domicílio, trazendo à tona a configuração de outras subjetividades.2020 Carneiro R. Parto domiciliar: ressignificação do doméstico e cronotopías da intimidade. In: Anais do XXV Simpósio Nacional de História ANPUH. 2009 Jul 12-17. Fortaleza, Ceará; 2009. p. 12-21

A perspectiva crítica da medicalização do parto presente nos movimentos contra culturais é retomada de maneira própria pelos praticantes de parto domiciliar planejado tanto no discurso quanto na prática, vai além da dimensão pessoal, social e cultural; inclui a dimensão de transcendência. A noção de autonomia cultivada pelos casais não se restringe ao gerenciamento racional e imperativo da própria vida, uma vez que se insere, também, numa ordem cósmica superior, o que pode representar um conflito diante da concepção moderna de indivíduo, enquanto dono de si e de sua vontade.2121 Velho MB, Santos EKA, Collaço VS. Parto normal e cesárea: representações sociais de mulheres que os vivenciaram. Rev Bras Enferm. 2014 mar-abr; 67(2):282-9.-2222 Carneiro R. Em nome de um campo de pesquisa: antropologia(s) do parto no Brasil contemporâneo. Vivência: Rev Antropologia. 2014; 1(44):11-22. Destaca-se ainda, que o homem e a mulher têm a possibilidade de se transformarem em um casal de pais quando há apoio mútuo, ou seja, cumplicidade entre ambos.2323 Gutman L. A maternidade e o encontro com a própria sombra. Rio de Janeiro: Best Seller Ltda; 2010.

Assim, os pais também podem vivenciar sentimentos contraditórios frente ao medo do desconhecido, do inesperado, das responsabilidades inerentes ao seu novo papel, e as emoções que esse momento desencadeia. A transição para a parentalidade é um momento de grande vulnerabilidade emocional, tanto para a mãe como para o pai.2424 Garcês MMF. Vivências da figura paterna no trabalho de parto e nascimento no processo de transição para a parentalidade [dissertação] Porto (PT): Escola Superior de Enfermagem; 2011. 130 p.

No parto domiciliar planejado, o homem-pai possui maior possibilidade de viver seu papel em plenitude, do que seria sua participação como acompanhante no modelo de assistência ao parto institucional vigente, mesmo com todos os avanços no modelo do parto humanizado.2525 Souza SRRK, Gualda, DMR. The experience of women and their coaches with childbirth in a public maternity hospital. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2016 [cited 2016 Oct 17]; 25(1):1-9. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-0707201600004080014
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Mulheres que decidiram dar à luz em casa basearam-se na informação, na visão intuitiva existente. Em Baloch, no Irã, as mulheres optaram pelo domicílio por confiarem na sua própria intuição, na sua parteira e no apoio psicossocial de suas famílias para transferi-las para o hospital em caso de complicações.2626 Abed Saeedi Z, Ghazi Tabatabaie M, Moudi Z, Vedadhir AA, Navidian A. Childbirth at home: a qualitative study exploring perceptions of risk and risk management among Baloch women in Iran. Midwifery. 2013; 29(1):44-52.

O parto domiciliar planejado, em detrimento ao parto hospitalar, neste estudo, se mostra similar ao resultado apresentado em outro estudo que aponta que as mulheres buscam informar-se para fazer uma escolha consciente e ser contra o modelo de atendimento hospitalar. Os motivos elencados evidenciam que a aquisição do conhecimento é condição básica para respaldar a decisão de parir em casa, além de revelar uma grande insatisfação dessas mulheres com o atual modelo institucionalizado de atenção ao parto. 27

No contexto brasileiro, o parto domiciliar planejado vive praticamente na clandestinidade, pois as mulheres, homens e casais que optam por esta alternativa, precisam bancar financeira e emocionalmente sua escolha. O que fragiliza muito a assistência à mulher, sua família e aos profissionais que estão lhe prestando cuidados é o fato de que ainda o parto domiciliar planejado não esteja contemplado nas políticas públicas de saúde e que o sistema de referência e contrarreferência, consequentemente, não funciona.2828 Castro, CM. Os sentidos do parto domiciliar planejado para mulheres do município de São Paulo, São Paulo. Cad Saúde Colet. 2015; 23(1):69-75.-2929 Mattos DV, Vandenberghe L, Martins CA. O enfermeiro obstetra no parto domiciliar planejado. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2016 fev [cited 2016 Oct 17]; 10(2):568-75. Available from: 10.5205/reuol.8557-74661-1-SM1002201625.
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A ausência do Ministério da Saúde no debate sobre o direito de escolha do local de parto provoca isolamento das mulheres, em um período em que é importante contar com uma rede de proteção ampla, que inclui companheiro, família, amigos, profissionais e a retaguarda da rede pública de saúde. Essa questão resulta na falta de diretrizes para os profissionais de saúde e na falta de informação e orientações para a maioria das mulheres, o que contribui para que a escolha do local de parto possa ser feita apenas por aquelas com maior poder econômico, o que gera exclusão social. Parece-nos necessário que o Ministério da Saúde promova o direito de escolha do local de parto e que este seja respeitado e garantido como parte dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e incluído nas ações do Sistema Único de Saúde.2828 Castro, CM. Os sentidos do parto domiciliar planejado para mulheres do município de São Paulo, São Paulo. Cad Saúde Colet. 2015; 23(1):69-75.-2929 Mattos DV, Vandenberghe L, Martins CA. O enfermeiro obstetra no parto domiciliar planejado. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2016 fev [cited 2016 Oct 17]; 10(2):568-75. Available from: 10.5205/reuol.8557-74661-1-SM1002201625.
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É limitação desse estudo a reduzida produção científica nesta área. Talvez seja um dos fatores para maior sedimentação desta prática. Além disto, identifica-se a necessidade de problematizar esta situação junto às entidades profissionais, especialmente àquelas que congregam médicos, bem como a inclusão deste tema na formação dos profissionais de saúde.

CONCLUSÃO

Os marcos conceituais deste estudo, e utilizados na prática profissional das enfermeiras obstétricas da Equipe Hanami: o florescer da vida, permitiu reconhecer que, para os casais estudados, o parto domiciliar planejado ofereceu a oportunidade de reconhecer que parir num novo tempo possibilitou novos significados não somente em relação ao parto, mas também em suas vidas e nas vidas de suas famílias.

O parto domiciliar planejado emergiu uma como oportunidade para empoderar o casal a assumir o protagonismo do parto e nascimento, como uma forma diferenciada de acolher o seu bebê recém-nascido de forma harmoniosa e tranquila e como ocasião que promoveu o fortalecimento da relação conjugal e familiar.

Também, um momento marcante e que permitiu a expressão dos instintos e sentimentos da mulher, e reconhecimento dessas forças pelo seu companheiro, um "novo" pai; reconfigurando os papéis relativos às responsabilidades quanto à maternidade e paternidade.

Uma nova chance para interagir com o mundo e com pessoas que fazem parte da rede de apoio ao casal no processo de nascimento significou, sobretudo, uma forma mais humanizada de recepcionar uma nova vida e encarar o nascimento, que resgata o antigo, e dar uma roupagem de novo, pois é realizado de forma segura, por profissionais com competência e que atuam com fundamentos teórico-metodológicos. Para muitos, um salto qualitativo na evolução da espécie humana, no limiar do surgimento de uma nova humanidade.

O parto domiciliar, em que pese às vezes ter como desfecho encaminhamento para uma instituição de saúde, é considerado pelos casais como o parto preferível ao hospitalar; ainda, uma oportunidade ao pai e à família de participarem de forma ativa, com um aumento do domínio e controle da situação, da liberdade e da responsabilidade do casal, bem como no exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.

A experiência positiva dos casais concretizou o significado de que o parto domiciliar planejado é um ideal, e coerente com seus estilos de vida, crenças e valores. Os casais contrapõem-se ao modelo tecnocrático de atenção ao parto vigente no Brasil, ao buscarem acompanhamento e cuidado profissional fundamentado num modelo holístico-ecológico-cultural que valoriza e dá maior significado à experiência do parir e nascer num novo tempo.

Este estudo poderá ajudar os profissionais de saúde, casais e a própria sociedade a melhor compreenderem porque a opção pelo parto domiciliar planejado tem sido propalada no mundo contemporâneo, bem como subsidiar o desenvolvimento do cuidado cultural na assistência obstétrica para a enfermagem e para a equipe de saúde multiprofissional.

Destaca-se que, apesar de todos os significados atribuídos pelos casais, que demonstram satisfação com o parto domiciliar planejado, gera inquietação o fato de que as políticas públicas brasileiras vigentes no campo da saúde reprodutiva e sexual, ainda não reconheçam o parto domiciliar planejado como possibilidade de oferta de cuidado na atenção obstétrica, já reconhecido internacionalmente.

Assim, recomenda-se a realização de estudos com os profissionais de saúde, mulheres, acompanhantes no âmbito dos setores público e privado, como também, produções que relacionem o parto planejado no domicilio com o aleitamento materno, a saúde mental das crianças, o relacionamento conjugal e familiar e a outros que se refiram à qualidade de vida e saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    09 Dez 2015
  • Aceito
    23 Ago 2016
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