INTRODUÇÃO
A atenção à saúde da criança vem alcançando um espaço prioritário entre as políticas públicas brasileiras, com foco na superação do modelo biomédico e na promoção da integralidade do cuidado.1 Isso se deve aos esforços envidados no sentido de integrar a rede de atenção, com a articulação de programas e políticas de promoção e proteção à saúde infantil, como preconiza a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC).2
Essa política contempla, entre as diretrizes, eixos estratégicos para um cuidado integral e integrado, visando a um desenvolvimento pleno para a criança,3 e referenda a Atenção Primária à Saúde (APS) como coordenadora do cuidado nas Redes de Atenção à Saúde (RAS).2 A APS, por meio da expansão da Estratégia Saúde da Família (ESF), tem contribuído para reduzir a mortalidade em criança com menos de cinco anos por causas preveníveis, como deficiências nutricionais e anemia, nas populações negra e parda.4
Nesse sentido, os médicos e os enfermeiros que atuam na ESF devem se responsabilizar pelo seguimento da criança, por meio da consulta de puericultura, cumprindo o calendário preconizado pelo Ministério da Saúde (MS) de sete consultas, no primeiro ano de vida, duas, no segundo, e uma, dos três aos nove anos completos.5 A consulta de puericultura é uma ferramenta potente para a integralidade do cuidado infantil, pois é uma atividade dinâmica e de baixa complexidade, que oportuniza a implementação da vigilância do crescimento e do desenvolvimento infantil.6
Nesse entendimento, ressalta-se que, na puericultura, são realizadas ações de proteção, prevenção de agravos e promoção da saúde da criança na ESF pelo médico e pelo enfermeiro.5 Quando incorporada ao processo de trabalho do enfermeiro, é também denominada de consulta de enfermagem de crianças com até dois anos e se caracteriza como uma atividade prioritária entre as inúmeras atribuições da Enfermagem na APS.7 No entanto, sua efetividade ainda representa um desafio nas Unidades de Saúde da Família (USF),8 tendo em vista as dificuldades para implementar ações programáticas na realidade brasileira.9
Sabe-se que, na ESF, o processo de trabalho do enfermeiro é amplo e reativo, e na atenção à saúde da criança, envolve um conjunto de ações que devem ser realizadas para dar conta da demanda espontânea, derivada das necessidades de saúde da criança e de sua família. Para superar essa prática, o cuidado dispensado à criança deve ser planejado e programado, na perspectiva do trabalho vivo em ato, em detrimento do trabalho morto, com predomínio de tecnologias leves ou relacionais, complementadas pelas leve-duras e duras.10
Ressalte-se, entretanto, que a literatura é enfática, ao evidenciar que as ações programáticas estão relacionadas à ação curativista e fragmentada do enfermeiro, centrada na queixa apresentada, com valorização da doença, e não, da prática de prevenção de agravos e promoção da saúde.6 Ademais, o acompanhamento da criança é realizado de modo incipiente, sem considerar a percepção da mãe sobre seu crescimento e seu desenvolvimento, e restringe as ações de educação em saúde à amamentação e à higiene.8
Porém, o mais preocupante é a falta de capacitação dos enfermeiros que assistem a criança na consulta de puericultura.11 Portanto, é necessário investigar as consultas de enfermagem de puericultura, com o fim de identificar as ações realizadas pelo enfermeiro para uma atenção integral à criança na APS, como subsídio para reorganizar o processo de trabalho e efetivar o seguimento do cuidado infantil. Ante o exposto, emergiram as seguintes questões: como os enfermeiros estão realizando a consulta de puericultura à criança? Os enfermeiros implementam as ações direcionadas para um acompanhamento integral da saúde da criança? Para responder aos questionamentos propostos, este estudo objetiva analisar as ações de cuidado realizadas pelo enfermeiro durante as consultas de puericultura.
MÉTODO
Estudo exploratório, observacional e descritivo, com abordagem quantitativa, realizado no período de março a julho de 2016 em Unidades de Saúde da Família de João Pessoa-PB. Esse município dispõe de 196 Equipes de Saúde da Família (EqSF), apresentadas em unidades integradas, que contemplam de três a quatro equipes no mesmo espaço físico e organizacional, e unidades isoladas, com apenas uma equipe atuante. As EqSFs são distribuídas territorialmente em cinco Distritos Sanitários (DSs).
O cenário de estudo foi um dos DSs, selecionado por meio de um sorteio feito entre os cinco DSs do município. Na época em que a pesquisa foi desenvolvida, o Distrito sorteado dispunha de 49 EqSF. A amostra foi constituída de 31 enfermeiros que atuavam nas EqSFs, os quais afirmaram realizar consultas de puericultura à crianças de até dois anos de idade e que atuavam na ESF por um período mínimo de seis meses. Foram excluídos 18 enfermeiros que, no período da coleta dos dados, estavam afastados do trabalho por motivo de férias ou licença e os que não tiveram crianças para atender nos dias agendados para a consulta de puericultura.
A fim de identificar as ações implementadas durante as consultas e os dados registrados pelos enfermeiros na Caderneta de Saúde da Criança (CSC) e no prontuário, conforme preconizam as diretrizes do MS, foram observadas, de forma aleatória, três consultas de crianças com até dois anos de idade por cada enfermeiro participante, portanto, um total de 93 observações, em que foi utilizado um checklist previamente estruturado. Os dados foram coletados acompanhando-se a rotina do serviço, e a maioria das consultas procedeu-se por meio de demanda espontânea. Por essa razão, em algumas unidades, não foi possível observar as três consultas no mesmo dia.
As consultas duravam, em média, 15 minutos e, além da observação, algumas foram gravadas utilizando-se MP3 player com autorização dos enfermeiros participantes do estudo para obter mais fidedignamente as informações colhidas. O instrumento de observação foi dividido em duas seções: identificação da USF e do enfermeiro e dimensões do cuidado, a saber: acolhimento; anamnese e histórico de enfermagem; avaliação do crescimento; exame físico e desenvolvimento neuropsicomotor; análise da situação vacinal e suplementações de ferro e vitamina A; educação em saúde e registros na Caderneta de Saúde da Criança e no prontuário, com suas respectivas ações, como, por exemplo, a mensuração do peso e do perímetro cefálico na dimensão avaliação do crescimento.
Há que se ressaltar que, na literatura nacional, não foi encontrado nenhum instrumento de medição para avaliar as ações dos enfermeiros nas consultas de puericultura, razão por que foi elaborado um checklist utilizando-se como referência a literatura pertinente à saúde da criança e as seguintes diretrizes das políticas nacionais de atenção à saúde da criança: Caderno de Atenção Básica - Saúde da Criança: crescimento e desenvolvimento5 e o Manual para la vigilancia del desarrollo infantil (0-6 años) en el contexto de AIEPI.12 O instrumento foi avaliado por quatro experts - duas enfermeiras atuantes na ESF e duas docentes da Saúde da Criança, a fim de validá-lo.
O instrumento elaborado para avaliar as consultas foi validado por meio do teste de alfa de Cronbach,13 que demonstrou a fidedignidade do questionário elaborado com base nas diretrizes estabelecidas pelo MS. A medida de fidedignidade do instrumento foi de 0,815, com intervalo de 95% de confiança.
Para cada consulta observada, obteve-se uma medida representativa das ações implementadas. Assim, para as três consultas observadas de cada enfermeiro, obtiveram-se três medidas representativas das ações implementadas para cada dimensão de cuidado. A fim de evitar viés de medida única, que poderia não ser representativa para avaliar a prática do enfermeiro, essas três medidas foram representadas pela média das avaliações nos três atendimentos, o que resultou no índice geral (IG) de cada dimensão, em que, quanto mais próximo de 100 o resultado, foi considerado melhor o desempenho do avaliado.
Elaborou-se um sistema de pontuação, a que foi atribuído o valor 1, quando o procedimento era realizado; zero, quando não era realizado; e nos casos inaplicáveis ao procedimento, o valor 3, que não entrou na pontuação da formação do escore. A pontuação foi convertida em percentual, a fim de que fosse comparado na mesma escala para cada uma das dimensões.
O sistema de pontuação e classificação foi estruturado com base nas recomendações preconizadas pelas diretrizes das políticas nacionais de atenção à saúde da criança. Assim, os aspectos técnicos da consulta foram avaliados em cada consulta com uma pontuação numa escala de zero a 100, que traduz, numericamente, o grau de proximidade entre o que foi realizado na consulta e o que poderia ter sido realizado. Isso significa que o sistema de pontuação agrega informações que mensuram o grau de proximidade percentual entre o idealizado para uma consulta e o que foi percebido na realidade. Vale destacar que inicialmente, foram realizadas algumas consultas para calibrar a métrica do instrumento. Foram suficientes oito consultas para compor a versão final do sistema de pontuação, as quais não foram utilizadas na amostra final.
As categorias de cada dimensão de cuidado foram classificadas em satisfatória, pouco satisfatória e insatisfatória e tiveram como referência as medidas de percentil 25 e 75, de acordo com seu IG. Foi classificada como insatisfatória quando a variável observada de cada enfermeiro obteve índice geral com percentil abaixo de 25; pouco satisfatória, para valores da variável entre os percentis 25 e 75; e satisfatória para valores superiores ao percentil 75.
Para classificar o desempenho dos enfermeiros, de acordo com o IG apresentado pelas dimensões implementadas na consulta de puericultura, utilizou-se o método de análise de agrupamento, por meio do agrupamento hierárquico, da distância euclidiana e da medida de ligação média, conforme ilustrado por meio do dendograma. Nesse procedimento, os enfermeiros foram classificados, de acordo com sua média, em três grupos: baixo desempenho, quando apresentaram o IG=26,70; desempenho razoável, IG=51,17 e desempenho aceitável, IG=76,49. O grau de exigência IG foi acima de 75%, o que corresponde aos enfermeiros que implementaram na consulta o maior número de ações preconizadas pelas diretrizes para o atendimento à criança. Ressalta-se que a qualidade da consulta de puericultura não foi avaliada, apenas as ações de cuidado implementadas pelos enfermeiros na realização da consulta.
Os dados foram digitados no programa Excel, versão 2007, e analisados a partir do Software Statistical Package Social Science (SPSS), versão 20.0 for student, que permitiu a elaboração da análise estatística utilizada. Também foram avaliados médias, desvios-padrão e proporções, e para verificar a associação entre as variáveis, utilizou-se o teste de associação qui-quadrado, com nível de significância de 5% ou menos para rejeitar a hipótese nula do teste.
A pesquisa foi desenvolvida de acordo com as normas da Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, e aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa, sob o parecer n° 0096/12 e registrada pelo CAAE nº 02584212300005188. Todos os participantes da pesquisa, neste caso, os enfermeiros, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
Dos 31 enfermeiros observados, apenas dois eram do sexo masculino, 13 tinham mais de 20 anos de formação, 16 atuavam na ESF entre 11 e 20 anos. Quanto às especializações, 26 era em Saúde da Família e/ou Saúde Pública, uma em pediatria, outras em temas diversos e apenas uma enfermeira não tinha Curso de Especialização.
Na tabela 1, em que se apresentam as medidas descritivas das dimensões do cuidado na prática do enfermeiro, na consulta de puericultura, e o índice geral, numa escala de zero a 100, nenhuma dimensão atingiu a média acima de 70%. Essa tabela tem n=31, correspondente ao quantitativo de enfermeiros participantes do estudo, porque as três observações, para cada unidade amostral de suas consultas, que se refere às dimensões de cuidado, foram convertidas em uma média da prática de cada enfermeiro e utilizadas na análise estatística.
Tabela 1 Medidas descritivas das dimensões do cuidado na prática do enfermeiro na consulta de puericultura e índice geral. João Pessoa, PB, Brasil, 2016. (n=31)
Dimensões do cuidado | Média | DP* | n e % das ações do enfermeiro na consulta | Valor-p § | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Insatisfatória <P25† | Pouco satisfatória P25 - P75 | Satisfatória >P75‡ | ||||
Acolhimento | 37,99 | 21,40 | 8 (25,8) | 15 (48,4) | 8 (25,8) | 0,206 |
Anamnese | 42,20 | 10,64 | 11 (35,4) | 10 (32,3) | 10 (32,3) | 0,968 |
Avaliação do crescimento | 60,92 | 23,28 | 9 (29,0) | 16 (51,6) | 6 (19,4) | 0,078 |
Avaliação da situação vacinal e suplementações | 66,90 | 26,74 | 8 (25,8) | 11 (35,5) | 12 (38,7) | 0,657 |
Educação em saúde | 23,95 | 11,89 | 4 (12,9) | 20 (64,5) | 7 (22,6) | 0,001 |
Exame físico | 28,67 | 24,12 | 11 (35,5) | 13 (41,9) | 7 (22,6) | 0,405 |
Registro no prontuário e na CSC|| | 47,85 | 20,70 | 8 (25,8) | 15 (48,4) | 8 (25,8) | 0,206 |
Índice geral total | 44,07 | 14,16 | 8 (25,8) | 16 (51,6) | 7 (22,6) | 0,095 |
*DP: Desvio-padrão;
†Percentil 25 do IG;
‡Percentil 75 do IG;
§Valor p do Teste qui-quadrado;
||Caderneta Saúde da Criança.
Em relação aos profissionais que atingiram a classificação satisfatória em cada dimensão, um baixo percentual alcançou o percentil 75. A maioria dos profissionais implementou as dimensões de maneira pouco satisfatória, ou seja, nas consultas, eles apenas fizeram parte das ações referentes a cada dimensão.
No que tange ao IG total, o estudo mostrou que a média dos índices de cada dimensão de cuidado atingiu 44,07%. Houve diferença significativa na dimensão educação em saúde, quando comparada com as proporções de cada dimensão do cuidado com as categorias ‘satisfatória’, ‘pouco satisfatória’ e ‘insatisfatória’.
A figura 1 demonstra, por meio de um dendrograma vertical, o agrupamento dos enfermeiros de acordo com o seu desempenho, avaliado pelo IG das dimensões implementadas. Observam-se ramos distintos que representam as três classificações do desempenho.

Figura 1 Classificação das enfermeiras pelo dendrograma do índice geral (IG). João Pessoa, PB, Brasil, 2016
O grupo 1 refere-se ao último ramo do lado direito, que demonstrou apenas um enfermeiro com desempenho aceitável, ou seja, IG acima do grau de exigência (75%). O grupo 2 contém nove enfermeiros que apresentaram baixo desempenho, e o grupo 3, com 21 enfermeiros, que demonstraram desempenho razoável.
DISCUSSÃO
Os resultados demonstraram, com base no IG de cada dimensão, que os enfermeiros realizaram ações de cuidado de maneira pouco satisfatória, o que deixou lacunas na assistência à criança. Isso pode indicar que as fragilidades existentes à luz de uma atenção integral à criança podem colaborar para distanciar a prática dos enfermeiros do que é preconizado pelas diretrizes do MS, bem como das necessidades de sua saúde e de sua família.
Assim, esse achado ratifica o estudo8 que constatou fragilidade na assistência dos enfermeiros na consulta de puericultura, com déficit nas ações implementadas em USF, o que pode comprometer a vigilância do crescimento e do desenvolvimento infantil. Nesse sentido, é pertinente refletir sobre a influência da fragilidade na assistência para interpretações equivocadas de problemas que envolvem a saúde da criança.
Em relação ao IG total das dimensões implementadas, constatou-se um valor (44,07%) abaixo do mínimo esperado, estabelecido em 75%. Isso sugere que a assistência ofertada por esses profissionais ainda é incipiente para as demandas de cuidado. Portanto, as crianças atendidas por eles podem estar vulneráveis às situações de risco, visto que o estado de saúde delas não está sendo avaliado em sua totalidade. Esse achado requer atenção dos enfermeiros envolvidos no cuidado com a criança, porquanto um acompanhamento de boa qualidade tem potencial para reduzir a incidência de problemas, efetivar a vigilância do crescimento e do desenvolvimento e proporcionar uma vida saudável à criança.11
Assim, esse contexto incita reflexões acerca da qualidade da assistência que os enfermeiros ofertam à criança nos serviços de atenção primária à saúde, devido à sua capacidade de reduzir a morbimortalidade infantil,14 por serem fundamentais na equipe de saúde da família e responsáveis pela consulta da criança. Ademais, o acompanhamento sistemático na consulta de enfermagem é imprescindível, principalmente na infância, por causa da vulnerabilidade a que a criança está exposta.15
Ao analisar o trabalho vivo em ato do enfermeiro, verificou-se que as principais ações executadas nas consultas de puericultura direcionam-se à situação vacinal, às suplementações de ferro e de vitamina A e à avaliação do crescimento infantil, enquanto que outras ações de cunho preventivo e de promoção da saúde representam menos de 50%. Nesse contexto, a educação em saúde é a dimensão menos realizada, e as tecnologias leve-duras e duras predominam no trabalho do enfermeiro. Esses achados corroboraram o estudo16 que identificou maior implementação da avaliação da situação vacinal e do crescimento nas consultas de puericultura realizadas na ESF, o que sugere que a assistência ofertada à criança destina-se, principalmente, ao acompanhamento dessas ações.
É pertinente destacar que a oferta de ações, como a imunização e o seguimento do crescimento infantil pelos profissionais das unidades de APS, podem reduzir o número de hospitalizações de crianças por causas evitáveis, como as infecções respiratórias, de pele e gastrointestinais, responsáveis pelos altos índices de internações, principalmente, no primeiro ano de vida, como demonstrou um estudo17 realizado na Austrália. Porém, a consulta de puericultura não pode se limitar à avaliação do crescimento, porquanto é um momento oportuno para se efetivar o cuidado integral à criança, considerando todo o contexto onde ela está inserida18 e as necessidades para o pleno desenvolvimento de suas potencialidades.
Ademais, o crescimento infantil é um processo dinâmico e um importante indicador de saúde da criança.19 Por essa razão, os parâmetros fundamentais para identificar riscos de mortalidade infantil, como peso, estatura, perímetro cefálico e índice de massa corporal,5 precisam ser monitorados no cuidado dispensado à criança.
Quanto à imunização e à suplementação de ferro e de vitamina A, ações imprescindíveis para promover saúde e prevenir doenças, a diretriz do MS enfatiza que elas precisam ser contempladas pelos profissionais no processo de avaliação da criança e orientação aos pais na consulta de puericultura.5
Convém enfatizar que a suplementação de ferro e a avaliação de estados nutricionais são soluções potenciais para melhorar o crescimento e o desenvolvimento das crianças, como indicou estudo realizado na China.20 Outro estudo,21 realizado na Alemanha, na Holanda e no Reino Unido, refere que é preciso implantar essa suplementação, ao evidenciar prevalência da deficiência de ferro em crianças de 12 a 36 meses de idade.
No que diz respeito à situação vacinal da criança, estudo22 demonstrou que o enfermeiro considera a verificação do calendário vacinal e as orientações relacionadas a ele como ações de grande importância na consulta de puericultura, porque contribuem para o alcance da cobertura vacinal. Divergentes dos resultados apresentados, estudos concluíram que os enfermeiros da ESF não avaliaram a situação vacinal da criança em nenhuma das consultas8 nem registraram a avaliação do calendário vacinal no prontuário.23
O resultado positivo das suplementações pode estar relacionado ao fato de que, no município de João Pessoa, o enfermeiro tem autonomia para prescrever a suplementação de ferro para crianças, conforme recomendações do Programa Nacional de Suplementação de Ferro, contrariamente à realidade do estudo24 que mostrou que o enfermeiro não realiza essa ação devido à falta de regulamentação.
A autonomia do enfermeiro é uma conquista que precisa ser estimulada e valorizada em seu processo de trabalho. Assim, ao prescrever os medicamentos, como ocorre em países que adotam a enfermagem de prática avançada,25-26 ele deve seguir os protocolos institucionais,27 e quando está cuidando da criança, deve se apropriar das ações assistenciais e educativas, a fim de proporcionar confiança e segurança às mães, o que reflete na valorização do seu trabalho.6,11
O registro no prontuário e na CSC foi uma das três dimensões mais efetivadas pelos enfermeiros nas consultas observadas. Isso pode indicar que eles compreendem que é importante registrar o acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento das crianças e o potencial para identificar alguma alteração nos indicadores de saúde da criança.19 Estudos comprovam que, na consulta da criança, o enfermeiro é o profissional de saúde que mais preenche os achados na CSC28 e que esse instrumento tem colaborado com a assistência ofertada à criança.7 Portanto, a falta de registros nas consultas compromete a assistência do enfermeiro, porque não deixa claro se as ações foram implementadas no atendimento.19,23
No que diz respeito ao acolhimento e à anamnese, os dados revelam que essas dimensões são pouco utilizadas na consulta, e isso compromete a efetivação das tecnologias leves no trabalho do enfermeiro, que são ferramentas importantes de interação durante a consulta e têm potencial para fortalecer o vínculo entre o profissional e a família da criança.29 O objetivo dessas ações é de construir relações de confiança, por meio do diálogo e da escuta qualificada, para, a partir das informações colhidas, identificar situações de risco que comprometam a saúde e o desenvolvimento da criança.5
As dimensões relacionadas ao exame físico/desenvolvimento neuropsicomotor e à educação em saúde obtiveram as mais baixas proporções de implementação. Em relação ao exame físico, o estudo em tela diverge de outro que evidenciou essa ação como a etapa efetivada com mais frequência na consulta de puericultura.8 Devido a isso, o resultado ora apresentado pode indicar o comprometimento da assistência prestada pelos enfermeiros à criança, pois a falta do exame físico sugere que as consultas não estão sendo sistematizadas, apesar de essa ser uma condição fundamental para melhorar a qualidade da assistência que é dada à criança.
Neste estudo, a avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor foi realizada juntamente ao exame físico da criança e, na anamnese, a mãe foi perguntada sobre o desenvolvimento do seu filho, como consta na diretriz do MS.5 Logo, a fragilidade no resultado encontrado neste estudo também evidencia o comprometimento da ação nas consultas, apesar de sua grande importância para a prevenção de agravos, já que muitas crianças que frequentam as unidades de saúde na APS encontram-se em risco de atraso no desenvolvimento,30 e um dos fatores de risco são as condições de vida.12
Estudo realizado na Coreia do Sul apontou que os profissionais devem detectar precocemente alterações no desenvolvimento de crianças pertencentes a famílias de baixa renda, visto que os fatores ambientais que cercam as crianças em situação de pobreza influenciam seu desenvolvimento.31 Por isso é necessário repensar a assistência que é dada às crianças carentes atendidas na APS quanto à avaliação de seu desenvolvimento.
No que concerne à dimensão educação em saúde, a baixa proporção de orientações destinadas às mães/responsáveis durante a consulta de puericultura corrobora outros estudos.6,16 Isso sugere que existe uma lacuna no que diz respeito às ações de promoção da saúde na prática do enfermeiro, porque a puericultura é um momento oportuno para efetivar ações educativas e preventivas32 e reforça que as tecnologias leves são pouco usadas na prática profissional. Estudo de intervenção realizado em Guiné-Bissau concluiu que crianças de famílias que foram orientadas pelos profissionais de saúde adoeceram menos porque os familiares souberam cuidar melhor delas e tratar as morbidades.33
Apesar da importância de todas essas dimensões avaliadas, os resultados demonstrados no dendrograma do índice geral enfatizam que apenas um enfermeiro alcançou o desempenho aceitável na assistência, ao implementar, com mais proporção, as ações recomendadas pelas diretrizes das políticas nacionais de atenção à saúde da criança.5,12
Esse achado é preocupante, uma vez que a insatisfação com os serviços prestados pode contribuir para que as mães desvalorizem a consulta de enfermagem para o cuidado com a saúde das crianças,11 e uma comunicação insatisfatória durante a consulta pode interferir na melhora do quadro da criança diante de algum agravo, afastá-la da equipe de saúde18 e levá-la a uma hospitalização por causa evitável. Ademais, estudo comprovou que o desempenho inadequado dos profissionais com pouca qualidade técnica estava relacionado às mortes evitáveis de crianças.34
Nesta pesquisa, o resultado apresentado estimula reflexões acerca dos fatores presentes no processo de trabalho na ESF que podem favorecer o baixo desempenho do enfermeiro no cuidado prestado, como sobrecarga de trabalho, excesso de demanda, baixos salários, atividades administrativas e jornada de trabalho excessiva.35 Ressalta-se também que o déficit de médicos que atuam na ESF aumenta a sobrecarga de trabalho dos enfermeiros e interfere nas definições dos papéis que serão desempenhados no serviço.34
Apesar de não ter sido foco do estudo, o comprometimento da estrutura física e a falta de equipamentos necessários para a consulta de puericultura, bem como a falta de capacitação são mencionados na literatura como fatores que influenciam diretamente a qualidade da assistência ofertada à criança.11,27 Outro aspecto importante destacado na literatura é a falta de protocolos para organizar o processo de trabalho do enfermeiro na consulta de puericultura nos municípios, o que desfavorece a implementação de ações preconizadas.22-23
Nesse contexto, é preciso dirigir um olhar diferenciado sobre a formação dos enfermeiros para o cuidado integral à criança, para contemplar todas as dimensões recomendadas pelas diretrizes governamentais para as consultas de puericultura, bem como é necessária a realização de educação permanente em saúde para formar profissionais que trabalham na APS, a fim de compreenderem o processo de trabalho nesse nível de atenção e suas atribuições, para que executem um trabalho - individual ou coletivo - de boa qualidade. Isso se justifica porque estudo evidenciou que os profissionais que atuam na APS não são preparados na graduação e na educação continuada para fazer parte desse contexto.36
A principal limitação deste estudo remete a pouca abrangência da pesquisa, porquanto se restringiu a um DS do município. Contudo, acredita-se que o número de consultas observadas é representativo para se avaliar a assistência ofertada à criança, e o instrumento elaborado contempla todas as ações necessárias para esse fim, como determinam as diretrizes das políticas nacionais de atenção à saúde da criança.
CONCLUSÃO
Os resultados do estudo apontam que somente um enfermeiro teve um desempenho aceitável na assistência. Logo, pode-se afirmar que a atenção à saúde da criança, no contexto estudado, ainda está aquém do esperado. Também ficou evidente a fragilidade na assistência que o enfermeiro oferta à criança, ao demonstrar a baixa efetividade das ações de cuidado nas consultas de puericultura, em que o exame físico/desenvolvimento neuropsicomotor e a educação em saúde são as dimensões de cuidado menos implementadas na prática cotidiana.
Assim, é preciso, com urgência, capacitar os enfermeiros, a fim de melhorar a assistência que prestam à população infantil, e aperfeiçoar suas práticas com ações que promovam a saúde e previnam doenças, bem como a utilização de tecnologias leves no cuidado às crianças. Outro aspecto identificado no estudo diz respeito à necessidade de adoção, no município, de um protocolo para atendimento referente à consulta de puericultura, com o objetivo de organizar a assistência e padronizar as ações desenvolvidas no trabalho do enfermeiro, o que se refletirá na qualidade da assistência.
Almeja-se, com este estudo, sensibilizar os profissionais e os gestores sobre a importância de melhorar a qualidade da assistência ofertada às crianças, para que seja possível alcançar um crescimento e um desenvolvimento saudáveis. É preciso, ainda, realizar novos estudos, a fim de apontar caminhos para a integralidade da assistência que lhes é proporcionada.