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NÚCLEO AMPLIADO DE SAÚDE DA FAMÍLIA: ESPAÇO DE INTERSEÇÃO ENTRE ATENÇÃO PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA

RESUMO

Objetivo:

identificar o espaço em que o Núcleo de Apoio à Saúde da Família e Atenção Básica se estrutura nos serviços e como atua no âmbito do Sistema Único de Saúde.

Método:

estudo de natureza conceitual, a partir de resultados parciais de um estudo multicêntrico, descritivo-exploratório, de abordagem qualitativa, realizado no ano de 2017, no Estado de Santa Catarina, com gestores e profissionais do Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Os dados foram analisados por meio da análise temática de conteúdo, oriundos de entrevistas semiestruturadas em grupo com os profissionais e entrevistas individuais com os gestores, com o total de 18 participantes.

Resultados:

identificam-se os profissionais do Núcleo Ampliado de Saúde da Familia como especialistas que atuam na Atenção Primária à Saúde, em íntima interface com ela, em um contexto de apoio e matriciamento, de modo à auxiliar no ordenamento da Rede de Atenção à Saúde, o que fortalece a atuação generalista na Saúde da Família. Para além da Atenção Primária, podem atuar em espaços intercessores e exercerem a atenção secundária; anunciam possibilidades de intervenção e potencializam a intersetorialidade e a corresponsabilização.

Conclusão:

O Núcleo de Apoio à Saúde da Família foi reconhecido como importante articulador da interdisciplinaridade no trabalho em saúde, potencializador da atenção integral e intersetorial, para além da inicial proposta de apoio à Estratégia Saúde da Família, podendo auxiliar na coordenação e realização da atenção secundária no Sistema único de Saúde, portanto, sendo um espaço de interseção entre atenção primária e secundária em saúde.

Descritores:
Atenção primária à saúde; Atenção secundária à saúde; Estratégia saúde da família; Política de saúde; Acesso aos serviços de saúde

ABSTRACT

Objective:

to identify the space in which the Family Health Support Center is structured in the services and how it works within the scope of the Unified Health System.

Method:

a conceptual study based on partial results of a multicenter, descriptive-exploratory study with a qualitative approach, carried out in 2017, in the State of Santa Catarina, with managers and professionals from the Family Health Support Center. Content thematic analysis was used with the data from semi-structured interviews with professionals and individual interviews with managers, totalling 18 participants.

Results:

the professionals of the Family Health Support Center are identified as specialists who work in or close interaction with Primary Health Care, in the context of matrix support, in order to assist in the planning of the Health Care Network, which strengthens the general practice in Family Health. In addition to primary health care, they can act in intercessory spaces and perform secondary health care; set forth possibilities for intervention and enhance inter-sectoriality and co-responsibility.

Conclusion:

the Family Health Support Center was recognized as an important articulator of interdisciplinarity in health work, cabable of promoting comprehensive and intersectoral care, in addition to its initial proposal of supporting the Family Health Strategy, which could help in the coordination and fulfillment of secondary health care in the Brazilian Unified Health Care System, thus being an intersecting space between primary and secondary health care.

DESCRIPTORS:
Primary health care; Secondary health care; Family health strategy; Health policy; Health services accessibility

RESUMEN

Objetivo:

identificar el espacio en que el Núcleo Ampliado de Salud de la Familia y Atención Básica se estructura en los servicios y como actúa en el ámbito del Sistema Único de Salud.

Método:

estudio de naturaleza conceptual, a partir de resultados parciales de un estudio multicéntrico, descriptivo-exploratorio, de abordaje cualitativo, realizado en el año 2017, en el Estado de Santa Catarina, con gestores y profesionales del Núcleo Ampliado de Salud. Los datos fueron analizados por medio del análisis temático de contenido, oriundos de entrevistas semiestructuradas en grupo con los profesionales y entrevistas individuales con los gestores, con el total de 18 participantes.

Resultados:

se identifican a los nasfianos como especialistas que actúan en la Atención Primaria a la Salud, en íntima interfaz con ella, en un contexto de apoyo y matriciación, de modo a auxiliar en el ordenamiento de la Red de Atención a la Salud, lo que fortalece la actuación generalista en la Salud de la Familia. Además de la atención primaria, pueden actuar en espacios intercesores y ejercer la atención secundaria; anuncian posibilidades de intervención y potencian la intersectorialidad y la corresponsabilización.

Conclusión:

El Núcleo Ampliado de Salud fue reconocido como importante articulador de la interdisciplinaridad en el trabajo en salud, potencializador de la atención integral e intersectorial, además de la inicial propuesta de apoyo a la Estrategia Salud de la Familia, pudiendo auxiliar en la coordinación y realización de la atención secundaria en el Sistema único de Salud, por lo tanto, siendo un espacio de intersección entre atención primaria y secundaria en salud.

DESCRIPTORES:
Atención primaria de salud; Atención secundaria de salud; Estrategia de salud familiar; Política de salud; Accesibilidad a los servicios de salud

INTRODUÇÃO

A Atenção Primária à Saúde (APS) constitui, tendencialmente, a base da assistência à saúde em países que adotam sistemas de saúde de caráter universal. A Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, ocorrida em Alma-Ata, em 1978, marcou o ideário que figura como consenso de que o sucesso de um sistema de saúde universal e resolutivo depende do acesso, de boa cobertura e de atendimento de qualidade.11. Starfield B. Primary and specialty care interfaces: the imperative of disease continuity. Br J Gen Pract [Internet]. 2003 [cited 2017 Oct 31];53(494):723-9. Available from: Available from: https://www.jhsph.edu/research/centers-and-institutes/johns-hopkins-primary-care-policy-center/Publications_PDFs/A185.pdf
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No Brasil, após quase 30 anos de implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), tem-se o reconhecimento que a APS, também denominada Atenção Básica à Saúde (ABS), é a principal porta de entrada do sistema e tem o papel de ordenar a Rede de Atenção à Saúde (RAS). Para isso, deve desempenhar algumas funções específicas que impõem desafios, dentre elas: ser resolutiva e orientar a organização dos diversos pontos das redes de cuidado.22. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017: aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: DF, 2017 [cited 2018 Feb 25]. Available from: Available from: http://www.foa.unesp.br/home/pos/ppgops/portaria-n-2436.pdf
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A Estratégia Saúde da Família (ESF) é o principal modelo de reorientação dos serviços de APS e amplia o cuidado qualificado por meio de equipes multiprofissionais, compostas por profissionais generalistas. Esse nível de atenção deve desenvolver ações voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde e a prevenção de agravos, de acordo com os atributos da humanização, integralidade e longitudinalidade do cuidado.11. Starfield B. Primary and specialty care interfaces: the imperative of disease continuity. Br J Gen Pract [Internet]. 2003 [cited 2017 Oct 31];53(494):723-9. Available from: Available from: https://www.jhsph.edu/research/centers-and-institutes/johns-hopkins-primary-care-policy-center/Publications_PDFs/A185.pdf
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-22. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017: aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: DF, 2017 [cited 2018 Feb 25]. Available from: Available from: http://www.foa.unesp.br/home/pos/ppgops/portaria-n-2436.pdf
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Na direção da promoção da saúde, a Carta de Ottawa, em 1986, definiu cinco campos de ação: políticas públicas saudáveis; ambientes favoráveis à saúde; reorientação dos serviços de saúde; reforço da ação comunitária (empowerment) e desenvolvimento de habilidades pessoais.33. World Health Organization (WHO). The Ottawa charter for health promotion. Ottawa: WHO [Internet] 1986 [cited 2015 Oct 01]. Available from: Available from: http://www.who.int/healthpromotion/conferences/previous/ottawa/en/
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O documento reforça a influência dos fatores sociais sobre a saúde e fortalece a possibilidade de mudança com enfoque no território, tendo-a como (co)responsável pela sua qualidade de vida e saúde. Tais propostas das décadas de 1980 e 1990 ocorreram a partir de uma situação socio-institucional canadense em que o acesso universal ao cuidado clínico via APS já conquistado era relativamente satisfatório e a situação sócio-sanitária da população também.

No Brasil, a Política Nacional de Promoção da Saúde orienta o envolvimento das equipes de saúde no compromisso com medidas ampliadas de atenção, para resolver problemas relacionados aos determinantes sociais como: saneamento básico, distribuição de renda, democratização do poder, educação formal, segurança e alimentação, ainda muito precárias.44. Ministério da Saúde (BR). Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012. Obviamente, dar conta desses fatores está muito além dos limites dos serviços da APS.55. Heidemann ITSB; Wosny AM; Boehs AE. Promoção da Saúde na Atenção Básica: estudo baseado no método de Paulo Freire. Ciênc Saúde Coletiva [Internet] 2014 [cited 2017 Oct 31];19(8):3553-59. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014198.11342013
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-66. Tesser CD, Garcia AV; Vendruscolo C; Argenta CE. Estratégia saúde da família e análise da realidade social: subsídios para políticas de promoção da saúde e educação permanente. Ciênc saúde coletiva [Internet] 2011 [cited 2010 Nov 30];16(11):4295-306. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011001200002
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Por outro lado, no conjunto de ações desenvolvidas na ESF, o cuidado clínico aos usuários é incontestável, tem impacto clínico e epidemiológico e reduz iniquidades, ainda que um percentual significativo dos usuários seja referenciado para especialistas.77. Tesser CD. Núcleos de Apoio à Saúde da Família, seus potenciais e entraves: uma interpretação a partir da atenção primária à saúde. Interface [Internet] 2016 [cited 2015 Sept 25];21(62):565-78. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015.0939
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Mesmo assim, os profissionais dos serviços de APS têm o compromisso de problematizar os determinantes sociais, em uma dimensão individual, microssocial e comunitária, embora, nem sempre o façam. Em todo o caso, devem integrar o cuidado clínico com a prevenção de doenças e a promoção da saúde. Porém, não podem despriorizar doentes, em favor de maior atenção aos saudáveis.88. Tesser CD; Norman AH. Repensando o acesso ao cuidado na Estratégia Saúde da Família. Saúde Soc [Internet], 2014 [cited 2017 Sept 30];23(3):869-83. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902014000300011
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Assim, no trabalho da ESF, a promoção da saúde implica uma ampliação empoderadora da qualidade do cuidado e da clínica ampliada aos indivíduos doentes/demandantes e da prevenção, uma vez que isso tem a ver com a resolubilidade da APS.99. Silva RM, Landim FLP, Sousa MF. Campos de subjetivação e redes simbólicas: contribuições para compreensão das práticas de promoção em saúde. Ciênc Saúde Coletiva [Internet], 2011 [cited 2015 Sept 25];16(11):4307-14. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011001200003
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Isso demanda que os serviços de saúde concretizem a acessibilidade com alta resolubilidade para a maior parte dos problemas. Na impossibilidade de resolvê-los, acionam e coordenam cuidados especializados, os quais transcendem o generalista, para concretizar a integralidade, dentro da longitudinalidade.

Em relação à resolubilidade, propõe-se a possibilidade de novos referenciais para se produzir uma clínica do sujeito na APS, a fim de criar responsabilidades para além do componente biológico, reconhecendo dimensões subjetivas e sociais das pessoas e adoecimentos.1010. Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira JúniorN, Castro CP. Application of Paideia methodology to institutional support, matrix support and expanded clinical practice. Interface [Internet] 2014 [cited 2015 Sept 25];18(1):983-95. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0324
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Recomenda-se uma ampliação da clínica, redefinida a partir do objeto, do objetivo e dos meios de trabalho da assistência individual ou a grupos. A ampliação do objetivo possibilita a assistência individual que gera a produção de saúde por meio do cuidado clínico, da reabilitação e do alívio do sofrimento, inclui esforço simultâneo para aumentar o coeficiente de autonomia dos usuários, aproximando-se da lógica da promoção da saúde. A clínica ampliada deve posicionar-se no combate à hipermedicalização, à institucionalização e à dependência excessiva dos profissionais ou serviços.1010. Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira JúniorN, Castro CP. Application of Paideia methodology to institutional support, matrix support and expanded clinical practice. Interface [Internet] 2014 [cited 2015 Sept 25];18(1):983-95. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0324
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Conflui, portanto, para a utilização de mecanismos ativos de escuta e diálogo que supram, em certa medida, a integralidade do cuidado.1111. Castro CP; Campos GWS. Apoio institucional Paideia como estratégia para educação permanente em saúde. Trab Educ Saude [Internet] 2014 [cited 2016 Jul 15];12(1):29-50. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S1981-77462014000100003
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Diante desses desafios, no âmbito da APS, em 2008, o Ministério de Saúde implantou os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), com o objetivo de ampliar as ações e a resolubilidade da ESF, de maneira a proporcionar apoio matricial às equipes já existentes no território e contribuir para a resolução de casos e melhor atenção de necessidades de saúde dos usuários do SUS.1212. Ministério da Saúde (BR). Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. A metodologia do apoio matricial promove a ativação de espaços de comunicação e deliberação conjunta, o que promove compartilhamento de saberes e organiza fluxos na RAS. Formado por uma equipe multiprofissional e diferentes núcleos de conhecimentos, 1212. Ministério da Saúde (BR). Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. esse dispositivo de apoio foi inspirado no modelo Paideia,1010. Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira JúniorN, Castro CP. Application of Paideia methodology to institutional support, matrix support and expanded clinical practice. Interface [Internet] 2014 [cited 2015 Sept 25];18(1):983-95. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0324
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,1313. Figueiredo MD, Campos GWS. O Apoio Paideia como metodologia para processos de formação em saúde. Interface[Internet] 2014 [cited 2015 Nov 12];18(1):931-43. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0323
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com uma metodologia de reformulação dos tradicionais mecanismos de gestão e foco na formação de pessoas e relações sociais. A atuação integrada fomenta discussões de casos clínicos e possibilita o atendimento compartilhado entre profissionais, tanto na unidade de saúde como nas visitas domiciliares, o que favorece a construção conjunta de projetos terapêuticos.1010. Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira JúniorN, Castro CP. Application of Paideia methodology to institutional support, matrix support and expanded clinical practice. Interface [Internet] 2014 [cited 2015 Sept 25];18(1):983-95. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0324
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-1313. Figueiredo MD, Campos GWS. O Apoio Paideia como metodologia para processos de formação em saúde. Interface[Internet] 2014 [cited 2015 Nov 12];18(1):931-43. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0323
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Nessa perspectiva, o NASF, atualmente designado como Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB),22. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017: aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: DF, 2017 [cited 2018 Feb 25]. Available from: Available from: http://www.foa.unesp.br/home/pos/ppgops/portaria-n-2436.pdf
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atua na retaguarda e apoio à ESF, mediante necessidades e representações do processo saúde-doença dos indivíduos e famílias usuárias do SUS, e como articuladores e reguladores do acesso à RAS, com organização, especialmente, no encaminhamento à média complexidade. Tal apoio é também voltado a ações intersetoriais, com foco na prevenção de doenças e promoção da saúde. As concepções do NASF coadunam com a proposta das RAS pela cooperatividade sem hierarquia entre os pontos de atenção à saúde, numa inter-relação entre os níveis de assistência e os setores envolvidos com a saúde e a doença.1212. Ministério da Saúde (BR). Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.-1616. Macedo MAV, Ximenes-Guimarães JM, Sampaio JJC, et al. Análise do processo de trabalho no núcleo de apoio à saúde da família em município do nordeste brasileiro. Rev Gerenc Polít Salud [Internet];2016 [cited 2017 Jul 05];15(30):194-211. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.11144/Javeriana.rgyps15-30.aptn
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O NASF também é considerado como um dispositivo transformador do processo de trabalho na APS, por meio da cogestão para potencializar a RAS.1414. Sampaio J, Sousa CSM, Marcolino EC, et al. O NASF como dispositivo da gestão: limites e possibilidades. Rev Bras Cienc Saude [Internet] 2012 [cited 2016 Nov 07];16(3):317-24. Available from: Available from: http://periodicos.ufpb.br/index.php/rbcs/article/view/12572
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-1717. Volponi PRR, Garanhani ML, Carvalho BG. Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades como dispositivo de mudança na Atenção Básica em Saúde. Saúde Debate [Internet] 2015 [cited 2016 Nov 07];39(esp.):221-31. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.5935/0103-1104.2015S005418
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Isso pode mobilizar e impactar práticas hegemônicas em saúde, imersas em cenários de desvalorização dos serviços públicos, além da precarização das condições de trabalho, como forma de subverter as linhas de poder instituídas. Entretanto, são poucas as pesquisas que analisam o seu processo de trabalho e discutem o escopo das ações e o impacto potencial sobre os serviços e atenção a população. Frente a isso, o presente estudo tem por objetivo identificar o espaço em que o Núcleo Ampliado de Saúde se estrutura nos serviços e como atua no âmbito do Sistema Único de Saúde.

MÉTODO

Pesquisa de natureza conceitual sobre o significado do NASF, a partir da problematização de resultados parciais do estudo multicêntrico “Núcleos de Apoio à Saúde da Família: movimentos de educação permanente para a promoção da saúde mediante a realidade social do território”. Os resultados derivam da parte descritivo-exploratória,1818. Minayo MCS. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. 14th ed. São Paulo: Hucitec; 2014. de abordagem qualitativa, realizada em quatro municípios do Estado de Santa Catarina, com gestores e profissionais do NASF.

As informações foram coletadas de setembro a novembro de 2017, por meio de entrevistas semiestruturadas em grupo com os profissionais e entrevistas individuais com os gestores do NASF, o que totalizou 18 participantes, neste estudo denominados de “nasfianos”. Os critérios de inclusão dos participantes foram: atuar nas equipes do NASF em um dos municípios selecionados; estar no cargo (como profissional ou gestor) há, no mínimo, seis meses. Critério de exclusão: profissionais afastados das atividades laborais por qualquer motivo. O convite para participar foi enviado para todos os nasfianos dos municípios, selecionados por macrorregião de saúde do Estado, sendo que as entrevistas em grupo ocorreram com quem se dispôs a participar de forma livre.

A análise dos dados seguiu o preconizado pela proposta operativa de análise temática de conteúdo,1818. Minayo MCS. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. 14th ed. São Paulo: Hucitec; 2014. em três fases: pré-análise realizada por meio da transcrição e leitura flutuante dos depoimentos dos participantes; exploração do material e tratamento dos resultados obtidos com vistas a buscar os núcleos de sentidos; inferências e interpretações a partir do construto teórico sobre o tema, procurando promover uma discussão teórica/conceitual com os achados empíricos.1818. Minayo MCS. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. 14th ed. São Paulo: Hucitec; 2014.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, e respeita todos os preceitos éticos e as diretrizes legislativas brasileiras vigentes. Todos os participantes foram esclarecidos sobre detalhes do estudo, assinaram o termo de consentimento livre esclarecido, tendo suas identidades preservadas. Os municípios foram identificados como A, B, C e D, seguidas das letras “G” (depoimento do gestor) e “P” (depoimento dos profissionais), seguido por numeração cardinal.

RESULTADOS

Entre os 18 participantes do estudo, quatro são gestores do NASF e 14 são profissionais do NASF das áreas: Educação Física (1), Psicologia (2), Nutrição (4), Serviço Social (4), Fisioterapia (2) e Farmácia (1). As áreas de formação dos gestores são: Enfermagem (2), Psicologia (1) e Medicina (1). A seguir, são apresentadas as duas macrocategorias temáticas que permitiram atender aos objetivos do presente estudo.

Trabalho do Núcleo de Apoio à Saúde da Família: Atenção Primária à Saúde ou para além dela?

Os “nasfianos” não estão convictos sobre o espaço que ocupam na RAS, como expressa o depoimento a seguir:

A gente ainda não se entende bem [...] não só quanto ao NASF, em relação a toda Atenção Básica. Aqui nós temos as unidades básicas de saúde e a regional; não temos uma unidade intermediária, então, não existe uma compreensão do que deveria ser a Atenção Básica, o que inclui também os Núcleos de Apoio. Fica uma coisa bem limitada: ou é o núcleo hospitalar ou é a Atenção Básica, e as demandas intermediárias, normalmente, vêm para cá [...] (CG).

Foi referido que os profissionais dos serviços de atenção à saúde, geralmente, desconhecem o funcionamento do NASF, sendo necessário realizar ações de Educação Permanente em Saúde (EPS) para compreensão do processo de trabalho compartilhado com o NASF.

A gente sempre tem profissionais novos na rede, [...] a maioria dos profissionais não conhece como funciona o trabalho do NASF, temos que estar sempre conversando, falando, explicando a função do NASF, apresentando as portarias, fazendo o processo de educação permanente, mostrando como é o nosso trabalho (BP2).

O trabalho do NASF segue numa direção intermediária, ora tendendo para a APS, ora num espaço intermediário, cujas normativas federais, por vezes, restringem e confundem. A pesquisa aponta para a realização do matriciamento pelas equipes de NASF, sobretudo numa frequência maior para NASF vinculados à um número maior de equipes de ESF. Por outro lado, aqueles que atendem um número menor de equipes de ESF, acabam por desempenhar mais atividades especializadas, diretas ao usuário do serviço, como ilustra o depoimento:

[...] Acaba tendo um encaminhamento menor de especialidade de referência e contra referência, porque temos um profissional lá tentando fazer esse caminho, que é para ser a lógica do NASF, mas ainda acontece de ter encaminhamento como especialidade [dentro das especialidades que o NASF oferece]. [...] Temos algumas vezes a questão: o paciente em uma crise, surtou, o psicólogo acaba atendendo. Isso porque não temos um serviço que vá lá na casa; e o NASF está ali, então acaba atendendo na urgência (AG).

Compreende-se que resta ao NASF um lócus de assessoramento às equipes de saúde da família em casos clínicos que não são resolvidos ou referenciados:

[...] Vamos começar a pegar a fila que está chegando agora para fazer essa triagem: antes de passar para o ambulatório de fisioterapia, o fisioterapeuta do NASF avalia e aí ele que diz se deve ou não ir para o SISReg [Sistema de regulação em Saúde]. Pretendemos fazer isso com nutricionista e fonoaudiólogo também, só que não temos quantidade suficiente de profissionais. Tanto a fonoaudióloga, quanto a nutricionista, têm a carga horária dividida entre o NASF e o ambulatório [...]. Com atenção secundária, estamos fazendo um documento para solicitar, mas é outro problema: a gestão entender a necessidade e mostrar o impacto que vai ocorrer na fila com essa triagem! (DG).

[...] Há casos que acompanhamos há mais tempo, que o paciente acaba tendo uma referência na unidade, então, quem já me tinha como referência continua vindo para mim; eu ainda faço esse trabalho, mas bem menos. Atuo mais na orientação: chegou uma situação que percebemos que a criança sofreu alguma violência ou uma denúncia, eu faço orientação: isso a gente vai encaminhar para o CRAS [Centro de Referência de Assistência Social], para o CREAS [Centro de Referência Especializado de Assistência Social], a gente vai atender, vamos fazer uma visita com a equipe de saúde da família. [...] Realizamos o atendimento compartilhado, tem situações em que preciso a presença da psicóloga, definimos um horário que as duas podem e atendemos juntas (CP1).

Que espaços alcança o processo de trabalho dos “nasfianos”?

As diferentes possibilidades de atuação do NASF passam por experiências de participação na regulação, avaliação e redução de filas para especialidades até a fusão total da identidade da equipe do NASF como a de um serviço de referência, a qual tem sido mais avançada no matriciamento em saúde mental, como apresentado no depoimento a seguir:

Eu não consigo imaginar como seria a demanda de saúde mental antes de ter o NASF. O que era feito com essa demanda? Então, pensando nessa ideia do NASF, que a gente conseguiu acolher uma demanda de saúde mental na atenção básica, eu acho que é um baita avanço, um indicador de qualidade bem evidente porque a gente absorve uma demanda que até então não tinha para onde ir (AP5).

A atuação institucional dos profissionais do NASF está vinculada ao núcleo do especialista, o qual atua a partir da sua competência específica, da exigência interdisciplinar e também da necessária articulação entre serviços para poder nascer e existir a coordenação do cuidado pela APS por meio da ESF. Isso amplia o potencial de suas contribuições para a qualificação da assistência, ao mesmo tempo que intensifica o seu efeito educador e apoiador, como expresso nos depoimentos:

[...] Desde o início mantivemos o foco do matriciamento semanal, em todas as unidades, um dia fixo no mês [...] as unidades básica de saúde se organizam para levar os casos para a gente avaliar, ver se tem necessidade de atendimento compartilhado, se tem algum caso que pode ser matriciamento, se há casos em que o atendimento é individual; conversamos sobre grupos, sobre demandas do NASF [...] na verdade, quem participa vai ser o enfermeiro e alguns outros profissionais, nós temos unidades que conseguimos a participação do pediatra, do ginecologista, tem unidade que a gente tá conseguindo uma participação boa, que as coisas do NASF estão fluindo e a gente tem apoio para fazer grupos e organizar sala de espera, levantamento de materiais (DP4).

[...] Aqueles médicos que são mais participativos nas reuniões de matriciamento, esses [casos] que às vezes não conseguem encaminhar, a gente já faz a discussão daquele caso ali na hora, eles já trazem aquela necessidade daquele paciente para discutir ali. Então, eles já tem mais esse convívio conosco, com essa visão do matriciamento, já estão acostumados, já tem uma visão do NASF, não é tanto aquele repasse de corredor, ‘preciso da nutricionista!’ ou ‘vou fazer o encaminhamento com a psicóloga do NASF’ [...] temos buscado trabalhar para que não seja dessa forma, só por encaminhamento, só um repasses de casos, mas que quando tiver, nos chamem para essa discussão, essa conversa (BP1).

Os depoimentos expressam que o processo de trabalho do NASF inter-relaciona as atividades da atenção primária com a secundária, sendo assim, ele atua na interseção desses espaços de produção de cuidados em saúde na lógica da integralidade da atenção.

DISCUSSÃO

O núcleo de saber e de competência demarca uma área de saberes e práticas exclusivas de uma profissão ou especialidade, a qual tem limites variáveis relacionados ao contexto e, em certa medida, são porosos. Por outro lado, o campo de saber e competência refere-se a um espaço de limites imprecisos em que cada disciplina e profissão busca em outras apoio e com elas compartilha ações comuns para cumprir suas tarefas teóricas e práticas.1010. Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira JúniorN, Castro CP. Application of Paideia methodology to institutional support, matrix support and expanded clinical practice. Interface [Internet] 2014 [cited 2015 Sept 25];18(1):983-95. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0324
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Sob esse olhar, os resultados do presente estudo apontam que o trabalho dos profissionais do NASF foi orientado para um tipo de atuação limítrofe, em que tais trabalhadores devem atuar no seu próprio núcleo de saber e prática e nas fronteiras entre o seu núcleo e o núcleo de saber e competência da equipe da ESF, o que abarca, obviamente, seu campo comum de cuidado.

Essa é uma interpretação possível do apoio matricial: colocar, simultaneamente, o seu saber e competência (de campo e núcleo, na medida do cabível) a serviço dos usuários (selecionados ou referenciados) e da equipe da ESF, para empoderá-la, aumentar sua resolubilidade e proporcionar EPS.1111. Castro CP; Campos GWS. Apoio institucional Paideia como estratégia para educação permanente em saúde. Trab Educ Saude [Internet] 2014 [cited 2016 Jul 15];12(1):29-50. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S1981-77462014000100003
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A EPS é vista como prática transversal que subsidia o matriciamento, oferece elementos valiosos e uma visão filosófica-política e técnico-pedagógica geral para o processo de formação/qualificação dos profissionais, tendo em vista os desafios do trabalho.1919. Pessanha RV, Cunha FTS. A aprendizagem-trabalho e as tecnologias de saúde na Estratégia Saúde da Família. Texto Contexto Enferm [Internet] 2009 [cited 2016 Nov 07];18(2): 233-40. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072009000200005
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-2020. Vendruscolo C, Ferraz F, Prado ML, Kleba MB, Reibnitz KS. Teaching-service integration and its interface in the context of reorienting health education. Interface [Internet] 2016 [cited 2016 Nov 07];20(59):1015-25. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015.0768
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Na discussão do núcleo de saber e competências, destaca-se a necessidade de esclarecer o papel dos especialistas em um sistema de saúde centrado na APS. A sua inserção ocorre mediante consultas breves; intervenções pontuais para as quais os profissionais da APS não têm tecnologias ou conhecimentos necessários; atuação no cuidado por meio de orientações às equipes da ESF quanto a temas emergentes nos casos; ou, em parceria com as equipes, assumir o cuidado especializado de certos usuários (com ou sem prévia consulta compartilhada ou discussão do caso). A atribuição mais adequada dos especialistas, nessa proposta interdisciplinar, seria a de consultores, sem excluir a possibilidade de visitas periódicas aos serviços para avaliarem determinados grupos de usuários.1010. Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira JúniorN, Castro CP. Application of Paideia methodology to institutional support, matrix support and expanded clinical practice. Interface [Internet] 2014 [cited 2015 Sept 25];18(1):983-95. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0324
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,1212. Ministério da Saúde (BR). Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.

Nessa direção, mediante os conceitos de campo e núcleo, percebe-se o apoio matricial como o comprometimento de diferentes núcleos de saber, que dialogam e trocam conhecimentos entre si para construir determinados projetos terapêuticos. Cumpre destacar o pressuposto de que esse projeto terapêutico, construído interdisciplinarmente, com um ou mais especialistas, foi considerado importante e necessário pelos generalistas da APS/ESF.2121. Oliveira MM, Campos GWS. Apoios matricial e institucional: analisando suas construções. Ciên. Saúde Coletiva [Internet] 2015 [cited 2016 Nov 20];20(1):229-38. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014201.21152013
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Em artigo pioneiro de 1999 sobre apoio matricial,2222. Campos GWS. Equipes de referência e apoio especializado matricial: um ensaio sobre a reorganização do trabalho em saúde. Ciênc Saúde Coletiva [Internet] 1999 [cited 2016 Nov 20];4(2):393-403. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81231999000200013
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o exercício de cuidado especializado foi assumido integralmente, dado que já existia, sendo proposto o acréscimo a ele da função de apoio e EPS das equipes de referência da ESF, de maneira que ambos constituíram o matriciamento,2222. Campos GWS. Equipes de referência e apoio especializado matricial: um ensaio sobre a reorganização do trabalho em saúde. Ciênc Saúde Coletiva [Internet] 1999 [cited 2016 Nov 20];4(2):393-403. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81231999000200013
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apoio às equipes e exercício da clínica especializada. Em escritos posteriores,1111. Castro CP; Campos GWS. Apoio institucional Paideia como estratégia para educação permanente em saúde. Trab Educ Saude [Internet] 2014 [cited 2016 Jul 15];12(1):29-50. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S1981-77462014000100003
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,1313. Figueiredo MD, Campos GWS. O Apoio Paideia como metodologia para processos de formação em saúde. Interface[Internet] 2014 [cited 2015 Nov 12];18(1):931-43. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0323
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,2121. Oliveira MM, Campos GWS. Apoios matricial e institucional: analisando suas construções. Ciên. Saúde Coletiva [Internet] 2015 [cited 2016 Nov 20];20(1):229-38. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014201.21152013
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-2323. Cunha GT, Campos GWS. Apoio Matricial e Atenção Primária em Saúde. Saúde Soc [Internet] 2011 [cited 2016 Nov 20];20(4):961-970. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902011000400013
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tal assunção foi sutilmente relativizada e menos tematizada, embora nunca negada, mas sim enfatizada e hipertrofiada a função de apoio.

Com base na proposta ministerial de trabalho para o NASF, este deve priorizar: (a) ações clínicas compartilhadas para uma intervenção interdisciplinar, com ênfase em estudo e discussão de casos e situações, atendimento conjunto, realização de projeto terapêutico singular, reuniões, orientações, bem como apoio por telefone, e-mail, entre outros recursos; (b) intervenções específicas do profissional do NASF com os usuários e/ou famílias, com discussão e negociação a priori com os profissionais da equipe de saúde da família responsáveis pelo caso, de forma que o atendimento individualizado pelo NASF ocorra apenas em situações extremamente necessárias; (c) ações compartilhadas nos territórios de sua responsabilidade, desenvolvidas de forma articulada com as equipes de saúde da família e outros setores.1212. Ministério da Saúde (BR). Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.

Para a organização e o desenvolvimento desse processo, algumas ferramentas podem ser enumeradas, como: o apoio matricial, a clínica ampliada, o projeto terapêutico singular, o projeto de saúde no território e a pactuação do apoio.1212. Ministério da Saúde (BR). Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. Note-se que (b) restringe o cuidado especializado a algo chamado de situações de extrema necessidade, sem nenhuma especificação do que viria a ser esse tipo de situação, mas de forma efetiva sinaliza não ser esse aspecto uma atuação desejável e rotineira dos profissionais do NASF; e que (c) está de tal forma definida que envolve todo o escopo de ações territoriais de prevenção e promoção, convencionalmente atribuídas a APS como um todo, e, pelo menos parte delas, atribuídas às equipes de profissionais da ESF.

No campo dos microprocessos de trabalho, espera-se, nas normativas oficiais do NASF, a atuação em ações que subsidiem a promoção da saúde, ao menos em âmbito local e municipal, espaços que se ocupam da realidade social e que precisam ser constantemente avaliados, já que essas ações demandam também atuação no território, enfoque comunitário e abordagem de problemas em parcerias com os usuários e outros setores. 1212. Ministério da Saúde (BR). Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. Esse conjunto envolve-se na maior parte das atribuições comuns a todos os profissionais das equipes da ESF, por conseguinte, orienta as ações do NASF, se elas forem consideradas parte da APS.

Destaca-se que a normativa oficial para o NASF transformou parte significativa do espectro de saberes e práticas da APS em um campo comum das várias profissões (incluindo os profissionais do NASF), e não reconhece praticamente núcleos de saber e competência específicos dos profissionais generalistas das equipes de SF, relativos a ação territorial, de planejamento, de prevenção de doenças e de promoção da saúde. Quanto à área do cuidado clínico, não se fala quase nada dos 80-90% de resolubilidade esperados da equipe de APS, mas se fala que o NASF pode ser acessado para discussão de casos e elaboração de projetos terapêuticos compartilhados coletivos, sem falar do exercício do cuidado especializado propriamente dito, salvo quando de extrema necessidade. Com isso, as discussões acadêmicas e as normativas sobre a atuação do NASF esvaziam sua atuação frente ao conjunto geral dos serviços de saúde do SUS, uma vez que o localiza apenas dentro da APS, separa-o do cuidado clínico generalista, mas não da prevenção e promoção da saúde, e separa-o relativamente do cuidado especializado.1212. Ministério da Saúde (BR). Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.

Contudo, se a maior parte dos problemas dos usuários é resolvida pela ESF e o restante é encaminhado para profissionais/serviços especializados, que não são o NASF, a este parece restar, no conjunto da rede de serviços do SUS, o assessoramento para casos duvidosos, border-line, (ainda) não encaminhados. Pode ainda, apoiar outros mais complexos, cujo acompanhamento é feito de forma interdisciplinar e presencial, supostamente, uma fração ainda mais complexa de casos que, além de referenciados para serviços especializados, mereceria cuidado compartilhado, com interface presencial, entre APS e especialistas: o NASF.

De um ponto de vista de referenciais clássicos,11. Starfield B. Primary and specialty care interfaces: the imperative of disease continuity. Br J Gen Pract [Internet]. 2003 [cited 2017 Oct 31];53(494):723-9. Available from: Available from: https://www.jhsph.edu/research/centers-and-institutes/johns-hopkins-primary-care-policy-center/Publications_PDFs/A185.pdf
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,2424. Starfield B. Atenção Primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília (DF): UNESCO, MS; 2002.observando as normativas, os NASF não são da APS, pois não atuam com acesso direto; contudo, na prática, os resultados desta investigação, à exemplo de outras pesquisas na área,1414. Sampaio J, Sousa CSM, Marcolino EC, et al. O NASF como dispositivo da gestão: limites e possibilidades. Rev Bras Cienc Saude [Internet] 2012 [cited 2016 Nov 07];16(3):317-24. Available from: Available from: http://periodicos.ufpb.br/index.php/rbcs/article/view/12572
http://periodicos.ufpb.br/index.php/rbcs...
-1717. Volponi PRR, Garanhani ML, Carvalho BG. Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades como dispositivo de mudança na Atenção Básica em Saúde. Saúde Debate [Internet] 2015 [cited 2016 Nov 07];39(esp.):221-31. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.5935/0103-1104.2015S005418
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,2525. Reis ML, Medeiros M, Pacheco LR, Caixeta CC. Evaluation of the multiprofessional work of the family health support center (NASF). Texto Contexto Enferm [Internet] 2016 [cited 2016 Nov 20];25(1):e2810014. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0104-070720160002810014
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confirmam que os profissionais atuam nas ações clínicas, preventivas, de planejamento e de promoção da saúde. Nesse aspecto, constitui-se, hoje, como uma equipe em parte de atenção secundária (cuidado especializado) e em parte de articulação-intermediação e EPS, localizada na intercessão entre APS e atenção secundária, e, ainda, auxilia na gestão da análise de prioridades (exercida pelos generalistas) e dos referenciamentos, ou seja, na gestão e regulação do cuidado especializado.

Em paralelo, destaca-se a problemática que envolve a insuficiência de serviços de saúde especializados no SUS, o que pode conduzir a uma atuação equivocada do NASF,2323. Cunha GT, Campos GWS. Apoio Matricial e Atenção Primária em Saúde. Saúde Soc [Internet] 2011 [cited 2016 Nov 20];20(4):961-970. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902011000400013
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quando assume um papel de substituição do serviço especializado que falta, para responder à demanda da comunidade. Ocorre uma disputa corriqueira no ambiente dos serviços quanto ao modo de implementação do NASF: a defesa do assistencialismo especializado versus do apoio às equipes, enquanto que, em tese, o matriciamento abarca ambas as atuações.2222. Campos GWS. Equipes de referência e apoio especializado matricial: um ensaio sobre a reorganização do trabalho em saúde. Ciênc Saúde Coletiva [Internet] 1999 [cited 2016 Nov 20];4(2):393-403. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81231999000200013
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As instruções ministeriais não são explícitas quanto a isso, e deixam à deriva uma discussão que se pretende aprofundar, sobre a atuação especializada do NASF, embora este, institucionalmente no Brasil, seja considerado um serviço da APS.1212. Ministério da Saúde (BR). Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. Sabe-se que, em outros países, iniciativas parecidas colocam as equipes como apoiadoras,2121. Oliveira MM, Campos GWS. Apoios matricial e institucional: analisando suas construções. Ciên. Saúde Coletiva [Internet] 2015 [cited 2016 Nov 20];20(1):229-38. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014201.21152013
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sem deixar seu posto de atenção secundária e atuação clínica no espaço da APS, ou seja, aproxima esses espaços, quando é algo necessário para o projeto terapêutico do usuário.

Outra questão a se pensar está na esteira das evidências do alcance da APS, em que pode o NASF emergir como recurso para fazer frente às falhas desse nível assistencial. É perigoso legitimar situações em que os nasfianos priorizem atendimentos generalistas, que por essência são da SF. Eles devem estimular e contribuir com a qualificação das práticas e atuar juntos aos grupos generalistas pontualmente, quando suas competências nucleares são requeridas. Mas, sobretudo, devem apoiar esses grupos e auxiliar sua implantação. Todavia, é fundamental deixar tais grupos, progressivamente, nas mãos da ESF, salvo participação ocasional, o que envolve questões específicas para as quais se requer ou justifica sua atuação especialista.

Por outro lado, também se contextualiza a complexidade dos desafios na produção da saúde, as quais têm exigido a construção de novos modelos de organização do trabalho, pois a APS, de maneira isolada, não é suficiente.11. Starfield B. Primary and specialty care interfaces: the imperative of disease continuity. Br J Gen Pract [Internet]. 2003 [cited 2017 Oct 31];53(494):723-9. Available from: Available from: https://www.jhsph.edu/research/centers-and-institutes/johns-hopkins-primary-care-policy-center/Publications_PDFs/A185.pdf
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,2424. Starfield B. Atenção Primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília (DF): UNESCO, MS; 2002.As interfaces possíveis mediante a relação entre a APS e especialidades, sinaliza maior satisfação do usuário com uma atenção compartilhada, que repercute na redução de exames e procedimentos. Tal resolubilidade da APS no Reino Unido se deve a possibilidade de fácil comunicação entre generalistas e especialistas.11. Starfield B. Primary and specialty care interfaces: the imperative of disease continuity. Br J Gen Pract [Internet]. 2003 [cited 2017 Oct 31];53(494):723-9. Available from: Available from: https://www.jhsph.edu/research/centers-and-institutes/johns-hopkins-primary-care-policy-center/Publications_PDFs/A185.pdf
https://www.jhsph.edu/research/centers-a...
,2626. Costa JP, Jorge MSB; Vasconcelos MGF, Paula ML, Bezerra IC. Resolubilidade do cuidado na atenção primária: articulação multiprofissional e rede de serviços. Saúde Debate [Internet] 2014 [cited 2015 Nov 12];38(103):733-43. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.5935/0103-1104.20140067
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Assim, compreende-se que o trabalho do NASF pode e deve ser visto como fonte de novas formas de intervenção, não restritas a um ambiente ou nível do sistema de saúde (como APS ou serviço especializado). Ele se expressa em espaços intercessores entre os núcleos de saber e prática de seus profissionais (especialistas) e o núcleo e campo de saberes dos generalistas, que se considera que deve ser destacado e respeitado.

Frente às ideias apresentadas e os resultados parciais da pesquisa, elaboramos uma síntese das ações rotineiras dos nasfianos (Quadro 1), para além daquelas ocasionais, desenvolvidas em parceria com os profissionais generalistas da APS.

Quadro 1 -
Síntese das ações do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) por caracterização de suas práticas.

Considerando a listagem de ações do Quadro 1, a Figura 1 mapeia, os locais ou espaços institucionais em que atuam os profissionais dos NASF.

Figura 1 -
Espaço de atuação do NASF: interseção entre a atenção primária e atenção secundária à saúde. Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF).

Na Figura 1, vê-se que o trabalho no NASF se situa parte na atenção secundária (cuidado especializado aos usuários) e parte na articulação-intermediação e EPS entre atenção primária e serviços especializados, e auxilia ainda na gestão do cuidado especializado. Nessa proposta, o NASF se estabelece numa direção promissora para construção das redes de serviços coordenadas pela APS. No limite e quando possível, defende-se que o NASF se configure como atenção secundária, ou seja, que ele faça cuidado especializado, mas também apoio, e assuma suas duas faces; e que, por outra parte, simetricamente, todo serviço especializado faça matriciamento personalizado na medida do possível à APS.

Apoiados em relativa expansão de experiências municipais difusa no país, ainda pouco analisadas e tematizadas (para além de sua condenação com base nas diretrizes oficiais), valoriza-se a potencialidade desses profissionais do NASF terem atuação ativa na construção de articulação e comunicação da APS com os serviços especializados e mesmo atuarem como referências especializadas nos espaços que matriciam.

Isso não só pode ser altamente benéfico, ao contrário das críticas correntes na saúde coletiva, como pode recolocar o NASF em posição de destaque na estruturação da RAS: como instrumento simultâneo de EPS, para aumento de integralidade e resolubilidade da APS; como recurso de cuidado especializado; como construção da articulação dos demais serviços com a APS, ou seja, construção e viabilização de uma coordenação de cuidado que saia do papel e se estruture na prática, avançando na superação da precária situação do cuidado especializado ambulatorial no SUS. Com isso, o NASF busca concretizar sua função clínica especializada, prevista para o matriciamento,2222. Campos GWS. Equipes de referência e apoio especializado matricial: um ensaio sobre a reorganização do trabalho em saúde. Ciênc Saúde Coletiva [Internet] 1999 [cited 2016 Nov 20];4(2):393-403. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81231999000200013
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progressivamente esquecida e/ou subvalorizada. Todavia, um dos riscos dessa proposta é esses profissionais resvalarem para o comum isolamento dos serviços ambulatoriais especializados em relação à APS, o que deve ser ativamente e cuidadosamente evitado.

Por outra parte, a renúncia que algumas vezes ocorre (para alguns, desejável) pelos nasfianos do exercício do cuidado clínico especializado (individual ou coletivo) direto aos usuários “filtrados” acarreta efeitos adversos significativos. Destaca-se a perda de sua identidade, necessidade e efetividade assessora e intercessora institucional, consequentes ao seu distanciamento da pressão assistencial da APS, restrita à equipe de saúde da família. Isso pode comprometer o compromisso e a parceria necessários para um apoio técnico-pedagógico efetivo com efeito educador e promotor da capacidade dos serviços em cuidar.77. Tesser CD. Núcleos de Apoio à Saúde da Família, seus potenciais e entraves: uma interpretação a partir da atenção primária à saúde. Interface [Internet] 2016 [cited 2015 Sept 25];21(62):565-78. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015.0939
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,1111. Castro CP; Campos GWS. Apoio institucional Paideia como estratégia para educação permanente em saúde. Trab Educ Saude [Internet] 2014 [cited 2016 Jul 15];12(1):29-50. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S1981-77462014000100003
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,1313. Figueiredo MD, Campos GWS. O Apoio Paideia como metodologia para processos de formação em saúde. Interface[Internet] 2014 [cited 2015 Nov 12];18(1):931-43. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0323
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Cabe salientar que o profissional matriciador emerge junto à ESF como desejável quando é convidado para uma participação pontual julgada adequada e/ou necessária, quando houver demanda/abordagem de conteúdos/práticas especializadas. Ele pode, ainda, coordenar/conduzir um grupo, de acordo com seu núcleo de atuação, caracterizado como cuidado especializado coletivo ou participar da reunião de equipe dos generalistas, quando necessário e chamado por motivo específico relacionado ao seu núcleo de competência.22. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017: aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: DF, 2017 [cited 2018 Feb 25]. Available from: Available from: http://www.foa.unesp.br/home/pos/ppgops/portaria-n-2436.pdf
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Os “nasfianos” precisam ter consciência de seus próprios limites para acolher as contribuições das outras especialidades e dos generalistas da ESF, de modo a mediar e apoiar quando solicitado, a grande variedade das práticas e decisões que definem, primariamente, a assistência do usuário na RAS.1313. Figueiredo MD, Campos GWS. O Apoio Paideia como metodologia para processos de formação em saúde. Interface[Internet] 2014 [cited 2015 Nov 12];18(1):931-43. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0323
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No contexto da APS, sempre em campo de disputa e permeada pelas mudanças no contexto político, social e econômico, o trabalho do NASF emerge como potencializador desse nível assistencial e articulador da atenção secundária com a APS, a qual é trazida para mais próxima e intimamente articulada com as equipes da ESF.

Uma das limitações deste debate situa-se na carência de discussão e dados sobre as condições concretas de trabalho oferecidas ao NASF para desenvolver suas atividades, levando-se em conta as precárias características estruturais e econômicas que perpassam a APS brasileira, e, especialmente, seu papel de ordenadora do cuidado. Considera-se, pela distribuição desigual da proposta no território brasileiro, que as ações e o processo de trabalho do NASF necessitam de estudos profundos e contínuos sobre a efetividade desse dispositivo.

CONCLUSÃO

Ao viabilizar maior interdisciplinaridade por meio da sua atuação, os nasfianos precisam de abertura para a colaboração integrada de diferentes especialistas entre si e com generalistas, de maneira a evitar a tendência ao olhar fragmentado, descomprometido com o sujeito. A sua complexidade e singularidade se revela numa atuação como especialistas fomentadores de uma maior resolubilidade dos generalistas; e, também, parte de uma atenção secundária articulada e coordenada pela APS, incluindo a atenção terciária/hospitalar.

Os profissionais do NASF, no contexto do matriciamento, se devidamente articulados com a APS, promovem, apoiam e fortalecem a atuação dos generalistas da ESF. Eles também aparecem como especialistas que atuam no seu núcleo de saber e auxiliam no ordenamento das RAS, pois passam a auxiliar as equipes de ESF no ordenamento e coordenação do cuidado, além do exercício da atuação em seu núcleo profissional. Podem contribuir, assim, em parte, para diminuir os estrangulamentos da APS. Para tanto, precisam permanecer em um espaço que não é totalmente da APS, mas que apoia esse nível e o articula com os demais, além de exercerem o cuidado especializado. O NASF pode se situar, como já definem as normativas oficiais, no contexto da APS, mas também para além dela, ser reconhecido como importante articulador da coordenação do cuidado, da intersetorialidade, da interdisciplinaridade e dos vários serviços da RAS no trabalho em saúde.

Recomenda-se cuidado para os nasfianos não se identificarem como profissionais da APS, o que deve ser reservado aos generalistas da ESF, salvo exceções, como dentistas. Eles devem se identificar com dois papéis institucionais emergentes e inovadores: de um lado, atuar na transição, articulação e conexão entre APS e os demais dispositivos da RAS, o que envolve coordenação de cuidado e regulação e articulação intersetorial. Também devem se identificar com uma nova atenção especializada, caracterizada por trabalho colaborativo e intimamente articulado à APS e por ela coordenado. Nesses papéis, heterodoxos e inovadores para as realidades institucionais brasileiras, os nasfianos devem exercer cuidado especializado aos usuários, apoio e back-feed às equipes de APS, de tal forma a exercitar a EPS todo tempo. Isso concretiza o matriciamento, amplia a resolubilidade da APS e explora as potencialidades do NASF, mas implica em construir e legitimar um papel ou função ainda em formação.

Salienta-se que o NASF, se não for uma estratégia claramente delineada em relação aos seus propósitos, diretrizes e possibilidades estruturais e de atuação, corre o risco de funcionar como uma equipe sem identidade clara no contexto da RAS, com pouca efetividade e sustentabilidade. Isso seria um desperdício de uma década de investimento público e experimentação institucional inovadores no matriciamento realizado pelo NASF.

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NOTAS

  • FINANCIAMENTO
    Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do estado de Santa Catarina (FAPESC), por meio do Edital PP-SUS 010/2015, através do projeto de pesquisa - Núcleos de Apoio a Saúde da Família: movimentos de Educação Permanente para a Promoção da Saúde mediante realidade social do território.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado de Santa Catarina, parecer n. 1.812.835, CAAE: 55095616.4.1001.0118.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    18 Nov 2017
  • Aceito
    09 Abr 2018
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