FATORES ASSOCIADOS A PNEUMONIAS E DIARREIA EM CRIANÇAS E QUALIDADE DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

RESUMO

Objetivo:

investigar fatores associados ao uso e à qualidade da Atenção Primária à Saúde, bem como à ocorrência de pneumonia e diarreia em crianças menores de um ano.

Método:

estudo transversal, realizado com 317 cuidadores de 56 equipes de Saúde da Família de Juazeiro do Norte, Ceará, no período de agosto de 2014 a outubro de 2015, utilizando o instrumento Primary Care Assessment Tool, versão criança.

Resultados:

no ajuste logístico, criança receber auxílio (OR: 0,54; 0,32-0,91) e acessibilidade à unidade de Atenção Primária à Saúde (OR: 0,49; 0,31-0,76), foram identificadas como possíveis fatores de proteção para episódios de diarreia. As variáveis associadas à pneumonia foram acesso não satisfatório (ORaj: 2,13; IC 95% 1,18-3,82), um provável fator de risco, e coordenação (ORaj: 0,33, IC95% 0,12-0,94), como provável fator de proteção.

Conclusão:

o atendimento na Atenção Primária resultou em maior chance de não hospitalização por pneumonia, condição considerada sensível aos cuidados nesse modelo de atenção. Complementação da renda familiar e acessibilidade da criança à unidade de saúde apresentaram-se como fatores de proteção para episódios de diarreia. A busca por garantir a presença e extensão dos atributos da Atenção Primária à Saúde possui potencial para modificar positivamente a saúde da criança e, portanto, ambas devem ser asseguradas como direitos dessa população.

DESCRITORES:
Atenção primária à saúde; Saúde da criança; Cuidado da criança; Avaliação em saúde; Atenção integrada às doenças prevalentes na infância

ABSTRACT

Objective:

to investigate factors associated with the use and quality of Primary Health Care, as well as the occurrence of pneumonia and diarrhea in children under one year.

Method:

cross-sectional study conducted with 317 caregivers of 56 Family Health teams from Juazeiro do Norte, Ceará, from August 2014 to October 2015, using the child version of the Primary Care Assessment Tool, child version.

Results:

in the logistic adjustment, children received assistance (OR: 0.54; 0.32-0.91) and accessibility to the Primary Health Care Unit (OR: 0.49; 0.31-0.76). identified as possible protective factors for episodes of diarrhea. The variables associated with pneumonia were unsatisfactory access (ORaj: 2.13; 95% CI 1.18-3.82), a likely risk factor, and coordination (ORaj: 0.33, 95% CI 0.12-0,94), as a probable protection factor.

Conclusion:

primary care attendance resulted in a higher chance of avoiding hospitalization for pneumonia, a condition considered sensitive to care in this care model. Complementing family income and children's accessibility to the health unit were protective factors for episodes of diarrhea. The search to ensure the presence and extension of the Primary Health Care attributes has the potential to positively modify the child's health and, therefore, both should be ensured as rights of this population.

DESCRIPTORS:
Primary Health Care; Child health; Child care; Health assessment; Integrated care for prevalent childhood diseases

RESUMEN

Objetivo:

investigar los factores asociados al uso y a la calidad de la Atención Primaria de la Salud, así como la aparición de neumonía y diarrea en niños menores de un año.

Método:

estudio transversal realizado con 317 cuidadores de 56 equipos de salud familiar de Juazeiro do Norte, Ceará, de agosto de 2014 a octubre de 2015, utilizando la herramienta Primary Care Assessment Tool, versión infantil.

Resultados:

en el ajuste logístico, los niños recibieron asistencia (OR: 0,54; 0,32-0,91) y accesibilidad a la Unidad de la Atención Primaria de la Salud (OR: 0,49; 0,31-0,76), identificados como posibles factores de protección para los episodios de diarrea. Las variables asociadas con la neumonía fueron el acceso insatisfactorio (ORaj: 2,13; IC 95% 1,18-3,82), un factor de riesgo probable y coordinación (ORaj: 0,33, IC95% 0,12-0,94), como factor probable de protección.

Conclusión:

la asistencia en la atención primaria resultó en mayor probabilidad de no hospitalización por neumonía, una condición que se considera sensible en los cuidados en este modelo de atención. El complemento de los ingresos familiares y la accesibilidad de los niños a la unidad de salud fueron factores protectores para los episodios de diarrea. La búsqueda para garantizar la presencia y extensión de los atributos de la Atención Primaria de la Salud tiene el potencial de modificar positivamente la salud del niño y, por lo tanto, ambos deben garantizarse como derechos de esta población.

DESCRIPTORES:
Atención Primaria de la salud; Salud infantil; Cuidado de niños; Evaluación de la salud; Atención integral de enfermedades infantiles prevalentes

INTRODUÇÃO

As políticas públicas de atenção à saúde da criança no Brasil têm buscado responder às demandas dessa população mediante oferta de cuidado adequado e em tempo oportuno. Nesse contexto, destaca-se a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC), lançada em 2015, que intenciona a promoção e proteção da saúde da criança, por meio de atenção e cuidados integrais desde a concepção até os nove anos de vida.1 A PNAISC busca ainda o cumprimento das diretrizes de organização das ações e dos serviços na rede de saúde e está orientada por princípios, entre eles, prioridade absoluta à criança, acesso universal à saúde e integralidade do cuidado.1

Para assistir a criança de modo a contribuir com resultados positivos nos indicadores de saúde, estudos apontam a importância da Atenção Primária à Saúde (APS).2^-4 No que se refere ao modelo de assistência, desfechos favoráveis à saúde da criança foram apresentados em estudo indicando que coberturas da Estratégia Saúde da Família superiores a 50% exerceram efeito de proteção em relação à mortalidade pós-neonatal e coberturas de 50% ou mais foram fatores de proteção para internações por pneumonia.5

Das morbidades que afetam a criança nos primeiros anos de vida, as doenças respiratórias e gastrintestinais estão entre as principais em número de ocorrência. Essas, por sua vez, são as causas mais frequentes de hospitalização em crianças de até cinco anos de idade, sendo consideradas internações por condições sensíveis à atenção primária (ICSAP).6^-9

Autores que investigaram as taxas de ICSAP no Brasil encontraram variações em menores de cinco anos, a depender da região: 82,4% na Paraíba;6 78% em Goiânia;7 65,2% em São Paulo;8 46,7% no Rio de Janeiro;9 38,7% em Cuiabá;10 23,3% no Paraná.11 Tais investigações têm contribuído para monitorar o desempenho do cuidado ofertado na Estratégia Saúde da Família (ESF), uma vez que essas internações constituem um importante indicador de saúde pública em termos de qualidade, acessibilidade e eficácia dos cuidados primários de saúde.12^-13

Apesar dos esforços e avanços alcançados, de forma evidente na redução da morbimortalidade infantil, atender às necessidades da saúde infantil sob a perspectiva da integralidade ainda é um grande desafio para gestores, profissionais de saúde e sociedade brasileira em geral.14 Nesse sentido, faz-se necessário o desenvolvimento de processos avaliativos que permitam compreender se as ações de saúde e os princípios da APS estão sendo direcionados para a atenção à saúde da criança.15^-16 Embora alguns estudos tenham avaliado pontualmente programas e serviços de saúde voltados a crianças em regiões de grande vulnerabilidade social do país,15^,17^-18 a avaliação permanente é fortemente recomendada por órgãos governamentais e não governamentais.

No Ceará, estudo que analisou a tendência temporal das ICSAP no período de 2000 a 2012 apontou redução entre crianças menores de cinco anos. Entretanto, para menores de um ano, a taxa de ICSAP aumentou em quinze vezes, o que evidencia falhas na APS que necessitam ser investigadas.19

Dessa forma, propõe-se, como campo de pesquisa, um município desta região, para compreender como tem sido prestada a assistência a crianças menores de um ano. Entende-se que esta fase da vida se constitui em um momento de grande vulnerabilidade e que as ações em saúde ofertadas na atenção básica exercem importante influência na redução dos indicadores de saúde infantil.

Considerando as políticas de atenção à saúde da criança no Brasil e a importância do cuidado ofertado na ESF para minimizar a ocorrência de doenças em crianças menores de um ano, este estudo objetivou investigar fatores associados ao uso e à qualidade da Atenção Primária à Saúde, bem como a ocorrência de pneumonia e diarreia em crianças menores de um ano.

MÉTODO

Trata-se de pesquisa transversal, realizada no município de Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil. Como referencial metodológico, adotou-se o modelo donabediano de avaliação em saúde.20 No ano de 2013, período de elaboração deste estudo, o município possuía cobertura de 85% da Estratégia Saúde da Família e a rede de APS contava com 63 equipes de Saúde da Família, onde 56 situavam-se na zona urbana e sete na rural.21

A coleta de dados ocorreu nas 56 equipes de Saúde da Família da zona urbana. O cálculo da amostra de crianças participantes baseou-se nos dados de 2012 disponíveis no Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB); obteve-se o total de 1.810 crianças menores de um ano pertencentes às USF elencadas. Foram adotados os seguintes parâmetros: nível de confiança de 95%, poder do teste em 80% e erro amostral tolerável (d²) de 5%. Como não se tinha conhecimento da variância da amostra investigada ou qualquer outro parâmetro na população, assumiu-se probabilidade de crianças assistidas pela APS em 50%.

Ajustando a amostra para populações finitas, obteve-se, como amostra mínima final, o quantitativo de 317 crianças. Considerando uma perda de 10%, foram incluídas no estudo 349 crianças, selecionadas de forma probabilística simples, mediante auxílio do software SPSS. Contudo, quando da coleta dos dados, abordou-se um total de 385 cuidadores, dos quais 52 não estavam em seus domicílios nas duas visitas realizadas; 15 tinham mudado de área e um se recusou a participar, em um total de 317 participantes.

Constituíram critérios de inclusão: crianças menores de um ano pertencentes à área de abrangência da USF, que utilizassem o SUS como serviço de atendimento em saúde e que já tivessem sido atendidas anteriormente, pelo menos uma vez. A escolha por incluir cuidadores que já tivessem comparecido à USF para atendimento da criança justifica-se por serem capazes de contribuir com a investigação fornecendo suas opiniões acerca das ações em saúde e dos serviços direcionados à criança.

Após identificados os potenciais participantes e as Unidades de Saúde onde eram atendidos, por meio de consulta ao SIAB, procedeu-se ao treinamento da equipe de pesquisa. Os familiares foram previamente contatados via telefone ou no domicílio, a fim de agendar a coleta de dados. Caso a mãe/cuidador não fosse encontrada, o auxiliar de pesquisa retornava em dia e horário diferente e, se não encontrada após a segunda visita, a criança era excluída do estudo. A coleta dos dados ocorreu entre agosto de 2014 e outubro de 2015, mediante entrevistas nos domicílios das crianças com seus respectivos cuidadores. Elas duraram em média 30 minutos e tiveram início após a identificação do cuidador principal, apresentação do objetivo do estudo e assinatura Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Para a caracterização socioeconômica da família aplicou-se um formulário com questões direcionadas, relacionadas a aspectos diretos ou indiretos da saúde da criança, como dados de identificação do entrevistado e sociodemográficos da família e da própria criança. Foram coletadas as seguintes informações sobre a criança: idade, alimentação, episódios de adoecimento, hospitalizações, recebimento de benefício social. Utilizou-se também, como roteiro de entrevista, o Instrumento de Avaliação da Atenção Primária (PCATool) - versão criança.22

Os dados foram armazenados em planilha eletrônica Excel, por meio de dupla digitação para eliminar possíveis erros, e analisados utilizando-se o STATA^®, versão 12.0. Após obtidos os escores dos atributos da APS, estes foram convertidos. Foram considerados adequados valores >6,6, indicando a presença e extensão dos atributos avaliados; escores com valores abaixo desse ponto de corte foram considerados inadequados.22

Na análise descritiva, procedeu-se à análise univariada com cálculo de medidas de tendência central (média, mediana e desvio-padrão) e de dispersão (desvio-padrão). As variáveis episódio de diarreia (sim ou não) e pneumonia (sim ou não), como condições sensíveis à APS, foram consideradas dependentes e testadas em relação às variáveis sociodemográficas da criança, aos antecedentes obstétricos e aos atributos da APS, mediante aplicação do teste qui-quadrado e correção de Yates ou exato de Fisher, quando necessários.

As variáveis com p<0,2 foram selecionadas para a análise de regressão logística múltipla com a estratégia de stepwise manual backward - forward. Os critérios de permanência das variáveis no modelo final levaram em consideração o nível de significância e a qualidade de ajuste do modelo, tomando como referência a função de verossimilhança e o teste de Hosmer-Lemeshow.23 Também se utilizou dos testes de Cox & Snell R2 e Nagelkerke R2 para verificação da adequação do modelo, sendo selecionado àquele que apresentasse o Cox-Snell R2 mais elevado. Para esta fase do estudo, recorreu-se ao software SPSS versão 19.0. Fixou-se a probabilidade de erro tipo I em 5% como estatisticamente significativo (p<0,05).

Todos os preceitos éticos e legais regidos pela pesquisa que envolve seres humanos foram obedecidos.

RESULTADOS

Dos 317 entrevistados, 292 (92,1%) eram mães; 25 (7,9%) informaram serem os responsáveis pela criança; a maioria (99,1%) do sexo feminino. Neste estudo, os participantes foram denominados cuidadores, conforme definição que considera cuidador principal a pessoa identificada como a que melhor sabe informar sobre a saúde da criança.22 A média de idade das crianças foi 11,6 meses (DP=5,6). Trata-se de uma média elevada, pelo fato de terem sido selecionadas no início do estudo e, também, devido ao movimento grevista dos funcionários da saúde no período de coleta dos dados, o que postergou o acesso dos pesquisadores aos entrevistados. Quanto aos cuidadores, média de idade 28,6 anos (DP=28,4); renda familiar de 1,2 salários mínimos (DP=1,0) e média de 1,4 (DP=0,8) pessoas trabalhando por família.

O número médio de crianças no domicílio foi 1,9 (DP=1,1). Sobre receber auxílio financeiro governamental, 30,3% responderam positivamente e 68,8% não recebiam nenhum tipo de auxílio. No que se refere à prática de aleitamento materno, 161 (50,8%) cuidadores informaram que a criança “mama no peito”; 154 (48,6%) disseram não oferecer seio materno; e 24,3% das crianças encontravam-se em aleitamento misto. Em relação às condições de saúde da criança do nascimento até o momento da entrevista, 63,4% não apresentaram episódios de diarreia e 92,4% não desenvolveram pneumonia; 92,7% cuidadores não referiram nenhum problema de saúde. Deste último item, 18 (5,7%) informaram problema de saúde na criança, como anemia, refluxo, bronquite alérgica, sopro, hipotireoidismo, hidrocele e estrabismo; 79,5% das crianças nunca tinham sido hospitalizadas.

Do grau de afiliação aos serviços de saúde, 181 (57,1%) cuidadores indicaram utilizar o mesmo serviço de saúde para atendimento das crianças e elegeram o enfermeiro como a pessoa que melhor as conhecia. Todavia, 136 (46,9%) cuidadores afirmaram que os serviços de saúde em que costumavam levar as crianças nem sempre eram os que a conheciam melhor, incluindo o serviço que seria responsável pelo atendimento, o que indica não adesão deste significativo número de usuários a um determinado serviço de saúde. Na avaliação dos atributos da APS (Tabela 1), Coordenação (Sistemas de Informação) e Integralidade (Serviços Prestados) revelaram maior grau de orientação à APS nos serviços avaliados pelos cuidadores.

Tabela 1 -
Qualidade da Atenção Primária à Saúde na atenção à criança segundo atributos e escores geral e essencial. Juazeiro do Norte, CE, Brasil, 2014-2015. (n=317)

Itens	Média	Mediana	DP	Min-Max	IC 95%
Atributos
Acesso - Utilização	6,2	6,7	2,9	0,0 - 10,0	5,9 - 6,5
Acesso - Acessibilidade	5,5	5,6	1,9	0,0 - 10,0	5,2 - 5,7
Longitudinalidade	6,2	6,4	1,9	1,5 - 10,0	5,9 - 6,4
Coordenação - Integração de cuidados	4,7	6,0	3,6	0,0 - 10,0	3,9 - 5,5
Coordenação- Sistema de informações	7,6	7,8	1,9	1,1 - 10,0	7,4 - 7,8
Integralidade - Serviços disponíveis	2,6	2,6	0,6	1,0 - 4,0	5,0 - 5,5
Integralidade - Serviços prestados	6,8	7,3	3,1	0,0 - 10,0	6,5 - 7,2
Orientação familiar	3,6	3,3	2,6	0,0 - 10,0	3,3 - 3,8
Orientação comunitária	5,4	5,0	2,3	0,0 - 10,0	5,1 - 5,6
Escores
Essencial	6,1	6,3	1,7	2,6 - 9,2	5,8 - 6,5
Geral	5,9	5,9	1,6	2,7 -9,2	5,5 - 6,2

O Acesso de Primeiro Contato (utilização do serviço) apresentou escore baixo e, ao especificar cada item avaliado nesse atributo, verificou-se que os cuidadores utilizavam o mesmo serviço de saúde para atendimentos de rotina da criança, bem como reconheciam a necessidade de encaminhamento do médico quando ela precisava ser atendida em alguma especialidade. Entretanto, diante do surgimento de um novo problema, afirmaram procurar outro serviço para resolvê-lo. Apesar do baixo escore para o subitem Acesso de Primeiro Contato (acessibilidade), os entrevistados identificaram dois aspectos que se aproximaram do escore aceitável para uma boa orientação à APS: o atendimento da criança no mesmo dia em que procuravam o serviço para uma avaliação de saúde e a facilidade para agendar consulta de rotina no serviço. Contudo, queixaram-se do prolongado tempo de espera para atendimento.

Não obstante alguns itens avaliados para a Longitudinalidade terem alcançado valores elevados, verificou-se baixo escore do atributo como um todo. Os cuidadores reforçaram a acentuada característica de orientação do serviço de saúde para a APS, ao indicarem que o mesmo profissional acompanha a criança do decorrer dos atendimentos, o que aproximaria o cuidador e viabilizaria melhor compreensão no diálogo para o cuidado da criança. Contudo, afirmaram que, durante o atendimento, o profissional se atentava somente à queixa que havia motivado a procura pelo serviço de saúde.

A Coordenação (integração de cuidados) foi avaliada por 98 (30,9%) cuidadores que vivenciaram o atendimento da criança por especialista e responderam negativamente a essa experiência. O escore encontrado para Coordenação (sistema de informação) foi elevado, e isso atribui ao serviço avaliado forte grau de orientação no que se refere a documentos e registros dos atendimentos das crianças. A Integralidade (serviços disponíveis) obteve baixo valor de escore. Dos diversos serviços disponíveis nas unidades de saúde, os cuidadores identificaram somente imunização, benefícios sociais e planejamento familiar. Para os serviços prestados, o elevado escore revela reconhecimento das orientações recebidas para o cuidado, incluindo ampla abordagem de aspectos que envolvem o crescimento e desenvolvimento da criança.

Já os valores de escore para cada item analisado do atributo Orientação Familiar sequer se aproximaram daquele estabelecido como corte (≥6,6), à exceção do reconhecimento, pelos cuidadores, de que o médico ou enfermeiro, em algum momento dos atendimentos, questionou sobre doenças ou problemas de saúde na família da criança.

No âmbito da Orientação Comunitária, a visita domiciliar e o conhecimento da comunidade obtiveram, respectivamente, escore acima do corte e próximo a esse. Importante destacar que os cuidadores pouco ou nada reconheceram o incentivo que cabe aos profissionais de saúde dos serviços avaliados de estimular a participação social das famílias.

Ainda segundo a Tabela 1, os escores Essencial e Geral obtiveram valores médios baixos, resultado da avaliação negativa feita pelos cuidadores em grande parte dos itens contidos no PCATool. Como a maioria dos escores relativos aos atributos essenciais foi inferior ao limite considerado, o Escore Essencial foi puxado para baixo. O mesmo ocorreu com o escore Geral que, apesar de os atributos de Coordenação (sistema de Informação) e Integralidade (serviços prestados) terem alcançado valores considerados adequados, a maioria dos atributos da APS avaliados apresentou média insuficiente, o que contribuiu para o baixo valor do escore Geral.

Quando analisadas as condições sociodemográficas das crianças e de suas famílias, bem como os antecedentes obstétricos das mães e a qualidade da APS, segundo seus atributos, nos serviços em que as crianças eram atendidas, buscou-se também analisar a associação de duas variáveis dependentes do estudo, consideradas condições sensíveis à Atenção Primária: diarreia e pneumonia.

A Tabela 2 evidencia a relação desses fatores com o desfecho diarreia por meio da análise bivariada. As variáveis p<0,2, que se refere ao tratamento de água, receber bolsa família, histórico de aborto da mãe e de irmão que morreu antes dos 5 anos foram levadas para o modelo de regressão logística para verificar quais melhor se ajustavam, os resultados dessas análises são apresentados na Tabela 3.

Tabela 2 -
Variáveis sociodemográficas e antecedentes obstétricos associados a diarreias de crianças em seguimento pela Atenção Primária à Saúde. Juazeiro do Norte, CE, Brasil, 2014-2015. (n=317)

Variáveis independentes	Diarreia		Odds Ratio	IC 95%	p valor
	Não	Sim
	n	n	Ref
Estado civil
Casado	114	66
Não casado	84	41	1,18	0,73-1,91	0,542
Moradia: invadida
Não	189	101
Sim	09	06	0,80	0,27-2,31	0,783
Abastecimento água: Rede pública
Sim	186	105
Não	12	02	3,38	0,74-15,42	0,150*
Tratamento de água no domicílio
Sim	50	25
Não	148	82	1,10	0,63-1,92	0,781
Destino fezes/urina: Sistema esgoto
Sim	151	79
Não	47	28	1,13	0,66-1,95	0,677
Criança recebe Bolsa Família/outro
Sim	51	43
Não	147	64	0,51	0,31-0,85	0,013*
Tipo de parto: normal
Sim	111	55
Não	87	52	1,20	0,75-1,93	0,471
Paridade
≤ 3	166	95
> 3	32	12	1,52	0,75-3,10	0,306
Aborto
Não	151	94
Sim	47	13	2,25	1,15-4,38	0,016*
Tempo de gestação
37-40 semanas	124	53
<37 ou >40 semanas	74	54	0,58	0,36-0,94	0,29
Número de consultas pré-natais
≥7	109	60
<7	89	47	1,04	0,64-1,67	0,904
Peso ao nascimento
≥ 2500g	172	98
< 2500g	26	9	1,64	0,74-3,65	0,261
Irmão morreu com menos de 5 anos idade
Não	196	103
Sim	2	4	0,26	0,04-1,45	0,189*

• *p<0,2 Teste Qui-Quadrado, com correção de Yates ou exato de Fisher

Segundo a Tabela 3, as únicas variáveis que permaneceram no modelo foram criança receber auxílio (OR: 0,54; 0,32 - 0,91) e acessibilidade à unidade de Atenção Primária à Saúde (OR: 0,49; 0,31 - 0,76), ambas identificadas como possíveis fatores de proteção para episódios de diarreia. Por meio do teste de Nagelkerke R2, foi possível observar que o modelo final explica 13,4% dos episódios de diarreia levantados no estudo.

Tabela 3 -
Estatísticas obtidas no ajuste logístico multivariado investigando fatores associados à diarreia em estudo sobre acesso de crianças à Atenção Primária à Saúde. Juazeiro do Norte, CE, Brasil, 2014-2015. (n=317)

Modelo Ajustado*	Odds Ratio ajustado	IC 95%	p valor†
Abastecimento de água: Rede Pública	2,91	0,62-13,58	0,176
Recebe Bolsa Família ou outro auxílio	0,54	0,32-0,91	0,020‡
Aborto	1,72	0,81-3,66	0,157
Morte de irmão menor de 5 anos	0,20	0,03-1,38	0,104
Acesso - Utilização	0,88	0,63-1,22	0,451
Acesso - Acessibilidade	0,51	0,31-0,82	0,006‡
Longitudinalidade	1,72	1,00-2,96	0,050
Coordenação	0,68	0,41-1,13	0,138
Integralidade: Serviços Disponíveis	0,94	0,54-1,65	0,831
Integralidade: Serviços Prestados	0,94	0,69-1,29	0,705
Orientação Familiar	1,17	0,78-1,77	0,446
Orientação Comunitária	0,71	0,462-1,10	0,115

• *Teste de Hosmer e Lemeshow p=0,415 / Cox e Snell R square= 0,098 / Nagelkerke =0,134. ^† Aplicado Teste Wald. ^‡ p<0,05.

Na sequência (Tabela 4), estão descritas as variáveis testadas para o desfecho pneumonia. Apenas duas apresentaram p<0,2: destino para os dejetos e domicílio abastecido por água encanada, as quais foram levadas para etapa subseqüente, da análise de regressão logística.

Tabela 4 -
Variáveis sociodemográficas e antecedentes obstétricos associados à pneumonia em estudo sobre acesso de crianças à Atenção Primária à Saúde. Juazeiro do Norte, CE, Brasil, 2014-2015. (n=317)

Variáveis independentes	Pneumonia		Odds Ratio	IC 95%	p valor*
	Sim	Não
	n	n	Ref
Estado civil
Casado	13	167
Não casado	4	121	0,42	0,13-1,33	0,203
Moradia: invadida
Não	16	274
Sim	1	14	1,22	0,15-9,89	0,586
Abastecimento de água: rede pública
Sim	14	277
Não	3	11	5,39	1,35-21,55	0,036*
Tratamento de água no domicílio
Sim	15	215
Não	2	73	0,39	0,08-1,75	0,259
Destino fezes/urina: Sistema de esgoto
Sim	16	214
Não	1	74	5,53	0,72-42,44	0,082*
Criança recebe Bolsa Família/outro
Não	12	199
Sim	5	89	0,93	0,31-2,72	1,000
Tipo de parto: normal
Sim	11	155
Não	6	133	1,57	0,56-4,36	0,458
Paridade
≤3	15	246
>3	2	42	0,78	0,17-3,54	1,000
Aborto
Não	16	229
Sim	1	59	0,243	0,03-1,86	0,210
Tempo de gestação
37- 40 semanas	11	166
<37 ou >40 semanas	6	122	0,74	0,26-2,06	0,622
Número de consultas pré-natais
≥7	11	158
<7	6	130	0,66	0,23-1,84	0,464
Peso ao nascimento
≥2500g	14	256
<2500g	3	32	1,71	0,46-6,29	0,426
Irmão morreu com menos de 5 anos de idade
Não	17	282
Sim	0	6	0,94	0,91-0,97	1,000

• *p<0,2 Teste de Qui-Quadrado com correção de Yates ou exato de Fisher.

Em relação ao desfecho pneumonia, na análise multivariada foram obtidos os resultados apresentados na Tabela 5. Por meio do teste de Hosmer e Lemeshow, o valor de p foi de 0,209 (<0,05), portanto, aceitando-se Ho, de que não há diferenças significativas entre os resultados preditos pelo modelo e os observados.

O modelo evidencia que as variáveis associadas à pneumonia foram acesso/ utilização dos serviços não satisfatório (ORaj:2,13; IC 95% 1,18-3,82), considerada um provável fator de risco e coordenação (ORaj: 0,33, IC95% 0,12-0,94), o que parece um provável fator de proteção. O modelo, conforme o teste de Nagelkerke R2, explica 8,7% das pneumonias identificadas.

Tabela 5 -
Estatísticas obtidas no ajuste logístico multivariado investigando fatores associados à pneumonia em estudo sobre acesso de crianças à Atenção Primária à Saúde. Juazeiro do Norte, CE, Brasil, 2014-2015. (n=317)

Modelo Ajustado*	Odds Ratio ajustado	IC 95%	p valor†
Abastecimento de água: Rede pública	0,27	0,05-1,31	0,106
Destino de fezes e urina: Sistema de esgoto	4,99	0,63-39,88	0,129
Acesso - Utilização⸹	2,13	1,18-3,82	0,012‡
Acesso - Acessibilidade	1,31	0,44-3,92	0,618
Longitudinalidade	1,04	0,33-3,29	0,941
Coordenação||	0,33	0,12-0,94	0,037‡
Integralidade: Serviços disponíveis	0,73	0,21-2,53	0,617
Integralidade: Serviços prestados	1,01	0,57-2,12	0,78
Orientação familiar	0,85	0,35-2,10	0,732
Orientação comunitária	1,70	0,72-4,02	0,224

• *Teste de Hosmer e Lemeshow p=0,209 / Cox e Snell R square=0,031 / Nagelkerke=0,087. ^†Aplicado Teste Wald. ^‡p<0,05. ^⸹Média de 6,2 no score (não satisfatório); ^||Coordenação sistemas de informação: Média de 7,6 obtida nesse atributo (satisfatório).

DISCUSSÃO

Apesar da ESF ser identificada como serviço de referência para o cuidado de saúde da criança pela maioria dos cuidadores, corroborando pesquisas brasileiras,7^,24^-26 identificou-se alto percentual de referência de outros serviços da rede assistencial para o cuidado infantil. O atendimento de consultas pediátricas fora da ESF revelou que o município ainda possui práticas de organização do serviço de saúde voltadas para o modelo de atenção tradicional, conforme estudos.26^-27 Ademais, tal resultado demonstra que os cuidadores tendem a avaliar mal o serviço oferecido pela ESF, por não usufruírem frequentemente dele. Outras pesquisas avaliativas também revelaram tanto percentual baixo de indicação da ESF como principal serviço de referência para o cuidado de saúde da criança, com 56,3%,26 quanto resultados superiores, com 100%15 e 88,2%.17

Na interpretação dos valores das médias dos escores dos atributos, a maioria obteve baixos escores, à semelhança de outras investigações,17^-18 e apenas Coordenação (sistema de informações) e Integralidade (serviços prestados) apresentaram bons resultados. Nesse contexto, pode-se afirmar que o novo modelo assistencial que visa garantir a equidade e a integralidade das ações de saúde ainda não conseguiu substituir o paradigma de assistência médico-hospitalar centrado nos aspectos biológicos do processo saúde-doença. Assim, faz-se necessário melhorar a oferta de serviços de saúde, buscando garantir a qualidade e a eficiência da APS e, consequentemente, consolidar os princípios do SUS.28^-29

Os dados mostram ainda que, embora a ESF seja considerada uma fonte regular de cuidados à criança em virtude do alto grau de afiliação, assim como identificado em outro estudo,30 ela não tem cumprido o seu papel de porta de entrada para os serviços de saúde, dado o baixo escore do atributo Acesso, diferindo de estudos.15^,26 Autores revelam que pais que aumentaram a utilização de serviços primários, diminuíram a procura por atendimentos de emergência,31 daí a importância de conscientizá-los sobre o uso desses espaços para promoção da saúde e prevenção de agravos.31^-32

Em relação à Longitudinalidade, escore semelhante foi encontrado em alguns estudos,17^,29^-30 mas contrastou com outros.15^-16^,24^-26^,28^,33^-34 Apesar dos profissionais responsáveis pelos atendimentos das crianças serem sempre os mesmos e existir boa comunicação entre equipe e cuidadores, a ESF foi avaliada como local que não conhece o contexto familiar e social da criança. É possível que essa comunicação seja pontual, restrita ao motivo do atendimento, e isso indica que o modelo de ESF não está em consonância com os princípios propostos pela APS, que visa à atenção integral ao usuário.26 A substituição por outro modelo que assuma o indivíduo e a família como centro da atenção é uma das premissas para o fortalecimento do SUS.35

O escore insatisfatório da Coordenação (Integração de Cuidados) é possivelmente explicado pela dificuldade relatada pelos cuidadores de agendar consultas especializadas, embora o município disponha de uma central de marcação para este tipo de consulta. Ademais, o baixo percentual de encaminhamentos e a avaliação negativa desse atributo possuem relação com a avaliação também negativa da Longitudinalidade, uma vez que a assistência à saúde das crianças, neste estudo, se apresentou como pontual e isolada, o que impossibilita a continuidade do cuidado, tal como assinalado em outras investigações.30^,35 Em contrapartida, a Coordenação (sistema de informação) obteve o maior escore de todos os atributos avaliados. Apesar dos cuidadores não terem acesso ao prontuário, fato que fragilizou o atributo como um todo, sempre levavam nas consultas algum registro de saúde da criança e mencionaram que o prontuário estava constantemente disponível durante o atendimento, o que contribuiu para alta média do escore, corroborando outros achados.28 Neste cenário, é fundamental estabelecer uma rede assistencial que permita integrar os níveis de atenção, bem como os sistemas de apoio e logística, para sustentar os fluxos de comunicação e os processos para a produção social em saúde.36

A Integralidade (serviços disponíveis) registrou a pior média de escore, corroborando estudos24^,26^,30e diferindo de outro.28 É possível explicar esse resultado pela inexistência de alguns serviços nas unidades de saúde avaliadas e, também, porque muitos cuidadores não conseguiram responder sobre a disponibilidade dos serviços. O subitem serviços prestados teve escore satisfatório, semelhante a uma pesquisa;18 divergindo de outras.15^,18^,24^,26^,28^,30 É evidente que, ao analisar o atributo isoladamente, os resultados indicam que as equipes de saúde realizam ações de promoção e de prevenção à saúde. Todavia, ao associá-lo ao baixo escore da Longitudinalidade, infere-se que os cuidadores avaliaram o atributo com base em atendimentos pontuais, restritos ao motivo que levou a criança ao serviço. Assim, percebe-se a persistência do modelo biomédico em relação às ações preventivas,37 o que expressa a necessidade do cuidado ampliado, tendo o usuário como protagonista neste processo.38

Considera-se a Orientação Familiar um atributo associado à Longitudinalidade, visto que a assistência à saúde da criança requer maior interação com a família. Assim, a média de escore insatisfatória, assim como na Longitudinalidade, evidencia que as práticas de saúde voltadas ao conhecimento do contexto familiar ainda são frágeis e reforçam o modelo médico assistencial tradicional, conforme outros achados.18^,24^-26^,30^,39^-41 Neste contexto, é necessário sensibilizar os profissionais de saúde para que suas práticas sejam embasadas em um referencial teórico que assuma o foco familiar e promova o conhecimento integral das necessidades de saúde da criança.40^-41

A Orientação Comunitária com escore também insuficiente, vai ao encontro de algumas investigações18^,24^-26^,30^,39^-41 e diverge de outra.16 Destarte, infere-se que, para os entrevistados, os serviços de saúde não mantêm relação direta com a população, não reconhecem as peculiaridades de saúde da comunidade e não permitem a participação da população nos processos decisórios. Nessa conjuntura, recomenda-se uma revisão do processo de trabalho das equipes de saúde da família, a fim de proporcionar condições para que as crianças recebam um cuidado integral.40^-41

O baixo valor do Escore Essencial foi semelhante a algumas pesquisas15^,18^,24^,26 e divergente de outras.16^,30 O Escore Geral, também com resultado inferior ao corte, foi comum a investigações.15^,17^-18^,24^,26^,30 A interpretação desses resultados demonstra que a presença e a extensão dos atributos da APS na ESF do município estão comprometidas, apesar da alta cobertura de ESF. Isso revela que a ESF não tem conseguido funcionar como porta de entrada do sistema de saúde, e sim como mais uma opção de atendimento, prevalecendo o modelo biomédico curativista.

Houve associação entre a criança receber auxílio do Programa Bolsa Família e ter Acesso ao serviço de saúde e o desfecho diarreia, sendo que ambas as variáveis independentes foram apontadas como prováveis fatores de proteção para a ocorrência dessa condição de saúde. Esse Programa governamental tem auxiliado as famílias de baixa renda e permitido que cuidem melhor de suas crianças, além de contribuir substancialmente para a redução da mortalidade infantil, sobretudo se associado a uma abordagem multissetorial, ou seja, quando há transferência de renda para intervir em importantes determinantes sociais de saúde e, ao mesmo tempo, oferta de cuidados primários de saúde eficazes e suficientes para atender às demandas de saúde desta população.42^-44

Há evidências de que programas como esse impactam positivamente no estado nutricional e nos desfechos de saúde de crianças dada a maior utilização de serviços preventivos, com consequente promoção de comportamentos saudáveis.45^-46 Em relação ao Acesso, estudo corrobora os achados e demonstra a efetividade da ESF nos indicadores de saúde na infância.5

Sobre o desfecho pneumonia, as crianças que não utilizavam os serviços da APS (acesso e uso não satisfatório) apresentaram mais chances de serem internadas por esse diagnóstico, todavia a coordenação aparece como um provável fator de proteção, o que se deve ao fato que os serviços conseguem coordenar as crianças se utilizando de sistemas informatizados. Segundo estudos na área, a coordenação busca garantir a continuidade de atenção à saúde, reconhecendo na lógica da equidade as necessidades de saúde que devem ser acompanhadas nas Redes de Atenção à Saúde (RAS).47 Por meio desse atributo, torna-se possível disponibilizar informações sobre problemas que afligem as crianças e também ofertar as tecnologias segundo o gradiente de necessidades; por isso, ele é um dos mais importantes e no estudo foi bem avaliado, o que lhe confere certo grau de proteção dos quadros de pneumonia.

Resultados semelhantes48 mostram que a hospitalização por pneumonia em crianças está associada à qualidade da assistência da APS. Nesse contexto, é notório que as práticas de atenção à criança na APS (acompanhamento nutricional, imunização, atenção às doenças prevalentes, assistência pré-natal e planejamento familiar, por exemplo) constituem ações imprescindíveis para evitar a hospitalização por pneumonia.

O estudo apresenta algumas limitações: a coleta de dados fundamentada no relato do cuidador a respeito da condição de saúde do usuário e a ocorrência de um movimento grevista dos funcionários públicos da saúde, que persistiu por cinco meses e comprometeu o funcionamento dos serviços, na época em que os dados deveriam ter sido coletados. Por causa da greve, alguns participantes somente puderam ser abordados quando a criança já estava com mais de um ano de idade, embora os dados coletados dissessem respeito apenas ao primeiro ano de vida. Tal fato pode ter contribuído para os cuidadores avaliarem negativamente os serviços de saúde. Além disso, o estudo restringiu-se à zona urbana, o que torna oportuna a avaliação desses programas e serviços no município com um todo, inclusive na zona rural.

Outra questão limitadora foi o alto percentual de cuidadores que mencionaram outros serviços da rede assistencial como referência para o cuidado da criança. Esse achado parece fragmentar ainda mais a assistência infantil e ter contribuído para que os atributos da APS fossem mal avaliados.

CONCLUSÃO

Embora o município disponha de alta cobertura de ESF e, apesar desta estratégia ser cenário preferencial para as ações de promoção à saúde e prevenção de agravos e de se constituir como porta de entrada para os serviços, esta investigação não identificou assistência à criança com ênfase na integralidade do cuidado. Além disso, os resultados evidenciaram um modelo de assistência cujo foco não reside na família, do qual a comunidade não participa e que prioriza práticas assistenciais tradicionais, voltadas para um paradigma que pouco permite ampliar o olhar para quem se cuida.

Como contribuição, tem-se a apresentação de subsídios que demonstram que avaliar o cuidado integral à saúde da criança no âmbito da ESF permite sinalizar caminhos capazes de fortalecer as práticas de saúde e qualificar a atenção dispensada à criança e sua família.

Os resultados permitem observar que o atendimento da criança na APS resulta em maior chance de não ocorrência de internação por pneumonia, condição considerada sensível aos cuidados nesse modelo de atenção. Além disso, a complementação da renda familiar e a acessibilidade da criança à unidade de saúde apresentaram-se como fatores de proteção para episódios de diarreia. Conclui-se que a busca por garantir a presença e a extensão dos atributos da APS possui potencial para modificar positivamente a saúde da criança e, portanto, ambas devem ser asseguradas como direitos dessa população.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Artigo extraído da Tese - Avaliação da atenção à saúde da criança no contexto da Estratégia Saúde da Família, em um município do estado do Ceará, apresentada ao Programa de Pós-Graduação Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, em 2016.

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, sob parecer nº 671.008/2014, e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética nº 27285914.1.0000.5393

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  24 Out 2019
• Data do Fascículo
  2019

Histórico

• Recebido
  20 Jun 2018
• Aceito
  13 Nov 2018