INTRODUÇÃO
As infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) são definidas como uma condição local ou sistêmica resultante de uma reação adversa à presença de um agente infeccioso ou sua toxina e sem evidência de que a infecção estava presente ou incubada no momento da admissão do paciente em ambiente hospitalar ou ambulatorial. São diagnosticadas, em geral, a partir de 48 horas após a internação.1 Citam-se como as principais IRAS: infecções do trato respiratório, trato urinário, corrente sanguínea e sítio cirúrgico.2
Dados do National Healthcare Safety Network (NHSN) revelam que, entre as IRAS, a infecção da corrente sanguínea relacionada ao cateter venoso central (CVC) representa a principal causa de infecção em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).3 Estima-se que 30.000 novos casos desta infecção ocorrem em UTIs dos Estados Unidos a cada ano.4 Em 2014, ocorreram na Inglaterra 26,5 infecções por 1.000 cateteres/dias. Em outros países da Europa, em torno de 13,3 infecções para 1.000 cateteres/dia.5-6 Esta infecção está associada ao aumento do tempo de internação entre 10 a 20 dias e ao custo de, aproximadamente, US$ 30,000.00 por paciente.7
A sistematização dos dados epidemiológicos sobre a infecção da corrente sanguínea relacionada ao CVC em UTI no Brasil foi iniciada em 2010, com a criação do FormSUS. As taxas dessa infecção variaram entre 4,1 e 5,1 infecções, a cada 1.000 CVC/dia, até 2015.8 Os dados sobre tempo extra de permanência e custos associados não são conhecidos em publicações oficiais.9 Contudo, a taxa de mortalidade por infecção relacionada ao CVC em UTI pode atingir até 69% dos pacientes.2
O uso de dispositivo intravascular, principalmente o CVC, constitui o principal fator de risco para a infecção da corrente sanguínea, sendo que, aproximadamente, 90% dessas estão relacionados a seu uso.3,10
As infecções da corrente sanguínea relacionadas ao CVC são consideradas, na maioria dos casos, uma complicação evitável à segurança do paciente, podendo ser prevenidas por meio de intervenções, durante a inserção e a manipulação dos cateteres. O Institute for Health Improvement promoveu, em 2004, a campanha "Salve 100.000 vidas", na qual introduziu o conceito de central line bundle, que se fundamenta na adoção de um conjunto de medidas baseadas em evidências científicas combinadas e integradas para a redução destas infecções.11 Tais medidas são descritas pelo Center for Disease Control and Prevention (CDC) e têm sido incluídas, na prática clínica, em forma de um pacote de intervenções, denominado bundles.7,11-12
Existem várias medidas sugeridas para prevenir infecção relacionada ao CVC, que compõem os bundles, podendo ser realizadas separadamente ou em conjunto. A necessidade de cada instituição deve ser considerada prioritariamente, além do perfil do paciente atendido, dos recursos humanos e materiais, da disponibilidade de um trabalho de educação, do treinamento e da vigilância com a equipe responsável pela inserção, da manutenção e dos cuidados com os dispositivos intravenosos.13-14
Os bundles têm sido amplamente divulgados e estão sendo implementados nas instituições hospitalares. Sua adoção tem sido apontada como eficaz na prevenção e redução da infecção da corrente sanguínea relacionada ao CVC e na melhoria da qualidade dos serviços prestados. Contudo, ainda é baixa a adesão dos profissionais a essas medidas, o que acarreta elevada incidência dessa infecção. Outra lacuna do conhecimento é a ausência de estudos que abordem o resultado da adesão dos profissionais de saúde às recomendações das práticas de prevenção dessa infecção. Por isso, estratégias que apontem subsídios para a melhoria da prática clínica e o aumento da segurança do paciente devem ser incentivadas, sobretudo aquelas voltadas ao período da inserção e manutenção do CVC.
O conhecimento das equipes responsáveis pela inserção e manutenção do CVC acerca do bundle e de seu impacto na prevenção da infecção da corrente sanguínea pode apontar evidências de que práticas seguras precisam ser cultivadas na atenção ao paciente, principalmente aqueles em condições críticas. Isso poderia ser utilizado na revisão de práticas de inserção e manipulação do CVC, refletindo em melhor qualidade da assistência e na redução da morbidade e da mortalidade decorrentes dessa infecção.
Considerando-se a importância da utilização do bundle na prática clínica para a redução das infecções da corrente sanguínea, objetivou-se analisar as produções científicas nacionais e internacionais sobre o impacto dos bundles na prevenção de infecção da corrente sanguínea relacionada ao CVC em UTI adulta.
MÉTODO
Trata-se de uma de uma revisão integrativa da literatura, cuja finalidade consistiu em reunir e sintetizar as evidências disponíveis em artigos originais produzidos sobre o tema.
Para a condução da revisão, buscou-se fundamentação no escopo das evidências científicas que compõem o foco da investigação: implementação e impacto da adoção do bundle na prática clínica, pela identificação de uma questão de enorme relevância prática. No plano concreto, adotou-se a estratégia PICO, que se estrutura da seguinte forma: P=Paciente, I=Intervenção, C=Comparação e O=Outcomes (desfecho).15
Com base nessa estratégia, definiu-se como pergunta de pesquisa: o que as produções científicas nacionais e internacionais apontam sobre o impacto dos bundles na prevenção de infecção da corrente sanguínea relacionada ao CVC em UTI adulta.
A busca dos artigos foi realizada pelas bibliotecas do Portal Capes e a Biblioteca Virtual em Saúde; e as bases eletrônicas de dados U.S. National Library of Medicine (PubMed), Science Direct, Cochrane, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e SCOPUS.
Definiram-se como critérios de inclusão: artigos originais que abordassem o impacto dos bundles na redução de infecção da corrente sanguínea relacionada ao CVC em UTI adulta, independente do método de pesquisa empregado, além de terem sido publicados a partir 2011, por ser o ano em que o CDC publicou o último guideline sobre a prevenção de infecções relacionadas a dispositivo intravascular, excluindo todos os demais.
Foram utilizados os seguintes descritores controlados: infecções relacionadas a cateter, cateteres, unidade de terapia intensiva e infecção hospitalar. Como descritores não controlados: bundle, redução das taxas de infecção, cateter venoso central, prevenção e infecção da corrente sanguínea. Todos esses descritores foram utilizados isoladamente e em conjunto, com o auxílio dos operadores booleanos.
A partir da associação entre todos os descritores controlados e não controlados, identificaram-se 36 artigos, que, após sua leitura na íntegra, foram reduzidos a 16, considerando-se o critério de inclusão de abordagem, a implementação dos bundles e seu potencial impacto na prática clínica.
Os níveis de evidências foram caracterizados de forma hierárquica, dependendo da abordagem metodológica adotada, com base na categorização classificada em seis níveis:16
nível 1: evidências resultantes da meta-análise (estudos clínicos controlados e randomiza dos);
nível 2: evidências obtidas de estudos com delineamento experimental;
nível 3: evidências de estudos quase experimentais;
nível 4: evidências de estudos descritivos (não experimentais) ou com abordagem qualitativa;
nível 5: evidências provenientes de relatos de caso ou de experiência;
nível 6: evidências baseadas em opiniões ou consensos de especialistas.
RESULTADOS
Com base nos critérios de inclusão, a amostra final ficou constituída por 16 artigos, assim distribuídos nas bases de dados: Science Direct (5/16), Pubmed (9/16) e Cinahl (2/16). Quanto ao delineamento da pesquisa, verificaram-se estudos de coorte (16/16), nível de evidência 2, realizados na Arábia Saudita (1/16), Austrália (1/16), Bélgica (1/16), Brasil (1/16), Estados Unidos (7/16), Inglaterra (1/16), Kuait (1/16), Nova Zelândia (1/16), Suécia (1/16) e Taiwan (1/16) e publicados nos anos de 2011 (2/16), 2012 (1/16), 2013 (3/16), 2014 (7/16), 2015 (2/16) e 2016 (1/16).
Em 100% dos artigos pesquisados foram implementados bundles no período da inserção do CVC e em 50% durante sua manutenção, cujas medidas e resultados alcançados se encontram descritas no quadro 1, atendendo aos pressupostos de intervenção, comparação e desfecho, com destaque para o fato de que todos os estudos estiveram voltados para pacientes internados em UTI adulta.
Quadro 1 Síntese das medidas implementadas para prevenção de infecção relacionada ao cateter venoso central, de acordo com o momento de sua indicação (inserção, manutenção e outras), a duração da intervenção e a taxa de redução. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2016. (n=16)
Autor/Ano | Bundle implementado (Intervenção) | Duração da intervenção | Redução das infecções (Desfecho) |
---|---|---|---|
Salama, Jamal, Rotimi, 2016.12 | • Inserção: barreira máxima de precaução; assepsia da pele; preferência pela veia subclávia; e higiene das mãos antes de inserir o cateter. • Manutenção: verificar a necessidade de permanência do CVC. |
2 anos | 26% |
Sacks et al., 2014.14 | • Inserção: barreira máxima de precaução; assepsia da pele; preferência pela veia subclávia; uso do ultrassom para guiar a inserção do cateter; e higiene das mãos antes de inserir o CVC.Manutenção: verificar a necessidade de permanência do CVC. | 1 ano | 68% |
Kim, Holtom, Vigen, 2011.17 | • Inserção: barreira máxima de precaução; assepsia da pele; substituir o CVC inserido sem técnicas assépticas em até 48 horas; preferência pela veia subclávia; evitar inserção na femoral; e uso do ultrassom para guiar a inserção do cateter. • Outras: treinamento e educação continuada; e feedback dos resultados. |
3 anos | 70% |
Longmate et al., 2011.18 | • Inserção: barreira máxima de precaução; assepsia da pele; preferência pela veia subclávia; evitar inserção na femoral; e remoção imediata do CVC sem indicação clínica. • Manutenção: desinfecção do hub antes de administrar medicamentos; higiene das mãos antes de manipular o CVC; troca de curativos; monitorar o local de inserção; e assepsia da pele ao trocar o curativo. |
1 ano | 100% |
Burden et al., 2012.19 | • Inserção: barreira máxima de precaução; assepsia da pele; e remoção do CVC sem indicação clínica para seu uso. • Outras: treinamento e educação continuada. |
4 anos | 61% |
Cherifi et al., 2013.20 | • Inserção: barreira máxima de precaução; assepsia da pele; higiene das mãos antes de inserir o CVC; e evitar inserção na femoral; • Manutenção: verificar a necessidade de permanência do CVC; desinfecção do hub antes de administrar medicamentos; higiene das mãos antes de manipular o CVC; e troca de curativos. • Outras: feedback dos resultados. |
1 ano | 55% |
Exline et al., 2013.21 | • Inserção: barreira máxima de precaução; assepsia da pele; preferência pela veia subclávia; substituir o CVC inserido sem técnicas assépticas em até 48 horas; uso do ultrassom para guiar a inserção do CVC; e remoção imediata do CVC sem indicação clínica. • Outras: feedback dos resultados. |
3 anos | 81% |
Hocking, Pirret, 2013.22 | • Inserção: barreira máxima de precaução; assepsia da pele; preferência pela veia subclávia; e higiene das mãos antes de inserir o CVC. • Manutenção: verificar a necessidade de permanência do CVC; monitorar o local de inserção; e desinfecção do hub antes de administrar medicamentos. |
3 anos | 75% |
Hammarskjöld et al., 2014.23 | • Inserção: barreira máxima de precaução; assepsia da pele; CVC impregnado com antibiótico; deixar o antisséptico secar antes de inserir; e designar apenas profissionais qualificados para inserir o CVC. | 3 anos | 91% |
Klintworth et al., 2014.24 | • Inserção: barreira máxima de precaução; assepsia da pele; remoção imediata do CVC sem indicação clínica; evitar veia femoral; higiene das mãos antes de inserir o CVC; e designar apenas profissionais qualificados para inserir o cateter e CVC impregnado com antibiótico. • Outras: treinamento e educação continuada; e feedback dos resultados. |
2 anos | 60% |
Tang et al., 2014.25 | • Inserção: barreira máxima de precaução; assepsia da pele; higiene das mãos antes de inserir o CVC; e evitar inserção na femoral. • Manutenção: verificar a necessidade de permanência do CVC; desinfecção do hub; higiene das mãos antes de manipular o CVC; e troca de curativos. • Outras: treinamento; e educação continuada. |
10 meses | 61% |
Mazi et al., 2014.26 | • Inserção: remoção imediata do CVC sem indicação clínica; e higiene das mãos antes de inserir o CVC. • Outras: treinamento e educação continuada. |
1 ano | 61% |
Allen et al., 2014.27 | • Inserção: barreira máxima de precaução; assepsia da pele; higiene das mãos antes de inserir o CVC; e preferência pela veia subclávia. • Outras: treinamento e educação continuada |
4 anos | 85% |
Thom et al., 2014.28 | • Inserção: barreira máxima de precaução; assepsia da pele; higiene das mãos antes de inserir o CVC; evitar inserção na femoral; e remoção imediata do CVC sem indicação clínica. • Outras: treinamento e educação continuada; e feedback dos resultados. |
4 anos | 70% |
Menegueti et al., 2015.29 | • Inserção: barreira máxima de precaução; assepsia da pele; e higiene das mãos antes de inserir o CVC. • Manutenção: verificar a necessidade de permanência do CVC; troca de curativos; e monitorar o local de inserção. • Outras: treinamento e educação continuada. |
3 anos | 45% |
Entesari-Tatafi et al., 2015.30 | • Inserção: barreira máxima de precaução; assepsia da pele; e deixar o antisséptico secar antes de inserir o cateter. • Manutenção: verificar a necessidade de permanência do CVC; monitorar o local de inserção; desinfecção do hub antes de administrar medicamentos; e assepsia da pele ao trocar o curativo. • Outras: treinamento e educação continuada. |
10 anos | 77% |
As medidas implementadas no bundle de inserção do CVC foram: barreira máxima de precaução (uso de luva estéril, gorro, máscara, capote e campo estéril - 94% dos estudos);12,14,17-25,27-30 assepsia da pele (94%);12,14,17-25,27-30 higiene das mãos antes da inserção (62%);14,19,21,23-28 preferência pela veia subclávia (44%);12,14,17,18,21,22,27 evitar veia femoral (37%);17,18,20,24,25,28 remoção imediata do CVC sem indicação clínica para seu uso (37%);18,19,21,24,26,28 ultrassom para guiar a inserção do cateter (19%);14,17,21 deixar o antisséptico secar antes de inserir o cateter (12%);23,30 CVC impregnado com antibiótico (12%);23-24 substituir o CVC que foi inserido sem técnicas assépticas em até 48 horas (12%);17,21 e designar apenas profissionais qualificados para inserir o CVC (12%).23-24
O bundle de manutenção compreendeu: verificação diária da necessidade de permanência do CVC (87%);12,14,20,22,25,29,30 desinfecção do hub antes de administrar medicamentos (62%);18,20,22,25,30 monitorar o local de inserção (50%);18,22,29,30 substituição do curativo com gaze estéril a cada dois dias e curativo transparente a cada sete dias ou sempre que estiverem sujo, solto ou úmido (50%);18,20,25,30 higiene das mãos antes da manipulação (37%);18,20,25 e assepsia da pele ao trocar o curativo (25%).18,30
Outras medidas que também compuseram os bundle foram referidas nos artigos, sendo: treinamento e educação permanente aos profissionais que inserem e manipulam os CVC em 56%;17,19,24,25-30 e feedback dos resultados, apontados em 31%.17,20,21,24,28
A frequência com que foram descritas as medidas nos estudos estão apresentadas na figura 1.

Figura 1 Frequência das medidas contidas nos bundles (intervenções), observados nos estudos publicados. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2016
As medidas contidas no bundle para prevenir infecção relacionada ao CVC foram classificadas de acordo com os níveis de evidências e divididas em categorias IA, IB, IC e II, e com o assunto não resolvido.7 Essas classificações são utilizadas para demonstrar quais medidas preventivas apresentam melhores evidências científicas para aplicabilidade na prática clínica, de forma isolada ou ao comporem um bundle. Assim, associou-se a frequência das medidas adotadas nos estudos analisados ao momento de sua indicação com base nos níveis de evidências, de acordo com a figura 2.

Figura 2 Frequência das medidas adotadas nos estudos analisados, por nível de evidência. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2016
Relacionou-se, também, a quantidade de medidas que compuseram o bundle em cada estudo com a duração da intervenção e a taxa de redução das infecções da corrente sanguínea relacionada ao CVC após a implementação do bundle. Os resultados estão expostos na figura 3.

Figura 3 Frequência das medidas adotadas nos estudos analisados, por duração da intervenção e taxa de redução. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2016
O impacto do bundle na redução dos custos das infecções foi mensurado apenas em dois artigos, apontando-se uma economia de US$ 539.902,00 e US$ 198.600,00 em cada um deles após sua implementação.14,19
Apesar de não ser objetivo deste estudo, ressalta-se que os agentes relacionados à causa das infecções da corrente sanguínea em decorrência do CVC foram descritos em apenas 31% dos estudos, citando-se: Staphylococcus coagulase negativa, Staphylococcus aureus, Enterococcus spp, Klebsiella pneumoniae, Acinetobacter baumannii, Pseudomonas aeruginosa e Candida spp.12,17,20,23,25
Foram encontradas nos estudos 19 medidas que compuseram os bundles para prevenir as infecções da corrente sanguínea relacionadas ao CVC. Destas, 11 foram utilizadas para a inserção do cateter, seis durante a manutenção e dois em educação continuada e feedback dos resultados como parte global do processo.
Medidas classificadas com níveis de evidências IA foram menos utilizadas para compor os bundles. Por exemplo, para: inserção do CVC: preferência pela veia subclávia (44%), evitar a inserção na femoral (37%), remoção imediata do CVC sem indicação clínica (37%), CVC impregnado com antibiótico (12%) e designar apenas profissionais qualificados para inserir o CVC (12%). Durante a manutenção do cateter: assepsia da pele ao trocar o curativo (25%). E, como outras medidas: treinamento e educação continuada dos profissionais (62%) e feedback dos resultados (31%).
DISCUSSÃO
O risco de infecção da corrente sanguínea também está relacionado com o sítio anatômico de inserção do cateter,7 com destaque maior para inserção na femoral e menor para subclávia, cujo fator preponderante é a quantidade e diversidade de microrganismos encontrados em cada uma das regiões supracitadas.30 O cateterismo na veia subclávia tem sido associado a uma menor taxa de infecção, em comparação com a femoral. Estudos realizados em UTIs nos Estados Unidos, ao compararem as complicações infecciosas e a colonização desses dois sítios de inserção, constataram que a incidência de complicações infecciosas pela femoral foi 3,75 maior que na subclávia e que a taxa de colonização do cateter foi de 20% para femoral e 4% para subclávia.32-33
Outro achado se refere à não ênfase absoluta na atenção à remoção imediata do CVC sem indicação clínica. As diretrizes do CDC recomendam fortemente tal medida, visto que o risco de desenvolver infecção da corrente sanguínea aumenta a cada dia de uso.34
Em um hospital universitário nos Estados Unidos verificou a permanência e a indicação do CVC, chegando à seguinte inferência: para 1.433 cateteres dia, 25% não tinham indicação para uso.35 De forma semelhante, em outra realidade norte americana, o percentual de pacientes que utilizavam o CVC de forma desnecessária foi de 48,9%.36 O uso do cateter sem indicação clínica é considerado um fator de risco e as taxas de infecção da corrente sanguínea podem ser reduzidas drasticamente se os CVCs forem avaliados diariamente, para se verificar a necessidade e o tempo de uso e, assim, serem removidos imediatamente quando não mais necessários.36
A assepsia do local de inserção do CVC,com solução com clorexidina alcóolica >0,5%, a cada troca de curativos tem sido recomendada pela diretriz do CDC para prevenção da infecção relacionada ao CVC, por reduzir a carga microbiana local. A clorexidina é amplamente utilizada como um antisséptico nos cuidados de saúde, devido a sua excelente atividade antimicrobiana, a seu efeito residual prolongado e a sua rápida ação. As taxas de infecção da corrente sanguínea podem ser reduzidas de forma significativa quando a assepsia é realizada a cada troca de curativo.37-38 Com a limpeza diária do sítio de inserção do CVC com clorexidina 2% durante um ano de intervenção, foi possível obter uma redução de 58% das taxas de infecção em uma UTI de um hospital público em Chicago.39 De forma semelhante, também em Chicago, a mesma intervenção proporcionou uma redução de 99% das infecções.40 Utilizando projeto similar, uma redução de 50% na incidência de Enterococcus ssp resistentes a vancomicina e 32% para Staphylococcus aureus resistente a meticilina em um período de seis meses.41 O uso de clorexidina alcóolica a cada troca de curativos tem sido considerado uma prática simples de implementar, com baixo custo e grande impacto na redução das infecções da corrente sanguínea.41
Os programas de educação permanente e de treinamento dos profissionais de saúde têm demonstrado eficácia na prevenção e redução das infecções relacionadas ao CVC, além de melhorarem a qualidade dos serviços prestados. Para garantir a qualidade desses programas, devem-se incluir: técnicas adequadas à inserção e manutenção do CVC, avaliação periódica do conhecimento, adesão em relação às medidas adotadas, vigilância e notificação das infecções, feedback dos resultados obtidos quanto à redução das infecções e auditoria dos processos e resultados.7,42-43 Uma intervenção educacional na equipe multidisciplinar na UTI de um hospital de Saint Louis nos Estados Unidos, com duração de três anos, em que foram abordadas as medidas recomendadas durante a inserção e manutenção do CVC, resultou na redução de 66% das taxas de infecções da corrente sanguínea.44 Por isso, torna-se também importante designar apenas profissionais treinados que demonstrem competência para inserção e manutenção do CVC,7 além de prever um treinamento com abordagem global e multidisciplinar, incluindo intervenções comportamentais e educacionais em toda a equipe envolvida na inserção e manutenção desses cateteres.45
Outras medidas também compuseram os bundles e apresentaram um nível de evidência IB, sendo fortemente recomendadas para implementação,7 citando-se: barreira máxima de precaução, assepsia da pele, higiene das mãos antes da inserção, uso do ultrassom para guiar a inserção do cateter, deixar o antisséptico secar antes de inserir o cateter e substituir o CVC inserido sem técnicas assépticas em até 48 horas. As medidas associadas à manutenção do cateter foram: verificar a necessidade de permanência do CVC, monitorar o local de inserção, desinfecção do hub antes de administrar medicamentos, substituição do curativo com gaze estéril a cada dois dias e curativo transparente a cada sete dias ou sempre que estiverem sujo, solto ou úmido e higiene das mãos antes da manipulação.
A barreira máxima de precaução consiste na paramentação com luva estéril, gorro, máscara, capote e campo estéril, o que contribui para diminuir a contaminação pela microbiota do profissional e do ambiente para o paciente no momento da inserção do CVC e o subsequente risco de infecção.46 O mesmo ocorre quando se faz assepsia da pele antes da inserção do cateter, em que é recomendado o uso da clorexidina alcóolica >0,5%, que deve ser deixada secar antes de inserir o CVC. Dessa forma, irá promover um efeito residual e reduzir a propagação de microrganismos extraluminal em direção ao local de inserção do cateter.47
A higienização das mãos constitui uma das principais medidas para prevenir as IRAS. Por isso, torna-se essencial higienizá-las antes da inserção e manipulação do CVC, para minimizar a propagação de microrganismos patogênicos pelas mãos dos profissionais de saúde e a consequente contaminação do cateter.48-49
O uso do ultrassom para guiar a inserção do CVC tem sido utilizado na prática clínica para minimizar a ocorrência de complicações mecânicas, como hemorragia, pneumotórax, arritmias e punção arterial. Além disso, tem demonstrado ser capaz de reduzir o tempo de duração do procedimento e o número de tentativas desnecessárias para canular a veia.50-51 Quando a adesão à técnica asséptica não puder ser garantida, ou seja, cateteres inseridos em situação de emergência, estes devem ser substituídos em até 48 horas, devido ao aumento da possibilidade de infecção da corrente sanguínea.7
Verificar a necessidade de permanênciado CVC torna-se importante para que haja o acompanhamento dos dias de uso do cateter pelo paciente, visto que o tempo de permanência é um fator de risco para as infecções da corrente sanguínea e, também, permite que o CVC possa ser removido imediatamente quando não tiver mais indicação clínica para seu uso. O local de inserção também deve ser monitorado. Se o paciente apresentar sensibilidade no local, febre ou outra manifestação sugestiva de infecção, o CVC deve ser avaliado e considerado como possível fonte de infecção.7
A desinfecção do hub antes de administrar medicamentos deve ser feita pela fricção alcóolica por 15 a 30 segundos, a fim de se evitar/reduzir a propagação dos microrganismos presentes no hub para o lúmen interno do cateter.52 Devido à sua relevância, esta medida tornou-se uma campanha da Association for Professionals in Infection Control and Epidemiology, denominada "Scrub the Hub", cujas finalidades eram: reduzir as infecções, educar, conscientizar e incentivar os profissionais a desinfetar o hub cuidadosamente antes de qualquer manipulação. Desde então, tem sido amplamente divulgada e recomendada.53-54
Os curativos oclusivos devem ser substituídos conforme recomendado, pois a umidade da pele e a presença de sujidade e secreções promovem um ambiente propício ao crescimento microbiano. O curativo feito com gaze estéril deve ser trocado em até 48 horas, devido à dificuldade de visualizar o local de inserção e à possibilidade de umedecer-se durante o banho. O curativo transparente semipermeável de poliuretano permite a visualização do local de inserção e, por isso, requer trocas menos frequentes, podendo ficar até sete dias ou sempre que estiver sujo, solto ou úmido.55-57
A implementação e a adesão das medidas contidas nos bundles, além de reduzirem as taxas de infecção, têm grande impacto econômico nos custos gerados pelas infecções, como comprovado por alguns estudos analisados, que atestaram uma redução de US$ 539.902,00 e US$ 198.600,00 em relação às infecções da corrente sanguínea relacionadas ao CVC. Estimativas do NHSN e do CDC demonstraram que os custos anuais gerados pelas IRAS foram de aproximadamente US$ 9,8 bilhões. Dentre as IRAS, destacam-se as infecções da corrente sanguínea, com um custo por tratamento de US$ 45.814,00. Quando essas infecções estão associadas a um microrganismo resistente, por exemplo, Staphylococcus aureus resistente a meticilina, esse custo aumenta para US$ 58.614,00. Esses dados demonstram a necessidade de promover maiores progressos na prevenção dessas infecções, bem como de investigar e melhorar a qualidade dos serviços prestados e esforços políticos.58
CONCLUSÃO
A implementação dos bundles reduz as infecções da corrente sanguínea relacionadas ao CVC, independente do tempo de intervenção e da quantidade de medidas utilizadas. No entanto, constataram-se variações nos estudos em relação a: números de medidas implementadas, tempo de duração e redução das taxas de infecção. Não se observou uma relação direta entre o número de medidas descritas nos estudos ou do maior tempo de implementação, e as maiores taxas de redução da infecção. Possivelmente, esse achado não pode ser explicado diretamente, devido a aspectos que não foram apresentados pelos autores dos estudos analisados, como motivação das equipes, cultura institucional de segurança, feedback dos resultados aos profissionais e treinamentos.