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A QUIMIOTERAPIA SOB A ÓTICA DA PESSOA COM CÂNCER: UMA ANÁLISE ESTRUTURAL

RESUMO

Objetivo:

analisar os conteúdos e as dimensões das representações sociais acerca da quimioterapia por pacientes com câncer em tratamento quimioterápico.

Método:

estudo qualitativo, embasado na Teoria das Representações Sociais. Foram entrevistados 100 pacientes com câncer em tratamento por quimioterapia, atendidos em uma Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia, localizada no norte do estado do Paraná, entre os meses de agosto e dezembro de 2016. Para a coleta de dados utilizou-se um questionário de caracterização sócio-ocupacional e clínica, um formulário de evocações livres e entrevistas em profundidade. A análise foi realizada com auxílio dos softwares Microsoft Excel e Evocations.

Resultados:

a representação social da quimioterapia possui em seu núcleo central as palavras cura, bom e difícil, que se estruturam no intuito de justificar a realização da quimioterapia - tratamento bom que leva à cura, apesar de difícil. Além disso, nota-se uma tentativa de definir a quimioterapia a partir de sua eficácia, buscando, na cura, sua conceituação. A periferia apresenta elementos relativos à atitude, eficácia e aos efeitos colaterais diante da quimioterapia, os quais revelam a vivência concreta do cotidiano durante o tratamento.

Conclusão:

a equipe de saúde, em especial a de enfermagem, deve colaborar com a construção representacional de pacientes com câncer em quimioterapia, oferecendo informações e resgatando lacunas de conhecimento que propiciem sua participação no processo terapêutico.

DESCRITORES:
Neoplasias; Quimioterapia; Psicologia social; Enfermagem; Enfermagem oncológica

ABSTRACT

Objective:

to analyze the contents and dimensions of social representations about chemotherapy by cancer patients in chemotherapy treatment.

Method:

qualitative study, based on the Theory of Social Representations. One hundred patients were interviewed with cancer undergoing chemotherapy treatment attended at a High Complexity Oncology Unit located in the north of the state of Paraná between August and December of 2016. To collect data, a socio-occupational and clinical characterization questionnaire was used, a form of free evocations and in-depth interviews. The analysis was performed with the softwares Microsoft Excel and Evocations.

Results:

the social representation of chemotherapy has in its central core the words healing, good and difficult, which are structured in order to justify the completion of chemotherapy - good treatment that leads to healing, although difficult. In addition, an attempt is made to define chemotherapy from its effectiveness, seeking, in healing, its conceptualization. The periphery presents elements related to the attitude, efficacy and side effects of chemotherapy, which reveal the concrete experience of daily life during treatment.

Conclusion:

the health team, especially the nursing team, should collaborate with the representational construction of patients with cancer in chemotherapy, offering information and rescuing knowledge gaps that allow their participation in the therapeutic process.

DESCRIPTORS:
Neoplasms; Chemotherapy; Social psychology; Nursing; Oncology nursing

RESUMEN

Objetivo:

analizar los contenidos y las dimensiones de las representaciones sociales acerca de la quimioterapia por pacientes con cáncer en tratamiento quimioterápico.

Método:

estudio cualitativo, basado en la Teoría de las Representaciones Sociales. Se entrevistó a 100 pacientes con cáncer en tratamiento por quimioterapia, atendidos en una Unidad de Asistencia de Alta Complejidad en Oncología, ubicada en el norte del estado de Paraná, entre los meses de agosto y diciembre de 2016. Para la recolección de datos se utilizó un cuestionario de caracterización socio-ocupacional y clínica, un formulario de evocaciones libres y entrevistas en profundidad. El análisis fue realizado con ayuda del software Microsoft Excel y Evocations.

Resultados:

la representación social de la quimioterapia posee en su núcleo central las palabras cura, buena y difícil, que se estructuran con el fin de justificar la realización de la quimioterapia - tratamiento bueno que lleva a la curación, a pesar de difícil. Además, se nota un intento de definir la quimioterapia a partir de su eficacia, buscando, en la cura, su conceptualización. La periferia presenta elementos relativos a la actitud, eficacia ya los efectos colaterales ante la quimioterapia, los cuales revelan la vivencia concreta de lo cotidiano durante el tratamiento.

Conclusión:

el equipo de salud, en especial la de enfermería, debe colaborar con la construcción representacional de pacientes con cáncer en quimioterapia, ofreciendo informaciones y rescatando lagunas de conocimiento que propicien su participación en el proceso terapéutico.

DESCRIPTORES:
Neoplasias; Quimioterapia; Psicología social; Enfermería; Enfermería oncológica

INTRODUÇÃO

No cenário epidemiológico atual, as neoplasias se mantêm como uma das maiores causas de mortalidade em todo o mundo.11. World Health Organization. Cancer - Fact sheet, February 2017. [Internet]. Geneva (CH): 2017 [cited 2017 mai 09]. Available from: Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs297/en/
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Seu impacto epidemiológico e social vem repercutindo no desenvolvimento constante de alternativas terapêuticas que visam ao controle do câncer, à maior sobrevida dos pacientes, ou até mesmo à cura da doença.22. DeSantis CA, Lin CC, Mariotto AB, Siegel RL, Stein KD, Kramer JL et al. Cancer treatment and survivorship statistics. CA Cancer J Clin[Internet]. 2014 [cited 2018 Jan 18];64:252-71. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.3322/caac.21235.
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-33. Saracci R, Wild CP. Fifty years of the International Agency for Research on Cancer. Int J Cancer[Internet]. 2016 [cited 2018 Jan 18];138(6):1309-11. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1002/ijc.29929
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Dentre as modalidades de tratamento antineoplásico disponíveis, a quimioterapia é reconhecida pelos efeitos colaterais que acometem os pacientes durante o tratamento, principalmente náuseas, vômitos, alopecia, diarreia ou constipação e outros mais, que comprometem a qualidade de vida das pessoas de forma global.44. Bushatsky M, Silva RA, Lima MTC, Barros MBSC, Neto JEVB, Ramos YTM. Qualidade de vida em mulheres com câncer de mama em tratamento quimioterápico. Cienc Cuid Saude [Internet]. 2017 [cited 2018 Apr 14];16(3):36094. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v16i3.36094
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Associadas a isso, há alterações na aparência física, dificuldade para manter um vínculo empregatício e as relações interpessoais, e até mesmo os questionamentos sobre a possibilidade de cura atingem o pensamento dessas pessoas, de modo a prejudicar não somente o âmbito físico do ser humano, mas também o psicológico e o social.44. Bushatsky M, Silva RA, Lima MTC, Barros MBSC, Neto JEVB, Ramos YTM. Qualidade de vida em mulheres com câncer de mama em tratamento quimioterápico. Cienc Cuid Saude [Internet]. 2017 [cited 2018 Apr 14];16(3):36094. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v16i3.36094
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No que se refere ao estudo das representações sociais sobre a quimioterapia, revelam-se aspectos predominantemente negativos relacionados à vivência do tratamento ― dor, sofrimento, medo e ameaça ―, além das limitações físicas que repercutem em mudanças substanciais no cotidiano.55. Cunha FF, Vasconselos EV, Silva SED, Freitas KO. Oncologic patients representations about the antineoplastic chemotherapy treatment. J Res Fundam Care Online[Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 18];9(3);840-7. Available from: Available from: https://dx.doi.org/ 10.9789/2175-5361.2017.v9i3.840-847
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-66. Palácios-Espinosa X, Zani B. Representaciones sociales del cáncer y de la quimioterapia em pacientes oncológicos. Divers Perspect Psicol[Internet]. 2014[cited 2018 Jan 18];10(2):207-23. Available from: Available from: http://www.scielo.org.co/pdf/dpp/v10n2/v10n2a03.pdf
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Além disso, o caráter ameaçador do câncer e de seu tratamento se traduz em um processo de familiarização seletiva dos pacientes com a quimioterapia, a partir da qual se transforma aquilo que era assustador em algo palpável para sua realidade.77. Santos VB, Castro RV. Representações Sociais do tratamento quimioterápico construídas por mulheres acometidas pelo câncer de mama: estudo de observação em um ambiente hospitalar. Polêmica[Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 18];17(2):84-103. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.12957/polemica.2017.29610
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Dessa forma, nas representações sociais de pacientes com câncer alude-se a quimioterapia como alternativa para cura e uma oportunidade para viver a vida de maneira normal novamente.55. Cunha FF, Vasconselos EV, Silva SED, Freitas KO. Oncologic patients representations about the antineoplastic chemotherapy treatment. J Res Fundam Care Online[Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 18];9(3);840-7. Available from: Available from: https://dx.doi.org/ 10.9789/2175-5361.2017.v9i3.840-847
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Apesar dos importantes resultados aqui apresentados em estudos sobre as representações sociais da quimioterapia,55. Cunha FF, Vasconselos EV, Silva SED, Freitas KO. Oncologic patients representations about the antineoplastic chemotherapy treatment. J Res Fundam Care Online[Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 18];9(3);840-7. Available from: Available from: https://dx.doi.org/ 10.9789/2175-5361.2017.v9i3.840-847
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-77. Santos VB, Castro RV. Representações Sociais do tratamento quimioterápico construídas por mulheres acometidas pelo câncer de mama: estudo de observação em um ambiente hospitalar. Polêmica[Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 18];17(2):84-103. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.12957/polemica.2017.29610
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ressalta-se que a organização individual da vivência do câncer e de seu processo de tratamento é construída e compartilhada socialmente, diante das possibilidades prognósticas e terapêuticas que avançam continuamente nos dias de hoje. Esses sentidos mudam com o passar do tempo e variam segundo o modo de as pessoas viverem os processos de saúde e doença nos contextos sociais, culturais e políticos, nos quais essas experiências se inserem.88. Lerner K, Vaz P. “Minha história de superação”: sofrimento, testemunho e práticas terapêuticas em narrativas de câncer. Interface Comum Saúde Educ[Internet]. 2017 [cited 2018 Apr 15];21(61):153-63. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015.0822
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Diante desse contexto surge a inquietação: de que modo, atualmente, os pacientes com câncer organizam estruturalmente suas representações sociais acerca da quimioterapia? Vale ressaltar que a construção representacional possibilita ao paciente conferir sentido às vivências que se instalam durante o tratamento e às suas condutas diante da nova realidade que os cerca, constituindo-se, assim, em arcabouço da construção de informações e conceitos a partir da necessidade de adaptação ao processo terapêutico.5 Nesse sentido, justifica-se a compreensão de tais representações a fim de possibilitar novas reflexões aos profissionais de saúde, visando instrumentalizar suas práticas junto a essas pessoas e suas famílias, auxiliando-os a conhecer melhor seus pacientes e permitir que estes compreendam seu tratamento.

Pauta-se, portanto, como objetivo deste estudo, analisar os conteúdos e as dimensões das representações sociais acerca da quimioterapia por pacientes com câncer em tratamento quimioterápico.

MÉTODO

Estudo exploratório descritivo, de abordagem qualitativa, embasado na Teoria das Representações Sociais (TRS). As representações sociais são uma forma de saber que permite a explicação de ações e sentimentos a partir de sentidos, estando estes presentes em imagens, crenças ou comportamentos de um grupo ou sociedade.99. Moscovici S. A psicanálise, sua imagem e seu público. Petrópolis (RJ): Vozes; 2012.

A TRS,99. Moscovici S. A psicanálise, sua imagem e seu público. Petrópolis (RJ): Vozes; 2012. possui abordagens complementares que se adaptam a contextos metodológicos particulares. Neste estudo, optou-se pela Teoria do Núcleo Central,1010. Abric JC. A abordagem estrutural das representações sociais. In: Moreira ASP, Oliveira DC, editors. Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia (GO): AB; 2000. a partir da Teoria do Núcleo Central é possível estruturar a representação social a partir de um quadro de quatro casas, dividido por um plano cartesiano, que possibilita a realização da análise prototípica. A partir desse quadro, as palavras são alocadas em quadrantes: o núcleo central (NC), a zona de contraste e o sistema periférico.

O cenário de estudo foi uma Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon), localizada no norte do estado do Paraná, tendo como participantes pacientes com câncer em tratamento quimioterápico. Os critérios de inclusão foram: idade superior a 18 anos, conhecimento do diagnóstico de câncer, e realização de, no mínimo, três meses de tratamento quimioterápico, por se considerar o tempo de relação com o objeto representacional importante para sua construção. E os critérios de exclusão envolveram: a morte do paciente durante o período de coleta de dados, e o agravamento de seu quadro de saúde, levando-o à impossibilidade de participar da pesquisa.

Dentre os 204 pacientes em tratamento quimioterápico na referida instituição, 82 foram excluídos por não atenderem aos critérios de inclusão, três pacientes recusaram-se a participar da pesquisa e 19 terminaram o tratamento antes de serem convidados a participar do estudo, o que resultou em um total de 100 participantes.

A coleta de dados foi realizada em três momentos: a aplicação de um questionário de caracterização dos participantes, de um formulário de evocações livres e a realização de entrevistas em profundidade. O uso de diferentes métodos para a coleta de dados ocorreu a partir do intuito de produzir dados mutuamente complementares, a fim de favorecer uma interpretação mais ampliada do objeto em estudo.1111. Santos JLG, Erdmann AL, Meirelles BHS, Lanzoni GMM, Cunha VP, Ross R. Integração entre dados quantitativos e qualitativos em uma pesquisa de métodos mistos. Texto e Contexto Enferm[Internet]. 2017 [cited 2018 Feb 01];26(3):e1590016. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017001590016
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Diante desse contexto, o questionário de caracterização objetivou a coleta de dados sociodemográficos, ocupacionais e clínicos, enquanto o formulário de evocações livres guiou a produção de cinco palavras ou expressões pelos pacientes, a partir do termo indutor ‘quimioterapia’. Por fim, as entrevistas foram realizadas a partir de um roteiro semiestruturado, que visava acessar as representações sociais sobre o câncer e o tratamento quimioterápico, a vida cotidiana do paciente em quimioterapia, e as relações de cuidado estabelecidas com a equipe no serviço de saúde.

O instrumento de caracterização socioeconômica e clínica foi aplicado, inicialmente, a todos os sujeitos, seguido das evocações livres, o que facilitou a aproximação e interação entre pesquisadora e sujeito para o convite para realizar as entrevistas. A equipe disponibilizou um consultório médico que não era utilizado nos períodos da manhã para a pesquisa, de modo que houvesse maior liberdade para o diálogo e intimidade com os pacientes.

Todos os pacientes foram convidados a participar das entrevistas após a realização da coleta de evocações livres; no entanto, apenas 29 participantes demonstraram o desejo de falar mais sobre o câncer e a quimioterapia. As entrevistas ― realizadas também na instituição, em dias e horários escolhidos pelos pacientes ― foram registradas em um gravador digital e tiveram duração média de 22 minutos.

A análise dos dados ocorreu mediante três etapas. Na primeira, os dados sociodemográficos e clínicos foram analisados descritivamente por meio do programa Microsoft Excel 2010. Em continuidade, as evocações livres foram padronizadas e analisadas a partir da análise prototípica, realizada com a ajuda do software Evocations 2005. Esse software empreendeu a organização do conteúdo e da estrutura da representação social proferida pelos sujeitos, permitindo a construção do quadro de quatro casas.

Os critérios que se estabelecem na organização dos elementos no quadro de quatro casas se baseiam na frequência de cada resposta e na ordem média de evocação, ou seja, a posição em que a resposta se encontra em relação às demais evocadas pelos participantes do estudo.1212. Wachelke J, Wolter R, Matos FR. Efeito do tamanho da amostra na análise de evocações para Representações Sociais. Liberabit[Internet]. 2016 [cited 2018 Apr 15];22(2):153-60. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.24265/liberabit.2016.v22n2.03
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Desse modo, os termos mais importantes para o esquema cognitivo do sujeito são aqueles que apresentam maior frequência de evocações e, ao mesmo tempo, prioridade na ordem proferida pelo sujeito.10 Tais termos se concentram no núcleo central da representação.

Já o sistema periférico é formado pela primeira periferia, a qual concentra elementos que foram evocados com alta frequência, porém sem importância na ordem média de evocações; na segunda periferia se agrupam aqueles menos frequentes e menos importantes.1010. Abric JC. A abordagem estrutural das representações sociais. In: Moreira ASP, Oliveira DC, editors. Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia (GO): AB; 2000. A zona de contraste é definida por termos que apresentaram baixa frequência e, ao mesmo tempo, ordem de evocação alta, o que pode reforçar noções da primeira periferia, ou revelar a existência de uma representação diferente, a partir de um subgrupo minoritário.1010. Abric JC. A abordagem estrutural das representações sociais. In: Moreira ASP, Oliveira DC, editors. Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia (GO): AB; 2000.

Por fim, buscou-se, nas entrevistas, a contextualização e a confirmação das inferências propostas na análise prototípica, e também a relação entre os elementos presentes na estrutura representacional.

A pesquisa se desenvolveu sob o cumprimento das questões éticas estabelecidas pela Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012. O anonimato dos participantes foi preservado a partir de códigos (e1, e2, e3... e100), seguidos por sua idade e diagnóstico.

RESULTADOS

Dentre os 100 pacientes com câncer, em tratamento quimioterápico em estudo, 67 eram mulheres, 48 estavam na faixa etária entre 40 e 59 anos, e 90 viviam com a família. Em relação à escolaridade, 50 possuíam Ensino Fundamental incompleto e dois cursaram o Ensino Superior. No que se refere à situação ocupacional, dez pacientes conseguiram manter o emprego anterior à doença, enquanto 56 permaneciam afastados do serviço e 30 foram aposentados. Vale ressaltar que 24 pacientes não possuíam nenhum provento financeiro no momento da entrevista.

Em relação aos diagnósticos, houve maior número de cânceres de mama (38), seguidos por órgãos digestivos (26) e órgãos genitais masculinos e femininos (16). O tempo de diagnóstico dos pacientes se concentrou na faixa entre três e nove meses (41), sendo que 21 diagnosticaram a doença há 17 meses ou mais. Entre as modalidades terapêuticas houve predominância de tratamentos quimioterápicos adjuvantes (54), sendo que 30 haviam realizado quimioterapia e cirurgia, 14 passaram por quimioterapia e radioterapia e 25 realizaram os três tratamentos disponíveis.

No que se refere à fonte de informação sobre o câncer e a quimioterapia, 17 pacientes referiram sanar suas dúvidas com ajuda da internet, dez se reportam aos profissionais de saúde, e 71 revelam não buscar mais informações sobre a doença e seu tratamento.

A análise das evocações identificou um total de 405 palavras, e, destas, 109 foram diferentes. Considerando-se o máximo de cinco evocações por participante, a ordem média foi de 2,60. Foi estabelecida a frequência mínima de oito evocações para a construção do quadro de quatro casas, o que gerou uma frequência média de 16 palavras. Na Tabela 1 apresentam-se os resultados da análise prototípica realizada a partir dos parâmetros apresentados - Fmín=8, Rang médio=2,60, Fméd=16.

Tabela 1 -
Quadro de quatro casas ao termo indutor “Quimioterapia” entre pacientes com câncer em tratamento antineoplásico. Arapongas, PR, Brasil, 2017. (n=100)

A análise do quadro de quatro casas permite dizer que o provável Núcleo Central (NC) da representação social da quimioterapia está constituído pelas palavras: cura, bom e difícil, sendo estas as mais frequentes e prontamente evocadas pelos pacientes. A maior frequência do quadro é atribuída à palavra cura, termo positivo relativo à informação que o participante possui sobre o tratamento. A cura se associa à palavra bom, elemento avaliativo que expressa uma atitude positiva, que apresentou a menor ordem média de evocação (OME) de todo o quadro.

A palavra cura pode expressar conteúdo informacional por parte do grupo, quer seja pelo conhecimento do grupo acerca da finalidade do tratamento, ou ainda uma dimensão imagética que define a quimioterapia como tal. A partir dos discursos é possível contextualizar a importância da cura enquanto resultado esperado após a quimioterapia, avaliada predominantemente como boa.

É a cura. São uns medicamentos fortes, mas é um meio de procurar a cura, então tem que fazer, tem que se submeter ao tratamento e tem que aceitar (e13, masculino, câncer de cabeça e pescoço).

Ela é boa porque ela cura, ela acaba com a gente, acaba com o visual da gente, mas faz parte do tratamento. De repente a parte boa dela é até maior, porque ela é a cura (e19, feminino, câncer de mama).

Já, o elemento difícil, também pertencente à dimensão atitudinal, de caráter avaliativo, confere uma conotação negativa à quimioterapia. Ele se relaciona aos efeitos colaterais da terapêutica, como o enjoo, presente na zona de contraste, o que pode ser observado nos discursos.

É difícil, a quimioterapia é uma coisa que judia bastante, então... Não tanto hoje, começa amanhã, uma semana bem difícil. Fica a semana toda com os efeitos. E eu não posso sentir cheiro. Muita náusea, enjoo, complicado. Uma semana bem difícil (e67, feminino, câncer de tireoide).

[...] não é fácil não. É uma coisa assim, que você sabe que você precisa, mas é uma coisa muito difícil, se você for parar pra pensar... Por isso que tem muita gente que desiste do tratamento, porque não é fácil (e19, feminino, câncer de mama).

No tocante ao sistema periférico apresentam-se os elementos com alta frequência e OME abaixo de 2,60 na primeira periferia (controle doença, reações e encarar), enquanto na segunda periferia estão os termos com baixa frequência e OME acima de 2,60, sendo eles: melhorar, necessário, dor e sem reações. Já, a zona de contraste é formada por palavras que apresentam frequência abaixo de 16 e OME menor que 2,60, sendo, portanto, prontamente evocados pelos pacientes: enjoo, ruim, tratamento e menos difícil.

A relação entre o NC, o sistema periférico e a zona de contraste se estabeleceu nesta representação a partir de três vertentes principais: a presença ou ausência de reações adversas durante a quimioterapia, a necessidade do tratamento quimioterápico para controle e cura do câncer, e a conceituação da quimioterapia enquanto tratamento.

Diante desse contexto, a vivência dos efeitos colaterais oriundos da quimioterapia revelou-se a partir do elemento reações, presente na primeira periferia, sendo a palavra mais frequente e prontamente evocada no sistema periférico. Ela reflete as consequências físicas negativas oriundas da quimioterapia para os pacientes em estudo, relacionando-se ao elemento dor, presente na segunda periferia, além de enjoo e ruim, ambos na zona de contraste. O termo enjoo foi o mais frequente na zona de contraste (14), apesar de possuir a maior OME no mesmo. Por sua vez, o elemento ruim foi o segundo mais prontamente evocado em toda a representação, além de ser o mais saliente da zona de contraste, com OME de 1,500.

Os elementos reações, dor, enjoo e ruim foram associados à dimensão dos efeitos da quimioterapia, e reafirmam a avaliação difícil, conforme apresentado no NC. Os discursos dos pacientes confirmam tais resultados, a partir de suas vivências cotidianas durante a quimioterapia.

Porque você sabe que, fazendo hoje, eu saio daqui tudo bem, vou pra casa dirigindo. Amanhã a partir do meio dia que começam as reações. E daí taca eu de cama pra valer mesmo, fico três a quatro dias mal, às vezes tenho que ir pro hospital tomar soro e, geralmente fico uma semana bem ruim (e01, masculino, câncer de orofaringe).

Está ruim, mas... Tem que fazer! Eu sinto enjoo, náusea, às vezes o intestino prende. E o gosto do alimento vai sumindo, sei lá, eu não tenho paladar. Então é uma coisa difícil (e13, masculino, câncer de cabeça e pescoço).

É difícil, nos dias que faz sofre muito. Chega em casa e sofre... Dor, vomita toda hora, fome não tem. No dia a dia eu só fico deitado, não dá pra fazer nada (e15, masculino, câncer de esôfago).

Por outro lado, há aqueles que referem a ausência de reações fortes, o que corrobora boa aceitação da quimioterapia para os pacientes. Apesar de expressão sem reações ter apresentado baixa frequência de evocações e a maior OME do quadro de quatro casas, ela se destaca por demonstrar oposição aos termos reações, dor, enjoo e ruim. Em associação, o elemento atitudinal avaliativo menos difícil, presente na zona de contraste, revela ambivalência no NC, opondo-se ao elemento difícil.

De conotação positiva - sem reações e menos difícil - ambos se relacionam a contextos nos quais os pacientes referem uma convivência mais tranquila com o tratamento, sem a interferência das reações em seu viver diário, como o demonstram os discursos.

E também não é um bicho de sete cabeças, é uma coisa que você tem medo, como tudo que é novidade na tua vida é amedrontador, amedronta! (e04, feminino, câncer de mama).

Pra mim está sendo bom, eu não estou tendo reação de ficar ruim e nem nada. Muita gente acaba ficando ruim, tendo reação disso, ou daquilo, então pra mim está sendo bom, vir pra cá e tomar a quimio (e20, feminino, câncer de mama).

Eu tive sorte que, todas as quimios que eu fiz, não fez mal, radio que eu fiz, não fez mal, não fez nada de efeito colateral nenhum. E as quimios não teve muito efeito, efeito colateral (e84, feminino, câncer de mama).

Por outro lado, os pacientes denotam a percepção dos efeitos benéficos da terapêutica, a partir da expressão controle doença, elemento de caráter positivo presente na primeira periferia, e da palavra melhorar, na segunda periferia, também de orientação positiva na representação. Os dois elementos se alocam na dimensão relativa à eficácia da quimioterapia, e reafirmam a cura enquanto evento esperado após a realização do tratamento, como pode ser observado nos discursos.

Mas a gente precisa passar por isso pra ficar bem e pra ter vida. Continuar vivendo e continuar aqui, tem que fazer (e25, feminino, câncer de mama).

A quimioterapia em si, a gente sente que ela faz um efeito real, real, que a gente sente quando faz. Até pelo mal-estar, você percebe que ela passa. Quando ela está passando pelo organismo, você vai sentindo que ela está passando e ela está fazendo [...]. Realmente você sente que a enfermidade não está em você naquele período (e66, feminino, câncer de mama).

Eu acho que é importante, é bom porque está combatendo as células cancerígenas, cancerosas. Eu acho que ela é importante (e84, feminino, câncer de mama).

Em consequência da avaliação da eficácia da quimioterapia, dois elementos atuam na condição de prescritores de conduta dentro da representação - encarar e necessário. O primeiro, presente na primeira periferia, possui caráter atitudinal e demonstra o posicionamento do grupo, a partir do qual se traduz o enfrentamento do tratamento quimioterápico. Já, o elemento necessário, presente na segunda periferia, possui caráter avaliativo e justifica a realização do tratamento. Verifica-se a relação com a palavra difícil, no sentido de que a quimioterapia é realizada porque é mandatória para a cura, porém de difícil manejo cotidiano.

É difícil! Mas, necessária, pra obter a cura. Você tem que fazer [...]. A gente vê os outros, muito piores que a gente. Perto deles, o meu problema é café pequeno, e a moça tá ali rindo, olhando pras vitrines. O problema da gente não é tão grande, a gente tem que encarar dessa maneira (e04, feminino, câncer de mama).

E eu sofro bastante com ela, hoje já não, mas antes eu já sofria no dia anterior, porque eu sabia que eu tinha que vir. Agora não, agora eu administro melhor. Eu falei eu preciso, vamos encarar, vamos... (e54, feminino, câncer de reto).

Difícil, muito. É uma coisa que é necessária, que a gente sabe que é, mas se você for parar pra pensar, você não faz (e19, feminino, câncer de mama).

Por fim, o elemento tratamento foi o único pertencente à dimensão conceitual nessa representação, presente na zona de contraste, sendo pouco frequente, porém prontamente evocado pelos participantes. Os discursos que se referem ao tratamento reforçam sua importância no combate ao câncer, a persistência necessária para sua realização, além da eficácia deste em relação à doença, associado ao elemento bom, no sentido de que o tratamento permite que a pessoa recupere sua saúde após o adoecimento.

É o tratamento. Não quero, mas eu faço [...]. Então a gente tem que prosseguir com o tratamento, tem que ir até o final (e23, feminino, câncer de mama).

[...] se é um tratamento pra ficar bem, fazer o que. Precisa, é necessário, então não tem jeito, fazer o que, não é? Então, quanto ao tratamento, eu acho que está fazendo a coisa que tem que ser feita (e56, feminino, câncer de mama).

As inter-relações apresentadas entre os elementos presentes no quadro de quatro casas, e suas funções na representação social serão discutidas a seguir.

DISCUSSÃO

A Teoria do Núcleo Central tem como pressuposto a estruturação de uma representação social, organizada a partir de um NC, no qual se estabelecem as significações comuns do objeto estudado, ou seja, a representação social que um grupo possui sobre determinado objeto. O NC é o elemento mais estável da representação, o qual resiste às mudanças, sendo aquele que permanece presente na memória coletiva do grupo ou indivíduo, permitindo a continuidade do contexto evolutivo da representação.1010. Abric JC. A abordagem estrutural das representações sociais. In: Moreira ASP, Oliveira DC, editors. Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia (GO): AB; 2000.

Os elementos periféricos são aqueles que se organizam ao redor do NC, constituindo-se em elementos mais acessíveis da representação. Eles possuem como funções: a concretização, que resulta da ancoragem de cada representação para a realidade concreta, a fim de torná-la compreensível e transmissível; a regulação, que integra informações novas ou transformações do meio, sendo os elementos móveis e evolutivos das representações; e defesa, que lida com as contradições toleradas pelo sistema periférico, a partir de sua transformação, a fim de proteger o núcleo central.1010. Abric JC. A abordagem estrutural das representações sociais. In: Moreira ASP, Oliveira DC, editors. Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia (GO): AB; 2000. Nesse sentido, o sistema periférico agrega o sistema de valores e normas sociais pertencentes ao ambiente ideológico do grupo,1010. Abric JC. A abordagem estrutural das representações sociais. In: Moreira ASP, Oliveira DC, editors. Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia (GO): AB; 2000. que tem a função de reafirmar e/ou reforçar o NC, ou até mesmo demonstrar as contradições existentes em um grupo sobre o objeto representacional.

Nessa perspectiva teórica, o NC da representação da quimioterapia, composto pelos elementos cura, bom e difícil, revela que a quimioterapia é um tratamento bom, pois objetiva a cura. Ao mesmo tempo, a terapêutica mostra-se difícil, considerando-se seus efeitos colaterais importantes que afetam a rotina e as atividades habituais.

O aparente contraste que se estabelece entre a avaliação da quimioterapia na condição de boa e difícil demonstra que, apesar de ser um tratamento difícil, justifica-se a realização da quimioterapia pelo fato de ela ser boa no que tange à recuperação da saúde, ou seja, ela possibilita a cura do câncer.

Observa-se, além disso, uma conotação imagética da cura, de forma a conceituar a quimioterapia como tal, conforme o discurso de e13: ‘É a cura’. Nesse sentido, a cura pode ser concebida como sentido e significado da quimioterapia, ou seja, ela é a razão principal para sua realização e também dá vida à sua definição. O desejo pela cura se mostra determinante na realização da quimioterapia, considerando-se que ela se constitui em uma alternativa que auxilia a amenizar as condições adversas vivenciadas após o diagnóstico do câncer.55. Cunha FF, Vasconselos EV, Silva SED, Freitas KO. Oncologic patients representations about the antineoplastic chemotherapy treatment. J Res Fundam Care Online[Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 18];9(3);840-7. Available from: Available from: https://dx.doi.org/ 10.9789/2175-5361.2017.v9i3.840-847
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Não obstante, a palavra difícil assume significado em seu aspecto qualitativo quando associada aos termos enjoo e ruim, na zona de contraste, reações, presente na primeira periferia, e dor, na segunda periferia. Tais elementos delimitam as vivências cotidianas relacionadas aos efeitos colaterais da quimioterapia, amparando a avaliação negativa do objeto. Os efeitos colaterais podem fazer com que os pacientes voltem suas percepções relativas à quimioterapia com ênfase nas consequências desagradáveis do tratamento, sendo esta a principal dificuldade encontrada pelos pacientes durante o período da terapêutica.55. Cunha FF, Vasconselos EV, Silva SED, Freitas KO. Oncologic patients representations about the antineoplastic chemotherapy treatment. J Res Fundam Care Online[Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 18];9(3);840-7. Available from: Available from: https://dx.doi.org/ 10.9789/2175-5361.2017.v9i3.840-847
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No que se refere ao sistema periférico, demonstra-se a realidade prática da quimioterapia para o cotidiano do paciente, em associação ao NC. A associação dos elementos centrais e periféricos justifica-se diante das funções da periferia na estrutura representacional. O sistema periférico atua na tentativa de absorver informações ou transformações do meio ambiente, além de contradições existentes sobre o objeto, protegendo, assim, o NC de mudanças drásticas.10 Trata-se de elementos que se relacionam na estrutura da representação a fim de aproximá-la da realidade concreta das pessoas quando em associação ao objeto,10 do mesmo modo que ocorre na estrutura apresentada.

De modo semelhante, a zona de contraste possui tendência de reforçar elementos e dimensões presentes nos demais quadrantes, em especial o NC. Não obstante, ela pode revelar representações de subgrupos que não aparecem no NC, de forma a mostrar novas tendências representacionais.

Nessa perspectiva, ao relacionar NC, sistema periférico e zona de contraste, pode-se pensar em duas categorias inferenciais, as quais permitem vislumbrar a realidade concreta da quimioterapia para o paciente com câncer: a vivência das reações adversas, que contempla uma conotação negativa para a representação, e a possibilidade de controle e cura da doença, de caráter positivo ou neutro. Uma terceira vertente inferencial é reservada à conceituação da quimioterapia, que se estabelece isoladamente no quadro.

Os elementos negativos, pertencentes à dimensão de efeitos da quimioterapia, são reações (primeira periferia), ruim e enjoo (zona de contraste), e dor (segunda periferia). Esses termos contextualizam a avaliação difícil (NC), possibilitando inferir que a quimioterapia é difícil por conta das reações adversas apresentadas. Os impactos físicos e psicológicos ocasionados pelos efeitos colaterais da quimioterapia são mencionados como entraves no cotidiano de tratamento, de forma a dificultar uma vivência positiva do tratamento.55. Cunha FF, Vasconselos EV, Silva SED, Freitas KO. Oncologic patients representations about the antineoplastic chemotherapy treatment. J Res Fundam Care Online[Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 18];9(3);840-7. Available from: Available from: https://dx.doi.org/ 10.9789/2175-5361.2017.v9i3.840-847
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Assim, os pacientes vinculam às suas representações as condições adversas que enfrentam em decorrência da terapêutica. Essa interpretação é fundamental para a compreensão da conotação predominantemente negativa que a quimioterapia possui para os pacientes com câncer, pois molda uma representação socialmente acessível ao cotidiano do grupo em estudo, que vivencia as repercussões danosas do tratamento.

Não obstante, a negatividade relacionada à quimioterapia pode anteceder a realização do tratamento, como forma de estigmatização social do mesmo, presente não somente nos pacientes com câncer, mas também em seus familiares e outros grupos sociais.1313. Palácios-Espinosa X, González MI, Zani B. Las representaciones sociales del cáncer y de la quimioterapia em la familia del paciente oncológico. Av Psicol[Internet]. 2015 [cited 2018 Jan 18]; 33(3):497-515. Available from: Available from: https://revistas.urosario.edu.co/index.php/apl/article/view/3287
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Corroborando tal inferência, um estudo sobre as representações da quimioterapia para mulheres com câncer de mama identificou que as pacientes em tratamento se incomodavam com a expectativa de outras pessoas acerca de suas reações.77. Santos VB, Castro RV. Representações Sociais do tratamento quimioterápico construídas por mulheres acometidas pelo câncer de mama: estudo de observação em um ambiente hospitalar. Polêmica[Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 18];17(2):84-103. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.12957/polemica.2017.29610
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Os autores revelam que as pacientes afirmavam ouvir descrições ruins sobre os efeitos decorrentes da quimioterapia, além de se depararem com a indubitabilidade das outras pessoas sobre a ocorrência de reações adversas após seu tratamento.77. Santos VB, Castro RV. Representações Sociais do tratamento quimioterápico construídas por mulheres acometidas pelo câncer de mama: estudo de observação em um ambiente hospitalar. Polêmica[Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 18];17(2):84-103. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.12957/polemica.2017.29610
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É importante ressaltar que nem sempre os pacientes convivem com efeitos colaterais importantes durante o tratamento antineoplásico.77. Santos VB, Castro RV. Representações Sociais do tratamento quimioterápico construídas por mulheres acometidas pelo câncer de mama: estudo de observação em um ambiente hospitalar. Polêmica[Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 18];17(2):84-103. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.12957/polemica.2017.29610
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A estrutura representacional aqui apresentada comporta certa ambivalência, o que leva a inferir que houve melhor adaptação à quimioterapia por alguns pacientes, o que pode estar relacionado aos tipos de câncer ou quimioterápicos administrados em cada terapêutica.

Nesse sentido, um subgrupo de pacientes em quimioterapia, aparentemente não a concebe difícil ou ruim. Tal perspectiva não foi contemplada pela análise comparativa de subgrupos para essa representação, o que leva a inferir que não existe um padrão sociodemográfico ou clínico para tal ambivalência: a vivência concreta da quimioterapia auxiliou os pacientes a estruturarem seu pensamento sobre o objeto em questão, demonstrando que, apesar de se esperarem fortes reações, alguns pacientes não vivenciaram a severidade dos efeitos colaterais.

Outro estudo66. Palácios-Espinosa X, Zani B. Representaciones sociales del cáncer y de la quimioterapia em pacientes oncológicos. Divers Perspect Psicol[Internet]. 2014[cited 2018 Jan 18];10(2):207-23. Available from: Available from: http://www.scielo.org.co/pdf/dpp/v10n2/v10n2a03.pdf
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também evidenciou atitudes ambivalentes por parte dos pacientes, os quais oscilavam entre a esperança da cura e o medo dos efeitos colaterais, dos males causados pela quimioterapia e da morte. Apesar de predominarem os significados negativos em relação ao tratamento, os pacientes concebiam a quimioterapia como única e melhor alternativa para combater o câncer e alcançar a cura, de modo que a realização da terapêutica não se tratava de uma escolha, mas sim da atitude em assumir as consequências desta.

Nesse sentido, alguns dos elementos periféricos se associam para reafirmar os termos positivos presentes no NC. A cura se associa ao elemento controle doença, presente na primeira periferia, e no termo melhorar (segunda periferia), os quais se apoiam na realização do tratamento (zona de contraste) como tentativa de eliminar a doença. A quimioterapia é fator de esperança no tratamento contra o câncer, levando os pacientes a aceitarem sua realização em prol da cura da doença, além da profilaxia para a sua não recorrência.1414. Wakiuchi J, Marchi JA, Norvila LS, Marcon SS, Sales CA. Hope of cancer patients undergoing chemotherapy. Acta Paul Enferm[Internet]. 2015 [cited 2018 Apr 15]; 28(3):202-8. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500035
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Seguindo essa perspectiva, a necessidade de se realizar o tratamento quimioterápico também ficou evidente neste estudo, demonstrando uma possível noção de obrigatoriedade no que tange à realização da terapêutica. O termo necessário, presente na segunda periferia, se associa à cura, ao controle da doença, e aos elementos difícil e encarar, a partir da hipótese de que os pacientes concebem a quimioterapia como um tratamento difícil que deve ser encarado por ser necessário para o controle da doença e a cura.

Corroborando tal inferência, um estudo que também analisou as representações sociais da quimioterapia para pacientes com câncer afirma que para alguns pacientes a quimioterapia se constitui em “mal necessário”, o que se estabelece a partir dos impactos físicos e psicológicos que o tratamento agrega ao cotidiano das pessoas com câncer.55. Cunha FF, Vasconselos EV, Silva SED, Freitas KO. Oncologic patients representations about the antineoplastic chemotherapy treatment. J Res Fundam Care Online[Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 18];9(3);840-7. Available from: Available from: https://dx.doi.org/ 10.9789/2175-5361.2017.v9i3.840-847
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Por fim, o único elemento conceitual na estrutura representacional é o termo tratamento, presente na zona de contraste. Apesar de não definir a quimioterapia como um medicamento, o tratamento demonstra o conhecimento acerca de sua finalidade terapêutica.

No entanto, a ausência de um elemento conceitual no NC, e também de termos oriundos do conhecimento reificado nas representações dos pacientes, vai ao encontro de um estudo77. Santos VB, Castro RV. Representações Sociais do tratamento quimioterápico construídas por mulheres acometidas pelo câncer de mama: estudo de observação em um ambiente hospitalar. Polêmica[Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 18];17(2):84-103. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.12957/polemica.2017.29610
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que observou sessões de quimioterapia em mulheres com câncer de mama. Os autores afirmam que, no processo de familiarização e objetivação dos quimioterápicos, as pacientes se distanciavam de significações complexas, atribuindo termos mais acessíveis ao se referirem aos medicamentos, como a designação de suas cores e efeitos colaterais.77. Santos VB, Castro RV. Representações Sociais do tratamento quimioterápico construídas por mulheres acometidas pelo câncer de mama: estudo de observação em um ambiente hospitalar. Polêmica[Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 18];17(2):84-103. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.12957/polemica.2017.29610
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Nessa perspectiva, os pacientes deste estudo organizaram suas ideias com certa independência do conhecimento reificado, traduzindo suas percepções e observações sobre o tratamento, a fim de se familiarizarem com a quimioterapia. Tal inferência se justifica à medida que, nessa representação, a palavra que expressa o conteúdo conceitual para o grupo no NC foi cura, o que indica a eficácia ou resultado esperado pela quimioterapia.

Chama a atenção ainda o fato de que, quando questionados sobre suas principais fontes de informação acerca do câncer, 71% dos pacientes revelaram que não buscam informações sobre a doença. Apenas dez pacientes referiram conversar com profissionais de saúde para sanar suas dúvidas, e 17 disseram preferir a utilização da internet para tanto.

Nesse sentido, a ausência de “relevância cultural” ou “espessura social”1515. Sá CP. A construção do objeto de pesquisa em representações sociais. Rio de Janeiro (RJ): EdUERJ; 1998. da quimioterapia entre os pacientes pode sinalizar que informações relativas ao objeto não estão presentes nas conversações do grupo, ou até mesmo são inacessíveis em termos de exposição informativa a essas pessoas. Hipoteticamente, a ausência de elementos oriundos do universo reificado na representação pode sinalizar uma comunicação entre equipe de saúde e paciente a partir da qual não se estabelece um diálogo informativo que possibilite a familiarização de conceitos sobre a quimioterapia.

De acordo com o que se expôs, a equipe de enfermagem possui importância fundamental no que tange ao auxílio oferecido ao paciente com câncer e a sua família, no fornecimento de informações sobre a doença e o tratamento, possibilitando que o paciente vivencie o tratamento com sentido em suas vivências e condutas.55. Cunha FF, Vasconselos EV, Silva SED, Freitas KO. Oncologic patients representations about the antineoplastic chemotherapy treatment. J Res Fundam Care Online[Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 18];9(3);840-7. Available from: Available from: https://dx.doi.org/ 10.9789/2175-5361.2017.v9i3.840-847
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Justifica-se, assim, a necessidade de o profissional de enfermagem se manter presente e comunicativo junto aos pacientes em quimioterapia, a fim de resgatar lacunas de conhecimento e informações que podem ser primordiais para a construção de suas representações sociais.

Este estudo se limita por ter sido realizado em apenas uma instituição, a qual possui uma organização social específica, além de um grupo de pessoas pertencentes a um contexto regional dotado de cultura e hábitos próprios. De qualquer forma, sua construção indica a necessidade de aprimoramento prático para a enfermagem, buscando a realização de uma assistência que contemple necessidades individuais e sociais do paciente com câncer.

CONCLUSÃO

Neste estudo contemplou-se a análise dos conteúdos e dimensões que organizam a representação social sobre a quimioterapia para pacientes com câncer durante o tratamento quimioterápico. Foram identificados conteúdos dimensionais relativos à atitude diante da quimioterapia, sua eficácia, seus efeitos colaterais, e uma dimensão conceitual.

O NC se estabelece no intuito de justificar a realização da quimioterapia, concebendo-a como um tratamento bom e que leva à cura, apesar de mostrar-se difícil no cotidiano. Além disso, nota-se uma tentativa de definir a quimioterapia a partir de sua eficácia, buscando na cura sua conceituação. A periferia da representação apresenta elementos que revelam a vivência concreta do tratamento pelo paciente com câncer, afeitos à presença ou não de efeitos colaterais após as aplicações, e a necessidade de realização do tratamento quimioterápico, visando a melhora e o controle do câncer.

Portanto, o reconhecimento de uma representação social que não agrega conceitos do universo reificado pode indicar uma carência informacional por parte do paciente com câncer, o qual construiu suas percepções embasado apenas em vivências e observações. Assim, este estudo pode contribuir para a reflexão sobre a assistência de enfermagem, no sentido de revelar aos profissionais que seu diálogo e a oferta de informações sobre a quimioterapia podem auxiliar o paciente com câncer na construção individual e social de conhecimentos sobre sua doença e tratamento, propiciando-lhe maior participação em seu processo terapêutico.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO
    Artigo extraído da tese - Representações Sociais do câncer e da quimioterapia para pessoas adoecidas, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Estadual de Maringá, em 2017.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá, sob o número 1.328.979, e CAEE: 50079815.6.0000.0104.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    05 Fev 2018
  • Aceito
    07 Maio 2018
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