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SERVIÇO ESPECIALIZADO EM TRANSPLANTE HEPÁTICO EM UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO: UM ESTUDO DE CASO

RESUMO

Objetivo

descrever o fluxo do serviço especializado no atendimento em transplante hepático de um hospital universitário.

Método:

pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso, realizada em um serviço de transplante do sul do Brasil. A coleta dos dados ocorreu no período de novembro de 2013 a fevereiro de 2014 por meio da triangulação dos dados, análise documental, entrevistas semiestruturadas com 11 profissionais e observações diretas. A análise de dados foi realizada pela análise de conteúdo temática.

Resultados:

os achados descreveram o fluxo do serviço e revelaram a atuação de uma equipe multidisciplinar de forma coesa, com competência reconhecida por pacientes e demais setores da instituição, carências estruturais no serviço para atendimento de pacientes imunossuprimidos.

Conclusão:

constatou-se que há necessidade de estudos que abordem as estruturas dos atendimentos em serviços de transplante de fígado e avaliem o impacto da qualidade dessas na expectativa de vida e na adequada recuperação das pessoas submetidas ao transplante hepático.

DESCRITORES:
Transplante de fígado; Equipe de assistência ao paciente; Fluxo de trabalho

ABSTRACT

Objective:

was to describe the flow of a specialist service in the care of liver transplant in a university hospital.

Method:

a qualitative research in the form of a case study, performed in a transplant service in southern Brazil. Data collection occurred from November 2013 to February 2014 through the triangulation of data, document analysis, structured interviews with 11 professional and semi direct observations interviews. Data analysis was performed by analysis of thematic content.

Results:

describes the flow of service and revealed the involvement of a multidisciplinary team in a cohesive manner, with competence recognized by patients and other sectors of the institution and structural deficiencies in care service for immunosuppressed patients.

Conclusion:

it was found that there is a need for studies that address the structures of care in liver transplantation services and to evaluate the impact of the quality of the life expectancy and proper recovery of persons undergoing liver transplantation.

DESCRIPTORS:
Liver transplantation; Patient care team; Workflow

RESUMEN

Objetivo:

describir el flujo de servicio que se especializa en el cuidado de trasplante de hígado.

Método:

la investigación cualitativa, estudio de caso, realizado en un servicio de trasplante en un hospital universitario en el sur de Brasil. La recolección de datos se produjo de la Investigación, a partir de noviembre 2013 a febrero 2014 a través de la triangulación de datos, análisis de documentos, entrevistas estructuradas con 11 profesionales y semi observaciones entrevistas directas. El análisis de datos se realizó mediante el análisis de contenido temático.

Resultados:

describir el flujo de servicio y revelaron la participación de un equipo multidisciplinario de manera coherente, con reconocida competencia por los pacientes y otros sectores de la institución y las deficiencias estructurales en el servicio de atención a los pacientes inmunodeprimidos.

Conclusión:

se encontró que hay una necesidad de estudios que se ocupan de las estructuras de atención en los servicios de trasplante de hígado y evaluar el impacto de la calidad de la esperanza de vida y la recuperación adecuada de las personas sometidas a un trasplante de hígado.

DESCRIPTORES:
Trasplante de hígado; Equipo de atención al paciente; Flujo de trabajo

INTRODUÇÃO

O transplante de órgãos e tecidos está consolidado mundialmente como recurso terapêutico, utilizado para cura de doenças e melhoria da qualidade de vida em indivíduos, acometidos por patologias crônicas.11. Boin IFSF, Leonardi MI, Udo EY, Sevá-Pereira T, Stucchi RSB, Leonardi LS. Aplicação do escore MELD em pacientes submetidos a transplante de fígado: análise retrospectiva da sobrevida e dos fatores preditivos a curto e longo prazo. Arq Gastroenterol. 2008 Out-Dez; 45(4):275-83.Nos Estados Unidos, estudo publicado em 2014 sinaliza que, a partir de 26 de julho de 2013, houve 118.895 americanos aguardando o transplante de órgãos, entre os quais 15.773 estavam à espera de transplantes de fígado.22. Chen HM, Shih FJ, Pan YJ, F.J. Shih FJ, Wang SS. The needs and expectations of overseas liver transplant recipients' families in Taiwan: across different transplantation stages.Transplant Proc. 2014 Apr; 46(3):782-4.Experiências mundiais confirmam o sucesso do transplante hepático como terapia de cura definitiva do carcinoma hepatocelular, sétimo tipo de câncer mais comum em todo o mundo, pois permite a remoção total do tumor,33. Mazzaferro V, Bhoori S, Sposito C, Bongini M, Langer M, Miceli R, et al. Milan criteria in liver transplantation for hepatocellular carcinoma: an evidence-based analysis of 15 years of experience. Liver Transpl. 2011 Oct; 17(10): S44-57.-44. Lucey MR, Terrault N, Ojo L, Hay JE, Neuberger J, Blumberg E, et al. Long-term management of the successful adult liver transplant: 2012 Practice Guideline by the American Association for the Study of Liver Diseases and the American Society of Transplantation. Liver Transpl. 2013;19 (1): 3-26.e, ainda, é tratamento indicado para pacientes com cirrose descompensada e insuficiência hepática aguda.55. Salvalaggio P, Afonso CR, Pereira LA, Ferraz-Neto B. Sistema MELD e a mortalidade em lista de espera para transplante de fígado em países em desenvolvimento: lições aprendidas em São Paulo. Einstein. 2012; 10(3):278-85.

O sistema público de saúde brasileiro oferece acesso gratuito e irrestrito a serviços para toda a população, que necessita de transplante de órgãos e tecidos.66. Dalbem GG, Caregnato RCA. Doação de órgãos e tecidos para transplante: recusa das famílias. Texto Contexto Enferm. 2010; 19(4):728-35.O país possui um dos maiores programas públicos de transplantes do mundo com uma política fundamentada nas Leis n. 9.434/1997 e n. 10.211/2001, que trazem como diretrizes a gratuidade da doação, a beneficência em relação aos receptores e a não maleficência em relação aos doadores vivos.77. Associação Brasileira de Transplante (ABTO) [página na Internet]. São Paulo: SP; 2012. [cited 2012 Set 08]. Available from: www.abto.org.br

No cenário mundial, o Brasil está presente como o segundo país em número de transplantes realizados por ano e, destes, mais de 90% ocorrem pelo SUS. Por sua vez, o Estado de Santa Catarina ocupa lugar de destaque no panorama nacional tendo sido, em 2011, o Estado brasileiro, que obteve o melhor índice de doadores efetivos de órgãos por milhão de população. Essa situação permitiu que o estado atingisse uma marca histórica no Brasil sendo considerado o primeiro a ultrapassar os 25 doadores por milhão de população.88. Lopes AD, Magalhães N. Muito além da cirurgia. Revista VEJA [Internet]. 2009 [cited Jun 2014]; Edição 2007. Avaliable from: http://veja.abril.com.br/080409/p_102.shtml
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O transplante de fígado vem sendo utilizado em crescente escala como terapia para doenças hepáticas terminais desde a década de 1980, após sua aprovação pelo National Health Institute (NHI), dos Estados Unidos da América, em 1983. O sucesso da técnica é indicado por estatísticas animadoras, pois de 1985 a 2011, cerca de 100.000 pessoas foram submetidas ao transplante hepático e, dessas, 30.000 haviam sobrevivido mais de cinco anos; 16.000 mais de dez anos após o enxerto.99. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Hospital Universitário. Diretoria de Enfermagem. Manual dos cuidados de enfermagem em pacientes candidatos a transplante hepático [Internet]. Florianópolis (SC); 2012 [cited 2014 May 13]. Available from: http://www.hu.ufsc.br/documentos/manual_candidatos_transplante_hepatico.pdf
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No Brasil, os transplantes de fígado são realizados desde o ano de 1968.1 A partir do avanço tecnológico e aprimoramento das técnicas cirúrgicas, foi possível otimizar o tempo da cirurgia e recuperação dos pacientes submetidos ao transplante hepático. Há 20 anos, a cirurgia durava de 17 a 24 horas e, atualmente, leva em média cinco horas. O tempo de recuperação pós-operatória também reduziu, de 30 dias para duas semanas ou dez dias, em alguns casos.1010. Hospital Sírio Libanês (HSL) [Internet]. São Paulo: SP; 2012. [cited 2013 Aug 15]. Available from: http://www.hospitalsiriolibanes.org.br/hospital/especialidades/nucleo-avancado-figado/doencas-hepaticas/Paginas/transplante-hepatico.aspx

Os critérios utilizados para distribuição dos órgãos em transplantes hepáticos são realizados através da seguinte ordem: tipagem sanguínea, peso do doador e do receptor e o Model for End-Stage Liver Disease/Modelo para Doença Hepática Terminal (MELD)99. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Hospital Universitário. Diretoria de Enfermagem. Manual dos cuidados de enfermagem em pacientes candidatos a transplante hepático [Internet]. Florianópolis (SC); 2012 [cited 2014 May 13]. Available from: http://www.hu.ufsc.br/documentos/manual_candidatos_transplante_hepatico.pdf
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. O sistema MELD é um índice baseado na gravidade da doença e corresponde a um valor numérico que varia de 6 a 40. Os pacientes mais graves apresentam MELDs mais elevados, e são priorizados na alocação dos enxertos hepáticos.1010. Hospital Sírio Libanês (HSL) [Internet]. São Paulo: SP; 2012. [cited 2013 Aug 15]. Available from: http://www.hospitalsiriolibanes.org.br/hospital/especialidades/nucleo-avancado-figado/doencas-hepaticas/Paginas/transplante-hepatico.aspx

Diante da notoriedade da terapêutica do transplante hepático, alicerçada por políticas públicas consolidadas, e o interesse das instituições públicas de saúde em prestar esse serviço à população, indaga-se: como está estruturado o fluxo de atendimento especializado em transplante hepático em um Hospital Universitário (HU) da região sul do Brasil? Para tanto, constitui-se como objetivo desse estudo descrever o fluxo de um serviço especializado ao atendimento em transplante hepático em um HU da região sul do Brasil.

Dessa forma, a realização de um estudo de caso em um HU, acerca do fluxo de atendimento especializado em transplante hepático, torna-se relevante para compreender como esse fluxo funciona e quais são as fragilidades e dificuldades enfrentadas. Através da visibilidade do funcionamento do fluxo, suas potencialidades e fragilidades tornam-se notórias, viabilizando a reflexão e discussão acerca das melhorias, que podem ser realizadas na atenção em saúde e enfermagem.

MÉTODO

O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa. A abordagem escolhida foi o estudo de caso único institucional, que se propôs a explorar um único fenômeno em um único local, o transplante hepático em um HU. O estudo de caso, como estratégia de pesquisa, é utilizado, em muitas situações, para contribuir com o conhecimento que se possui de fenômenos individuais, organizacionais, sociais, políticos e de grupos.1111. Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3a ed. Porto Alegre: Bookman; 2010.

O estudo foi desenvolvido em um hospital universitário localizado na região sul do Brasil. O HU é um hospital totalmente público, concebido na perspectiva do trinômio ensino, pesquisa e extensão, e atende à comunidade local, aos visitantes e a turistas.1212. Ministério da Educação (BR) [Internet]. Relação dos Hospitais Universitários. Brasília: MS; 2013 [cited 2014 Jun 01]. Available from: http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=512&

Para realização da coleta de dados optou-se pelas técnicas de pesquisa documental, entrevista semiestruturada e observação direta. A coleta de dados ocorreu no período de novembro de 2013 a fevereiro de 2014. A entrada no campo deu-se pelo primeiro contato junto à enfermeira do serviço de transplante hepático, que apresentou o serviço e os demais profissionais que o compõe, além de autorizar a etapa de observação direta.

As informações documentais foram provenientes de prontuários de três pacientes submetidos ao transplante hepático no HU, no sentido de identificar o fluxo do atendimento a esses pacientes no serviço. Cabe ressaltar que, para a pesquisa documental em prontuários, foi realizada a prospecção de pacientes em atendimento no ambulatório do HU, onde os mesmos foram convidados a participar do estudo e, nessa ocasião, concederam sua autorização por meio da assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Dessa forma, foram utilizados três prontuários no sentido de identificar o fluxo do atendimento a estes pacientes no serviço e dos fluxos existentes que expressam o atendimento da enfermagem na instituição. O instrumento utilizado para coleta de dados dos prontuários foi elaborado pela pesquisadora e faz referência ao setor e profissional que realizou o atendimento ao paciente e objetivou confirmar o fluxo percorrido pelo paciente no serviço.

A etapa de entrevistas consistiu em conhecer os sujeitos integrantes da equipe e seus entendimentos sobre o atendimento ao transplante hepático. Utilizou-se a técnica metodológica snowball, o que permitiu a cada informante indicar o próximo informante da investigação e, assim, sucessivamente. Excluiu-se, dessa etapa, os trabalhadores, que estavam em período de férias, de licença médica e, ainda, aqueles que não possuem uma rotina de horários no serviço, como alguns integrantes da equipe cirúrgica, que desenvolvem atividades na instituição conforme demanda de órgãos doados e enxertos realizados.

A equipe que atuava no atendimento ao transplante hepático era composta por 24 profissionais médicos (12), enfermeiros (sete), psicólogo (um), assistente social (um), fisioterapeuta (um), nutricionista (um), farmacêutico (um), bioquímico (um) e dentista (um). No entanto, este quantitativo pode ser acrescido de outros profissionais que, indiretamente, participam, de modo relevante, da configuração do atendimento ao paciente que necessita de transplante hepático, justificando, dessa forma, a escolha da técnica metodológica snowball.

Assim, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 11 profissionais da equipe de transplante hepático do HU, os quais foram convidados a participar do estudo (através da técnica snowball) e manifestarem seu interesse e aceitarem, por meio de TCLE, participar da pesquisa, sendo um nutricionista, dois médicos, um farmacêutico, um fisioterapeuta, quatro enfermeiros, uma psicóloga e um assistente social. Para garantia do sigilo das informações e o anonimato dos profissionais, os participantes envolvidos no estudo foram identificados pela letra "P" de participantes, seguido por uma numeração ascendente. Esse modo de identificar apoiou-se no fato da equipe contar com representantes únicos de algumas categorias profissionais, e identificar suas profissões poderia acarretar exposições desnecessárias.

Foi utilizada a técnica de entrevista semiestruturada, norteada por instrumento próprio, desenvolvido pelo pesquisador, com as seguintes questões: 1) Como ocorre o atendimento ao paciente que necessita ser submetido ao transplante hepático? Como a equipe organiza o atendimento? 2) Como ocorre o atendimento ao paciente, que foi submetido ao transplante hepático? Como a equipe organiza o atendimento? 3) Como ocorre o atendimento ao paciente, que realizou transplante hepático no sentido de acompanhamento pós-alta hospitalar? Como a equipe organiza o atendimento? 4) Quais aspectos que você identifica como facilitadores no atendimento ao paciente que irá submeter-se ou já foi submetido ao transplante hepático? 5) Quais aspectos que você identifica como entraves/dificuldades no atendimento ao paciente, que irá submeter-se ou já foi submetido ao transplante hepático?

A observação direta consistiu na observação o fluxo do atendimento e rotinas do serviço. Foi realizada por meio do acompanhamento do funcionamento do serviço em turnos integrais, em cinco períodos de seis horas. Nessas observações, foram acompanhadas consultas, procedimentos, orientações junto aos pacientes no ambulatório de transplante hepático e unidade de internação cirúrgica e, também, uma reunião com toda a equipe que compõe o serviço. Para registro dos dados, elaborou-se um diário de campo com destaque ao dia, horário, setor e aspectos observados.

A análise de dados foi orientada pela da análise de conteúdo temática.1313. Minayo MCS. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 29a ed. Petrópolis: Vozes; 2010.Esse método de análise permite a articulação com uma das estratégias analíticas do estudo de caso, que tem como objetivo analisar os dados do estudo, construindo uma explanação sobre o caso.1111. Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3a ed. Porto Alegre: Bookman; 2010.Para o desenvolvimento da análise de conteúdo temática, seguiu-se as seguintes etapas: 1a etapa - Pré-análise: iniciou-se com a transcrição na íntegra das informações gravadas nas entrevistas semiestruturadas. Após as transcrições realizadas em documento no programa Word, foi iniciada uma leitura compreensiva do material existente e selecionado manualmente, que são as falas mais particulares, no sentido de enriquecer a discussão com base nos objetivos do estudo. Os dados registrados, a partir dos prontuários dos três pacientes, e a observação direta realizada nos cinco encontros permearam a seleção dos trechos das falas, contidas nas entrevistas, no sentido de confirmar ou confrontar informações, trazidas pelos participantes da pesquisa. 2a etapa - Exploração do material: nesse momento, iniciou o processo de análise, onde os conteúdos das falas foram distribuídos em três categorias temáticas; nesse artigo abordou-se a categoria temática "Fluxo de atendimento no serviço". 3a etapa - Tratamento dos resultados: nesse momento, explorou-se a categoria temática, articulando o conteúdo das informações dos participantes, coletadas nas entrevistas semiestruturadas, dos registros realizados a partir dos documentos, e da observação com os pressupostos do estudo e a fundamentação teórica.1111. Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3a ed. Porto Alegre: Bookman; 2010.Logo, efetivou-se a triangulação dos dados selecionados.

No presente estudo, respeitou-se os princípios éticos, abordados na Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, que trata das Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo Seres Humanos.1414. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução n. 466 de 12 de dezembro de 2012: aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília: MS; 2012.O estudo foi submetido à apreciação e à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) sob o parecer de número 454.283. Garantiu-se o sigilo e anonimato dos participantes, sendo que os dados documentais, de entrevistas e observacionais foram coletados somente após a autorização verbalizada e escrita dos participantes, mediante suas assinaturas nos TCLE's.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para melhor elucidar os resultados obtidos, através das técnicas metodológicas utilizadas no estudo, optou-se por construir uma categoria temática, que aborda o fluxo de atendimento propriamente dito, o que possibilitou a discussão das especificidades existentes no processo de atendimento do serviço especializado em transplante hepático no HU.

Fluxo de atendimento no serviço

Foi constatado, durante a observação e por meio das entrevistas, que a porta de entrada ao serviço de transplante hepático do HU é o ambulatório de gastroenterolgia, que atende aos pacientes referenciados da atenção básica de todos os municípios do estado de Santa Catarina. O fluxo do atendimento do serviço especializado em transplante hepático do HU segue o modelo organizacional de ações e serviços de saúde preconizados pelo Ministério da Saúde por meio das Redes de Atenção à Saúde (RASs). As RASs têm como objetivo potencializar o desempenho do sistema de saúde em termos de acesso, equidade, eficácia clínica, sanitária e eficiência econômica, buscando manter relações horizontais entre os serviços de atenção à saúde e, nessa estruturação, os usuários do SUS caminham nas Redes para buscar a atenção à sua saúde, e dependem da eficácia dessa articulação para ter suas necessidades atendidas.1515. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Portaria n. 4.279 de 30 de dezembro de 2010: estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília: MS; 2010.

A equipe de transplante de órgãos, necessariamente, é multi ou interdisciplinar.16 Uma vez realizadas consultas médicas e exames, que enquadrem o paciente nos parâmetros legais, para tornar-se um candidato ao transplante, esse é avaliado por profissionais de diferentes áreas, que compõem a equipe, para então ser inserido em lista de espera de um órgão. Na consulta de enfermagem, o paciente recebe um manual elaborado no HU, contendo informações sobre como é realizado o transplante e as mudanças de estilo de vida necessárias após a realização. O paciente leva para casa esse material, onde poderá compartilhar com sua família e trazer as dúvidas existentes para esclarecimentos em consultas posteriores. A definição do candidato ao transplante é realizada em reuniões com todos os integrantes da equipe:

a partir da indicação de transplante pelos cirurgiões inicia-se o processo de avaliações deste paciente pelos demais membros da equipe multiprofissional: enfermagem, fisioterapia, nutrição, odontologia, psicologia, serviço social e banco de sangue (P9).

Um fator positivo, sinalizado pelos participantes do estudo e evidenciado na observação direta, refere-se ao atendimento realizado pela equipe multiprofissional no sentido de acolher e orientar o paciente, candidato ao transplante hepático. Na lógica da importância do envolvimento dos diferentes profissionais nesse processo, estudos55. Salvalaggio P, Afonso CR, Pereira LA, Ferraz-Neto B. Sistema MELD e a mortalidade em lista de espera para transplante de fígado em países em desenvolvimento: lições aprendidas em São Paulo. Einstein. 2012; 10(3):278-85.,1717. Andrade AM, Castro EAB de, Soares TC, Santos KB dos. Vivências de adultos submetidos ao transplante de medula óssea autólogo. Cienc Cuid Saude. 2012 Abr-Jun; 11(2):267-74.-1818. Mahmoudi H, Jafari P, Ghaffaripour S. Corresponding author:validation of the persian version of COOP/WONCA functional health status charts in liver transplant candidates. ProgTranspl. 2014 Jun; 24(2):126-31.destacam que a trajetória do paciente, desde a entrada na lista de espera por um órgão, até realizar o transplante, é permeada de um processo de questionamentos e avaliações clínicas, físicas, comportamentais e culturais e, ainda, a vida dos pacientes, após a realização do transplante, sofre implicações com impactos de modificações em seu cotidiano e no de seus familiares.1717. Andrade AM, Castro EAB de, Soares TC, Santos KB dos. Vivências de adultos submetidos ao transplante de medula óssea autólogo. Cienc Cuid Saude. 2012 Abr-Jun; 11(2):267-74.

Os participantes da pesquisa ressaltam a importância da existência do serviço no HU, visto que é possível dar continuidade ao atendimento após o diagnóstico da doença, instituindo a terapêutica do transplante junto à equipe que realizou, sem a necessidade de encaminhar o paciente a outro serviço:

ter este procedimento aqui é uma coisa muito boa porque nós vemos os nossos pacientes em condições ruins, eles passarem a ter condições boas, e eles não precisarem modificar o ambiente de tratamento deles, modificar as pessoas que cuidam dele na mesma estrutura que eles tão habituados, porque eles chegaram numa etapa em que o atendimento não mais existe no serviço. Mas é uma conquista que, uma vez instalada, é muito difícil que a gente desista de continuar, por maiores que sejam as dificuldades (P4).

Após avaliação da equipe multiprofissional e acordado entre profissionais e paciente que seu nome será inserido em lista de espera para o transplante, a equipe do banco de sangue, também, realiza o atendimento ao paciente e a seus familiares, no sentido de orientar quanto à necessidade da doação de sangue por parte de sua rede de apoio, bem como para realização de exames pré-transplante, conforme cita o profissional:

[...] o banco de sangue participa da equipe multidisciplinar, porque como é uma cirurgia de grande porte, normalmente utiliza-se muito hemocomponentes, então assim que tiver o ok que o paciente vai entrar em lista, ele vem pra gente (P6).

A consulta pré-transplante tem como objetivo verificar a condição do paciente para suportar a cirurgia,1818. Mahmoudi H, Jafari P, Ghaffaripour S. Corresponding author:validation of the persian version of COOP/WONCA functional health status charts in liver transplant candidates. ProgTranspl. 2014 Jun; 24(2):126-31.o posterior uso de imunossupressor e os cuidados pós-transplante devem ser avaliados por profissionais da odontologia, nutrição, psicologia, serviço social e anestesiologista antes da inclusão em lista de espera. Ainda, durante o tempo em que o paciente está em lista de espera, esse deve comparecer às consultas de rotina com o grupo de transplante para avaliar a sua condição, onde é realizado o recálculo do escore MELD, podendo ocorrer mudança na prioridade de transplante em relação a outros pacientes listados.1919. Santos O, Marín J, Muñoz O, Mena A, Guzmán C, Hoyos S, et al. Transplante hepático em adultos: estado del arte. Rev Colomb Gastroenterol. 2012 Jan- Mar; 27(1):21-31.Portanto, enquanto o paciente está em lista de espera, muitos têm complicações graves e são admitidos na unidade de terapia intensiva para tratamento. Esses pacientes são, temporariamente, inadequados, ou melhor, inativos para se submeterem à cirurgia de transplante na lista de espera.2020. Hansen L, Yan Y, Rosenkranz SJ. The power of the liver transplant waiting list: a case presentation. AmJ Crit Care Nurses. 2014 Nov; 23(6):510-6.

Os profissionais verbalizam que a visita domiciliar é prática comum dos profissionais da enfermagem e serviço social com o intuito de conhecer as reais condições sociais e sanitárias, bem como a rede de apoio do paciente, para melhor orientá-lo na adaptação de um novo padrão de cuidados em saúde após a realização do transplante.

Ainda na fase de planejamento do transplante junto ao paciente, os profissionais de enfermagem e serviço social realizam visitas domiciliares quando entendem que existe a possibilidade da não adesão às mudanças necessárias no estilo de vida, incluindo a moradia, ou ainda para avaliar se o paciente possui condições financeiras e rede de apoio emocional para aderir ao tratamento pós-transplante. Pareceres negativos por parte desses profissionais, quanto à falta de condições sanitárias de moradia do paciente, pode acarretar na escolha da equipe por não realizar o transplante e optar por tratamentos paliativos da doença, entendendo que existem contraindicações sociais para a terapêutica.2121. Grossini MGF. Serviço social e transplante hepático pediátrico: o perfil sociocultural das famílias avaliadas e a intervenção do assistente social nas contra-indicações sociais para o transplante. Rev HCPA. 2009; 29 (1):33-5.

Quando se trata de paciente candidato ao transplante hepático, a importância da visita domiciliar vai além do olhar prático necessário, mas a visita por parte de um membro da equipe transplantadora representa respeito ao modo de vida das famílias, e isso os valoriza, reforçando a ideia de cumplicidade entre paciente e equipe em relação à manutenção do tratamento pós-transplante.2121. Grossini MGF. Serviço social e transplante hepático pediátrico: o perfil sociocultural das famílias avaliadas e a intervenção do assistente social nas contra-indicações sociais para o transplante. Rev HCPA. 2009; 29 (1):33-5.

É pertinente, também, sinalizar que, na medida em que o transplante hepático compreende a possibilidade da doação acontecer entre familiar vivo e receptor de órgão, isso pode redimensionar a importância da relação estabelecida entre a equipe transplantadora e os familiares, considerando-se alguns aspectos específicos. Nessa perspectiva, um estudo,2222. Rudow DLP, Lacoviello BM, Charney D. Resilience and personality traits among livingliver and kidney donors. Prog Transplant. 2014 Mar; 24(1):82-90.ao comparar a resiliência dos doadores vivos de rim ou de fígado com pessoas da comunidade, evidenciou que apesar dos doadores refletirem características psicossociais mais positivas do que a população em geral, o grupo doador de rim foi mais resiliente do que o grupo de doadores de fígado. Esse fato é justificado pela complexidade da operação de doação de fígado, associada com uma maior morbi-mortalidade pós-hepatectomia parcial do fígado, desencadeando no doador insegurança, estresse e ansiedade antes e após a doação parcial do fígado. Além disso, há uma possibilidade de coersão entre os familiares de receptores de fígado, já que, nessa situação, os doadores, necessariamente, são familiares; diferente da doação de rim.

Uma vez listado, quando surge o órgão de doador em morte encefálica, o médico responsável pela equipe é avisado pela central de transplantes e comunica à enfermeira do serviço, que aciona a equipe cirúrgica e anestésica, banco de sangue, nutrição, serviço social, fisioterapia, farmácia e psicologia. Além disso, realiza a reserva de leito na UTI e na unidade de internação cirúrgica. Concomitante a esses contatos, a enfermeira comunica o paciente e o orienta para a rápida vinda ao hospital. Na chegada do paciente, a internação hospitalar é realizada através da emergência ou internação eletiva, conforme horário de chegada do paciente ao hospital. Um dos médicos da equipe e a enfermeira do serviço recebem e encaminham o paciente no processo de internação e preparação pré-cirúrgica. A psicologia e o serviço social atuam no acolhimento à família do futuro transplantado.

Após a realização da cirurgia, o paciente é imediatamente transferido à UTI, onde é recebido pela equipe da unidade, que conta com médicos intensivistas, fisioterapeutas, enfermeiros e técnicos de enfermagem capacitados para atuarem com pacientes transplantados. Durante as primeiras vinte e quatro horas, o paciente transplantado terá um técnico em enfermagem prestando atendimento exclusivo a ele e, ainda, o acompanhamento direto da fisioterapia, visando a extubação precoce e o reestabelecimento do padrão ventilatório independente. A nutricionista acompanha o paciente desde o pós-operatório imediato, com o intuito de estabelecer o início imediato da terapia nutricional.

Após o transplante hepático o paciente é encaminhado à Unidade de Terapia Intensiva, onde deverá permanecer por dois a três dias, se não houver complicações. Nas primeiras 24h após a cirurgia, um técnico de enfermagem, que passou por curso de capacitação em 2012, prestará cuidado exclusivo para este paciente, revezando-se com outro a cada 12horas (P9).

Em um processo de resposta usual à cirurgia para enxerto no novo órgão, o paciente permanece em torno de 48 horas na UTI e logo é transferido para a unidade de internação cirúrgica, onde permanece de uma a duas semanas ou em um quarto estruturado para paciente imunossuprimido. Esse quarto conta com ante-sala com pia e materiais como aventais e máscaras, duas camas, uma para o paciente e outra para o acompanhante, que é orientado a permanecer todo o tempo junto ao paciente. O acompanhante recebe alimentação do serviço de nutrição do hospital e orientações de manejo com o recém-transplantado. Durante a internação, paciente e familiar recebem orientações acerca dos cuidados após a alta hospitalar. Mais próximo à data da alta, os diversos profissionais, principalmente, da enfermagem, nutrição e farmácia repassam informações acerca da alimentação, controle glicêmico, de pressão arterial, peso e uso contínuo de medicações.

Cada profissional instituiu um tempo de reavaliação do paciente, conforme mostra a figura abaixo, construída a partir das informações obtidas nas entrevistas com os profissionais.

O acompanhamento pós-transplante hepático é visto pelo serviço do HU como fator determinante do sucesso da terapêutica e torna-se necessário que os pacientes transplantados recebam acompanhamento ambulatorial por um longo período, visto que existe a possibilidade de complicações decorrentes do procedimento, como rejeição do enxerto,33. Mazzaferro V, Bhoori S, Sposito C, Bongini M, Langer M, Miceli R, et al. Milan criteria in liver transplantation for hepatocellular carcinoma: an evidence-based analysis of 15 years of experience. Liver Transpl. 2011 Oct; 17(10): S44-57.,2323. González JTC, Bellido BG, Riera JV, Marente CLM, Gómez MG, Artacho SJM, et al. Study of liver transplant rejection in alcoholism-induced cirrhosis. Transplantation proceedings. Transplant Proc. 2013; 45 (10):3650-2.estenose da artéria hepática, bem como a recidiva da doença.1717. Andrade AM, Castro EAB de, Soares TC, Santos KB dos. Vivências de adultos submetidos ao transplante de medula óssea autólogo. Cienc Cuid Saude. 2012 Abr-Jun; 11(2):267-74.

A figura 1 mostra a periodicidade de consultas pós-transplante hepático, instituída pelos profissionais da equipe multiprofissional do serviço do HU. Um estudo1818. Mahmoudi H, Jafari P, Ghaffaripour S. Corresponding author:validation of the persian version of COOP/WONCA functional health status charts in liver transplant candidates. ProgTranspl. 2014 Jun; 24(2):126-31. sinaliza que a consulta pós-transplante, geralmente, acontece a cada oito a 15 dias, durante os primeiros dois meses. Após esse período, a cada mês durante o primeiro ano, e segue a cada três meses. Nas avaliações, verifica-se a adequada função do enxerto de fígado e previne-se complicações a curto e longo prazo. As consultas são de suma importância para confirmar a adesão ao tratamento, a adequação do paciente ao novo estilo de vida, com mudanças na dieta e realização de exercício físico para prevenir complicações metabólicas e, ainda, incentivar os pacientes no restabelecimento de atividades familiares, sociais e laborais.1818. Mahmoudi H, Jafari P, Ghaffaripour S. Corresponding author:validation of the persian version of COOP/WONCA functional health status charts in liver transplant candidates. ProgTranspl. 2014 Jun; 24(2):126-31.

Figura 1
Periodicidade de consultas com os profissionais da equipe multidisciplinar. Florianópolis, SC, Brasil, 2014

Considera-se o acompanhamento pós-alta hospitalar tão importante quanto a realização do procedimento do transplante, pois trata-se da fase de adaptação ao novo órgão e a um novo estilo de vida, com adequação de padrões de moradia, alimentação e convívio social, rotinas de visitas ao hospital e, ainda, ao uso de medicações imunossupressoras. Estudo2424. De Geest S, Burkhalter H, Berben L, Bogert LB, Denhaerynck K, Glass TR, et al. The Swiss transplant cohort study's framework for assessing lifelong psychosocialfactors in solid-organ Prog Transplant. 2013; 23(3):235-46. sinaliza que o paciente de transplante deve ser descrito, não apenas pelas características clínicas, mas também pelas características psicossociais, que são: 1) físico/funcional (por exemplo, estado de saúde percebida, qualidade do sono, sonolência diurna). 2) psicológica (por exemplo, a depressão, o stress). 3) de comportamento (por exemplo, a adesão à medicação, tabagismo, uso de drogas, atividade física, proteção solar). 4) sociais (por exemplo, capacidade de trabalho/retorno ao trabalho). 5) qualidade de vida global e os fatores associados à assistência à saúde e o nível de adesão ao sistema (por exemplo, a confiança na equipe de transplante) são relevantes. Nessa direção, apesar de seu alto custo, o transplante de fígado tem sido mundialmente bem sucedido, justificando o necessário foco na melhoria da participação social (dentre estas a participação ativa no mercado de trabalho e de lazer) de receptores de transplante. Portanto, os enfermeiros, que atuam na equipe de transplante, também devem considerar formas de aumentar a confiança e de minimizar os sintomas depressivos das pessoas receptoras de transplante de fígado.1616. Weng LC, Huang HL, Wang YW, Lee WC, Chen KH, Yang TY. The effect of self-efficacy, depression and symptom distress on employmentstatus and leisure activities of liver transplant recipients.JAdvNurS. 2014Jul; 70(7), 1573-83.

Quanto às dificuldades relacionadas ao acompanhamento pós-transplante, os profissionais ressaltaram as questões estruturais e logísticas relacionadas ao atendimento do paciente transplantado. A falta de espaço físico para separar o paciente transplantado dos demais pacientes ambulatoriais foi evidenciada nos momentos de observação direta do fluxo de atendimento no serviço e destacada pelo profissional:

[...] é, não tem como o paciente pós-transplante imediato ficar esperando ali, então acho que, talvez, se a gente pudesse ter mais dias de ambulatório (P3).

No cenário do estudo, observa-se a inexistência de recursos para realização de alguns exames de imagem específicos e, ainda, alguns hemocomponentes necessários para realização da cirurgia são advindos do Hemocentro do Estado, visto que o banco de sangue do HU não dispõe de tecnologia necessária para processar todo tipo de hemocomponente, como por exemplo, sangue irradiado filtrado. Em relação à estrutura física, existem limitações quanto ao número de salas de ambulatórios disponíveis e equipadas para atender ao paciente do transplante. Não há um espaço reservado para que pessoas imunodeprimidas possam ficar aguardando o atendimento, e alguns pacientes transplantados optam por aguardar na Capela, ou mesmo na rua, para não ficarem expostos à contaminação, que possa desencadear alguma infecção. Esse é um paradoxo que preocupa profissionais, visto que as pessoas, muitas vezes, aderiram totalmente às orientações, modificando suas casas e seus estilos de vida, e para realizarem um exame ou uma consulta correm o risco de contraírem uma moléstia pelo inadequado ambiente do atendimento.

A fala a seguir reforça uma lacuna, constatada na análise documental. Isto é, inexistem registros de atendimento de profissionais, que prestam assistência ao paciente e, ainda, algumas informações relacionadas ao transplante são armazenadas em arquivos no serviço de transplante hepático, separadas do prontuário do paciente no HU

[...] as maiores dificuldades são estruturais, de processo de informação. A gente ainda não tem uma tecnologia de informação aqui no HU, é tudo meio que manual, muito papel. A informação não é em tempo real, é tudo no papel, e tu tem que ir lá ver o papel. Então tu não consegue, tu tem dificuldade pra que as coisas aconteçam certas, no tempo, tudo vai ser no outro dia, amanhã (P7).

Em relação à estrutura necessária por parte da instituição de saúde, a Portaria GM n. 3407/199825 preconiza que, para a realização de transplante de fígado, o estabelecimento deve dispor de equipe de anestesia com experiência em transplante de fígado e no atendimento de pacientes com insuficiência hepática; enfermeiros com experiência comprovada com transplantes hepáticos; laboratório de análises clínicas com capacidade de realizar provas para diagnóstico diferencial de afecções hepáticas; banco de sangue com capacidade de atender à necessidade de grandes quantidades de sangue e hemoderivados, inclusive por sistema de aférese; sistema de infusão de sangue com capacidade de vazão de até 11 litros por minuto; sistema de monitorização de coagulação sanguínea; sistema de infusão controlada e aquecida de fluidos; sistema de circulação extracorpórea com bombas centrífugas; serviço de radiologia intervencionista com recursos diagnósticos e terapêuticos nas áreas vascular e de vias biliares; sistema de hemodiálise, incluindo hemofiltração; serviço de endoscopia, de ultrasonografia com medidor direcional de vazão (doppler colorido) e de tomografia computadorizada.

Para propiciar melhor visibilidade do caminho percorrido por profissionais e pacientes no serviço de transplante hepático no HU, elaborou-se um fluxograma, que é apresentado na figura 2.

Figura 2
Fluxograma do atendimento no serviço de transplante hepático do HU. Florianópolis, SC, Brasil, 2014

CONCLUSÃO

A partir desse estudo, constatou-se que o fluxo de atendimento no serviço de transplante hepático do HU, mesmo em condições não ideais, conforme ressaltado a todo o momento pelos participantes do estudo e observado no decorrer da pesquisa, atua com êxito na realização das atividades a que se propõe.

Desde o primeiro momento do fluxo de atendimento, no ambulatório de gastroenterologia até o acompanhamento do paciente pós-transplante, a equipe multiprofissional mostra-se competente para atuar nesse contexto de assistência, mesmo com profissionais não atuando, exclusivamente, na equipe de transplante. Fato que permite inferir que uma equipe multiprofissional pode estar engajada em um projeto e atuar de forma coesa, mesmo não estando direcionada, unicamente, ao transplante e, nese sentido, conclui-se que a equipe necessita ser competente, mas não específica a um determinado seguimento de atendimento.

A maior fragilidade do cenário de estudo refere-se à estrutura física, onde há necessidade de melhoramentos e de instalações adequadas para acolher pacientes imunossuprimidos, como os transplantados, condição que é vista como potencial complicador de um atendimento referenciado pelos pacientes e profissionais como de alta qualidade. Quanto a isto, cabe salientar que o serviço funciona em uma estrutura de um hospital universitário brasileiro, onde em quase sua totalidade, prestam serviços à comunidade em condições não ideais, por estarem inseridos em uma rede de hospitais voltados para o ensino, gerenciados por verbas financeiras, advindas do ministério da educação, contemplando um paradoxo de investimento inadequado em educação para ofertar serviços de saúde à população brasileira. Nesse sentido, sinaliza-se que, além de alguns hospitais universitários, há muitas instituições de saúde no Brasil em situação de deficiência de estrutura física e de materiais para a realização de transplante de órgãos e tecidos.

Por fim, há necessidade de estudos que abordem as estruturas e o fluxo dos atendimentos em serviços de transplante de fígado e avaliem o impacto da qualidade dessas na expectativa de vida e na adequada recuperação das pessoas submetidas ao transplante hepático. Logo, existe espaço para realização de pesquisas de médio a longo prazo, que justifiquem a abertura de mais serviços de transplante hepático em locais, ainda, desassistidos da terapêutica, munidos de serviços de saúde com estruturas físicas e de recursos humanos semelhantes aos hospitais universitários.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    05 Jun 2015
  • Aceito
    05 Maio 2016
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