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INTEGRAÇÃO ENSINO-SERVIÇO NA FORMAÇÃO DE RESIDENTES EM SAÚDE: PERSPECTIVA DO DOCENTE

RESUMO

Objetivo:

compreender o desenvolvimento das ações de integração ensino-serviço na formação dos residentes, na perspectiva dos docentes vinculados a um Programa de Residência Multiprofissional em Saúde.

Método:

pesquisa qualitativa, do tipo exploratória e descritiva realizada entre março a junho 2015, com 13 docentes a partir de entrevista semiestruturada e de observação sistemática. Os dados foram organizados e analisados mediante a proposta operativa de análise temática.

Resultados:

evidencia-se a construção de novos espaços para o desenvolvimento da integração ensino-serviço na Residência Multiprofissional em Saúde, advindo a partir da relação efetiva entre a universidade e os serviços de saúde, além da inserção dos profissionais que foram residentes nos referidos serviços, além de desafios que permeiam essa proposta.

Conclusão:

a Residência Multiprofissional em Saúde, enquanto estratégia de formação, tende a ampliar as práticas de saúde oportunizando aos residentes a participação em um processo colaborativo, dinâmico e ativo na sua formação profissional. No entanto, a integração ensino-serviço requer uma reflexão contínua do papel de cada um, a fim de estimular a corresponsabilidade no processo pedagógico de acordo com as políticas públicas de saúde e a realidade local.

DESCRITORES:
Saúde pública; Prática profissional; Pesquisa qualitativa; Ensino; Internato não médico

ABSTRACT

Objective:

to understand the development of teaching-service integration actions in the training of residents, from the perspective of teachers linked to a Multiprofessional Health Residency Program.

Method:

qualitative research, of the exploratory and descriptive type, carried out between March and June 2015, with 13 teachers from a semi-structured interview and a systematic observation. Data was organized and analyzed through the operational proposal of thematic analysis.

Results:

the construction of new spaces for the development of the teaching-service integration in the Multiprofessional Residency in Health is evident, coming from the effective relationship between the university and the health services, besides the insertion of the professionals who were resident in those services, besides challenges that permeate this proposal.

Conclusion:

the Multiprofessional Health Residency, as a training strategy, tends to broaden health practices by providing residents with the opportunity to participate in a collaborative, dynamic and active process in their professional training. However, the teaching-service integration requires a continuous reflection of the role of each one, in order to stimulate co-responsibility in the pedagogical process according to public health policies and local reality.

DESCRIPTORS:
Public health; Professional practice; Qualitative research; Teaching; Internship Nonmedical

RESUMEN

Objetivo:

comprender el desarrollo de las acciones de integración de la enseñanza y el servicio en la formación de los residentes, en la perspectiva de los docentes vinculados a un Programa de Residencia Multiprofesional en Salud.

Método:

investigación cualitativa, del tipo exploratorio y descriptivo, realizada entre marzo y junio de 2015 con 13 docentes, a partir de una entrevista semiestructurada y de observación sistemática. Se organizaron y analizaron los datos según una propuesta operacional de análisis temático.

Resultados:

es notable la construcción de nuevos espacios para desarrollar la integración de la enseñanza y el servicio en la Residencia Multiprofesional en Salud, que proviene a partir de una relación efectiva entre la universidad y los servicios de salud, además de insertar a los profesionales que fueron residentes en los servicios señalados, además de los desafíos que atraviesan esta propuesta.

Conclusión:

la Residencia Multiprofesional en Salud, como estrategia de formación, tiende a ampliar las prácticas de salud, dando a los residentes la oportunidad de participar en un proceso colaborativo, dinámico y activo en su formación profesional. Sin embargo, la integración de la enseñanza y el servicio requiere una reflexión continua del rol de cada uno, a fin de estimular la corresponsabilidad en el proceso pedagógico, de acuerdo con las políticas de salud pública y la realidad local.

DESCRIPTORES:
Salud pública; Práctica profesional; Investigación cualitativa; Enseñanza; Internado no médico

INTRODUÇÃO

A partir dos movimentos que culminaram na criação do Sistema Único de Saúde (SUS), o ordenamento da formação do pessoal da saúde se tornou responsabilidade do Ministério da Saúde (MS), a fim de reconhecer os serviços de saúde como campo de prática para o ensino e buscar a melhoria da qualidade do atendimento à população.11. Ferla AA, Famer CM, Santos LM. Integração ensino-serviço: caminhos possíveis? Porto Alegre(BR): Editora Rede Unida; 2013.-22. Dias HS, Lima LD, Teixeira M. A trajetória da política nacional de reorientação da formação profissional em saúde no SUS. Ciênc. saúde coletiva [Internet]. 2013 [cited 2016 Aug 24]; 18(6):1613-24. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000600013.
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Para isso, a formação do pessoal da saúde, ao longo das últimas trinta décadas, vem sendo construída, operacionalizada e redesenhada por estratégias reflexivas que transcendem a visão da formação centrada nos procedimentos técnicos, sem considerar os aspectos estruturantes das relações pessoais e das práticas em saúde de acordo com os princípios e diretrizes do SUS.11. Ferla AA, Famer CM, Santos LM. Integração ensino-serviço: caminhos possíveis? Porto Alegre(BR): Editora Rede Unida; 2013.-33. Silva JAM, Peduzzi M, Orchard C, Leonello VM. Interprofessional education and collaborative practice in Primary Health Care. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2015 Dec [cited 2016 Aug 24]; 49(Spe 2):15-23. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420150000800003.
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Dentre essas estratégias, encontra-se a criação da Residência Multiprofissional em Saúde (RMS) uma parceria entre o Ministério da Educação (MEC) e MS, enquanto pós-graduação lato sensu. Como objetivo central, essa modalidade de formação busca proporcionar a transformação das práticas na área da saúde conforme a realidade dos usuários dos serviços de saúde, por meio do trabalho multiprofissional.44. Brasil. Lei 11.129, de 30 de junho de 2005. Institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens - Projovem; cria o Conselho Nacional da Juventude (CNJ) e a Secretaria Nacional da Juventude; altera as Leis 10.683, de 28 de maio de 2003, e 10.429, de 24 de abril de 2002; e dá outras providências. 2005a. [cited 2016 Aug 24]. Available from: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11129.htm.
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No que se refere à supervisão das atividades nos Programas de RMS, esses devem ser realizados sob supervisão docente-assistencial, de responsabilidade conjunta dos setores da educação e da saúde.55. Souza AL, Carcereri DL. Qualitative study of the teaching-service integration in an undergraduate Dentistry course. Interface - Comunic Saúde Educ [Internet]. 2011 [cited 2016 Dec 22]; 15(39)1071-84. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832011005000025.
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Sendo que os docentes são aqueles vinculados às instituições formadoras e executoras que participam do desenvolvimento das atividades teóricas e teórico-práticas previstas nos Projetos Político-Pedagógicos (PPP). No que se refere ao trabalho docente, esse precisa articular, junto ao (ou no papel de) tutor, mecanismos de estímulo para a participação de preceptores e residentes nas atividades de pesquisa e nos projetos de intervenção.44. Brasil. Lei 11.129, de 30 de junho de 2005. Institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens - Projovem; cria o Conselho Nacional da Juventude (CNJ) e a Secretaria Nacional da Juventude; altera as Leis 10.683, de 28 de maio de 2003, e 10.429, de 24 de abril de 2002; e dá outras providências. 2005a. [cited 2016 Aug 24]. Available from: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11129.htm.
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Além disso, espera-se que esse docente apoie a coordenação dos programas na elaboração e execução de projetos de Educação Permanente em Saúde (EPS), caracterizando, dessa forma, o suporte central para as ações de integração ensino-serviço à equipe de preceptores vinculados aos serviços de saúde.44. Brasil. Lei 11.129, de 30 de junho de 2005. Institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens - Projovem; cria o Conselho Nacional da Juventude (CNJ) e a Secretaria Nacional da Juventude; altera as Leis 10.683, de 28 de maio de 2003, e 10.429, de 24 de abril de 2002; e dá outras providências. 2005a. [cited 2016 Aug 24]. Available from: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11129.htm.
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Essas ações necessitam estar como eixo central no PPP do programa, pois nesse aspecto é evidenciada a integração entre universidade e serviços de saúde. Assim, o planejamento das atividades pedagógicas é elaborado de acordo com a prática, em situação real de ensino, e com o ambiente de trabalho, com vistas a possibilitar o protagonismo do residente, seus conhecimentos, expectativas e experiências no processo de ensino-aprendizagem.55. Souza AL, Carcereri DL. Qualitative study of the teaching-service integration in an undergraduate Dentistry course. Interface - Comunic Saúde Educ [Internet]. 2011 [cited 2016 Dec 22]; 15(39)1071-84. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832011005000025.
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A integração ensino-serviço pode ser constituída a partir do trabalho coletivo pactuado, articulado e integrado de residentes e docentes da área da saúde com trabalhadores e preceptores que compõem as equipes dos serviços de saúde. A finalidade de tal integração é promover a qualidade de atenção à saúde individual e coletiva da população, a excelência da formação profissional e o desenvolvimento/satisfação dos trabalhadores dos serviços.66. Albuquerque VS, Gomes AP, Rezende CHA, Sampaio MX, Dias OV, Lugarinho RM. A integração ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais da saúde. Rev Bras Educ Med [Internet]. 2008 [cited 2016 Aug 24]; 32(3):356-62. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022008000300010
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-77. Rodrigues CDS, Witt RR. Competencies for Preceptorship in the Brazilian Health Care System. J Educ Contin Nurs [Internet]. 2013 [cited 2016 Aug 24]; 44(11):507-15. Available from: http://dx.doi.org/10.3928/00220124-20130903-63.
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Essa ideia vai ao encontro das iniciativas comprometidas com a articulação da universidade e dos serviços, as quais ainda não foram concretizadas, pois para isso é necessária uma transformação na formação de profissionais da saúde. As mudanças incluem a reflexão sobre a interface ensino-serviço, o que pode corroborar na transformação das relações que permeiam o ensino e os serviços de saúde.66. Albuquerque VS, Gomes AP, Rezende CHA, Sampaio MX, Dias OV, Lugarinho RM. A integração ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais da saúde. Rev Bras Educ Med [Internet]. 2008 [cited 2016 Aug 24]; 32(3):356-62. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022008000300010
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Observa-se que, apesar dessas estratégias políticas e institucionais serem viabilizadas, a articulação entre o ensino e o serviço ainda é frágil e limitada.11. Ferla AA, Famer CM, Santos LM. Integração ensino-serviço: caminhos possíveis? Porto Alegre(BR): Editora Rede Unida; 2013.-22. Dias HS, Lima LD, Teixeira M. A trajetória da política nacional de reorientação da formação profissional em saúde no SUS. Ciênc. saúde coletiva [Internet]. 2013 [cited 2016 Aug 24]; 18(6):1613-24. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000600013.
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Destaca-se que a maioria dos estudos disponíveis na literatura tem como foco a integração ensino-serviço no âmbito da graduação.88. Baldoino AS, Veras RM. Análise das atividades de integração ensino-serviço desenvolvidas nos cursos de saúde da Universidade Federal da Bahia. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2016 [cited 2017 Jul 29]; 50: 17-24. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420160000300003.
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-99. Kuabara CTM, Sales PRS, Marin MJS, Tonhom SRF. Integração ensino e serviços de saúde: uma revisão integrativa da literatura. Rev Min Enferm [Internet]. 2014 [cited 2017 Jul 29]; 18(1): 195-201. Available from: http://www.dx.doi.org/10.5935/1415-2762.20140015.
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Esse fato evidencia a necessidade de pesquisas nesta área, com a possibilidade de conhecer o desenvolvimento da integração ensino-serviço na formação dos residentes, aspecto fundamental para a formulação dos programas RMS voltados para a educação em serviço.1010. Pizzinato A, Gustavo AS, Santos BRL, Ojeda BS, Ferreira E, Thiesen FV, et al. A integração ensino-serviço como estratégia na formação profissional para o SUS. Rev Bras Educ Med [Internet]. 2012 [cited 2016 Aug 24]; 36 (1;Suppl 2):170-7. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022012000300025.
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Assim, faz-se necessário ampliar o debate acerca da integração ensino-serviço, com vistas a incentivar e estimular o compromisso do ensino com o SUS e planejar a prática pedagógica de forma integrada.919. Carvalho SBO, Duarte LR, Guerrero JMA. Parceria ensino e serviço em unidade básica de saúde como cenário de ensino-aprendizagem. Trab Educ Saúde [Internet]. 2015 Jan/Apr [cited 2016 Aug 24]; 13(1):123-44. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sip00026.
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Pois, ao compreender os serviços de saúde como potenciais cenários de aprendizagem, tem-se a possibilidade de redefinir e ressignificar esses espaços como privilegiados para a incorporação da integração ensino-serviço na formação em saúde.1010. Pizzinato A, Gustavo AS, Santos BRL, Ojeda BS, Ferreira E, Thiesen FV, et al. A integração ensino-serviço como estratégia na formação profissional para o SUS. Rev Bras Educ Med [Internet]. 2012 [cited 2016 Aug 24]; 36 (1;Suppl 2):170-7. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022012000300025.
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Nesse sentido, este estudo foi orientado a partir da pergunta de pesquisa: como docentes de um Programa de Residência Multiprofissional em Saúde desenvolvem a integração ensino-serviço na formação dos residentes? E tem como objetivo: compreender o desenvolvimento das ações de integração ensino-serviço na formação dos residentes na perspectiva dos docentes vinculados a um Programa de Residência Multiprofissional em Saúde.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa do tipo exploratória e descritiva, de abordagem qualitativa.1111. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14th ed. São Paulo (BR): Hucitec; 2014. Dentre as razões para a escolha dessa opção, destaca-se que a abordagem qualitativa possui como foco a vivência das relações e os significados que os indivíduos atribuem a determinados fenômenos.1111. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14th ed. São Paulo (BR): Hucitec; 2014. Dessa forma, compreender a integração ensino-serviço na formação de residentes de um Programa de RMS, exige uma proposta que reporte o pesquisador à imersão no universo de significados expressos pelos sujeitos, sem a pretensão de chegar a conclusões absolutas e definitivas, mas sim, propor uma narrativa circunscrita pelo tempo, espaço e circunstâncias em que tais sujeitos estão inseridos. Assim, essa abordagem busca acompanhar as intensas transformações sociais no contexto contemporâneo, as quais atingem tanto indivíduos como coletividades.1212.Yin RK. Pesquisa qualitativa do início ao fim. Porto Alegre(BR): Penso; 2016.

A presente pesquisa foi desenvolvida em um Programa de Residência Multiprofissional Integrada em Sistema Público de Saúde, localizado no interior do estado do Rio Grande do Sul (Brasil). O interesse da pesquisa surgiu da necessidade do Programa de RMS, em acordo com o Grupo de Pesquisa a qual a autora principal está vinculada, em compreender a relação entre o ensino e o serviço e como essa relação permeia a formação dos residentes a partir da fala dos docentes, que, no programa estudado, tem importante papel de mediação entre ensino e serviço e demais práticas pedagógicas.

Para tanto, os participantes envolvidos na pesquisa foram os docentes servidores de uma instituição de ensino superior, que realizavam papel de apoiadores pedagógicos (tutores/preceptores) junto ao Programa de RMS. Os mesmos são docentes de diferentes formações da área de saúde que, após contato prévio, demonstraram interesse e disponibilidade em participar do estudo. O total de docentes integrantes da RMS eram 25, desses, apenas 17 atenderam aos critérios de inclusão e exclusão, dessa forma, buscou-se uma representação mínima de cada núcleo profissional e área de concentração, com seleção por sorteio. O número de participantes, ao todo, foi de 13 profissionais e o encerramento das coletas aconteceu por saturação de informações.1313. Fontanella BJB, Ricas J, Turato ER. Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cad Saúde Pública [Internet]. 2008 Jan [cited 2016 Aug 24]; 24(1):17-27. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2008000100003.
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Para a seleção dos participantes foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: ser docente do quadro efetivo vinculado à instituição de ensino superior e estar atuando como tutor (sua função caracteriza-se por atividade de orientação acadêmica de preceptores e residentes) ou preceptor (sua função caracteriza-se por supervisão direta das atividades práticas realizadas pelos residentes nos serviços de saúde onde se desenvolve o programa) em uma das seis áreas de concentração do Programa de RMS, quais sejam: crônico-degenerativo, materno-infantil, onco-hematologia, atenção básica/saúde da família, vigilância em saúde e saúde mental; ter completado, no mínimo, um ano de atuação no início do período de coleta de dados, subentendendo que estes docentes melhor compreendem a realidade e a formação dos residentes, encontrando-se ambientados às práticas educativas. E como critérios de exclusão, aqueles que estivessem em licença de qualquer natureza ou em férias no período da produção dos dados.

A fim de operacionalizar a pesquisa, buscando atender aos preceitos éticos recomendados pela Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional da Saúde, a inserção no campo foi realizada através de um contato inicial com a coordenação do Programa RMS para apresentação do projeto de pesquisa e conhecer a relação dos docentes vinculados ao programa e o contato dos mesmos. Anterior ao contato com os docentes, foi encaminhado um e-mail via coordenação do Programa para que os professores soubessem que havia ciência e aceite da coordenação para realização da pesquisa. Na sequência, por intermédio de contato telefônico com os docentes, realizou-se o convite para participação na pesquisa. Vale ressaltar, que não houve recusa ou desistência por parte dos docentes após o convite de participação na pesquisa.

Posteriormente ao aceite, realizou-se contato pessoal para agendamento da etapa de produção dos dados, a qual foi realizada pela pesquisadora principal a partir de observações sistemáticas e entrevistas semiestruturadas, durante os meses de março a junho de 2015. Quanto às observações sistemáticas,1111. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14th ed. São Paulo (BR): Hucitec; 2014. foram desenvolvidas com oito dos 13 docentes que responderam as entrevistas, selecionados por um segundo sorteio. Optou-se, assim, pela possibilidade de observar com maior profundidade o contexto dos participantes da pesquisa.1111. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14th ed. São Paulo (BR): Hucitec; 2014. As observações foram realizadas em espaços em que os docentes estavam inseridos, como reuniões de Tutorias de Campo (profissões diferentes, áreas de concentração iguais) e de Tutorias de Núcleo (profissões iguais, porém áreas de concentração diferentes), aulas teóricas, aulas práticas e reuniões pedagógicas, perfazendo o total de 50 horas, as quais foram guiadas por um roteiro de observação e descritas em um diário de campo.1111. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14th ed. São Paulo (BR): Hucitec; 2014.

Em relação às entrevistas semiestruturadas,1111. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14th ed. São Paulo (BR): Hucitec; 2014. foram desenvolvidas com 13 docentes, de modo individualizado, com agendamento prévio de horário e local privativo. O tempo da entrevista não foi delimitado previamente e aconteceu conforme a disponibilidade dos participantes, sendo que a duração média foi de 40 minutos. Anterior ao início da entrevista, foi solicitada autorização aos participantes, registrada via termo de consentimento, para gravar o encontro em um gravador digital, sendo posteriormente transcritas, na íntegra, pela pesquisadora principal.

As entrevistas iniciaram com a leitura do o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e após foram realizadas as perguntas conforme o objetivo proposto. Os participantes foram mencionados no texto com a letra “d”, por ser a letra inicial de “docentes”, seguidas de um número arábico de d1 a d13, resguardando-se a identificação dos sujeitos. Também, no momento da análise dos dados, buscou-se não revelar as características das falas que pudessem evidenciar o núcleo profissional de cada participante, visto que esse não é o objetivo do estudo.

Posterior à produção dos dados, foi realizada a Análise Temática,1111. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14th ed. São Paulo (BR): Hucitec; 2014. sendo operacionalizada em três etapas: ordenação dos dados, a qual compreendeu o momento de transcrição e organização das entrevistas e do diário de campo. A classificação dos dados, em que foi realizada a leitura ordenada e exaustiva dos dados e, assim, pode-se apreender as estruturas relevantes das ideias centrais. E, por último, a análise dos dados, a qual corresponde à formação das categorias temáticas, leitura transversal do material, com vistas a responder a questão de pesquisa. As ideias centrais/unidades de sentido orientaram a identificação de duas categorias temáticas: a produção de encontros e os desafios no cotidiano da formação, geraram o seguinte quadro orientador (Figura 1):

Figura 1
Ideias centrais que orientaram a formação das categorias temáticas.

RESULTADOS

Participaram da pesquisa 13 docentes, com predomínio do sexo feminino (12) e a média de idade 43 anos. Quanto ao tempo de atuação na universidade, encontrou-se de dois a 33 anos, sendo que oito docentes estavam vinculados às atividades desde a consolidação do Programa de RMS, em 2009, e os demais realizaram as atividades na residência dentre um a três anos. Em relação à escolaridade, todos possuíam doutorado em sua área de formação ou em saúde coletiva.

Produção de encontros no desenvolvimento da integração ensino-serviço

Nas entrevistas com os participantes, evidenciou-se que, para a efetivação do desenvolvimento da integração ensino-serviço, os docentes promoviam encontros operacionalizados a partir de práticas pedagógicas que visavam potencializar a reflexão frente ao vivenciado na prática. Dentre esses encontros, destaca-se a criação de espaços de discussão entre os profissionais vinculados à universidade e profissionais dos serviços de saúde, que segundo os docentes, possibilita o envolvimento coletivo na construção do conhecimento, conforme a necessidade local.

[...] a residência oxigena o serviço. Porque tu possibilitas, não somente o residente a estar produzindo conhecimento, mas que as pessoas se envolvam também nesse processo. Eu acho que é positivo também porque instiga o gestor público a pensar algumas questões e o papel da universidade dentro do serviço. Acho que a universidade assume essa responsabilidade junto ao governo municipal, no sentido de tencionar tudo isso (d10).

Além disso, observou-se a realização de atividades que vinculavam acadêmicos de graduação, profissionais e usuários dos serviços de saúde e profissionais do Programa de RMS. Pode-se observar que em diversos encontros de tutoria de campo e/ou de núcleo, os graduandos estavam participando das atividades, bem como, das tomadas de decisões em que os residentes desenvolviam junto à equipe de trabalho.

Eu acho que é isso que você tem que fazer: você tem residente-profissional e você tem graduação. Então, eu tento ir onde tem Residência, ir com a graduação para eles terem a oportunidade já de se engajar com o fazer um pouco mais avançado do que simplesmente reconhecer território, identificar demanda (d6).

Temos construído disciplinas que possam aproximar mais o aluno da Residência. Eu tenho oportunizado aos residentes de núcleo fazerem essa atividade junto com os alunos de graduação. A gente tem feito movimentos de grupo de estudo e pesquisa a partir também do núcleo. [...] É a produção de conhecimento que chega até o aluno de graduação para que essa realidade não fique distante (d10).

Os docentes referem que a partir da relação entre os profissionais do serviço que realizam atividades de preceptoria, bem como, o apoio pedagógico a partir da instituição formadora na qual o Programa de RMS encontra-se vinculado, há possibilidade de constituir a integração ensino-serviço de forma efetiva.

A academia, ela tem que sair do conforto da sala de aula para ir para o território [...] As aulas não acontecem na universidade, acontecem nos serviços e os preceptores fazem parte do corpo didático destas disciplinas (d1).

Tu possibilitas não somente o residente a estar produzindo conhecimento, mas que as pessoas se envolvam também nesse processo (d10).

Além disso, conforme os docentes, na medida em que ocorre a inserção nos serviços de saúde dos profissionais que foram residentes, há um ganho importante na efetivação da integração ensino-serviço. Isso porque a partir da vivência dos profissionais como residentes, esses poderão auxiliar os tutores e os atuais residentes na melhoria das práticas pedagógicas ofertadas na RMS.

Os profissionais novos já foram residentes. [...] Eu estou bem contente com o pessoal que está entrando, está tendo uma parceria melhor, alguns espaços estão sendo cobertos para a gente inovar (d2).

Já tem duas profissionais dentro do serviço que passaram pela residência e estão trabalhando no hospital, o que nos facilitou. Pois, no momento que eu tive alunos que começaram a Residência e agora estão atuando como profissional e com uma visão multiprofissional que antes não tinha, isso vai fazer a diferença. Não é um profissional qualquer que entrou (d5).

Desafios no cotidiano da formação

Esta categoria se refere ao entendimento dos docentes no que tange aos enfrentamentos das experiências de ensino-aprendizagem que permeiam o cotidiano da formação na RMS e interferem diretamente no desenvolvimento da integração ensino-serviço. Dentre as unidades de sentido, encontra-se o impacto da proposta pedagógica ofertada pela RMS. Conforme observado nas tutorias de campo e nos trechos das falas abaixo, os docentes questionavam as mudanças na formação frente às Diretrizes Curriculares que destoa da articulação entre a teoria e a prática.

Tem uma diretriz curricular desde o começo do século XXI, desde 2002. Coloca disciplina teórica, mas depois não tem prática, coloca uma disciplina teórico-prática que depois também não vai vincular com o território, não vai vincular no serviço [...] ensina técnica rígida, aquela que dá dinheiro e depois que se formam, o que vai rolar? Vai para o serviço público e vai fazer a técnica mais restritiva [...] e o que acontece é que eles chegam na Residência e não sabem articular teoria e prática (d6).

Além disso, os docentes apontam que a falta de envolvimento das pessoas que estão inseridas no processo de ensino e aprendizagem é um fator que compromete diretamente a efetivação da integração ensino-serviço. Esse aspecto corrobora com o observado, pois a partir dos espaços como as tutorias e preceptorias, houve uma demanda de casos clínicos e discussão do processo de trabalho no qual os residentes estavam envolvidos. No entanto, evidenciou-se oportunidades limitadas para discussão entre os apoiadores pedagógicos e a coordenação do programa que buscassem fortalecer as atividades de ensino e aprendizagem.

A maior dificuldade, no meu ponto de vista, são as pessoas. [...] A questão é que as pessoas fazem de um jeito minimizado de um jeito pouco comprometido. É mais conversa que de fato deveria ser, do que está preconizado (d6).

Eu sinto bastante falta dos tutores, harmonizarem, não digo de chegarem em um consenso de unanimidade, até pelas diferenças das nossas formações. Mas, eu sinto uma falta de harmonia entre os propósitos de cada um de nós, a gente não tem se encontrado para discutir em conjunto (d12).

Segundo os docentes entrevistados, para o desenvolvimento da integração ensino-serviço é necessário que os atores que participam da formação (re)conheçam e (re)pensem o papel do residente dentro dos serviços de saúde. O tempo que o residente permanece no serviço faz com que ele seja visto simultaneamente como um membro da equipe e, como um sujeito provisório desses espaços, pois a equipe não o compreende enquanto um ser implicado e corresponsável nas práticas de cuidado.

O residente tem duplo papel ali (no serviço). Ele tem que fazer a sua formação enquanto residente. Portanto, ele tem que sair um especialista e, ele não tem outro jeito se não executar as tarefas da sua área e fazer as atividades de sua profissão, mas fazer e ao mesmo tempo ser estudante. E ao mesmo tempo fazer a crítica do serviço em que ele está. Então, essa integração ela tem um limiar muito tênue, porque ou o residente cai na rotina do serviço e se torna um servidor, ou ele se afasta e fica um estranho (d4).

Outro elemento que os docentes sinalizam se constitui na sua relação com o preceptor, sendo que este preceptor, que compreende o cotidiano dos serviços de saúde e que está implicado no processo de aprendizagem, tende a auxiliar o residente no seu aprendizado. Além disso, os docentes apontam que ao estarem imersos no contato com os serviços de saúde, as suas práticas se tornam mais condizentes com a realidade do trabalho em saúde.

A gente acaba conhecendo a realidade dos municípios, como estão estruturados os serviços, como tem funcionado. Isso ajuda muito a gente a amadurecer trazer para dentro da aula, porque acompanhando tu tens informações reais para trazer para dentro da academia (d2).

É uma relação, uma questão de confiança. As preceptoras estão atuando lá (no serviço de saúde), eu estou atuando aqui (na universidade), quando temos alguma dúvida a gente conversa, se contata pelas redes sociais, e-mail, telefone e vai dando certo (d9).

DISCUSSÃO

A formação dos profissionais da saúde foi fortemente marcada pela visão assistencialista, sob influência de abordagens conservadoras, fragmentadas e reducionistas, nas quais se privilegiava o saber curativista, em detrimento das práticas proativas voltadas para a proteção e promoção da saúde.1414. Winters JRF, Prado ML, Heidemann ITSB. A formação em enfermagem orientada aos princípios do Sistema Único de Saúde: percepção dos formandos. Esc Anna Nery [Internet]. 2016 [cited 2016 Aug 24]; 20(2):248-53. Available from: http://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20160033.
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Apesar de alguns avanços e estratégias voltadas à formação na área da saúde como a reformulação das Diretrizes Curriculares Nacionais vigentes e o desenvolvimento de projetos, como o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), Política de Educação Permanente em Saúde (EPS), dentre outros que fomentam a integração ensino-serviço, ainda há desafios que dificultam o processo educativo.1515. Vendruscolo C, Prado ML, Kleba ME. Formação de recursos humanos em saúde no Brasil: uma revisão integrativa. Educação em Revista [Internet]. 2014 [cited 2017 Jul 29]; 30(1):215-44. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-46982014000100009.
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Formar profissionais que atuem na área da saúde com perfil almejado significa possibilitar uma postura inovadora e abordagem crítico-reflexiva. Dessa forma, a realidade vivenciada é refletida, podendo direcionar a transformação da prática, mediante a crítica e autocrítica.1515. Vendruscolo C, Prado ML, Kleba ME. Formação de recursos humanos em saúde no Brasil: uma revisão integrativa. Educação em Revista [Internet]. 2014 [cited 2017 Jul 29]; 30(1):215-44. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-46982014000100009.
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Assim, profissionais com diferentes formações na saúde, dispostos a transitar entre as áreas específicas de formação, articulam seu saber específico com o dos colegas na organização do trabalho, o que possibilita tanto compartilhar as ações como delegar atividades aos demais profissionais, nos moldes de uma prática colaborativa.1616. Peduzzi M, Norman IJ, Germani ACCG, Silva JAM, Souza GC. Interprofessional education: training for healthcare professionals for teamwork focusing on users. Rev. esc. enferm. USP [Internet]. 2013 Aug [cited 2016 Aug 24]; 47(4):977-83. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420130000400029.
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Esse movimento tende a aumentar a resolubilidade dos serviços e a qualidade da atenção à saúde.

Com a complexidade das necessidades nos serviços de saúde, há emergência de profissionais que atuem nesses moldes da prática de cuidado, sendo que essas ocorrem no âmbito das relações humanas.33. Silva JAM, Peduzzi M, Orchard C, Leonello VM. Interprofessional education and collaborative practice in Primary Health Care. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2015 Dec [cited 2016 Aug 24]; 49(Spe 2):15-23. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420150000800003.
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,1616. Peduzzi M, Norman IJ, Germani ACCG, Silva JAM, Souza GC. Interprofessional education: training for healthcare professionals for teamwork focusing on users. Rev. esc. enferm. USP [Internet]. 2013 Aug [cited 2016 Aug 24]; 47(4):977-83. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420130000400029.
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Na medida que as relações de convívio com o outro são compreendidas como condicionantes para a dinâmica das práticas de saúde colaborativas na integração ensino-serviço, a complexidade das relações advindas da experiência de cada um tende a produzir conhecimento. Para isso, faz-se de importante relevância considerar a experiência do outro para a compreensão de ensinar e aprender a fazer.1717. Alberti GF, Schimith MD, Budó MLD, Neves GL, Rosso LF. first-contact accessibility attribute in primary health care services and care practices: contributions to academic education for nurses. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2016 Aug [cited 2016 Aug 24]; 25(3):e4400014. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072016004400014.
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Com esse entendimento, ao realizar ações para efetivar a integração ensino-serviço, com o processo de aproximação e construção de compromissos, com a educação no trabalho ou por meio de um trabalho educativo, abre-se a possibilidade de que incidam sobre a qualidade dessa integração, os valores educativos da requalificação e do pensamento, da reflexão. Isso, porque se tem em vista a qualidade de vida daqueles que dependem de seu trabalho para ter um melhor viver.11. Ferla AA, Famer CM, Santos LM. Integração ensino-serviço: caminhos possíveis? Porto Alegre(BR): Editora Rede Unida; 2013. Para tal, é importante que exista uma abertura de ambos os lados (ensino-serviço) e um diálogo reflexivo e crítico para que se compreenda o papel de cada um e enfatize a necessidade de conjunto.

O processo de ensino-aprendizagem por meio da efetivação da integração ensino-serviço solicita a compreensão dos envolvidos como seres únicos e globais. Dessa forma, espaços permanentes de diálogo e sensibilização poderão ser operacionalizados pelas relações dos atores envolvidos nesse processo.1818. Maturana HR. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte(BR): Editora UFMG; 2002. Para tanto, é compreensível que esses atores identifiquem as necessidades dos serviços e realizem pactos de contribuição coletiva, além da contribuição do docente e coparticipação dos profissionais do serviço nas discussões sobre o processo ensino-aprendizagem.66. Albuquerque VS, Gomes AP, Rezende CHA, Sampaio MX, Dias OV, Lugarinho RM. A integração ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais da saúde. Rev Bras Educ Med [Internet]. 2008 [cited 2016 Aug 24]; 32(3):356-62. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022008000300010
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,1919. Carvalho SBO, Duarte LR, Guerrero JMA. Parceria ensino e serviço em unidade básica de saúde como cenário de ensino-aprendizagem. Trab Educ Saúde [Internet]. 2015 Jan/Apr [cited 2016 Aug 24]; 13(1):123-44. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sip00026.
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Diante disso, para efetivar mudança nas práticas de saúde, de acordo com a integração ensino-serviço, é importante que os atores sociais vinculados aos programas de RMS reestruturem e ressignifiquem o processo de ensinar e aprender a ser e fazer na saúde de outra maneira. Entretanto, privilegiando o trabalho em equipe, sendo esse, permanentemente, incentivado, visando à integralidade na formação dos profissionais da saúde.1010. Pizzinato A, Gustavo AS, Santos BRL, Ojeda BS, Ferreira E, Thiesen FV, et al. A integração ensino-serviço como estratégia na formação profissional para o SUS. Rev Bras Educ Med [Internet]. 2012 [cited 2016 Aug 24]; 36 (1;Suppl 2):170-7. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022012000300025.
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Nessa dinâmica, encontra-se a possibilidade de efetivar a integração, por meio de espaços coletivos e pactuados, tanto nos serviços de saúde quanto na universidade, ambientes nos quais os atores sociais estão vinculados. A RMS, assim, pode ser considerada um dispositivo capaz de provocar melhorias na formação dos profissionais de saúde, pois, há a possibilidade de trabalhar de forma engajada a partir de um conceito de saúde ampliado e não apenas voltado para aspectos biológicos que determinam o processo saúde-doença.2020. Silva CT, Terra MG, Kruse MHL, Camponogara S, Xavier MS. Residência Multiprofissional como espaço intercessor para a Educação Permanente em Saúde. Texto Contexto Enferm [internet]. 2016 [cited 2016 Aug 24]; 25(1):e2760014. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-0707201600002760014.
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A proposta da integração nas RMS amplia espaços de discussão para uma produção cooperativa, coletiva, integrada. Com o envolvimento dos apoiadores pedagógicos (docentes, tutores e preceptores) e dos acadêmicos de graduação há um benefício mútuo para a construção do conhecimento, modificando a lógica dos serviços de saúde: deixando de ser apenas laboratórios de práticas para a formação profissional e passando a ser compreendido também enquanto um lócus para a transformação do conhecimento compartilhado.

Esse compromisso partilhado corrobora com o desafio da complexidade, a qual reside no duplo desafio da religação e da incerteza. É preciso religar o que era considerado separado e, ao mesmo tempo, aprender a fazer com que as certezas interajam com a incerteza, ou seja, esse processo implica, entre outros princípios, a relação dialógica para afrontar realidades profundas que, justamente, unem verdades aparentemente contraditórias.2121. Morin E. Complexidade e transdisciplinaridade: a reforma da universidade e o ensino fundamental. Natal(BR): Editora UFRN; 2000. As RMS se apresentam como uma importante estratégia para viabilizar a integração ensino-serviço a fim de repensar o processo de produção de saúde, por meio da formação de sujeitos críticos e de criação de espaços de representação profissional no processo de construção do SUS. Pois, assim como a RMS, vivida no cotidiano dos serviços de saúde, a integração ensino-serviço é fundada na experiência, sendo que o conhecimento não se limita ao conteúdo que está nas teorias, mas na relação que se estabelece entre esse e a prática e a reflexão que se faz sobre cada ação que permite aperfeiçoar o fazer.

Para tanto, evidencia-se a necessidade de esclarecimento às equipes que irão receber os residentes, bem como, o objetivo dos programas de RMS nos serviços de saúde e nas instituições de ensino. Isso se deve à relação híbrida do residente nessa modalidade de formação pelo trabalho, quando os residentes por vezes não são tratados como profissionais pelos demais atores da residência ou, ainda, vistos como passageiros e não assumem completamente suas funções. Para o desenvolvimento da integração ensino-serviço, bem como, para o ideário da formação orientada para o SUS a falta de entendimento do papéis dos sujeitos envolvidos nesse processo é um aspecto que interfere.1515. Vendruscolo C, Prado ML, Kleba ME. Formação de recursos humanos em saúde no Brasil: uma revisão integrativa. Educação em Revista [Internet]. 2014 [cited 2017 Jul 29]; 30(1):215-44. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-46982014000100009.
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Para isso, é preciso que os residentes sejam vistos como atores em formação que necessitam de acompanhamento e supervisão pedagógica, por mais que já sejam profissionais formados.

Ainda, a falta de autonomia dos residentes e sua dependência direta de supervisão revelam o dilema de ver o residente como um profissional (uma vez que é graduado) ou estudante (já que está em processo de formação especializada). Essa maneira de observar a inserção do residente nos cenários de prática profissional poderá contribuir, não somente para a otimização do processo de EPS, mas, principalmente, para a melhoria do cuidado prestado nas instituições e para a formação.2222. Drago LC, Salum RL, Andrade SR, Medeiros M, Marinho MM. A Inserção do residente em enfermagem em uma unidade de internação cirúrgica: práticas e desafios. Rev. Cogitare Enferm [Internet]. 2013 Jan/Mar [cited 2016 Aug 24]; 18(1):95-101. Available from: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v18i1.31313.
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CONCLUSÃO

Os resultados do presente estudo emergiram a partir da perspectiva dos docentes frente ao desenvolvimento da integração ensino-serviço na formação dos residentes. Dentre esses, evidencia-se, por um lado, a construção de novos espaços para o desenvolvimento da integração ensino-serviço na RMS, advindo a partir da relação efetiva entre a universidade e os serviços de saúde, além da inserção dos profissionais que foram residentes nos serviços. E, por outro lado, o impacto da proposta pedagógica pelos residentes ao se depararem com arranjos de ensino-aprendizagem diferenciados, em que são considerados como protagonistas da sua formação.

Na RMS, têm-se a possibilidade de uma experiência única de aprendizagem, ampliando as práticas de saúde por meio da oportunidade de participar de um processo de colaboração dinâmico e ativo dos atores envolvidos. No entanto, a efetivação da integração ensino-serviço, exige uma constante reflexão crítica. Pois as experiências vivenciadas pelos docentes dão destaque à intensidade dessa relação e seus efeitos e possíveis reflexos na formação dos residentes e, consequentemente, na formação dos trabalhadores vinculados aos serviços de saúde.

Apesar de limitado diante da complexidade que permeia a formação nas RMS, este estudo permite evidenciar que, para desenvolver a integração entre o ensino e o serviço, necessita-se trabalhar também com as subjetividades das relações que abarcam as instâncias envolvidas. Observa-se, ainda, a importância de repensarmos a ética nas relações interpessoais, no compromisso, nas responsabilidades e, principalmente, no diálogo. Essa interação entre os serviços de saúde e os centros de ensino, poderão se tornar mais efetivas no momento em que houver compreensão do papel de cada um dos envolvidos e, principalmente, da importância da relação com o outro construída como uma rede de apoio. E, assim, pode-se pensar em todos os atores como potências para o desenvolvimento das ações em conjunto.

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NOTAS

  • FINANCIAMENTO

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, sob o nº 932528 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética nº 40246414.4.0000.5346.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2017
  • Aceito
    26 Set 2017
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