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COLABORAÇÃO IBERO-AMERICANA EM PESQUISA QUALITATIVA EM SAÚDE: COLABORAÇÃO OU ISOLAMENTO?

Não poderia ter sido mais oportuno o slogan do VIII Congresso Ibero-americano de Pesquisa em Saúde Qualitativa (PSQ): “Nos caminhos da pesquisa qualitativa em saúde: fortalecimento da identidade e colaboração ibero-americana” (Florianópolis, SC, Brasil, 4-7 de setembro, 2018). Tanto os eventos que ocorreram nos congressos anteriores quanto os eventos que estão ocorrendo em nível internacional fazem com que a questão da identidade e a colaboração tenham uma grande importância e que era impossível de avaliar alguns anos atrás. Três dados são suficientes para dar conta de sua importância.

Colaboração ou isolamento? Esta é uma das questões fundamentais que abalam a política e a economia no âmbito internacional. Em um mundo de capital cada vez mais globalizado, mas com muitas barreiras à mobilidade dos trabalhadores, a nova posição do governo dos EUA tornou-se o protótipo do modelo isolacionista que contrasta fortemente com a história das Américas. Segundo o sentimento de boa parte da população latino-americana, a construção de muros absurdos e desnecessários gera um sofrimento adicional para aqueles que decidiram migrar em busca de um futuro melhor para suas famílias. É só lembrar a abertura tradicional das fronteiras que caracterizou a maioria dos países latino-americanos para milhões de migrantes europeus que chegaram durante os séculos XIX e XX por causa de crises econômicas, fome ou repressão política em todo o continente, assim como os países ibero-americanos que atualmente abrem seus braços para a diáspora venezuelana.

No plano político-econômico houve várias tentativas de integrar os países latino-americanos para trabalhar juntos nos problemas internos que atingem a mesma região ou para enfrentar os desafios compartilhados. Contudo, a maioria das iniciativas pouco avançou e se tornaram projetos sub-regionais que, embora tenham sido úteis para alguns países ou setores envolvidos, pouco serviu para fortalecer a participação regional. Entre outros projetos é possível mencionar a Aliança do Pacífico, o Mercado Comum do Sul (Mercosul), a UNASUL, a Comunidade Andina de Nações (CAN), a Comunidade do Caribe (CC) e o Sistema de Integração Centro-Americana (SICA). Para o caso que nos preocupa, esses órgãos desenvolveram propostas no campo da ciência e tecnologia entre os países envolvidos, porém seus resultados foram baixos ou nulos para a região como um todo.

Uma questão diferente ocorre no nível específico das conferências qualitativas de pesquisa em saúde realizadas na Ibero-América. Assim, a realização dos sete encontros anteriores envolveu a cooperação de acadêmicos de países latino-americanos e da Península Ibérica. A seleção e rotação das cidades-sede reflete sua natureza e identidade regional: Guadalajara, México (2003); Madri, Espanha (2005); San Juan, Porto Rico (2008); Fortaleza, Brasil (2010); Lisboa, Portugal (2012); Medellín, Colômbia (2014) e Barcelona, Espanha (2016). Além disso, vale destacar duas posições que orientaram os posicionamentos dos organizadores dos congressos sobre o tema: de um lado estão aqueles que propõem uma maior cooperação com os acadêmicos dos países anglo-saxônicos, enquanto outros promovem o foco nos recursos humanos da própria região. Deve ser lembrado que o primeiro congresso foi realizado em paralelo com a VI Qualitative Health Research Conference e que foram organizados em conjunto com o International Institute for Qualitative Methodology da Universidade de Alberta, Canadá. E, mesmo que a maioria dos congressos tenha promovido o fortalecimento da colaboração ibero-americana, o dilema entre uma posição e outra ainda é objeto de debate.

É neste contexto que os organizadores do VIII Congresso planejaram como eixo central do evento a identidade e a colaboração ibero-americana no ICS. Antes de analisar os desafios e perspectivas é importante ter em mente um dado relevante. Cinco anos atrás, um de nós (FJMM) declarou em um Editorial desta mesma revista que a cooperação entre os acadêmicos latino-americanos11 Mercado-Martínez FJ. Collaboration in qualitative health research in Latin America: another utopia? Texto Contexto Enferm [Internet]. 2013 Out-Dez [cited 2018 Jul 10]; 22(4):875-6. Available form: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072013000400001
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consistia em um conjunto de iniciativas incipientes focadas na publicação de trabalhos conjuntos e na organização de congressos. Assim, havia um conjunto de desafios a serem enfrentados para fortalecer o trabalho conjunto em nível regional. Entre eles, mencionava-se a priorização tradicional que geralmente é dada à cooperação com acadêmicos do mundo anglo-saxão, em detrimento do trabalho com acadêmicos latino-americanos, juntamente com as várias formas de organização e avaliação da prática de pesquisa, a ausência de marcos regulatórios ou de apoio regional ao qual foram adicionadas as barreiras linguísticas, a distância entre os países e as dificuldades de financiamento de grupos de pesquisa ou redes acadêmicas.

A situação não mudou em relação ao que foi relatado no Editorial. Embora cinco anos seja um tempo curto para modificar um conjunto de situações que levaram décadas ou séculos para serem desenvolvidas, também devemos pensar que esses cinco anos de estagnação são um “sintoma” das políticas globais e regionais ou de sua ausência.

Assim, é possível verificar a existência de avanços específicos. Entre outros, visualizamos as redes de pesquisa incipientes que realizam estudos qualitativos sobre determinados temas de saúde e envolvem acadêmicos do Brasil, México, Argentina, Colômbia, Chile, Peru e Uruguai.22 García A, Acevedo-Triana C,López-López W. Cooperación en las Ciencias del Comportamiento Latinoamericanas: una investigación documental. Ter Psicol [Internet]. 2014 [cited 2018 Jul 10]; 32(2):165-74. Available form: http://dx.doi.org/10.4067/S0718-48082014000200009
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Outro avanço é evidenciado pelo crescente número de publicações, geralmente ensaios, em que acadêmicos de dois ou mais países da região participam. Eles lidam com aspectos teóricos, metodológicos ou relativos às questões éticas da pesquisa qualitativa.

Outra modalidade é a organização de eventos acadêmicos que não coincidem necessariamente com os congressos mencionados. Vale a pena destacar o chamado ADISP (A day in Spanish and Portuguese) que faz parte do Congresso Internacional de Pesquisa Qualitativa33 Chapela MC, Martínez C, Salinas AA, Aguirre E. Voces Latinoamericanas en el mundo de la investigación cualitativa: ADISP-ICQI. Investigacion Cualitativa [Internet]. 2016 [cited 2018 Jul 10]; 1(1): 6-25. Available from: https://ojs.revistainvestigacioncualitativa.com/index.php/ric/article/view/19/4
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bem como o surgimento de outros congressos ibero-americanos de pesquisa qualitativa. Também, não podemos esquecer os cursos realizados em pesquisa qualitativa e que incluem acadêmicos de diferentes países como os cursos de pesquisa qualitativa cujo objetivo foi formar professores da área da saúde da Universidade da República, envolvendo a participação de professores Mexicanos e Uruguaios.

Pouco poderia ser adicionado aos desafios acima mencionados, mas devido ao espaço limitado parece importante mencionar algumas perspectivas. No contexto atual, a América Latina e os países da Península Ibérica estão em um momento-chave para fortalecer ou desfazer a colaboração em pesquisa, a fim de enfrentar os grandes desafios do século XXI. Com o objetivo de encontrar respostas para os desafios de um mundo interdependente, mas com uma crescente concentração de recursos nas mãos de poucos, acreditamos que a integração de pesquisadores de vários países que estudam tópicos compartilhados pode oferecer novas formas de pensar, falar e fazer práticas que promovam a saúde de maneira inclusiva e sustentar os sistemas universais de saúde em toda a região. Acreditamos que nossa força está em nossa integração e que devemos intensificar a cooperação neste mundo interdependente e é por isso que devemos compartilhar e nos envolver.

Francisco J. Mercado1, Ph.D.
1 Departamento de Salud Pública, Universidad de Guadalajara. Guadalajara, México
Denise Gastaldo2, Ph.D.
2 Lawrence S. Bloomberg Faculty of Nursing, University of Toronto. Toronto, Canada
Marta Lenise do Prado3, Ph.D.
3Programa de Pós-Grauação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

REFERÊNCIAS

  • 1
    Mercado-Martínez FJ. Collaboration in qualitative health research in Latin America: another utopia? Texto Contexto Enferm [Internet]. 2013 Out-Dez [cited 2018 Jul 10]; 22(4):875-6. Available form: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072013000400001
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072013000400001
  • 2
    García A, Acevedo-Triana C,López-López W. Cooperación en las Ciencias del Comportamiento Latinoamericanas: una investigación documental. Ter Psicol [Internet]. 2014 [cited 2018 Jul 10]; 32(2):165-74. Available form: http://dx.doi.org/10.4067/S0718-48082014000200009
    » http://dx.doi.org/10.4067/S0718-48082014000200009
  • 3
    Chapela MC, Martínez C, Salinas AA, Aguirre E. Voces Latinoamericanas en el mundo de la investigación cualitativa: ADISP-ICQI. Investigacion Cualitativa [Internet]. 2016 [cited 2018 Jul 10]; 1(1): 6-25. Available from: https://ojs.revistainvestigacioncualitativa.com/index.php/ric/article/view/19/4
    » https://ojs.revistainvestigacioncualitativa.com/index.php/ric/article/view/19/4

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2018
  • Data do Fascículo
    2018
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