FATORES DETERMINANTES NA TRANSIÇÃO SITUACIONAL DE FAMILIARES CUIDADORES DE IDOSOS COM DOENÇA DE PARKINSON

RESUMO

Objetivo:

investigar os fatores facilitadores e inibidores na transição situacional de familiares cuidadores de idosos com doença de Parkinson.

Método:

estudo qualitativo, exploratório e descritivo, com base na teoria de enfermagem de transição familiar desenvolvido com 20 familiares cuidadores de idosos com doença de Parkinson, cadastrados na Associação Parkinson de Santa Catarina, entre os meses de março a agosto de 2015. Para analisar e interpretar os dados, utilizou-se a análise temática de conteúdo proposta por Bardin, com auxílio do software ATLAS.ti para organização dos dados.

Resultados:

alguns fatores foram identificados e considerados como facilitadores para o processo de transição do familiar para o exercício do papel de cuidador, tais como: experiências anteriores como cuidador; espiritualidade e religiosidade; rede de apoio familiar e dos serviços de saúde. Outros fatores foram identificados como condicionantes inibidores para transição: condições de saúde emocional e física; idade avançada; atividades/compromissos da vida pessoal; sobrecarga financeira familiar; e suporte familiar insuficiente. Observou-se que a maioria dos cuidadores familiares refere ter tido experiência prévia em cuidar, possuir idade avançada, e ser portador de habilidades para cuidar do idoso com a doença. No entanto, considera sua condição de saúde emocional e física insuficiente, tendo como consequência a sobrecarga. A falta de acesso aos serviços de saúde e apoio familiar e financeiro dificultam a prestação do cuidado.

Conclusão:

os enfermeiros devem buscar estratégias para direcionar a atenção aos fatores facilitadores no contexto familiar objetivando auxiliar os familiares a alcançarem o bem-estar e a transição saudável para o papel de cuidador.

DESCRITORES:
Doença de Parkinson; Saúde do idoso; Família; Cuidadores; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to investigate the facilitator and inhibitory factors in the transition of elderly caregivers with Parkinson's disease.

Method:

a qualitative, exploratory and descriptive study, based on the family transition nursing theory developed with 20 elderly caregivers of elderly people with Parkinson 's disease, enrolled in the Associação Parkinson de Santa Catarina, from March to August 2015. To analyze and interpret the data, we used the thematic analysis of content proposed by Bardin, with the help of the ATLAS.ti software for data organization.

Results:

some factors were identified and considered as facilitators for the process of transition from the familiar to the exercise of the role of caregiver, such as: previous experiences as caregiver; spirituality and religiosity; family support network and health services. Other factors were identified as inhibiting factors for transition: emotional and physical health conditions; advanced age; personal life activities/commitments; family financial burden; and inadequate family support. It was observed that most family caregivers reported having previous experience in caring, having advanced age, and being able to care for the elderly with the disease. However, he considers his condition of emotional and physical health insufficient, resulting in overload. Lack of access to health services and family and financial support make it difficult to provide care.

Conclusion:

nurses should seek strategies to direct attention to facilitating factors in the family context in order to help the family to achieve well-being and healthy transition to the role of caregiver.

DESCRIPTORS:
Parkinson's disease; Elderly health; Family; Caregivers; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

investigar los factores facilitadores e inhibidores en la transición situacional de familiares cuidadores de ancianos con enfermedad de Parkinson.

Método:

estudio cualitativo, exploratorio y descriptivo, con base en la teoría de enfermería de transición familiar desarrollado con 20 familiares cuidadores de ancianos con enfermedad de Parkinson, registrados en la Associação Parkinson de Santa Catarina, entre los meses de marzo a agosto de 2015. Para analizar e interpretar los datos, se utilizó el análisis temático de contenido propuesto por Bardin, con ayuda del software ATLAS.ti para la organización de los datos.

Resultados:

alguns factores fueron identificados y considerados como facilitadores para el proceso de transición del familiar para el ejercicio del papel de cuidador, como: experiencias anteriores como cuidador; espiritualidad y religiosidad; red de apoyo familiar y de servicios de salud. Otros factores fueron identificados como condicionantes inhibidores para la transición: condiciones de salud emocional y física; edad avanzada; actividades/compromisos de la vida personal; sobrecarga financiera familiar; y apoyo familiar insuficiente. Se observó que la mayoría de los cuidadores familiares dicen haber tenido experiencia previa en cuidar, poseer edad avanzada, y ser portador de habilidades para cuidar del anciano con la enfermedad. Sin embargo, considera su condición de salud emocional y física insuficiente, teniendo como consecuencia la sobrecarga. La falta de acceso a los servicios de salud y apoyo familiar y financiero dificultan la prestación del cuidado.

Conclusión:

los enfermeros deben buscar estrategias para dirigir la atención a los factores facilitadores en el contexto familiar, con el objetivo de ayudar a los familiares a alcanzar el bienestar y la transición sana para el papel de cuidador.

DESCRIPTORES:
Enfermedad de Parkinson; Salud del anciano; Familia; Cuidadores; Enfermería

INTRODUÇÃO

A Doença de Parkinson (DP) é a doença neurodegenerativa motora mais comum e a segunda desordem mais prevalente em idosos.1^-2 A clínica da DP representa uma integração de quatro componentes principais: sintomas motores; alterações cognitivas; alterações comportamentais e neuropsiquiátricas; e os sintomas relacionados às disfunções no sistema nervoso autônomo.2 A progressão dessas alterações clínicas, associada à irreversibilidade da doença, ocasiona impacto considerável na vida não só de quem tem a doença, mas também de seus familiares, que precisam suprir as incapacidades funcionais e dependências que surgem com a progressão da doença.3

Esse impacto na vida da família, em especial na do cuidador, está associado à demanda de prestação de cuidados e ocorre porque, à medida que a DP evolui, aumentam as limitações físicas, provocando sucessiva falta de autonomia e necessidade da pessoa ser ajudada em suas atividades de vida diária e participação na vida social.4^-5 O cuidado dispensado ao idoso dependente torna-se cada vez mais complexo à medida que a família se percebe submergida em sentimentos difíceis de gerenciar, desestruturando os sistemas emocionais e originando privações e modificações no estilo de vida para a compreensão das novas necessidades advindas da sobrecarga e do tempo dedicado ao cuidado de seu parente acometido pela doença.6

O familiar é referência em relação ao afeto e a atenção à pessoa com dependência.7 Deste modo, a família cuidadora precisa adequar-se às demandas geradas após a notícia do diagnóstico, visto que, tornar-se cuidador não é algo planejado ou escolhido8 e depende de aspectos como: características da evolução da doença; existência e funcionamento da rede familiar; as habilidades do familiar escolhido para a função de cuidar e sua posição dentro da família.9

Ademais, o familiar, ao assumir a função de cuidador, necessita de tempo e esforço para gerenciar adequadamente as mudanças ocasionadas pela doença e confrontos com diversos desafios diários, a fim de vivenciar de forma saudável a transição para este novo papel.7^,10

Como forma de auxiliar no suporte aos familiares cuidadores, os enfermeiros, enquanto profissionais da equipe de saúde, necessitam garantir a manutenção eficaz da parceria, visto que estes são fundamentais para assegurar o prosseguimento de cuidados indispensáveis à pessoa com uma doença crônica.10 Logo, devem compreender as interações da família com a doença e identificar o funcionamento da rede familiar, distinguindo as necessidades dos próprios membros da família, para direcionar as orientações e estratégias que aliviarão os desconfortos ocasionados pelo convívio com as alterações geradas pela doença.9 Isso porque, muitas vezes, esses familiares podem não demonstrar ou não saber que precisam de ajuda e orientação para o autocuidado.11

Como a DP refere-se a uma doença que causa uma situação de crise inesperada no seio familiar, gerando modificações na rotina dos membros, especialmente na vida do familiar responsável pelo papel de prestar o cuidado, é necessário avaliar o efeito da suplementação de papéis nestes clientes que passaram por transições advindas da experiência de cuidar.

Apoiando-se na suplementação de papéis em uma situação de transição por meio do quadro conceitual para a prática de enfermagem da Teoria das Transições,12 o foco da nossa atenção será a transição situacional. Esta é considerada a mais diretamente envolvida na experiência de cuidadores familiares de idosos com DP, uma vez que a limitação e/ou dependência vivenciada pela pessoa com DP ocasiona um processo de adaptação, alterações de papéis e mudanças no contexto familiar. A teoria define uma transição situacional como sendo aquela que inclui os eventos os quais propiciam mudanças ou redefinição de papéis da pessoa, ou seja, a transição que determina a modificação de papéis.12

Considerando as mudanças ocorridas na vida do familiar em direção à uniformidade do papel de cuidador, torna-se indispensável a identificação das principais necessidades demonstradas por este, sobretudo no desempenho das atividades relacionadas ao cuidar, para que um correto diagnóstico da família possa ser realizado, facilitando todo o processo de transição.10

Portanto, o presente estudo teve como objetivo investigar os fatores determinantes facilitadores e inibidores na transição situacional de familiares cuidadores de idosos com doença de Parkinson.

MÉTODO

Estudo descritivo e exploratório de abordagem qualitativa, que utilizou a teoria das transições situacionais12 para compreender os familiares cuidadores de idosos com DP.

O local do estudo foi a Associação de Parkinson de Santa Catarina (APASC), entidade civil de direito privado, sem fins lucrativos, situada no município de Florianópolis, tendo como abrangência o Estado de Santa Catarina. Tem como objetivo reunir pessoas com a DP e assegurar-lhes apoio e assistência, bem como desenvolver e apoiar ações, coletar e divulgar informações sobre pesquisas terapêuticas para melhorar a qualidade de vida das pessoas com a doença e a dos seus familiares e cuidadores.13

No momento da coleta de dados, havia aproximadamente 100 pessoas com DP cadastradas e ativamente participativas da APASC. Os participantes do estudo foram 20 familiares cuidadores de pessoas com a DP cadastradas na APASC, que, mediante amostra intencional, atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ser o cuidador principal, responsável pelo cuidado diário parcial ou integral, por um período mínimo de seis meses no contexto domiciliar; residir na Grande Florianópolis; e ter idade igual ou superior a 18 anos.

A coleta de dados ocorreu entre os meses de março a agosto de 2015, por meio de entrevista semiestruturada, previamente agendada, realizada no domicílio dos participantes e gravada após consentimento. O roteiro de entrevista foi composto por questões norteadoras para explorar as mudanças ocorridas nas relações familiares após o diagnóstico da DP; e fatores que as causaram, a fim de melhor compreender como ocorre o processo de transição para o papel de cuidador. Como exemplo: Fale-me dos sentimentos que surgiram para você quando soube do diagnóstico da DP em seu familiar; em algum momento você teve consciência de que estava num processo de se converter num prestador de cuidados? Fale-me sobre ele; entre outras questões. O encerramento da coleta obedeceu ao critério de saturação de dados.

A análise e interpretação dos dados textuais ocorreram concomitantemente à coleta, utilizando-se a análise temática de conteúdo,14 associada ao software Archivfuer Technik, Lebenswelt und Alltagssprachetext interpretation - Qualitative Research and Solutions versão 7.5.2 (ATLAS.ti), ferramenta que ajuda o pesquisador a organizar, registrar e acompanhar os registros realizados, colaborando para o rigor metodológico do estudo.15

Os termos comumente utilizados na análise temática de conteúdo são indicadores e categorias,14 que neste estudo serão tratados como codes e families, respectivamente, segundo o ATLAS.ti.

E assim, permitirão o reconhecimento de duas families, sendo a primeira denominada Recursos facilitadores na execução do exercício do papel de cuidador, composta por três subcategorias, e a segunda designada de Recursos inibidores para execução do exercício do papel de cuidador, composta por cinco subcategorias.

Para garantir o sigilo e preservar a identidade, os participantes foram identificados a partir da letra F, significando familiar, e pelo número crescente da respectiva entrevista realizada (Exemplo: F1, F2, F3, ...).

No estudo, foram assegurados os preceitos nacionais indicados para pesquisa com seres humanos, de acordo com a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde,16 sendo entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias.

RESULTADOS

Entre os familiares entrevistados, 16 familiares cuidadores eram do sexo feminino, 11 tinham como vínculo ser cônjuge do idoso com a DP, 11 relataram ser aposentados; e a idade era de 37 a 85 anos. O nível de escolaridade dos participantes variou entre estudo fundamental (oito) e nível superior (oito). Quanto à afiliação religiosa, 15 participantes declararam ser católicos, quatro espíritas (seguem a doutrina do francês Allan Kardec), dois evangélicos, e apenas um relatou não crer em Deus ou em qualquer outra ideia superior. Além disso, 14 participantes relataram cuidar diariamente do idoso.

Essas informações relacionadas aos dados do perfil dos familiares do estudo contribuíram para análise e discussão dos dados, bem como para compreensão do fenômeno dos fatores determinantes da transição situacional dos familiares de idosos com DP; ainda, estão apoiadas no quadro teórico das transições12 ao afirmarem que as crenças e atitudes culturais, situação socioeconômica e preparação e conhecimento dos envolvidos no processo de transformar-se em cuidador podem facilitar ou inibir a transição saudável. A seguir, será apresentada a descrição das principais families juntamente com as subcategorias.

Fatores facilitadores na execução do exercício do papel de cuidador

Os fatores que facilitam o processo de transição para o exercício do papel de cuidador foram: gerindo o cuidado por meio de experiências anteriores como cuidador; espiritualidade e religiosidade no enfrentamento do processo de transição; e a rede formal e o acesso aos serviços de saúde.

Experiências anteriores como cuidador fornecem habilidades que podem facilitar o processo em executar o novo papel, principalmente na progressão e evolução da doença.

[...] eu experimentei cuidar de um irmão meu, por um tempo, que perdeu os movimentos do umbigo para baixo. Ele está na cadeira, sentado, e eu vi a cena de todo mundo batendo papo, todo mundo dizendo que ele estava bem, quando viro eu vejo escaras que cabiam uma laranja inteira dentro. Aí, o trouxeram para mim em Florianópolis, e eu fiquei uns dois meses com ele. Então uma pessoa para cuidar de doente não é fácil, tem que entender, enxergar a pessoa! Quando fui cuidar da minha esposa, que teve uma piora e também ficou na cadeira de rodas, lembrava do meu irmão, porque eu não queria que ela ficasse com aquelas escaras (F1).

Um aspecto presente neste estudo é que alguns familiares possuíam experiências como profissional da saúde, relatando que tal formação fornecia conhecimentos necessários para cuidar do idoso com DP.

[...] eu trabalhei por alguns anos como técnica de enfermagem, então ajuda. Ajuda bastante. (F13).

Os relatos demonstram que a espiritualidade e a religiosidade colaboram para encorajar a família, motivando sentimentos de esperança ou aceitação da condição estabelecida pela doença. Observou-se que crer em algo ajuda a enfrentar a doença e renova a expectativa alentada na esperança frente à condição, acreditando que o sofrimento ocasionado pela doença faz parte da vida e na perspectiva positiva de se viver com a doença.

[...] eu acho que ter uma religião, acreditar em uma força maior ajuda muito na forma de ver as mudanças. Às vezes, eu estou meio angustiada, estou meio nervosa, aí eu digo: “Jesus, eu preciso de ti.” Olha como é aqui em casa, tem um Cristo lá em cima e ali tem um Divino Espírito Santo. Então eu estou com Ele sempre do meu lado, então não tem do que reclamar. Graças a Deus (F6).

Além dos atributos pessoais do cuidador, é importante identificar os recursos disponíveis na comunidade, bem como o apoio da família, vizinhos e amigos. Ter uma rede de apoio social formal com serviços de saúde que sejam efetivos na assistência do idoso com DP reflete na satisfação dos familiares cuidadores.

[...] o bom daqui é que tem esse posto de saúde, e isso é muito bom. Porque antes morávamos em outro bairro que não tinha posto nas proximidades, mas aqui é uma maravilha [...] mesmo ela tendo plano de saúde e não podendo caminhar, os profissionais do posto estão sempre vindo. Vem o geriatra, vem o médico. Nossa, bem bom, muito bom (F8).

A análise dos depoimentos revela que ter uma associação organizada e grupo para compartilhar a mesma vivência, realizar atividades e intervenções específicas na manutenção e reabilitação da doença é essencial na melhora da autoestima da pessoa idosa com DP e, consequentemente, na satisfação do familiar cuidador ao perceber melhora do seu parente.

[...] tudo mudou quando eles deram o encaminhamento para aquela associação de Parkinson ali, não é? Porque para milha filha ali é uma maravilha, é uma coisa maravilhosa. E eu percebo que, desde que ela começou a ir, está mais contente (F3).

[...] eu acho que foi ela ter entrado no grupo, como ela chama... o grupo de ajuda [...], fez muito bem, porque, lá, ela conheceu pessoas que tinha a mesma doença (F5).

Outra evidência é a participação dos profissionais de saúde nas reuniões do grupo, promovendo a confiança e segurança aos familiares cuidadores.

[...] as professoras, as enfermeiras, os médicos, os funcionários estão sempre presentes, então isso aí faz muito bem (F4).

Fatores inibidores para execução do exercício do papel de cuidador

Foram identificados alguns fatores pessoais que dificultam o desempenho e a consequente adaptação do familiar para desempenhar o papel de cuidador, dentre eles: condições de saúde emocional e física; idade avançada; atividades/compromissos da vida pessoal; sobrecarga financeira familiar; e suporte familiar insuficiente.

À medida que a doença progride, o idoso com DP pode precisar de maior assistência, exigindo mais do familiar cuidador.

[...] tem horas que, quando ela começa com as queixas das dores, é complicado. Às vezes, a gente quer almoçar com ela, fazer um pouco de companhia, mas não dá. A gente tem que pegar o prato e sair, porque é muita reclamação. Mas antes não era assim, agora está assim porque já temos muito tempo nessa situação, cuidando dela. Então a gente vai ficando com o sistema nervoso bem abalado (F14).

O acompanhamento psicológico é algo que os familiares sentem necessidade durante o processo de transição, para suportar e entender as repercussões da doença no contexto familiar. Outro fator que pode comprometer o envolvimento do familiar nas atividades de cuidado é sua condição física.

[...] eu sinto falta de um apoio psicológico, mas eu digo que a situação psicológica é bem grave, porque, quando tu tens na família alguém com um problema, tu acaba tendo também algum problema junto com a pessoa (F5).

Os resultados do estudo identificaram que é cada vez mais comum idosos cuidando de outro idoso no contexto domiciliar. Dos 20 familiares participantes, 14 apresentaram idade superior a 60 anos, o que gera inquietação pessoal com a execução presente e futura na prestação do cuidado.

[...] eu também não posso fazer tudo porque eu tenho 85 anos (F3).

A idade avançada do familiar cuidador também pode suscitar sentimento de apreensão em relação ao futuro, tanto em relação à capacidade de oferecer cuidado quanto a uma possível institucionalização.

[...] eu já pensei na hora que a gente, ou mesmo eu, também ficar debilitado: teremos que ir para casa de repouso. Já pensei isso. Já falei isso para ela. Porque, lá, você tem várias enfermeiras, tem cozinheira, se você precisa de um médico, você chama, o médico já atende várias pessoas dependendo da clínica, e você forma um grupo lá (F1).

Muitas vezes, a rotina pessoal compromete o processo de transição do familiar, pois a obrigação de conciliar os compromissos diários com as atividades relacionadas ao acompanhamento do idoso com DP torna-se um desafio. A vida laboral afeta a participação do familiar nas ações assistenciais de acompanhamento.

[...] procuro acompanhar ela ao máximo, mas eu também tenho muita atividade, né? [...] tenho a vida muito cheia de compromissos, principalmente por causa do horário do serviço, e nem sempre posso sair para acompanhá-la (F10).

Os elevados custos associados com a doença crônica podem conduzir à sobrecarga financeira familiar. A falta de acesso aos medicamentos, suplementos, exames específicos e consultas geram gastos financeiros que ocasionam mudanças no orçamento da família e podem ser um fator dificultador para o processo de transição dos familiares cuidadores.

[...] está tudo certo ainda. Mas, mesmo assim, temos que nos segurar com os gastos mais um pouco para poder dar conta de pagar tudo, porque sabemos que os encargos de uma casa é muito [...] água, luz e telefone, e cada vez se gasta mais (F3).

A maioria dos familiares participantes deste estudo cuida de idosos que são parciais ou totalmente dependentes para realizar atividades básicas de vida diária, o que contribui para a sobrecarga do familiar cuidador. Também foi observado a existência de falta de suporte dos demais familiares para o cuidado do idoso com a DP.

[...] quem poderia me ajudar era meu marido, até porque é o filho dela [idosa com DP], mas ele é muito nervoso e eu mais tranquila, porque já estou mais acostumada, mas ele fica bem apreensivo, bem estressado. Quando ela não come, ele já fica nervoso, pensativo; quando ela não toma o remédio, ele quer brigar, não entende [...] aí vai lá e começa a falar alterado com ela, mas não adianta, não adianta (F11).

DISCUSSÃO

O processo de transição pode ser influenciado por fatores facilitadores ou inibidores, referentes à pessoa e ao contexto social e comunitário em que esta está inserida.17 A identificação desses fatores auxiliará o enfermeiro a perceber as condições que poderão ajudar o indivíduo a caminhar em direção ao bem-estar e aquelas que o colocarão em risco de vivenciar uma transição difícil.12^,17

Uma revisão integrativa de literatura que visou determinar as principais necessidades manifestadas pelo cuidador familiar no cuidado à pessoa dependente, à luz da Teoria das transições, constatou que, para os cuidadores familiares, o domínio do conhecimento é a necessidade mais importante, pois a satisfação desta permite-lhes a melhor percepção de toda a situação vivenciada, bem como da relevância do seu novo papel.10

A preparação anterior para exercer um novo papel promove o processo de transição, e possuir experiências com transições anteriores possibilita desenvolver condições para enfrentar um evento desfavorável, proporcionar maturidade, estabilidade e crescimento pessoal.18

Experiências anteriores como cuidador voluntário facilitam na adaptação ao novo papel; entretanto, os enfermeiros devem analisar e esclarecer que o processo de transição é único e tratado como uma nova condição, exigindo definição ou redefinição dos papéis nos quais o indivíduo esteja envolvido, mesmo que os personagens tenham características semelhantes.19

Outros aspectos relevantes ao cuidador referem-se às crenças culturais e atitudes atribuídas aos eventos, considerados determinantes no processo de transição, que podem ter um papel facilitador ou dificultador na consolidação de uma transição saudável.12

Em pesquisa transversal realizada com 122 cuidadores familiares de idosos com demência, no intuito de analisar o efeito combinado da espiritualidade e autoeficácia no processo de estresse ao cuidar de um membro familiar, indicou que a espiritualidade e o confiar em si têm sido associados com níveis mais elevados de bem-estar dos cuidadores; e que, quanto maior a combinação entre os dois fatores, menor o risco de depressão e sobrecarga dos familiares cuidadores.20

Em estudo sobre a teoria de enfrentamento de estresse, examinaram-se os efeitos da espiritualidade e da religião sobre a depressão em 209 familiares cuidadores responsáveis pelo cuidar de pessoa com doença neurodegenerativa. Observou-se que a crença e a religiosidade configuraram-se como uma estratégia para minimizar os sentimentos negativos.21 Os resultados de alguns estudos implicam que o envolvimento religioso pode desempenhar um papel importante como estratégia no enfrentamento do estresse e isolamento do responsável pelo cuidado, exibindo efeitos diretos sobre a depressão do familiar cuidador.21^-22

Os profissionais de enfermagem devem considerar o bem-estar espiritual na satisfação e comportamentos adotados na vida, quando avaliarem famílias que vivenciam uma situação crônica. Isso porque a crença em um ser superior e a oração são características evolutivas do ser humano que o ajudam a sobreviver, agir como força coercitiva no comportamento positivo pessoal e enquanto membro da sociedade, facilitando o enfrentamento de circunstâncias inesperadas que a doença pode trazer para a família.23

A existência de uma rede de apoio social, formal e ativa se faz necessária e pode cooperar na resolução dos problemas experimentados pelos familiares cuidadores.6^,24

No contexto internacional,25^-28 a dificuldade no acesso aos serviços foi uma barreira apontada pelo familiar para a prestação de cuidados às pessoas com a DP, principalmente tratando-se de disponibilidade limitada e falta de cobertura de seguro para os serviços. Ressalta-se a necessidade de melhorar o acesso aos serviços para os pacientes e, desta forma, aumentar os esforços para promover o bem-estar do cuidador.25

O estudo25 ainda identificou que a colaboração das clínicas especializadas e grupos de apoio à comunidade, com investigação constante das necessidades do cuidador, podem ser estratégias para desenvolver ofertas de serviços clínicos individualizados para os cuidadores e para ajudá-los a superar barreiras relacionadas às atividades de cuidado.

O desempenho eficiente e qualificado do enfermeiro e demais profissionais das equipes de saúde possibilitam modificar o perfil epidemiológico, emocional e social da comunidade, colaborando de forma proativa para a efetivação do serviço de saúde.24

Em pesquisa com objetivo de compreender o apoio social formal e informal utilizado pelos cuidadores familiares de idosos, constatou-se que a família, mediante acordos internos, institui uma dinâmica de revezamento do cuidado das atividades cotidianas e consegue transformar a situação estressora resultante do cuidado.24

Trabalho realizado por pesquisadores da Universidade de Ciências e Saúde de Oregon/Estados Unidos26 comparou cônjuges jovens de idosos que apresentam estágios distintos do desenvolvimento da doença e revelou diversas diferenças importantes. Destaca-se a verificação de que os cônjuges jovens tinham maior probabilidade de estar trabalhando, cuidando de crianças e, por isso, relataram maior pressão por falta de recursos pessoais do que os cônjuges mais velhos.26

Os discursos remeteram à preocupação do cônjuge com idade avançada, não conseguir cuidar de si e, consequentemente, não conseguir executar o cuidado. Alguns autores7^,11 consideram importante que os enfermeiros utilizem estratégias como a aplicação da terapia de resolução de problemas, que personaliza o cuidado familiar e agiliza a mediação com a rede de apoio social, ajudando os cuidadores a pedirem ajuda a outros familiares.

Nos depoimentos, observa-se que os anos de execução de cuidado podem levar ao estresse emocional do familiar, dificultando a passagem pela transição. Resultados semelhantes foram encontrados em estudo sobre determinantes da carga e da qualidade de vida em cuidadores brasileiros de pacientes com DP. Identificou-se que os transtornos do humor, burden e alterações no sono dos cuidadores de pessoas com DP estão associados aos sintomas comportamentais presentes na pessoa com DP e ao tempo de cuidado.27

Estudo nacional com cuidadores de idosos dependentes revelou que uma das principais necessidades desse grupo é a ajuda psicológica e redes de apoio. Estratégias de enfrentamento de estresse podem auxiliar a lidar adequadamente com as demandas.22

Pesquisa realizada no Reino Unido com membros da associação de Parkinson mostrou que, para reduzir o impacto da atividade de cuidar e a tensão do cuidador, deve-se considerar a saúde do paciente com DP e do familiar prestador de cuidados.28

Devido à incorporação de um novo papel, o profissional de saúde deve avaliar como os membros da família se adaptam às suas funções diante da nova situação, e não focalizar essa avaliação ao familiar cuidador. Essa avaliação deve constar da evolução dos papéis da família, do impacto sobre o funcionamento familiar e da possibilidade da família acreditar que suas necessidades precisam ser modificadas,11 para que não ocorra sobrecarga do familiar cuidador e assim o processo de transição evolua de forma saudável.

Relatos semelhantes foram encontrados em pesquisa com cuidadores de pessoas com Parkinson, em que os participantes também relataram possuir necessidades de diferentes serviços, principalmente os de neurologia, fisioterapia e farmácia.25

Em nível internacional, o encargo financeiro com o tratamento também se faz presente, tornando-se um desafio a adesão ao tratamento. Os custos de alguns medicamentos antiparkinsonianos são considerados as principais causas de encargo financeiro com a doença, apesar da cobertura de seguro com os medicamentos prescritos.29

Os significados trazidos nos relatos advertem que nem todos os membros possuem habilidades para cuidador do idoso com DP, sobrecarregando a atividade para apenas um familiar. Dados semelhantes também foram constatados em ensaio reflexivo no contexto nacional sobre a família como cuidadora, identificando-se que, apesar de existir os rearranjos familiares para o cuidado na situação crônica, é comum a família transferir a responsabilidade do cuidar para uma única pessoa, que não conta com a ajuda de outras para efetuar as tarefas.30

A enfermagem, por possuir amplo espaço para trabalhar com as famílias, tem a responsabilidade de avaliar a configuração da família e verificar os limites dos seus membros, orientando-os, capacitando-os para o cuidado e amparando as famílias no arranjo do ambiente domiciliar e nas relações familiares, para que exista a adequada rotatividade e distribuição por habilidades quanto às atribuições do cuidado.24

A integração entre o sistema familiar, a rede social e os cuidados de enfermagem se estabelece como importante estratégia para lidar com os distintos eventos impostos durante a vivência com uma doença crônica.24 Desta forma, vislumbrar os condicionantes fornece resposta aos profissionais de saúde sobre a utilização de recursos pessoais e existentes na comunidade, a fim de auxiliar os familiares cuidadores a desenvolverem competências para autogestão do cuidado do seu parente com DP.

É importante ressaltar que, por se tratar de um estudo realizado em uma associação local, específica para pessoas com doença de Parkinson, dotada de cultura e comportamentos regionais, este estudo pode não retratar a realidade de outros locais que não possuem uma rede de serviço estruturada e organizações civis instituídas. Assim, salienta-se que novos estudos sobre os condicionantes são imprescindíveis nessa área temática, a fim de esclarecer possíveis lacunas na atenção ao familiar que exerce papel de cuidador de idosos com doenças neurodegenerativas.

Apesar de esse estudo se concentrar em familiares de idosos com DP, ele fornece elementos por meio da compreensão de expectativas e experiências dos participantes, para reflexão de como é possível aos enfermeiros o desenvolvimento de estratégias que podem ser úteis para familiares cuidadores de pessoas com outras doenças crônicas neurodegenerativas no contexto domiciliar. Assim, os fatores condicionantes abordados nesta pesquisa podem auxiliar o enfermeiro a motivar o familiar cuidador em transição em direção ao bem-estar e a minimizar os riscos da vivência complexa do processo.

CONCLUSÃO

Os resultados do estudo possibilitam concluir que utilizar um referencial teórico específico pode amparar a concepção dos enfermeiros e do próprio familiar na identificação dos eventos estressantes e na percepção de como os suportes pessoais internos e externos podem fornecer benefícios ou desvantagens no processo de transição do familiar para a execução do papel de cuidador. Potencializar essa concepção acarreta intervenções de enfermagem focalizadas em ajudar na reorganização e adaptação da nova situação.

O presente estudo aponta ainda para a importância da identificação dos fatores facilitadores e dificultadores que estão presentes na vida do familiar cuidador e que podem levá-lo em direção ao bem-estar, a caminho da transição saudável, ou ao risco de vivenciar uma transição difícil.

Nesse sentido, não só os enfermeiros, mas todos os profissionais de saúde que acompanham os familiares de idosos com DP devem concentrar sua atenção aos condicionantes presentes no contexto familiar. Essa prática de avaliação do contexto familiar promoverá a elaboração de intervenções voltadas a potencializar os condicionantes facilitadores, para que estes se sobressaíam dos condicionantes inibidores existentes, a fim de auxiliar os familiares a alcançarem uma transição saudável.

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• ORIGEM DO ARTIGO
  Artigo extraído da dissertação - A transição do familiar de idosos com doença de Parkinson para o papel de cuidador, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, em 2015.
• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
  Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina sob parecer nº 1.002.947/2015, CAAE: 42370314.7.0000.0115.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  29 Abr 2019
• Data do Fascículo
  2019

Histórico

• Recebido
  12 Jun 2017
• Aceito
  08 Nov 2017