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PARENTALIDADE DE PAIS DE RECÉM-NASCIDOS HOSPITALIZADOS POR SÍFILIS CONGÊNITA À LUZ DA TEORIA DAS TRANSIÇÕES1 1 Artigo extraído da dissertação - Vulnerabilidade e parentalidade na hospitalização de um filho com sífilis congênita à luz da teoria das transições, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem (PPGENF) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), em 2015. O artigo recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

PARENTALIDAD DE PADRES DE RECIÉN NACIDOS HOSPITALIZADOS POR SÍFILIS CONGENIDA A LA LUZ DE LA TEORÍA DE LA TRANSICIÓN

RESUMO

Objetivo:

compreender a vivência de transições na parentalidade de pais que tiveram um filho recém-nascido hospitalizado por sífilis congênita.

Método:

estudo qualitativo realizado com treze mães e quatro pais de recém-nascidos hospitalizados por sífilis congênita, no alojamento conjunto e unidade neonatal de um hospital universitário do Rio de Janeiro, entre setembro de 2014 e maio de 2015, utilizando o método Narrativa de Vida e a análise temática.

Resultados:

no tema “descobrir-se mãe/pai de um filho recém-nascido com sífilis congênita e o impacto do diagnóstico na construção da parentalidade” verificou-se que os pais tinham a consciencialização de que o filho poderia ser hospitalizado por sífilis congênita, emergindo a culpa pela transmissão vertical da sífilis e o medo de sofrer estigmas. No tema “vivência de transições na parentalidade em face da hospitalização do filho com sífilis congênita”, identificou-se que a parentalidade foi uma experiência considerada boa, feliz e de superação, todavia a hospitalização do filho desencadeou sofrimento e estresse. O apoio dos familiares e os cuidados da enfermagem foram aspectos facilitadores da transição na parentalidade, que proporcionaram aos pais novos conhecimentos e reformulação de suas identidades.

Conclusão:

constatou-se que os enfermeiros têm um papel essencial no cuidar de pais que vivenciam transições na parentalidade devido à hospitalização do filho por sífilis congênita, fortalecendo o vínculo mãe-pai-recém-nascido, empoderando os pais para o cuidado parental e para prevenir a reinfecção da sífilis.

DESCRITORES:
Sífilis congênita; Hospitalização; Poder familiar; Enfermagem; Cuidado transicional

RESUMEN

Objetivo:

comprender la transición a la paternidad de padres que tuvieron un recién nacido hospitalizado por sífilis congénita.

Método:

estudio cualitativo realizado con trece madres y cuatro padres de recién nacidos hospitalizados por sífilis congénita, en el alojamiento conjunto y unidad neonatal de un hospital universitario en Río de Janeiro, entre septiembre de 2014 y mayo de 2015, utilizando el método Narrativa de Vida y el análisis temático.

Resultados:

en el tema “descubrir madre/padre de un hijo recién nacido con sífilis congénita y el impacto del diagnóstico en la construcción de la parentalidad” se verificó que los padres tenían la conciencia de que el hijo podría ser hospitalizado por sífilis congénita, emergiendo la culpa por la transmisión vertical de la sífilis y el miedo a sufrir estigmas. En el tema “vivencia de transiciones en la parentalidad frente a la hospitalización del hijo con sífilis congénita”, se identificó que la parentalidad fue una experiencia considerada buena, feliz y de superación, sin embargo la hospitalización del hijo desencadenó sufrimiento y estrés. El apoyo de los familiares y los cuidados de la enfermería fueron aspectos facilitadores de la transición en la parentalidad, que proporcionaron a los padres nuevos conocimientos y reformulación de sus identidades.

Conclusión:

los enfermeros tienen un papel esencial en el cuidado de los padres que experimentan la transición en la parentalidad debido a la hospitalización del hijo por sífilis congénita, fortaleciendo el vínculo madre-padre-recién nacido, empoderando a los padres para el cuidado parental y para prevenir la reinfección de la sífilis.

DESCRIPTORES:
Sífilis congénita; Hospitalización; Responsabilidad parental; Enfermería; Cuidado de transición

ABSTRACT

Objective:

to understand the transition to parenthood of parents who had a newborn hospitalized due to congenital syphilis.

Method:

a qualitative study performed with thirteen mothers and four fathers of newborns hospitalized because of congenital syphilis, in rooming-in and the neonatal unit of a university hospital in Rio de Janeiro between September 2014 and May 2015 using the Life Narrative method and thematic analysis.

Results:

in the theme “the discovery of being a mother/father of a newborn child with congenital syphilis and the impact of the diagnosis in the parenting construction “ it was verified that the parents were aware that their child could be hospitalized for congenital syphilis, blaming the vertical transmission of syphilis and the fear of suffering stigma. In the theme “experience of transitions to parenthood due to the hospitalization of the child with congenital syphilis”, it was identified that parenthood was an experience considered good, happy and filled with resilience, however the child´s hospitalization triggered suffering and stress. Family support and nursing care were facilitating aspects of the transition to parenthood, which provided parents with new knowledge and the ability to reformulate their identities.

Conclusion:

nurses have an essential role in caring for parents who experience transitions to parenthood due to hospitalization of the child with congenital syphilis, they also have an essential role in strengthening the mother-father-newborn bond, empowering parents to provide parental care and prevent the reinfection of syphilis.

DESCRIPTORS:
Congenital syphilis; Hospitalization; Parenting; Nursing; Transitional care

INTRODUÇÃO

A sífilis congênita resulta da disseminação hematogênica do Treponema pallidum da gestante infectada não tratada ou inadequadamente tratada para o feto, por via transplacentária. É um dos grandes desafios para as políticas públicas de saúde, com alta prevalência e morbimortalidade perinatal, apesar de ser uma infecção que pode ser prevenida no período gestacional.11 Workowski KA, Bolan GA. Sexually Transmitted Diseases Treatment Guidelines, 2015. MMWR Recomm Rep [Internet]. 2015 Jun [cited 2017 Jan 18]; 64(3):45-9. Available from: http://www.cdc.gov/mmwr/pdf/rr/rr6403.pdf
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2 Araujo CL, Shimizu HE, Souza AIA, Hamann EM. Incidence of congenital syphilis in Brazil and its relationship with the Family Health Strategy. Rev Saúde Pública [Internet]. 2012 Jun [cited 2017 Jan 18]; 46(3):479-86. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102012000300010
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-33 Valentini P. Newborn of mother with syphilis in pregnancy. Early Human Development [Internet]. 2013 Oct; [cited 2017 Jan 18] 89(4):68-9. Available from: http://www.earlyhumandevelopment.com/article/S0378-3782(13)70106-3/abstract
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No Brasil, nos últimos 10 anos, houve um aumento progressivo na taxa de incidência de sífilis congênita: de 2,0 casos/1.000 nascidos vivos em 2006, subiu para 6,8 casos/1.000 nascidos vivos em 2016; sendo que dez estados apresentaram taxas ainda maiores (7,1 a 12,5 casos/1.000 nascidos vivos), entre eles o Rio de janeiro (11,8 casos/1.000 nascidos vivos), ultrapassando copiosamente a meta do milênio da Organização Pan-Americana da Saúde e Organização Mundial de Saúde de 0,5casos/1.000 nascidos vivos.44 Ministério da Saúde (BR). Boletim Epidemiológico - Sífilis 2017 [Internet]. Brasília (DF): 2017 [cited 2017 Nov 20]; 48(36):3-44. Available from: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/boletim-epidemiologico-de-sifilis-2017
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Dentre as ações para reduzir os índices de transmissão vertical da sífilis, têm-se a implantação do Teste Rápido (TR) na rotina do pré-natal - que é uma estratégia eficaz para o diagnóstico e tratamento precoce -, e do Pré-natal do Homem - que contribui para intensificar o vínculo mãe-pai-filho e trazer maior aceitação e adesão masculina à assistência preventiva e, consequentemente, reduzindo agravos evitáveis e morbimortalidade relacionados, por exemplo, à sífilis congênita.55 Moreira MCN, Gomes R, Ribeiro CR. E agora o homem vem?! Estratégias de atenção à saúde dos homens. Cad Saúde Pública [Internet]. 2016 Ago [cited 2017 Feb 02]; 32(4):. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00060015
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-66 Lopes ACMU, Araújo MAL, Vasconcelos LDPG, Uchoa FSV, Rocha HP, Santos JR. Implementation of fast tests for syphilis and HIV in prenatal care in Fortaleza - Ceará. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 Feb [cited 2016 Dec 21]; 69(1):54-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n1/0034-7167-reben-69-01-0062.pdf
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Além disso, torna-se relevante a atualização de conhecimentos técnicos, capacitação, educação permanente dos profissionais de saúde e supervisão em serviços para o seu controle.77 Silva DMA, Araújo MAL, Silva RM, Andrade RFV, Moura HJ, Esteves ABB. Knowledge of healthcare professionals regarding the vertical transmission of syphilis in Fortaleza-CE, Brazil. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 Jun [cited 2017 Feb 1]; 23(2):278-85. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014000510013
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O presente estudo é um recorte oriundo da dissertação de Mestrado em Enfermagem, intitulado Vulnerabilidade e parentalidade na hospitalização de um filho com sífilis congênita à luz da teoria das transições. A necessidade de realizar pesquisa voltada para esta temática emergiu da constatação de uma alta incidência de recém-nascidos com sífilis congênita necessitando de cuidados intensivos, e a dificuldade dos pais em desempenhar a parentalidade com o filho hospitalizado, na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, Brasil.

A parentalidade é um processo complexo, não somente produto do parentesco biológico, mas de tornar-se pai ou mãe, que inicia antes da concepção, percorre a gestação e o puerpério e continua por toda a vida. O termo abrange a formação dos sentimentos, das funções e dos comportamentos no desempenho da maternalidade e da paternalidade.88 Ministério da Saúde (BR). Atenção humanizada ao recémnascido de baixo peso: Método Canguru. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2011. É uma das transições desenvolvimentais que mais desafia a família contemporânea e pode ser vivenciada de maneiras distintas pela mulher e pelo homem.99 Andrade L, Martins MM, Angelo M, Martinho J. Families with twins - a systematic review. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 Sep [cited 2017 Feb 1]; 23(3):758-66. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014002950013
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Portanto, deve ser um foco de atenção de alta sensibilidade ao cuidado de enfermagem, diante da necessidade de proporcionar conhecimento e capacitação aos pais que vivenciam a transição na parentalidade para cuidar dos seus filhos com sífilis congênita.

A transição consiste em passar de um estado (lugar ou condição) estável para outro, e requer, por parte da(s) pessoa(s) a incorporação de conhecimentos, alteração do comportamento e mudança na definição do self. Quando desencadeadas por eventos críticos - como a hospitalização do recém-nascido -, exige do enfermeiro atenção, conhecimento e experiência, pois corresponde a um período de maior vulnerabilidade para os indivíduos, que encontram dificuldades para desempenhar o autocuidado e o cuidar.1010 Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Messias DKH, Schumacher K. experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000; 23(1):12-28. Nesse momento crítico, são necessárias intervenções de enfermagem no sentido da promoção da saúde familiar.99 Andrade L, Martins MM, Angelo M, Martinho J. Families with twins - a systematic review. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 Sep [cited 2017 Feb 1]; 23(3):758-66. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014002950013
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Ao fazer um levantamento de estudos sobre a temática, publicados até 20 de novembro de 2017, nas bases informatizadas da Biblioteca Virtual de Saúde, com base nos descritores de assunto, selecionados a partir dos operadores booleanos (OR/AND) “Sífilis Congênita AND Cuidado Transicional OR Poder Familiar OR Relações Pais-filho OR Relações Familiares OR Relações Mãe-Filho OR Relações Materno-Fetais OR Relações Pai-Filho, foram encontradas oito publicações. Dessas, 90% enfatizaram os aspectos clínicos e epidemiológicos da doença, especialmente relacionados às estratégias para a eliminação vertical da sífilis.

É de grande relevância realizar estudos qualitativos que contemplem os aspectos da parentalidade de mães/pais com filho diagnosticado com sífilis congênita, e da participação dos pais, pois os homens têm importância fundamental no processo de reinfecção da parceira.1111 Dantas LA, Jerônimo SHNM, Teixeira GA, Lopes TRG, Cassiano NA, Carvalho JBL. Epidemiologic profile of acquired syphilis diagnosed and notified at a maternal-child university hospital. Enferma Global [Internet]. 2017 Apr [cited 2017 Sep 30]; 16(2):237-45. Available from: http://dx.doi.org/10.6018/eglobal.16.2.229371
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A partir da questão norteadora “Como a/o mãe/pai com filho recém-nascido hospitalizado por sífilis congênita vivenciou a transição na parentalidade?” o presente estudo teve por objetivo compreender a vivência de transições na parentalidade de pais que tiveram um filho recém-nascido hospitalizado por sífilis congênita.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, utilizando o método narrativa de vida, com base no referencial metodológico do sociólogo Daniel Bertaux, o qual se caracteriza por abordar questões relacionadas às singularidades dos entrevistados e ao contexto sócio-histórico a que estão inseridos, por meio da livre dissertação dos participantes sobre uma experiência subjetiva em relação ao que está sendo indagado pelo entrevistador.1212 Muylaert CJ, Júnior VS, Gallo PR, Neto MLR, Reis AOA. Narrative interviews: an important resource in qualitative research. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 Dec [cited 2017 Feb 02]; 48(spe2):184-9. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420140000800027
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O estudo foi realizado no período de setembro de 2014 a maio de 2015, no alojamento conjunto e na unidade neonatal de um Hospital Universitário, localizado no município do Rio de Janeiro, pioneiro no tratamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), desde 1928, especialmente da sífilis. Sua escolha como campo justifica-se por esse hospital ser referência no atendimento à gestante e aos recém-nascidos de alto risco.

Os participantes da pesquisa foram treze mães e quatro pais. Foram critérios de inclusão: mãe e pai de recém-nascido portador de sífilis congênita, nascido vivo, que estivessem acompanhando a hospitalização de seu filho no alojamento conjunto ou unidade neonatal; e de exclusão: os genitores que se apresentassem em situação de substancial diminuição de suas capacidades de consentimento e raciocínio.

Vale salientar que nove pais não atenderam o critério de inclusão, pois não estavam presentes nos locais de coleta de dados, acompanhando o filho durante a internação, pelos seguintes motivos: cinco mães relataram que os companheiros estavam trabalhando e não podiam comparecer na maternidade; três disseram que romperam o relacionamento com o parceiro, sendo uma após o diagnóstico de sífilis gestacional e duas por violência doméstica; e uma mãe, adolescente, informou que o companheiro visitava a criança esporadicamente.

A aproximação com os participantes se deu através do componente curricular denominado “Estágio de Docência” do Curso de Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), quando um das autoras supervisionava os acadêmicos de enfermagem, dessa mesma instituição, em atividades práticas referentes a assistência nos cuidados de enfermagem mediatos e imediatos aos recém-nascidos, que acontecia nos cenários do presente estudo. Os participantes foram convidados a participar da pesquisa após terem estabelecido um vínculo com a enfermeira-pesquisadora, a qual também realizou as entrevistas.

Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, ou termo de assentimento para menores de idade com consentimento do responsável legal, as narrativas de vida foram gravadas e obtidas a partir de entrevista aberta com a seguinte questão norteadora: Fale o que você considera importante a respeito da sua vida, que tenha relação com a sua experiência como mãe-pai durante a hospitalização de seu filho por sífilis congênita, e posteriormente transcritas por uma das pesquisadoras. O número de participantes não foi estabelecido previamente, esses foram incluídos sob livre demanda até atingir a saturação dos dados.1212 Muylaert CJ, Júnior VS, Gallo PR, Neto MLR, Reis AOA. Narrative interviews: an important resource in qualitative research. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 Dec [cited 2017 Feb 02]; 48(spe2):184-9. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420140000800027
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As entrevistas tiveram duração em média de 20 minutos e ocorreram em local reservado, para que fosse garantida a privacidade dos participantes, respeitando as suas preferências em relação à data, horário e local para a coleta de dados, garantindo-lhes o direito de declinarem-se do estudo caso julgassem conveniente. A fim de garantir o sigilo e o anonimato, os participantes foram identificados com a letra “M”, que representa as Mães, e a letra “P”, os pais. Os entrevistados foram classificados de acordo com a numeração do recém-nascido (RN) hospitalizado por sífilis congênita, e correlacionado em função da ordem de admissão no estudo.

O processo analítico adotado foi a análise temática. Concomitante às transcrições das entrevistas, iniciou-se a análise das narrativas, a partir de uma leitura flutuante, em que foram grifadas as frases que continham informações que chamavam atenção no depoimento e anotadas as impressões do tema. Após a exaustiva leitura, elaborou-se um título para cada informação relevante, e observados os títulos semelhantes presentes nas outras narrativas; dessa etapa de codificação dos dados emergiram 58 unidades temáticas.

A seguir, realizou-se a etapa recodificação, por meio de sucessivas leituras, buscando a possibilidade de descobrir novos temas e visando construir os agrupamentos das unidades por afinidade temática. Chegou-se a seis agrupamentos, dos quais emergiu a categoria de análise “a vivência de transições na parentalidade de pais face ao evento de hospitalização do neonato por sífilis congênita”, que foi constituída de duas subcategorias analíticas: “descobrir-se mãe/pai de um filho recém-nascido com sífilis congênita e o impacto do diagnóstico na construção da parentalidade” e “vivência de transições na parentalidade em face da hospitalização do filho com sífilis congênita”. Para este texto, abordar-se-ão as duas subcategorias, as quais foram analisadas à luz da Teoria das Transições de Meleis.1010 Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Messias DKH, Schumacher K. experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000; 23(1):12-28.

Este referencial teórico aborda fenômenos e conceitos específicos que refletem a prática1010 Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Messias DKH, Schumacher K. experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000; 23(1):12-28., permitindo conhecer detalhadamente o processo de transição vivenciado pelos participantes e discutir quais as intervenções de enfermagem que facilitam esse processo para alcançar uma transição saudável diante da sífilis congênita.

Para atender as exigências estabelecidas pela Resolução n.º 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde - que trata das normas de pesquisa envolvendo seres humanos -, o presente estudo foi aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro em setembro de 2014, Parecer n.º 804997, CAAE- 34385514.0.0000.5285.

RESULTADOS

Os participantes tinham entre 16 e 33 anos, sendo a idade média de 25 anos; cerca de 60% cursaram o ensino fundamental. Aproximadamente 82% dos entrevistados tinham renda familiar menor ou igual a três salários mínimos (R$788,00, valor de um salário mínimo na época), sendo que 69,2% das mulheres não trabalhavam. Quanto à situação conjugal, 64% viviam com o cônjuge, 58,8% dos participantes já tinham outros filhos e 11,8% tiveram o segundo filho com sífilis congênita. Quanto ao tratamento, 53% das mulheres trataram a sífilis na gestação para prevenir à sífilis congênita, e um parceiro fez o tratamento para a sífilis.

Pôde-se constatar que os participantes deste estudo vivenciaram simultaneamente dois eventos críticos: o nascimento do filho e a hospitalização do recém-nascido por sífilis congênita. Esses pontos críticos desencadearam duas transições simultâneas: a transição para a parentalidade e na parentalidade, que foram esquematizadas na Figura 1.

Figura 1
Transição para/na Parentalidade. Rio de Janeiro - RJ, 2015

Após o processo de investigação e análise dos dados coletados, apresentaram-se as subcategorias:

Descobrir-se mãe/pai de um filho recém-nascido com sífilis congênita e o impacto do diagnóstico na construção da parentalidade

A maior parte dos entrevistados (13) tinha a consciencialização de que o filho poderia ser hospitalizado por sífilis congênita, vivenciada com sentimento de tristeza, pavor, preocupação e medo do filho nascer com problemas de saúde decorrentes da sífilis congênita.

[...] ficava com medo de ela vir a ter alguma coisa, tipo assim boca torta, alguma deficiência na perna [...] meu medo era que se ela nascesse com algum problema [...] (M2).

[...] com ela na minha barriga já fiz tudo com medo, quando voltava e ia para as consultas do pré-natal ficava apavorada [...] o meu medo era dela nascer com esse problema, essa doença entendeu [...] eu fiquei esses meses todinho, nove meses, pensando: aí meu Deus do céu será que vai nascer? Será que tomei essa injeção, mas será que está fazendo efeito? Eu tinha essa preocupação [...] (M7).

Uma das participantes apresentou rejeição do filho na gravidez; porém, diante do diagnóstico de sífilis, foi construindo e desenvolvendo a parentalidade. Durante as consultas do pré-natal começou a aceitar e maternar o filho em seu ventre, preocupando-se com o seu bem-estar:

[...] eu não aceitava a criança dentro de mim [...] eu ficava sem comer, porque comendo eu achava que estava alimentando ele dentro da minha barriga [...] eu batia na minha barriga [...] Só que a barriga foi crescendo e eu fui sentindo, mas o que mais me deixou sensibilizada foi quando eu descobri da sífilis, que ele corria risco e eu me senti assim um pouco culpada de botar a vida do meu filho em risco [...] foi assim que eu comecei a aceitar, a ter carinho por ele, a me cuidar na gravidez [...] (M9).

Pode-se afirmar que o diagnóstico precoce interferiu positivamente no processo da parentalidade, favorecendo o autocuidado materno e a prevenção primária da parentalidade, que consiste em tentar impedir o surgimento da sífilis congênita.

Já a confirmação de sífilis congênita foi vivenciada de diferentes maneiras pelos participantes: a) surpresa face ao desconhecimento da sífilis congênita; b) medo e preocupação com a saúde e prognóstico do recém-nascido; c) sentimento de frustração face ao insucesso do tratamento de sífilis na gestação; d) conformação com diagnóstico de sífilis congênita diante da possibilidade de cura com o tratamento do RN, considerando o resultado negativo de neurossífilis congênita; e) indignação com o diagnóstico de sífilis congênita e hospitalização do recém-nascido; f) negação da sífilis congênita como o motivo de hospitalização do filho.

A culpa pela transmissão vertical da sífilis também emergiu durante as narrativas:

[...] eu me sinto culpada por eu não ter feito o pré-natal, eu podia ter evitado se tivesse feito, tirado os exames. Agora ele não ia está passando por isso [...] (M10).

[...] mas só sífilis já ter feito minha filha nascer antes dos nove meses foi o bastante para aprender [...] agora ela tem que fazer o tratamento, ela vai sofrer por causa de mim, porque eu não me cuidei [...] se eu soubesse antes não teria deixado acontecer isso, teimosia e agora não adianta eu me arrepender se eu já estou errada [...] (M5).

Por ser uma doença estigmatizada, duas mães, de comum acordo com seus parceiros, omitiram para a família e pessoas de seu convívio o verdadeiro diagnóstico do filho:

[...] não é fácil porque todo mundo pergunta por que teu filho está lá tomando antibiótico, eu não gosto de falar sobre isso, eu invento outro motivo [...] fica uma coisa chata porque o pessoal hoje em dia até com a sífilis é preconceituoso [...] as pessoas acham que a sífilis é uma doença que você passa não só na relação sexual, no caso se colocar o filho dela do teu lado ela vai pegar também, entendeu? [...] (M12).

[...] até explicar que a gente tratou, usou camisinha, eles não vão acreditar, vão achar que a gente foi irresponsável o tempo todo [...] a gente está tentando enrolar o máximo possível porque eu tenho muita vergonha [...] o que aconteceu a culpa foi minha, foi dos dois, mas vai cair ainda mais para mim que sou mulher e sou mãe. Eu me sinto culpada, fico tentando me esconder deles, morrendo de vergonha, aí todo dia é dor de cabeça [...] (M13).

Vivência de transições na parentalidade em face da hospitalização do filho com sífilis congênita

O tornar-se mãe e o tornar-se pai foi uma experiência de felicidade e superação.

[...] nesse momento que estou com minha filha é só felicidade e atenção, um monte de coisas, nem sei como dizer [...] estou gostando de passar por esse período, mais uma vez de ser pai [...] (P2).

[...] a experiência de ter sido mãe está sendo ótima, estou achando até que estou me saindo bem, eu tinha medo achava que eu não ia conseguir fazer nada [...] (M13).

A hospitalização foi percebida como algo positivo, necessária para o bem-estar, e tratamento e cura da criança com sífilis congênita:

[...] é só cuidado pelo bem da minha filha, é para o nosso bem e não para o nosso mal, o importante é sair melhor daqui mesmo e ficar boa [...] (P2).

Todavia, para a maioria dos entrevistados (12) a hospitalização do filho teve significado de sofrimento, impotência, estresse, preocupação e ansiedade. Esses sentimentos tiveram relação com as múltiplas punções venosas, necessárias para receber a penicilina cristalina e coleta de amostra para os exames laboratoriais; ao risco de morte iminente do filho; e à espera dos resultados dos exames laboratoriais e de imagem que ocasionaram medo e estresse.

[...] a experiência que eu tenho é não estou gostando porque estou vendo-o sofrer, levando picada de agulha, levando ele toda hora para tomar medicação [...] (M3).

[...] estou me sentindo apavorada, com medo de dar alguma coisa no exame [...] já tenho a notícia da sífilis mais do HIV e ainda podem vir outras malformações, essas coisas me deixam nervosa [...] (M12).

As principais mudanças relatadas pelos depoentes foram: alteração na rotina e atividades diárias, ausência do contato diário com a família e do cuidado com os outros filhos.

[...] para mim, que tenho outros filhos, dez dias fora de casa é como se fossem dez meses, eu estou sem ver meus outros filhos, minha vida está parada [...] (M11).

Todas as mães sentiram-se incomodadas em permanecer os dez dias no hospital, mas perceberam que a hospitalização era necessária e, por isso, condicionaram a alta hospitalar de ambos à cura e bem-estar da criança.

Os pais-homens apresentaram o desejo e o compromisso em acompanhar o filho e a sua companheira durante a hospitalização:

[...] eu quero sim participar de todos os exames dele [...] ver como está indo, como é que está se agindo. Do jeito que estou aqui com ele no hospital, eu quero estar com ele quando estiver em casa também. Quero acompanhar ele em tudo [...] (P6).

   [...] estou desde quarta aqui, eu só saí daqui domingo e segunda, que fui de tarde um pouco em casa para pegar roupa e algumas coisas, e voltei para ficar todos dias e vou ficar até ele ter alta, com certeza [...] (P13).

Quanto ao apoio recebido dos familiares, os participantes expuseram, principalmente, a cumplicidade e o cuidado mútuo entre o casal. Duas depoentes informaram ter recebido apoio de outros entes da família: avó materna e tia materna da criança.

As narrativas demonstraram que os cuidados de enfermagem favoreceram o sentir-se ligado e o interagir com a equipe do alojamento conjunto e unidade neonatal.

Informa, esclarece dúvida e estimula as dúvidas [...] mostram tudo que estão fazendo. A gente faz exames e quer saber o resultado, se está evoluindo o tratamento, ou se não está, aí eles [profissionais de saúde] falam pra gente. Deixa ir junto para ver como é [...] sempre dispostos a tirar nossas dúvidas, dão toda a informação que a gente precisa [...] (M1).

Presta assistência, cuidado e promove segurança [...] as enfermeiras são muito boas, trata a gente muito bem. De noite, mede a nossa pressão, vê se a gente está com febre, se a gente está com dor, passa um remédio, toda hora pergunta como a gente está, se o pé está inchado, se a gente evacuou, é o tempo todo assim [...] não tem como você passar mal aqui [...] a gente tem assistência à noite toda e o dia todo, ninguém fica abandonada aqui, a gente se sente segura [...] (M7).

Oferece suporte emocional [...] com certeza você [como enfermeira e pesquisadora] foi uma psicóloga por um momento, eu precisava chorar [...] (M7).

Demonstra amor nos cuidados com os recém-nascidos [...] as pessoas que acompanham o berçário parece que, assim, é aquela equipe mesmo para aquilo ali. Eles têm um amor com a criança, trata as crianças bem, a gente vê. Não é nem na nossa frente, é por trás mesmo, a gente vê. Às vezes, eu chego assim vejo as enfermeiras conversando com os meninos, parece que os filhos são delas, é impressionante! É muito amor [...] (M7).

Quanto ao tratamento com penicilina cristalina e acompanhamento do recém-nascido com sífilis congênita, os participantes do presente estudo mostraram estar situados na rotina da instituição.

Contudo, duas mães tiveram a experiência e prática da parentalidade prejudicadas devido à separação imposta pela necessidade de cuidados intensivos ao filho com sífilis congênita M5 vivenciou a separação do filho devido ao nascimento prematuro, quando o bebê foi encaminhamento para a unidade neonatal, enquanto que M10 foi privada do contato prolongado com o filho, por dificuldade de adaptação do recém-nascido à vida extrauterina. Ambas estavam de alta hospitalar, mas aguardavam no alojamento conjunto a melhora clínica dos seus filhos, e dessa forma os acompanhavam o tempo que julgassem necessário.

Apesar de as narrativas terem sido obtidas durante a hospitalização do recém-nascido, pode-se afirmar que vivenciar a sífilis no período gestacional, transmiti-la verticalmente e, consequentemente, ocorrer a hospitalização do filho, gerou nos participantes uma reformulação de suas identidades, no sentido de: crescimento pessoal; tornar-se mais responsável e cuidadoso consigo e com o filho; adotar postura preventiva quanto às IST e gravidez não planejada; conscientização da importância do tratamento da sífilis; aprendizado; encarar com seriedade a sífilis e sífilis congênita; abdicar da drogadição em prol da filha; querer vivenciar as funções da parentalidade com a filha.

DISCUSSÃO

Conhecer a natureza das transições (tipos, padrões e propriedades), os condicionantes facilitadores e inibidores da transição (pessoais, comunidade e sociedade) e os padrões de resposta (indicadores de processos e indicadores de resultados) é necessário para promover um cuidado competente aos indivíduos que vivenciam transições em suas vidas. A consciencialização é uma das propriedades de transição para a parentalidade e consiste na percepção de uma nova condição, decorrente de alteração na vida do indivíduo, que faz com que ele ative mecanismos para capacitá-lo a vivenciar a transição.1010 Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Messias DKH, Schumacher K. experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000; 23(1):12-28.

Diante do diagnóstico de sífilis na gestação, as mulheres apresentam medo, decepção, constrangimento, tristeza, sentimentos estes que se devem ao conhecimento rudimentar sobre a sífilis ou desconhecimento da doença.1313 Silva MAM, Sousa JC, Albuquerque S, Moreira CA, Martins MC. Feelings of pregnant woman diagnosed with syphilis. Rev Enferm UFPI [Internet]. 2015 [cited 2016 Dec 21]; 4(2):84-91. Available from: https://doi.org/10.26694/reufpi.v4i2.3336
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E emergiram perante as sequelas de saúde que a sífilis congênita pode acarretar no recém-nascido, principalmente, as malformações, deficiência física e mental, ainda que haja consciencialização dos pais sobre a transmissão vertical da sífilis.

Durante a transição para a parentalidade, o momento da comunicação do diagnóstico de uma doença congênita pode interferir no papel parental. Se o diagnóstico for realizado durante a gestação, a vivência do luto do bebê imaginário poderia conferir maior disponibilidade para adaptar-se à nova situação, e de contato entre o pai, a mãe e o bebê nos primeiros momentos de vida, favorecendo a parentalidade. Todavia, o diagnóstico precoce pode provocar maior impacto na vida dos pais pelo fato de não vivenciaram a parentalidade na presença do bebê.1414 Kruel CS, Lopes RCS. Transition to parenthood in the context of congenital heart disease. Brasília: Psic: Teor e Pesq [Internet]. 2012 [cited 2016 Dec 21]; 28(1):35-43. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ptp/v28n1/05.pdf
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Frente ao diagnóstico de uma doença congênita, os pais apresentam mecanismos de defesa, negação do problema e de sua gravidade. O medo, tristeza, revolta e culpa vivenciados na hospitalização de um filho foram dificultadores na transição da parentalidade.1515 Fernandes NGV, Silva EMB. Parents experience during the hospitalisation of the preterm infant. Rev Enf Ref [Internet]. 2015 Jan-Mar [cited 2016 Dec 21]; 4(4):107-15. Available from: http://dx.doi.org/10.12707/RIV14032
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Os genitores se culpam pela condição clínica, sofrimento e necessidade de hospitalização do filho. As mães, que se colocam como principais responsáveis pela criança, se culpam por não terem conseguido uma gestação normal e o nascimento saudável.1313 Silva MAM, Sousa JC, Albuquerque S, Moreira CA, Martins MC. Feelings of pregnant woman diagnosed with syphilis. Rev Enferm UFPI [Internet]. 2015 [cited 2016 Dec 21]; 4(2):84-91. Available from: https://doi.org/10.26694/reufpi.v4i2.3336
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,1616 Schmidt KT, Sassá AH, Veronez M, Higarashi IH, Marcon SS. The first visit to a child in the neonatal intensive care unit: parents perception. Esc Anna Nery [Internet]. 2012 [cited 2016 May 21]; 16(1):73-81. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-81452012000100010
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Ressalta-se que a ação materna de omitir o diagnóstico de sífilis congênita do filho é desenvolvida como uma estratégia para se esquivar do julgamento moral da sociedade e de suas próprias avaliações sobre a doença. O preconceito cultural relacionado às IST pode interferir no tratamento, sendo fundamental a atuação profissional para desmistificá-lo.1313 Silva MAM, Sousa JC, Albuquerque S, Moreira CA, Martins MC. Feelings of pregnant woman diagnosed with syphilis. Rev Enferm UFPI [Internet]. 2015 [cited 2016 Dec 21]; 4(2):84-91. Available from: https://doi.org/10.26694/reufpi.v4i2.3336
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O estigma de contrair IST insurgiu com a infecção pelo HIV, deixando marcas no indivíduo, vergonha, rejeição e maculando sua identidade social. Pode ser imposto acidentalmente por descuido, falta de sensibilidade ou deliberadamente para punir uma conduta considerada nociva. Profissionais eticamente comprometidos em defender a dignidade humana e a igualdade, especialmente para as mulheres vulneráveis, devem proteger, neutralizar e aliviar a estigmatização dos usuários e da equipe de saúde.1717 Cook RJ, Dickens BM. Reducing stigma in reproductive health. Int J Gynaecol Obstet. 125(1):89-92.

A sociedade é um dos condicionantes da Teoria da Transição, que atua como inibidora ou facilitadora do processo de transição.1010 Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Messias DKH, Schumacher K. experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000; 23(1):12-28. Os estereótipos da sociedade relacionados à sífilis dificultaram a transição da parentalidade e potencializaram o medo das mães e dos pais de vivenciarem o preconceito e a culpabilização de terem um filho com sífilis congênita.

Todas as transições são responsáveis por alterações nas vidas dos indivíduos, mas o tornar-se mãe e pai é uma transição crítica que gera instabilidade, além de ter caráter permanente. A chegada de um bebê acarreta modificação na organização psíquica da mulher e do homem, individualmente, e do casal, resultando em uma nova organização: o acréscimo do terceiro (quando primeiro filho); a mudança do status dos genitores, que passam da posição de filho para pais; as projeções de seus aspectos infantis sobre a criança e as exigências que o bebê faz à mãe.1818 Junqueira MFA. Parentalidade contemporânea: encontros e desencontros. Primórdios [Internet]. 2014 [cited 2016 Dec 21]; 3(3):33-44. Available from: http://cprj.com.br/primordios/03/03_Parentalidade_contemporanea_encontros_e_desencontros.pdf
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O tempo de gestação do filho possibilita aos pais irem se acostumando com a nova posição que os aguarda.

Porém, os participantes tiveram uma reorganização brusca e intensa de suas identidades parentais com a hospitalização do filho por sífilis congênita, atribuindo significados diferentes a esse evento. Em acordo com a Teoria das Transições de Meleis, os significados atribuídos aos eventos podem facilitar ou dificultar as transições.1010 Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Messias DKH, Schumacher K. experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000; 23(1):12-28.

Autores afirmam que os sentimentos negativos são vivenciados mais intensamente no início da hospitalização do filho, quando os pais não aceitam a situação, por ser um momento de ajuste na parentalidade. Após essa fase, começam a surgir os significados positivos, concomitantes à possibilidade de sobrevivência do recém-nascido e à recuperação e estabilização do seu quadro clínico.1919 Silva MAM, Barroso MGT, Abreu MSN, Oliveira SHS. Experiência de pais com filhos recém-nascidos hospitalizados. Rev Enf Ref [Internet]. 2009 Dez [cited 2016 Dec 21]; 2(11):37-46. Available from: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=388239958006
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A hospitalização provoca emoções ambíguas, com predomínio de sentimentos negativos, porque os pais sentem-se impotentes e inseguros para cuidar do filho doente, que está inserido em ambiente desconhecido e exposto à observação dos outros, como de outros genitores e dos profissionais de saúde. A hospitalização do recém-nascido interfere na adaptação à parentalidade e na relação e vinculação mãe/pai e filho.1515 Fernandes NGV, Silva EMB. Parents experience during the hospitalisation of the preterm infant. Rev Enf Ref [Internet]. 2015 Jan-Mar [cited 2016 Dec 21]; 4(4):107-15. Available from: http://dx.doi.org/10.12707/RIV14032
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A experiência da hospitalização de um filho gera impacto emocional e no cotidiano da família. A vida diária dos pais é marcada por mudanças bruscas, além das modificações que já ocorreriam com o nascimento de um filho saudável.1919 Silva MAM, Barroso MGT, Abreu MSN, Oliveira SHS. Experiência de pais com filhos recém-nascidos hospitalizados. Rev Enf Ref [Internet]. 2009 Dez [cited 2016 Dec 21]; 2(11):37-46. Available from: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=388239958006
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A mudança é uma das propriedades do processo de transição, que leva a alterações nas ideias, percepções, identidades, relações e rotinas.1010 Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Messias DKH, Schumacher K. experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000; 23(1):12-28. As principais mudanças vivenciadas foram alterações na rotina e atividades diárias, interrupção familiar e do cuidado com os outros filhos. Esse último é um aspecto dificultador dessa transição.1515 Fernandes NGV, Silva EMB. Parents experience during the hospitalisation of the preterm infant. Rev Enf Ref [Internet]. 2015 Jan-Mar [cited 2016 Dec 21]; 4(4):107-15. Available from: http://dx.doi.org/10.12707/RIV14032
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As mães são as principais afetadas com a hospitalização do recém-nascido, pois abdicam de cuidar de si para dedicarem-se aos seus filhos, e estão inseridas em ambiente desconhecido e afastadas do lar. Esses fatores culminam em situação de desgaste físico e psicológico.1919 Silva MAM, Barroso MGT, Abreu MSN, Oliveira SHS. Experiência de pais com filhos recém-nascidos hospitalizados. Rev Enf Ref [Internet]. 2009 Dez [cited 2016 Dec 21]; 2(11):37-46. Available from: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=388239958006
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Todavia, o nascimento e a hospitalização de um filho é uma experiência familiar. A família está inserida nos condicionantes da Teoria das Transições, como facilitadora ou inibidora, e também nos indicadores de processo, como integrante da rede de apoio do indivíduo que vivencia a transição.1010 Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Messias DKH, Schumacher K. experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000; 23(1):12-28. Nesse caso, trata-se de um recurso importante para que as mães e os pais desenvolvam plenamente a sua parentalidade.

A família se constitui como a principal fonte de apoio para mães e pais que enfrentam a hospitalização de um filho recém-nascido. O marido/companheiro, em primeiro lugar, e a avó são os membros da família que mais estão envolvidos no apoio à mãe e à criança hospitalizada e podem ser facilitadores da transição na parentalidade. Contudo, a família também pode dificultar a vivência da maternidade, quando incapacitada de lidar com a nova experiência, expressando-se negativamente face à situação.1515 Fernandes NGV, Silva EMB. Parents experience during the hospitalisation of the preterm infant. Rev Enf Ref [Internet]. 2015 Jan-Mar [cited 2016 Dec 21]; 4(4):107-15. Available from: http://dx.doi.org/10.12707/RIV14032
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,1919 Silva MAM, Barroso MGT, Abreu MSN, Oliveira SHS. Experiência de pais com filhos recém-nascidos hospitalizados. Rev Enf Ref [Internet]. 2009 Dez [cited 2016 Dec 21]; 2(11):37-46. Available from: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=388239958006
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O pai da criança pode ser a única ou a principal referência emocional e social da mulher quando a família é composta exclusivamente pelo casal. A participação paterna pode contribuir na formação de vínculo com o filho e no fortalecimento dos laços familiares. A presença do pai transmite mais afeto ao bebê.2020 Souza SRRK, Gualda DMR. The experience of women and their coaches with childbirth in a public maternity hospital. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2016 Mar [cited 2017 Feb 2]; 25(1):1-9. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-0707201600004080014
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Os efeitos da hospitalização do recém-nascido para os pais-homens são complexos, entretanto o homem costuma participar junto à mulher nesse momento.2121 Feeley N, Waitzer E, Sherrard K, Boisvert L, Zelkowitz P. Fathers´ perceptions of the barriers and facilitators to their involvement with their newborn hospitalized in the neonatal intensive care unit. J Clin. Nurs. 22(3-4):521-30.

A prática da parentalidade com um filho hospitalizado gera impacto para ambos os genitores, com renegociação de papéis e das ligações afetivas entre os membros da família. O cuidado desse filho, por vezes, é centrado na mãe, por isso é fundamental a colaboração dos pais-homens no cuidado com as outras crianças e nas tarefas domiciliares. Ainda, é importante encorajar a participação do(s) irmão(s) no cuidado ao bebê hospitalizado, mediante visitas, para favorecer o vínculo familiar e uma relação afetiva segura.99 Andrade L, Martins MM, Angelo M, Martinho J. Families with twins - a systematic review. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 Sep [cited 2017 Feb 1]; 23(3):758-66. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014002950013
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,1515 Fernandes NGV, Silva EMB. Parents experience during the hospitalisation of the preterm infant. Rev Enf Ref [Internet]. 2015 Jan-Mar [cited 2016 Dec 21]; 4(4):107-15. Available from: http://dx.doi.org/10.12707/RIV14032
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O compromisso, o empenhamento e a proatividade do indivíduo atuam como facilitadores do processo de transição.1010 Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Messias DKH, Schumacher K. experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000; 23(1):12-28. Nesse sentido, o enfermeiro, ao considerar as particularidades de cada família, pode empoderar os genitores para atuar como cuidadores primários dos seus filhos.2222 Dellenmark-Blom M, Wigert H. Parents’ experiences with neonatal home care following initial care in the neonatal intensive care unit: a phenomenological hermeneutical interview study. J Adv Nurs. 70(3):575-86.

Entretanto, o fato de os pais acompanharem os seus filhos hospitalizados e interromperem as suas atividades laborais pode levar a perdas aquisitivas para a família. É estressante para os pais a necessidade de gerenciar as demandas do emprego, do trabalho doméstico, de outros filhos, da esposa e ainda se envolver no cuidado com o recém-nascido hospitalizado. A licença-paternidade ou um emprego que permita aos pais estarem presentes facilita a parentalidade.2121 Feeley N, Waitzer E, Sherrard K, Boisvert L, Zelkowitz P. Fathers´ perceptions of the barriers and facilitators to their involvement with their newborn hospitalized in the neonatal intensive care unit. J Clin. Nurs. 22(3-4):521-30. Também o apoio da família extensa é essencial para permanência dos genitores no hospital.1515 Fernandes NGV, Silva EMB. Parents experience during the hospitalisation of the preterm infant. Rev Enf Ref [Internet]. 2015 Jan-Mar [cited 2016 Dec 21]; 4(4):107-15. Available from: http://dx.doi.org/10.12707/RIV14032
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Os avós participam tanto das atividades extra-hospitalares, dos cuidados com o restante da família e filhos que ficaram em casa, quanto dos cuidados com o recém-nascido. O apoio dos avós é de fundamental importância durante o processo de hospitalização de um filho. O apoio também pode ser exercido pelos amigos e pelas próprias mães e pais que se encontram vivenciando situações parecidas.1919 Silva MAM, Barroso MGT, Abreu MSN, Oliveira SHS. Experiência de pais com filhos recém-nascidos hospitalizados. Rev Enf Ref [Internet]. 2009 Dez [cited 2016 Dec 21]; 2(11):37-46. Available from: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=388239958006
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O apoio dos familiares e dos profissionais de saúde permite a vinculação pais/filho e capacita os pais a cuidarem do seu filho após a alta hospitalar.1515 Fernandes NGV, Silva EMB. Parents experience during the hospitalisation of the preterm infant. Rev Enf Ref [Internet]. 2015 Jan-Mar [cited 2016 Dec 21]; 4(4):107-15. Available from: http://dx.doi.org/10.12707/RIV14032
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O apoio recebido pelos profissionais nos cuidados com o bebê é considerado importante para as puérperas, que destacam que sem as orientações da equipe de saúde teriam dificuldade na prática da parentalidade.2020 Souza SRRK, Gualda DMR. The experience of women and their coaches with childbirth in a public maternity hospital. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2016 Mar [cited 2017 Feb 2]; 25(1):1-9. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-0707201600004080014
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Os profissionais de saúde, no ambiente hospitalar, fazem parte da rede de apoio dos indivíduos. Por sua vez, são capazes de facilitar a transição na parentalidade, quando as mães e pais de crianças hospitalizadas conseguem sentir-se ligados e interagir com a equipe de assistência.

O “sentir-se ligado” e o “interagir” estão inseridos nos padrões de resposta do indivíduo, como indicadores de processo de transição. O sentir-se ligado aos profissionais de saúde promove uma experiência positiva de transição, pois a equipe de assistência pode trazer conforto ao tirar dúvidas e ao atender os questionamentos dos que vivenciam a transição. A interação entre os profissionais e clientes pode fazer, ainda, com que o cuidado ou o autocuidado ocorram de forma eficaz e harmoniosa.1010 Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Messias DKH, Schumacher K. experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000; 23(1):12-28.

As relações de proximidade e confiança entre os sujeitos se fazem presentes também na disponibilidade dos profissionais para atender as necessidades de informação dos usuários do serviço de saúde. Torna-se relevante que o profissional de saúde estimule os pais a verbalizar as suas preocupações, dúvidas e receios e, sobretudo, ouvi-los, para estabelecer uma relação de confiança e compreensão, essencial para o tratamento da criança.1919 Silva MAM, Barroso MGT, Abreu MSN, Oliveira SHS. Experiência de pais com filhos recém-nascidos hospitalizados. Rev Enf Ref [Internet]. 2009 Dez [cited 2016 Dec 21]; 2(11):37-46. Available from: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=388239958006
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A equipe de enfermagem necessita comunicar-se de forma compreensível e implementar ações de educação em saúde para promover o cuidado parental. É importante reconhecer os pais que passam por uma transição na parentalidade, mediante a hospitalização de um filho, como vulneráveis, e proporcionar segurança, afetividade, atendimento humanizado e informações precisas sobre o estado de saúde do filho e as rotinas gerais, sempre buscando o diálogo.1515 Fernandes NGV, Silva EMB. Parents experience during the hospitalisation of the preterm infant. Rev Enf Ref [Internet]. 2015 Jan-Mar [cited 2016 Dec 21]; 4(4):107-15. Available from: http://dx.doi.org/10.12707/RIV14032
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,2323 Soares RLSF, Christoffel MM, Rodrigues EC, Machado MED, Cunha AL. Being a father of a premature newborn at neonatal intensive care unit: from parenthood to fatherhood. Esc Anna Nery [Internet]. 2015 Sep [cited 2016 Dec 21]; 19(3):409-16. Available from: http://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20150054
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Quanto à assistência recebida, os pais desenvolveram um vínculo de credibilidade com a equipe e confiança na terapêutica implantada aos filhos com sífilis congênita. O enfoque da assistência de enfermagem neonatal precisa estar na criação de um ambiente favorável para o cuidado do bebê, amenizado de estímulos nocivos, que viabilize o desenvolvimento e reduza as consequências negativas da doença e da hospitalização.2323 Soares RLSF, Christoffel MM, Rodrigues EC, Machado MED, Cunha AL. Being a father of a premature newborn at neonatal intensive care unit: from parenthood to fatherhood. Esc Anna Nery [Internet]. 2015 Sep [cited 2016 Dec 21]; 19(3):409-16. Available from: http://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20150054
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Os enfermeiros tornam-se modelos para os pais, que, ao observarem o cuidado prestado, aprendem a fazê-lo. É válido ressaltar intervenções da enfermagem que podem facilitar o processo de parentalidade: acolher ao trinômio pais/bebê/família; favorecer a aceitação do filho hospitalizado; promover a vinculação desse trinômio; orientar, encorajar e tornar os pais aptos para cuidarem de seu filho.1515 Fernandes NGV, Silva EMB. Parents experience during the hospitalisation of the preterm infant. Rev Enf Ref [Internet]. 2015 Jan-Mar [cited 2016 Dec 21]; 4(4):107-15. Available from: http://dx.doi.org/10.12707/RIV14032
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,2121 Feeley N, Waitzer E, Sherrard K, Boisvert L, Zelkowitz P. Fathers´ perceptions of the barriers and facilitators to their involvement with their newborn hospitalized in the neonatal intensive care unit. J Clin. Nurs. 22(3-4):521-30. Considerando a especificidade da sífilis, são essenciais a troca de informações, a comunicação e a educação continuada.77 Silva DMA, Araújo MAL, Silva RM, Andrade RFV, Moura HJ, Esteves ABB. Knowledge of healthcare professionals regarding the vertical transmission of syphilis in Fortaleza-CE, Brazil. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 Jun [cited 2017 Feb 1]; 23(2):278-85. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014000510013
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Outro aspecto de grande relevância é o apoio afetivo, em que os pais de recém-nascidos hospitalizados sentem-se apoiados pela enfermagem quando esta profere palavras positivas, mesmo que não sejam com o intuito de trazer informações.1616 Schmidt KT, Sassá AH, Veronez M, Higarashi IH, Marcon SS. The first visit to a child in the neonatal intensive care unit: parents perception. Esc Anna Nery [Internet]. 2012 [cited 2016 May 21]; 16(1):73-81. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-81452012000100010
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,1919 Silva MAM, Barroso MGT, Abreu MSN, Oliveira SHS. Experiência de pais com filhos recém-nascidos hospitalizados. Rev Enf Ref [Internet]. 2009 Dez [cited 2016 Dec 21]; 2(11):37-46. Available from: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=388239958006
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Saber o que e como falar frente a situações tão adversas é de fundamental importância, pois pode contribuir para o estabelecimento de uma relação de confiança entre cliente e profissional.

Nesse sentido, faz-se necessário um cuidado que ultrapasse as questões biológicas e incluam as demandas sociais, emocionais e psicológicas, envolvendo toda a rede de relacionamento dos que vivenciam uma transição na parentalidade. A abordagem do enfermeiro deve ser centrada na família, na qual mães, pais, irmãos e família extensa são considerados receptores de cuidados.1515 Fernandes NGV, Silva EMB. Parents experience during the hospitalisation of the preterm infant. Rev Enf Ref [Internet]. 2015 Jan-Mar [cited 2016 Dec 21]; 4(4):107-15. Available from: http://dx.doi.org/10.12707/RIV14032
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O localizar-se e estar situado também é um fator importante para a maioria das experiências de transição. O entendimento de uma nova situação de vida e o se “situar” em termos de tempo, espaço e relações permitem aos indivíduos compreenderem o seu processo de transição.1010 Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Messias DKH, Schumacher K. experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000; 23(1):12-28. Os genitores, ao estarem situados com a terapêutica e o ambiente hospitalar em que o filho está inserido, conseguem exercer com mais confiança o cuidado parental.

O desenvolvimento de confiança e coping, que são indicadores do processo de transição, se manifestam no nível de compreensão dos diferentes processos inerentes ao diagnóstico, tratamento, recuperação e/ou viver com limitações; no nível de utilização de recursos; e no desenvolvimento de estratégias para adaptação à nova condição de vida.1010 Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Messias DKH, Schumacher K. experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000; 23(1):12-28. Ao se sentirem parte integrante da equipe, os pais ficam mais confiantes para desempenhar o cuidado parental durante a hospitalização do filho.

Outro fator que interfere na parentalidade é a separação imposta pela necessidade de cuidados intensivos de alguns recém-nascidos. A separação do filho é um aspecto dificultador da transição na parentalidade.1010 Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Messias DKH, Schumacher K. experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000; 23(1):12-28. Este interfere no vínculo mãe-bebê, prejudicando o desenvolvimento de confiança e coping das mães em relação aos cuidados com seus filhos.

Apesar de a hospitalização de um filho com sífilis congênita ser um evento transitório e passageiro, ocasionou mudanças na percepção de vida e parentalidade dos pais, bem como a aquisição de novos conhecimentos sobre a doença e o desenvolvimento da criança.

O reconhecimento dos padrões de resposta do indivíduo ao processo de transição pode se dar a partir dos indicadores de processo e dos indicadores de resultados. Estes últimos são a maestria e a integração fluida da identidade; ou seja, o domínio de novas competências e a reformulação de identidade. Em todas as transições, há um elemento subjetivo para alcançar o senso de equilíbrio na vida de alguém. O domínio de novas habilidades e comportamentos necessários para gerenciar sua nova situação de vida, bem como uma nova identidade, reflete no resultado de transição saudável.1010 Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Messias DKH, Schumacher K. experiencing transitions: an emerging middle-range theory. ANS Adv Nurs Sci. 2000; 23(1):12-28.

Os profissionais de saúde que prestam cuidados aos recém-nascidos hospitalizados e aos seus familiares precisam criar estratégias para otimizar o tempo de hospitalização e recursos para capacitar os pais no cuidado com o seu filho. Também devem ser eficazes na atenção prestada a essas famílias.1919 Silva MAM, Barroso MGT, Abreu MSN, Oliveira SHS. Experiência de pais com filhos recém-nascidos hospitalizados. Rev Enf Ref [Internet]. 2009 Dez [cited 2016 Dec 21]; 2(11):37-46. Available from: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=388239958006
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Para a Teoria das Transições de Meleis, os enfermeiros, muitas vezes, são os principais cuidadores de clientes e famílias que estão em fase de transição. Assistem às mudanças e exigências que as transições trazem para o cotidiano dos clientes e suas famílias, e, além disso, os preparam para iminentes transições.99 Andrade L, Martins MM, Angelo M, Martinho J. Families with twins - a systematic review. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 Sep [cited 2017 Feb 1]; 23(3):758-66. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014002950013
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Dessa forma, são esses profissionais que podem facilitar o processo de aprendizagem de novas habilidades relacionadas às experiências, à saúde e doença pacientes.

As limitações do presente estudo estiveram relacionadas à dificuldade de entrevistar os pais-homens decorrente da pouca frequência destes no serviço por motivos trabalhistas, dentre outros, bem como ao fato desta pesquisa ter mapeado as vivências transicionais na parentalidade durante o processo na hospitalização e não após a alta hospitalar do recém-nascido; logo, os indicadores de resultados da transição não estão totalmente estabelecidos na vida dos participantes.

Porém, constatou-se que a hospitalização do filho proporcionou aos pais um momento de aprendizagem, novos conhecimentos e competências em relação à doença e à parentalidade com o filho, e mais responsabilidade no desempenho do autocuidado e do cuidado parental.

CONCLUSÃO

As narrativas de vida revelaram aspectos importantes para a construção da parentalidade desde o diagnóstico de sífilis no pré-natal, ao nascimento e à hospitalização do recém-nascido por sífilis congênita. A hospitalização foi percebida como uma situação complexa, que pode levar a uma crise, especialmente quando os pais consideram que falharam no seu papel parental. Por se sentirem incapazes, não conseguem exercer as funções da parentalidade e apoio ao sofrimento do recém-nascido.

Entende-se que os enfermeiros têm um papel essencial no cuidar de mães e pais que vivenciam duas transições simultâneas - como a transição para a parentalidade e na parentalidade -, desencadeadas pelos eventos críticos, nascimento e hospitalização do filho com sífilis congênita, já que o vínculo mãe-pai-recém-nascido não está plenamente constituído e necessita dos profissionais de saúde para fortalecê-lo.

O cuidado transicional promove aos pais aprendizagem de novas habilidades e auxilia na reformulação de suas identidades, que são indicadores de resultado de uma transição bem sucedida. Essa intervenção os capacita para desempenharem o autocuidado e o cuidar dos seus filhos, além de empoderá-los para prevenir a reinfecção da sífilis e, consequentemente, reduzir a reincidência de casos de sífilis congênita.

  • 1
    Artigo extraído da dissertação - Vulnerabilidade e parentalidade na hospitalização de um filho com sífilis congênita à luz da teoria das transições, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem (PPGENF) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), em 2015. O artigo recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jan 2019
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    07 Abr 2017
  • Aceito
    18 Dez 2017
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