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O FENÔMENO VIVIDO POR MULHERES NA CONSULTA DE ENFERMAGEM NA BRAQUITERAPIA GINECOLÓGICA

RESUMO

Objetivo:

compreender o fenômeno vivido por mulheres na consulta de enfermagem na braquiterapia ginecológica.

Método:

estudo qualitativo, com abordagem da Fenomenologia Sociológica de Alfred Schutz. Participaram 13 mulheres submetidas ao tratamento por braquiterapia de dois serviços de radioterapia: um localizado no Rio de Janeiro e outro em São Paulo, Brasil. A coleta ocorreu entre fevereiro e novembro de 2012, por meio de entrevista semiestruturada.

Resultados:

surgiram duas categorias concretas do vivido: Buscar orientações e Vivenciar o medo. O tipo vivido das clientes é o de pessoas que necessitam de orientação, sentem medo da doença e do tratamento causados pelo diagnóstico e pela realização dos procedimentos.

Conclusão:

a consulta de enfermagem para a cliente subsidia o enfermeiro a compreender que cada cliente tem um grau de entendimento e que se faz vigente personalizar este ensinar para cuidar do outro.

DESCRITORES:
Papel do profissional de enfermagem; Cuidados de enfermagem; Neoplasias do colo do útero; Braquiterapia; Pesquisa qualitativa

ABSTRACT

Objective:

to understand the phenomenon lived by women in the nursing consultation in gynecological brachytherapy.

Method:

a qualitative study, with an approach using the Sociological Phenomenology of Alfred Schutz. Thirteen women submitted to brachytherapy treatment participated in two radiotherapy services: one located in Rio de Janeiro and the other in São Paulo, Brazil. The data collection took place between February and November 2012, through a semi-structured interview.

Results:

two concrete categories emerged: Seeking guidance and Experiencing fear. The experience lived by patients is that people who need guidance, fear the illness and treatment caused by the diagnosis and by the performance of procedures.

Conclusion:

the nursing consultation for the patient aids the nurse to understand that each patient has a different degree of understanding and that it is effective to personalize this teaching in order to take care of others.

DESCRIPTORS:
Nurse's role; Nursing care; Neoplasms of the cervix; Brachytherapy; Qualitative research

RESUMEN

Objetivo:

comprender el tipo vivido de mujeres en la consulta de enfermería en braquiterapia ginecológica.

Método:

estudio cualitativo, con abordaje de Fenomenología Social de Alfred Schutz. Participaron 13 mujeres sometidas a tratamiento por braquiterapia de dos servicios de radioterapia: uno localizado en Rio de Janeiro y otro en San Paulo, Brasil. La recolección ocurrió entre febrero y noviembre de 2012, por medio de entrevista semi-estructurada.

Resultados:

surgieron dos categorías concretas de lo vivido: Buscar orientaciones y Vivenciar el miedo. El tipo vivido de las clientes es el de personas que necesitan de orientación, sienten miedo ante la enfermedad y ante el tratamiento, permeados por el diagnóstico y por la realización de los procedimientos.

Conclusión:

la consulta de enfermería para la cliente subsidia al enfermero a comprender que cada cliente tiene un grado de entendimiento y que se hace vigente personalizar este enseñar para cuidar del otro.

DESCRIPTORES:
Rol de la enfermera; Atención de enfermería; Neoplasias del cuello uterino; Braquiterapia; Investigación cualitativa

INTRODUÇÃO

Para 2030, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima 21,4 milhões de casos incidentes de câncer, em decorrência do crescimento e envelhecimento da população, como também da redução da mortalidade infantil e das doenças infecciosas. O Instituto Nacional do Câncer (INCA) alerta que com uma maior dimensão e significado, o câncer se tornou um problema de saúde pública mundial.11. Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional do Câncer. Estimativa 2016: Incidência do câncer no Brasil. [Internet] Rio de Janeiro; 2015. Available from: http://www.inca.gov.br/estimativa/2016/
http://www.inca.gov.br/estimativa/2016/...
-22. Panzetti TMN, Santana ME, Costa MSCR. Research on cancer nursing cervical the period 2008 to 2013. J. Health Biol Sci. 2015; 3 (1):46-51.

As estimativas brasileiras divulgadas pelo INCA para o ano de 2017, denotam a ocorrência de 600 mil casos novos de câncer. Dentre todos os tipos de câncer entre mulheres, espera-se 205 mil casos novos, sendo 58 mil de mama, seguido de 16 mil casos novos de câncer de colo de útero.11. Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional do Câncer. Estimativa 2016: Incidência do câncer no Brasil. [Internet] Rio de Janeiro; 2015. Available from: http://www.inca.gov.br/estimativa/2016/
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-22. Panzetti TMN, Santana ME, Costa MSCR. Research on cancer nursing cervical the period 2008 to 2013. J. Health Biol Sci. 2015; 3 (1):46-51.

Estudo recente constata que a mortalidade por câncer de mama é maior nas regiões sul e sudeste do Brasil, contudo há uma grande concentração de serviços credenciados no Sistema Único de Saúde (SUS) de quimioterapia e radioterapia.33. Azevedo e Silva G, Bustamante-Teixeira MT, Aquino EML, Tomazelli JG, Santos-Silva I. Access to early breast cancer diagnosis in the Brazilian Unified National Health System: an analysis of data from the Health Information System. Cad Saúde Pública [Internet]. 2014 [cited 2015 Jul 25]; 30(7):1537-50. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v30n7/0102-311X-csp-30-7-1537.pdf
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As formas de tratamento do câncer podem ser local (cirurgia, radioterapia) ou sistêmica (quimioterapia). A radioterapia é uma das principais modalidades na terapia para o tratamento de neoplasias. Constitui-se como um tratamento localizado, que usa radiação ionizante produzida por aparelhos ou emitida por radioisótopos naturais, aplicada diretamente no local, à distância (teleterapia) ou junto ao tumor (braquiterapia) onde foi identificada a neoplasia. Essa aplicação na maior parte das vezes é realizada em regime ambulatorial.11. Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional do Câncer. Estimativa 2016: Incidência do câncer no Brasil. [Internet] Rio de Janeiro; 2015. Available from: http://www.inca.gov.br/estimativa/2016/
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2. Panzetti TMN, Santana ME, Costa MSCR. Research on cancer nursing cervical the period 2008 to 2013. J. Health Biol Sci. 2015; 3 (1):46-51.

3. Azevedo e Silva G, Bustamante-Teixeira MT, Aquino EML, Tomazelli JG, Santos-Silva I. Access to early breast cancer diagnosis in the Brazilian Unified National Health System: an analysis of data from the Health Information System. Cad Saúde Pública [Internet]. 2014 [cited 2015 Jul 25]; 30(7):1537-50. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v30n7/0102-311X-csp-30-7-1537.pdf
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-44. Leite FMC, Ferreira FM, Cruz MAS, Lima EFA, Caniçali CP. Nursing diagnosis related to the adverse effects of radiotherapy. Rev Min Enferm. 2013; 17(4):946-951.

Os elevados índices de incidência e mortalidade por câncer do colo do útero e da mama no Brasil justificam a implantação de estratégias efetivas de controle dessas doenças que incluam ações de promoção à saúde, prevenção e detecção precoce, tratamento e de cuidados paliativos, quando esses se fizerem necessários.55. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Controle dos cânceres do colo do útero e da mama [Internet]. Departamento de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2013 [cited 2013 Jan 5]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/controle_cancer_colo_utero_mama.pdf

Dentre o cuidado multiprofissional, a enfermagem é inserida no contexto oncológico com a intenção de promover cuidado integral para a promoção à saúde, como também no tratamento do câncer.

A consulta de enfermagem, atividade respaldada por lei e privativa do enfermeiro, se mostra como momento oportuno para as ações em saúde no contexto do cuidado oncológico, já que proporciona contato direto com o cliente, permitindo o cuidado individualizado e consistente, sendo um momento para intervenções e resolutividade durante o processo de adoecimento, como também para as dimensões do mundo da vida da mulher com câncer.

Tendendo para a temática da braquiterapia, é na consulta de enfermagem que se propicia ao enfermeiro a possibilidade única para realizar os cuidados no pré, trans e pós-aplicação da braquiterapia, como o preparo para a anestesia, a não utilização de medicamentos por via vaginal, a importância da ingestão hídrica, o exercício de dilatação vaginal, as informações referentes à dor, sangramento e eliminação de secreção vaginal, e a avaliação do estado geral sempre antes e depois da aplicação.

O câncer ginecológico e o mamário agridem órgãos que possuem valores significativos na cultura brasileira, já que é uma doença que viola a intimidade da mulher, podem surgir sentimentos de dúvidas, medo e constrangimento, frente às terapias propostas para o controle da patologia em questão. Durante a prática do cuidado, pôde-se constatar a proximidade que se estabelece entre clientes e a equipe de enfermagem, ou seja, um ensinar e aprender, devido à própria natureza deste cuidado, o qual acontece durante todo o processo de tratamento das clientes.

Estudo sinaliza que a literatura médica não relata exatamente o que significa para a cliente submeter-se a este tipo de tratamento e que falta a atenção necessária da equipe de saúde em fornecer orientações com detalhes a respeito do procedimento.22. Panzetti TMN, Santana ME, Costa MSCR. Research on cancer nursing cervical the period 2008 to 2013. J. Health Biol Sci. 2015; 3 (1):46-51.Assim, entende-se que as informações técnicas descritas na literatura são importantes, porém, a preocupação com o emocional das clientes também é fundamental.

Em revisão bibliométrica recente, houve a predominância de estudos que se preocuparam em contribuir acerca do cuidado de enfermagem ao cliente submetido à radioterapia, tanto na prevenção, identificação e tratamento de complicações e efeitos colaterais, como nas experiências e vivências do cliente e seu familiar frente ao diagnóstico e tratamento do câncer.66. Ferreira SMA, Gozzo TO, Panobianco MS, Santos MA, Almeida AM. Barriers for the inclusion of sexuality in nursing care for women with gynecological and breast cancer: perspective of professionals. Rev. Latino-Am. Enfermagem [Internet]. 2015 [cited 2015 Jul 20]; 23(1):82-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v23n1/pt_0104-1169-rlae-23-01-00082.pdf
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Estes temas inquietam os enfermeiros durante seu cotidiano profissional, por isso devem ser estimulados para sensibilizar sobre a necessidade de uma atenção integral à saúde dos clientes oncológicos, a fim de basear questionamentos sobre sua prática profissional que os levem ao desejo de produzir novos conhecimentos que contribuam para mudanças organizacionais e disseminação de novas tecnologias.66. Ferreira SMA, Gozzo TO, Panobianco MS, Santos MA, Almeida AM. Barriers for the inclusion of sexuality in nursing care for women with gynecological and breast cancer: perspective of professionals. Rev. Latino-Am. Enfermagem [Internet]. 2015 [cited 2015 Jul 20]; 23(1):82-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v23n1/pt_0104-1169-rlae-23-01-00082.pdf
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-77. Rosa LM, Misiak M, Marinho MM, Ilha P, Radünz V, Fermo VC. Radiotherapy and brachytherapy in nursing: a bibliometrical review. Cogitare Enferm [Internet]. 2015 [cited 2015 Jul 23]; 20(2):408-16. Available from: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/cogitare/article/view/38866 Schutz A. Sobre fenomenologia e relações sociais. Petrópolis (RJ): Vozes; 2012.

Neste sentido, foi estabelecido como objetivo, compreender o fenômeno vivido por mulheres na consulta de enfermagem braquiterapia ginecológica.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa descritiva, qualitativa, norteado pela abordagem fenomenológica. Esta abordagem enfoca o significado que as pessoas dão aos fatos da vida. É uma linha de pensamento que tem como base a experiência de vida das pessoas e o que representa para estas suas experiências, compreendendo como o fenômeno é vivido.88. Schutz A. Sobre fenomenologia e relações sociais. Petrópolis (RJ): Vozes; 2012.

Neste sentido, considerando-se que cada um de nós tem o seu próprio modo de ver o mundo, entende-se que a fenomenologia quer saber como o indivíduo se incorpora no mesmo. É um movimento filosófico que tem o intuito de compreender as pessoas através da forma como as coisas se dão para elas no mundo da vida.88. Schutz A. Sobre fenomenologia e relações sociais. Petrópolis (RJ): Vozes; 2012.

A escolha do referencial, a Fenomenologia Sociológica de Alfred Schutz, ocorreu devido ao reconhecimento da importância da bagagem de conhecimentos que cada cliente carrega dentro de si, entendendo que toda consulta de enfermagem constitui-se em oportunidade de aprendizagem, fruto das relações interpessoais desse encontro.

O interesse sobre as clientes foi conhecer suas experiências com relação à doença e ao impacto desta em seu vivido. Buscou-se saber o que significa para elas a enfermidade, o tratamento proposto e o fato de terem a consulta de enfermagem à sua disposição.

Assim, a subjetividade e a intersubjetividade surgiram no ato de compartilhar vivências, nas trocas existentes durante as consultas de enfermagem. A singularidade ficou evidenciada quando se percebeu que o tratamento afeta cada cliente de uma dada forma. E essa visão de mundo particular poderá ser o ponto de partida para estruturar o cuidado.

O estudo foi realizado em dois cenários: o ambulatório do Serviço de Radioterapia de um hospital geral, público e universitário, localizado no Rio de Janeiro, e o ambulatório do Departamento de Radioterapia de um hospital filantrópico, especializado em oncologia, localizado no Estado de São Paulo. Ambas as instituições têm seu atendimento voltado prioritariamente para clientes do SUS, recebendo para tratamento pessoas vindas de todos os Estados do Brasil.

Foram participantes do estudo 13 clientes do sexo feminino, maiores de 18 anos, lúcidas e orientadas, que são submetidas à braquiterapia ginecológica. Como critérios de inclusão, participaram do estudo as clientes que assim o desejaram, não importando o estadiamento do diagnóstico clínico nem o tempo de tratamento. O estado geral das entrevistadas não se constituiu em preocupação, uma vez que apenas clientes hígidas são submetidas à braquiterapia.

Solicitou-se autorização dos Comitês de Ética em Pesquisa dos hospitais em questão, atendendo-se à Resolução n. 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde. O estudo foi aprovado e registrado sob o número 127/11 e sob o número 551/2011, sendo respectivamente no Rio de Janeiro e em São Paulo, e que recebeu o número CAAE 0077.0.226.197-11. Após aceitarem participar, os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e, para preservar o anonimato das clientes cada uma foi codificada com a letra "C" e o número sequencial da realização da entrevista (C1, C2 até C13).

Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, gravadas em aparelho de áudio, realizadas individualmente, no serviço de radioterapia, em local reservado, no período de fevereiro a novembro de 2012.

Seguiu-se um roteiro composto por questões fechadas referentes à caracterização dos participantes, tais como: idade, instrução, naturalidade, ocupação, profissão e tempo de tratamento. Para a realização das entrevistas foram utilizadas as seguintes questões orientadoras: o que você tem em vista quando vem à consulta de enfermagem na braquiterapia? Como é para você vivenciar o ensinar e aprender no tratamento por braquiterapia? Fale o que significou para você ensinar e aprender com a consulta de enfermagem no tratamento por braquiterapia.

A partir das falas das participantes do estudo foi realizada leitura cuidadosa e atenta, buscando o que havia de comum entre elas para a construção das categorias, que possibilitaram analisar compreensivamente as intencionalidades das mulheres na consulta de enfermagem no tratamento por braquiterapia ginecológica.

Na Fenomenologia Sociológica de Alfred Schutz, as categorias constituem-se a partir do que emerge da fala do entrevistado, cuja intencionalidade da ação se dá através dos significados aí contidos, mostrando-se como um típico.88. Schutz A. Sobre fenomenologia e relações sociais. Petrópolis (RJ): Vozes; 2012.-99. Monteiro ACM, Rodrigues BMRD, Pacheco STA. O enfermeiro e o cuidar da criança com câncer sem possibilidade de cura atual. Esc. Anna Nery [Internet]. 2012 [cited 2015 Sep 01]; 16(4):741-6. Available from: http://www.revistaenfermagem.eean.edu.br/detalhe_artigo.asp?id=812
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RESULTADOS

Das falas das participantes, obtiveram-se significados expressivos, que contribuíram para a formação de categorias. Ao todo, foram entrevistadas 13 clientes. A idade das clientes variou de 30 a 82 anos, sendo que três clientes encontram-se na faixa etária dos 30 anos.

O tempo de tratamento da doença em questão foi longo, sendo o menor de três meses e o maior de dois anos, entre as clientes entrevistadas. Algumas clientes estavam fora de seu domicílio desde o início da terapia, enquanto outras faziam viagens diárias para a realização do tratamento. Além do sofrimento com a doença, essas clientes tinham de enfrentar a modificação em sua rotina, tendo em vista a natureza da duração do tratamento oncológico.

A seguir, são apresentadas as categorias concretas do vivido que emergiram a partir das falas das clientes, que receberam as seguintes denominações: Buscar orientações e Vivenciar o medo.

Buscar orientações

As clientes buscam a consulta de enfermagem para entender a sua atual realidade de ser portadoras de câncer. A atitude natural das clinetes é obter conhecimento sobre a enfermidade e seu tratamento, para o autocuidado. A conduta de quem tem a patologia em questão é voltada, a partir do diagnóstico, para a própria doença.

Nas declarações abaixo, as clientes expressam o desejo de ter informações sobre o tratamento em si, uma vez que a doença surgiu em suas vidas. Portanto, sua intenção é saber mais sobre a enfermidade, para a tomada de atitudes referentes à nova condição de vida.

A consulta de enfermagem me ajudou, me explicou muita coisa. Eu tinha dúvidas e queria mesmo perguntar algumas coisas. Vim com dúvidas, vim com medo, ainda bem que vocês dão essa consulta para orientar a gente, porque a gente vem sem saber de nada. O médico explica, mas não dá detalhes do tratamento (C1).

Valeu a pena, com certeza. Eu sinto muito cansaço, mas não me entrego. E as consultas de enfermagem ajudam a gente a enfrentar as coisas e a entender melhor o tratamento (C2).

Nos depoimentos abaixo, nos quais a consulta de enfermagem se revela como um cuidado capaz de atender às expectativas das clientes, cumprindo a sua função, que é a busca de resolução para os problemas que surgem. Satisfazendo as necessidades das clientes, o enfermeiro adéqua a intenção do cuidado à intenção destas, numa reciprocidade de perspectivas.

Acho que vir na consulta com vocês é bom porque a gente não sabe se cuidar. Quer dizer, quando a gente começa o tratamento ficam muitas dúvidas, os médicos não sabem dizer se vamos ficar bem ou não, se essa doença vai ter cura [...]. Para mim foi bom porque eu tirei dúvidas. Eu acho que se não tivesse vindo à consulta com a enfermagem teria sido pior ainda encarar tudo isso (C3).

Então! O que eu tinha em vista quando vim na enfermagem a primeira vez eram as dúvidas sobre tudo, porque eu vim fazer o tratamento sem noção nenhuma. Eu vim encaminhada de outro hospital e aqui me ensinaram tudo, então eu não tenho nada a reclamar, foi tudo excelente (C4).

Então! Eu passei pela consulta de enfermagem e achei que foi boa. A gente vem com perguntas na cabeça e eu achei que a enfermeira esclareceu e tirou um pouco o medo, porque a gente fica meio traumatizada com tudo isso, né? A consulta me deixou bem mais tranquila [...]. No caso da consulta com a enfermeira, tranquilizou tanto a mim quanto à minha família, porque, quando a gente chega em casa, todo mundo quer saber como foi o tratamento, o que está acontecendo, o que eu fui fazer no hospital naquele dia, se o médico disse alguma coisa [...]. Então, eu acho que a consulta de enfermagem é boa porque tira as dúvidas, acho que a gente vem aqui para isso (C5).

É simples. A enfermeira explicando, falando tudo, o paciente vai saber como se tratar. Às vezes, o paciente faz besteira porque não foi orientado. Eu sou daquelas que faz o que mandar; o que tiver que fazer para o bem da minha saúde, eu faço. Por isso, eu acho que o que a gente tem em vista, quando vem à consulta, é a orientação, mesmo [...] A gente precisa de muita informação, para conviver com essa doença. Eu como bem, trabalho bem, só tenho um pouco de ardência para urinar. São muitas dúvidas que a gente tem, um dia não é igual ao outro (C6).

Quando eu vim à consulta de enfermagem, vim para ter orientações, saber sobre o tratamento. Na outra radioterapia a gente já fica sabendo alguma coisa, mas, a explicação que tem aqui é com mais detalhes, explica melhor, porque a primeira dúvida que a gente tem é como se cuidar, se pode comer de tudo, se pode tomar remédio, se tem que repousar; essas coisas (C7).

Vivenciar o medo

A categoria surgiu devido ao sentimento do medo manifesto no descobrimento do câncer e que variou entre as mulheres de acordo com o significado que a doença tem para cada um. Representado na preocupação com a família, na relação que a doença tem com a morte e/ou na iminência de enfrentar o tratamento, na maioria das vezes longo e traumatizante. Isto é devido às características das terapias disponíveis, que são de resposta demorada, envolvendo cirurgia, quimioterapia, radioterapia, transplante de medula óssea e outros, sendo estes procedimentos invasivos, fatigantes e dolorosos.

Nas próximas falas, as clientes revelaram angústia quanto à incerteza no futuro, principalmente no que se refere aos filhos. A preocupação com a rede social esteve presente para elas, isto pôde ser observado quando disseram ser angustiante ficar longe de casa, da família e do trabalho. Como não sabem o que as esperava adiante, ficava difícil para elas estabelecer prioridades e traçar uma conduta. Suas vidas ficaram em suspensas, por conta apenas das relevâncias impostas pela doença.

Diante desta situação, o enfermeiro deve ensinar sem pragmatismos e aprender com tolerância, dando voz às clientes, como as que seguem.

Tenho três filhas pequenas. A minha vida está assim, ó [faz sinal com as mãos de que está enrolada]. Tive que deixar meu marido em Belém e vim para cá com as meninas, porque ia ficar com saudades sem elas. Nossa, a cabeça da gente fica um sofrimento, essa doença não é mole, não (C7).

Para mim, uma coisa que é difícil é ficar longe de casa. Eu tenho filhos e netos, minha filha mora comigo, quer dizer, eu moro com ela [...]. É muito ruim ficar longe dos meus netos. Eles são muitos, são levados, fazem a maior bagunça e eu sinto falta disso (C3).

Um aspecto importante na consulta de enfermagem é acerca do processo educativo que deve ser baseado no que a cliente acredita. Os seguintes relatos explicam o exposto.

Tenho meus filhos para criar e não dá para ficar com a minha vida parada, Deus que me perdoe, sem saber se eu vou morrer ou não. Desculpe, mas a gente tem que ser sincera e usar mesmo as palavras. Eu só queria saber se vou poder criar meus filhos (C6).

Minha vizinha, que era muito minha amiga, morreu com essa doença e sentia dor demais, ela se queixava muito, até morreu nos meus braços (C8).

Os depoimentos a seguir refletem o pensamento de quem precisou se afastar da sua própria da vida, ao enfrentar o câncer.

Eu levei o maior susto, porque eu nunca tive nada de doenças [...]. Daí, comecei a sentir dor e fui ao médico do plano de saúde. Sou do interior de São Paulo, disseram para eu vir para cá, aí é que eu tive esclarecimento. Disseram o tipo de tumor que eu tinha. Aí eu pude começar a me tratar. Olha, eu prefiro ir e voltar todo dia, minha cidade é aqui perto. Apesar de ter que viajar todo dia, aqui eu me sinto segura [...] (C9).

Agora eu só quero saber se vou ficar boa. Quero voltar a trabalhar, assim não pode continuar, só parei porque fiquei doente. Sorte que o atendimento aqui é muito bom. A consulta com a enfermeira foi boa, porque ela conversou comigo, explicou muitas coisas, mas também perguntou de mim, como eu vivo, no que eu trabalho, e isso foi muito bom (C10).

A expectativa do término do tratamento é descrita nos depoimentos a seguir.

Eu ainda estou um pouquinho nervosa; fiz hoje a terceira aplicação e doida para terminar logo o tratamento. Só vou sossegar quando acabar tudo (C11).

É ruim deixar a casa da gente, deixar as coisas da gente. Ainda bem que o tratamento terminou hoje, vou poder voltar pra casa (C3).

DISCUSSÃO

A idade da pessoa influencia a maneira como a doença altera o seu vivido. A sexualidade, o fato da mulher se encontrar em fase reprodutiva, a possibilidade de mutilação (por histerectomia, entre outras cirurgias), a tolerância da pessoa à dor, são fatores que devem ser considerados.

O câncer ainda está relacionado à crença de que seu portador está condenado a morrer. Isso se deve, muitas vezes, pelo desconhecimento da doença e de suas atuais possibilidades terapêuticas.

Estudo aponta que as crenças sobre o câncer do colo do útero são mais incidentes nas mulheres urbanas do que nas do meio rural, pois acreditam que a doença é causada devido à má sorte ou destino e que não há muito que se possa fazer para prevenir o câncer cervical.1111. Marván ML, Ehrenzweig Y, Catillo-López RL. Fatalistic beliefs and cervical cancer screening among Mexican women. Health Care Women Int [Internet]. 2016 [cited 2016 Jun 30]; 37(1):140-54. Available from: doi 10.1080/07399332.2014.959169
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O diagnóstico de câncer atinge diretamente a integridade do ego da cliente, que se encontra extremamente fragilizada e vulnerável. Essa situação é geradora de angústia pelo medo da dor, da separação e da morte.1212. Barros AG, Melo MCP, Santos VEP. Meanings attributed to cancer by a group of women. Rev Enferm UERJ [Internet]. 2014 [cited 2015 Aug 29]; 22(1):129-33. Available from: http://www.facenf.uerj.br/v22n1/v22n1a20.pdf
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O vivido de quem se descobre com câncer é modificado, independentemente de como a pessoa encare esta nova fase em sua vida, onde pode denotar perplexidade e medo da finitude, propiciando preocupações sobre a recuperação e a qualidade da sobrevida. É comum a mulher passar por um período de questionamentos e revisão sobre como vinha levando a vida até então, com reavaliação de crenças e valores.1010. Vieira EM, Santos DB, Santos MA, Giami A. Experience of sexuality after breast cancer: a qualitative study with women in rehabilitation. Rev. Latino-am. Enfermagem. [Internet]. 2014 [cited 2015 Sep 02]; 22(3):408-14. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v22n3/pt_0104-1169-rlae-22-03-00408.pdf
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Este tipo de situação é definido como sistema de relevâncias, quando precisamos decidir quais elementos devem ser transformados em nossas vidas.8

Neste caso, como facilitador, cabe ao enfermeiro na consulta de enfermagem satisfazer às necessidades de educação dessas clientes, a fim de que todo o seu potencial de enfrentamento da doença seja aproveitado, uma vez que seus hábitos de vida poderão ser modificados. Essa circunstância se dá pela intersubjetividade, que é uma situação compartilhada por duas ou mais pessoas capazes de se comunicar mutuamente.88. Schutz A. Sobre fenomenologia e relações sociais. Petrópolis (RJ): Vozes; 2012. Se um entende a intenção do outro e corresponde a ela, atende às suas expectativas.

O cuidado profissional de enfermagem implica num tipo de relação social específica entre os sujeitos que dela participam. É um cuidado que agrega a dimensão técnico-científica, que o diferencia do praticado pelo senso comum, além de se pautar na intersubjetividade, no acervo de conhecimentos e na situação biográfica do profissional cuidador.99. Monteiro ACM, Rodrigues BMRD, Pacheco STA. O enfermeiro e o cuidar da criança com câncer sem possibilidade de cura atual. Esc. Anna Nery [Internet]. 2012 [cited 2015 Sep 01]; 16(4):741-6. Available from: http://www.revistaenfermagem.eean.edu.br/detalhe_artigo.asp?id=812
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Estudo aponta que no ensejo da relação entre profissionais e clientes pode ter consequências importantes, tanto na adesão, quanto nos resultados terapêuticos, porque é necessário confiança no tratamento e no profissional. O avanço tecnológico e a consequente divulgação na mídia dos sucessos terapêuticos, a sua confirmação e o planejamento terapêutico para a cliente exigem sensibilidade dos profissionais de saúde e comunicação adequada, com uso de linguagem simples, a fim de que o cliente e sua família conheçam a doença, o tratamento e possam confiar na equipe profissional.1212. Barros AG, Melo MCP, Santos VEP. Meanings attributed to cancer by a group of women. Rev Enferm UERJ [Internet]. 2014 [cited 2015 Aug 29]; 22(1):129-33. Available from: http://www.facenf.uerj.br/v22n1/v22n1a20.pdf
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Na busca do cuidado pelas clientes, ressalta-se a presença da equipe multidisciplinar, com cada profissional atuando de acordo com sua competência, unindo forças para que o atendimento aconteça. A associação das ações das diversas especialidades da área da saúde, persiste o fortalecendo da parceria no cuidado e o bem estar do cliente. Nortear a clientela adequadamente dentro do sistema de saúde é dever de todas as equipes atuantes, para que alcancemos um cuidar humanizado. Neste processo, estamos todos ensinando e aprendendo, clientes e profissionais.

Deste modo, uma abordagem múltipla com diferentes armas de defesa contribui para o progresso geral do conhecimento sobre câncer. A defesa educacional envolve a melhoria da consciência do câncer entre os clientes, suas famílias e ao público por meio de diferentes modalidades, como o incentivo à divulgação por mídia impressa, rádio, e até eventos sociais podem ser utilizados como plataformas onde este conhecimento pode ser disseminada.1313. Mutebi M, Edge J. Stigma, survivorship and solutions: addressing the challenges of living with breast cancer in low-resource areas. SAMJ, S. Afr Med J. [Internet]. 2014 May [cited 2016 Jun 30]; 104(5):382. Available from: http://www.scielo.org.za/pdf/samj/v104n5/30.pdf
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Ainda refletindo sobre parcerias, identificou-se que no processo de cuidar que o enfermeiro deve levar em conta a relação da pessoa cuidada com os seus pares. Nos depoimentos, observou-se a importância da família, inserida no contexto da cliente. Trata-se de um exemplo da ação educativa sendo ampliada a quem convive com a cliente, que para a Fenomenologia Sociológica pode ser interpretada como entender a importância da rede social do outro.88. Schutz A. Sobre fenomenologia e relações sociais. Petrópolis (RJ): Vozes; 2012.

Ao buscar orientações, as clientes possuem preocupação especial com o autocuidado e, assim como as dúvidas são peculiares a cada cliente, as orientações de enfermagem devem igualmente atentar para a singularidade dos sujeitos. O que se deseja é que o cuidado de enfermagem realizado na consulta auxilie as clientes a conviver com o câncer, tornando-as tão independentes quanto o seu estado geral de saúde permitir.

Entendendo a intencionalidade como atos de trabalho em curso, dirigidos para os objetos e objetivos a serem relizados,88. Schutz A. Sobre fenomenologia e relações sociais. Petrópolis (RJ): Vozes; 2012. a atitude natural do enfermeiro ao cuidar da cliente deverá ser a de atribuir um cuidado que tenha significado para esta. Afinal, o câncer é uma doença devastadora, com estatísticas alarmentes, muitas vezes com prognóstico sombrio,55. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Controle dos cânceres do colo do útero e da mama [Internet]. Departamento de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2013 [cited 2013 Jan 5]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/controle_cancer_colo_utero_mama.pdf Portanto, o planejamento da assitência para estas clientes deve ser realizado de maneira flexível, a fim de contemplar a sua situção biográfica.

Ficou evidente um aspecto em comum na fala das clientes: a importância do processo educativo para estas, quando mencionaram a busca por orientações, repetidas vezes, ao longo do tratamento, sempre que necessário. A situação das clientes, no que se refere à braquiterapia ginecológica, gera a atitude natural de procurar enfrentar o procedimento da melhor forma possível para elas.

A esperança da cura passa a ser prioridade na vida dessas pessoas e todas as suas ações são dirigidas para este objetivo. Isto gera um padrão de conduta típico, que é o de querer se informar para vivenciar a fase que está por vir. Portanto, a necessidade de uma mudança de comportamento dessas clientes deve ser satisfeita de acordo com a singularidade de cada uma delas, adequando-se a proposta de cuidado a essas necessidades, e isso ocorre quando os interesses da cliente e do enfermeiro passam a ser mútuos, dentro do processo educativo.

O mencionado processo está relacionado com diversas questões práticas, como o planejamento do autocuidado no domicílio e a organização do cotidiano dessas clientes. Nas entrevistas realizadas para o corrente estudo, incluídos nas razões que motivam o comparecimento das clientes às consultas de enfermagem, encontramos o medo, dúvidas em geral, ansiedade e a genuína necessidade de esclarecimento. Se o mundo da vida do ser humano é modificado com o aparecimento de qualquer doença, cabe ao enfermeiro acompanhar a pessoa doente e a sua rede social neste processo de mudança, para viver a atual realidade.

Assim, identificou-se o valor que a orientação tem para a clientela, devendo o processo educativo ser configurado como cuidado de enfermagem dentro das unidades de saúde, e não apenas como uma atividade isolada, fora do contexto do cuidado.

Neste sentido, ensinar e aprender não é apenas a reprodução de condutas técnicas relacionadas com procedimentos científicos. É o ensinar e aprender a pensar, a agir, a ter um comportamento adequado para vivenciar este ciclo da vida que se apresenta na singularidade de cada sujeito, seja este cliente ou enfermeiro. Afinal, a consulta de enfermagem tem como meta atender às necessidades do ser humano, sendo a principal destas viver com qualidade de vida.

Diante de tais perspectivas acerca da relação de troca intersubjetiva existente na consulta de enfermagem, as ações da consulta devem ser realizadas de modo integrado e participativo. Nesse contexto, cabe ao enfermeiro ser perspicaz e sensível para apreender vivências das mulheres assistidas, ciente de que cada uma delas é única e reage, igualmente, de maneira diferenciada.1414. Frohlich M, Benetti ERR, Stumm EMF. Experiences of women with breast cancer and actions to reduce stress. Rev enferm UFPE on line [Internet]. 2014 [cited 2015 Aug 29], 8(3):537-44. Available from: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/viewFile/5695/pdf_4674
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Estudo sobre lesões precursoras de câncer de colo de útero em grupos de mulheres com idade reprodutiva e não reprodutiva, apontou que o medo mostrou-se diferente, porém existente para cada grupo. Para mulheres em idade não reprodutiva, o câncer pode ser compreendido em ameaça, sendo representada como uma doença grave e pode levar a morte, consequentemente, sentimentos de angústia e pavor poderão surgir. Estes sentimentos relacionados ao câncer em geral e ao cancêr do colo do úterosão criados e perpetuados pelo próprio discurso de risco e vulnerabilidade. O grupo de mulheres em idade reprodutiva demonstrou o medo frente às possibilidades de perdas, pela forte identificação da mulher com a maternidade.1515. Carvalho MCMP, Queiroz ABA, Moura MAV. Social images among women with precursory lesions of cervical cancer: study of social representations. Rev enferm UERJ [Internet]. 2014 [cited 2015 Aug 29]; 22(3):383-8. Available from: http://www.facenf.uerj.br/v22n3/v22n3a15.pdf
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A perspectiva da finitude perpassa a mente das clientes, merecendo especial atenção. Uma vez que a percepção da morte tem um significado especial para cada ser humano, o enfermeiro deve estar vigilante para não compartilhar seus próprios valores sobre o morrer. O profissional deve realizar o cuidado sob a ótica da redução fenomenológica, que acontece quando deixamos nossas crenças e opiniões em suspenso para ouvir o que o outro está dizendo, sem julgá-lo.88. Schutz A. Sobre fenomenologia e relações sociais. Petrópolis (RJ): Vozes; 2012.

Durante o processo de adoecimento, a situação biográfica das clientes apresenta-se modificada diversas vezes, dependendo da fase em que estas se encontrem do tratamento oncológico, sendo possível comparar seu estado de espírito antes e depois do mesmo. A pessoa diagnosticada com câncer é retirada do seu mundo da vida e colocada em outro, com o qual tem de conviver e estabelecer novas relevâncias, uma vez que a nova prioridade é sua saúde.

Segundo a Fenomenologia Social,8 neste caso é preciso consultar o estoque de conhecimento atual para se fazer planos para o futuro, e resolver, na medida do possível, a questão que o câncer passa a ter prioridade em relação ao projeto original, o anterior ao diagnóstico clínico mesmo assim, quem adoece, embora tenha de conviver com novas relevâncias impostas, não abandona sua bagagem de conhecimentos anteriores pela atual condição de saúde. O passado não é apagado. O que muda é a intencionalidade, que será definida a partir de como o indivíduo vai enfrentar o processo de adoecimento.

A proximidade do fim do tratamento traz de novo a perspectiva do futuro para as clientes, que se dizem aliviadas com esta fase. Para estas, já é possível repensar suas prioridades, renovar suas intenções e planejar sua conduta para adiante. O cuidado de enfermagem deve ser igualmente voltado para o futuro, reforçando-se com a cliente a importância do autocuidado e rememorando quais seriam estes, de acordo com a necessidade de cada uma. Nesta fase final, o enfermeiro pode refletir sobre o aprendizado que teve com cada cliente, ao planejar o cuidado para as próximas.

De acordo com os depoimentos, o temor do tratamento possui várias vertentes. O medo do desconhecido pode adquirir dimensões preocupantes e afetar significativamente o lado emocional das clientes, se não for contornado ou controlado. As sensações podem ser tão aflitivas que levam à desistência do tratamento ou à ineficácia do mesmo, pelo não comparecimento da cliente à unidade de saúde como deveria, cumprindo todas as etapas deste.

Estudo internacional revela que a situação de vulnerabilidade social para pessoas com câncer concretamente aumentou seu sofrimento, além de desigualdades sociais, aparentemente ligadas à hierarquia social, também possibilitou o aumento do sofrimento de pessoas com câncer.1616. Saarnio L, Arman M, Ekstrand P. Power relations in patient's experiences of suffering during treatment for cancer. J Adv Nurs [Internet]. 2012 [cited 2016 Jun 30]; 68(2):271-9. Available from: doi: 10.1111/j.1365-2648.2011.05731.x
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Diante do exposto, é importante que toda dúvida seja dirimida, todas as questões exauridas, no processo educativo. Não existe pergunta recorrente. Assunto que não foi resolvido é assunto que não foi explorado como deveria. Ter medo constitui-se em uma atitude natural de quem tem câncer. É um sentimento que só diminui ou deixa de existir quando tudo que se refere a este for manejado adequadamente.

Nesse sentido, a aplicação de estratégias de educação em saúde, desempenhada especialmente pelo enfermeiro, devem atender as necessidades de aprendizagem, onde nem todos os indivíduos percebem a própria necessidade de obter conhecimento sobre determinado assunto, cabendo ao enfermeiro ajudá-los a identificar, esclarecer e priorizar as necessidades e os interesses deles.17 Sendo assim, os enfermeiros devem ser capazes de possuir uma escuta qualificada, com princípios de humanização, responsabilização e comprometimento com as necessidades do outro. Para que esta perspectiva se torne real, é preciso que o enfermeiro traduza o discurso em ações.1818. Costa PCP, Garcia APRF, Toledo VP. Welcoming and nursing care: a phenomenological study. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2016 [cited 2016 Jun 30]; 25(1):e4550015. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v25n1/0104-0707-tce-25-01-4550015.pdf
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Se, durante os contatos com o enfermeiro, é criada uma empatia, uma relação de ajuda pode ser estabelecida entre este e a cliente, culminado com a resolução de problemas. Isto caracteriza a troca que existe no ensino e na aprendizagem de cada cliente e de cada enfermeiro, durante o processo de tratamento. A cliente aprende e ensina a administrar os seus temores, e o enfermeiro aprende e ensina a conhecer as causas desses temores e a criar possibilidades para a superação dos mesmos.

Com o referencial da Fenomenologia Social, é possível desvelar que as clientes do cuidado, na enfermagem, tanto no âmbito individual quanto no coletivo, estão inseridos em um contexto sócio-histórico e cultural que precisa ser valorizado. Nesse sentido, a situação biográfica e o acervo de conhecimentos de que dispõem são importantes sinalizadores para o planejamento e a efetivação das ações de cuidado profissional.

Assim, este referencial traz à tona a importância de pensar o cuidado sob a ótica das relações que dele emanam, considerando a perspectiva dos sujeitos envolvidos na ação de cuidar em Enfermagem,1919. Jesus MCP, Capalbo C, Merighi MAB, Oliveira DM, Tocantins FR, Rodrigues BMRD, Ciuffo LL. The social phenomenology of Alfred Schütz and its contribution for the nursing. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2013 [cited 2015 Jul 05]; 47(3):736-41. Avaliable from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n3/0080-6234-reeusp-47-3-00736.pdf
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debruçando-se sobre o mundo da vida social, recorrendo para tal a um método de análise descritiva da constituição da experiência cotidiana.2019. Jesus MCP, Capalbo C, Merighi MAB, Oliveira DM, Tocantins FR, Rodrigues BMRD, Ciuffo LL. The social phenomenology of Alfred Schütz and its contribution for the nursing. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2013 [cited 2015 Jul 05]; 47(3):736-41. Avaliable from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n3/0080-6234-reeusp-47-3-00736.pdf
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Devem-se considerar algumas limitações do estudo que podem dificultar a sua generalização de resultados, como o número limitado de participantes e a possibilidade de variáveis socioculturais que possam influenciar no estudo.

CONCLUSÃO

Constatou-se que, para as mulheres que passam pela consulta de enfermagem antes da braquiterapia ginecológica, o enfrentamento da terapia é mais tranquilo. Inclusive, esta tranquilidade, em diversas ocasiões, contribuiu para a redução do tempo de anestesia, fato observado no cotidiano do cuidado. Assim sendo, as consultas de enfermagem reduzem a ansiedade e auxiliam as clientes na compreensão do tratamento proposto.

As participantes deste estudo foram mulheres submetidas a longo tempo de tratamento, que variou de meses a anos. Algumas clientes precisaram ficar hospedadas nas proximidades das instituições em tela, por viverem distante. O medo e a preocupação com a doença modifica o cotidiano dessas mulheres. Como a incerteza no futuro é uma constante para a cliente submetida à braquiterapia ginecológica, fica difícil para eladefinir uma atitude padrão diante do câncer, uma vez que a patologia afeta de maneira individual cada mulher em questão. Cabe ao enfermeiro aprender a conhecer como isto acontece para cada cliente e ajudá-la a vivenciar a doença e o tratamento.

Refletindo na individualidade das clientes entrevistadas neste estudo, foi gratificante constatar que, com a prática da consulta de enfermagem, o enfermeiro se torna um referencial para estas, em parceria com os outros membros da equipe hospitalar.

Assim, é necessário considerar o amplo contexto acerca da oferta da consulta de enfermagem em radioterapia em outros serviços e o impacto que os sentidos que as mulheres dão ao processo doloroso e invasivo da braquiterapia, podendo as instituições modificarem seus protocolos a partir da voz de quem vivencia esse momento.

O presente estudo suscita reflexões acerca dos significados da vivência de mulheres com câncer e seus reflexos nas relações sociais. Os resultados poderão ser amplamente apreciados e discutidos pela comunidade científica e acadêmica, incluindo a área de enfermagem. As perspectivas registradas podem ser ampliadas em outros serviços de atenção à saúde, além do complexo assistencial em câncer ginecológico. Para tanto, espera-se colaborar para a compreensão do mundo da vida por meio dos significados produzidos por mulheres que vivenciam o tratamento a partir da realidade no cotidiano que estão envolvidas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2016
  • Aceito
    23 Ago 2016
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