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ENTRE OS QUE PENSAM E OS QUE FAZEM: PRÁTICA E TEORIA NA DOCÊNCIA EM ENFERMAGEM

RESUMO

Objetivo:

identificar as concepções dos professores sobre a relação entre teoria e prática na enfermagem.

Método:

estudo descritivo analítico, qualitativo. Participaram 18 professores de duas universidades (uma federal e outra privada) da Região Sul do país. A coleta de dados ocorreu entre os meses de julho e setembro de 2014, por meio de entrevista semiestruturada. Para tratamento dos dados foi utilizada a codificação aberta e axial conforme proposta por Strauss e Corbin, com o auxílio do software Atlas ti® 7.

Resultados:

emergiram as seguintes categorias: A centralidade da prática para o exercício docente e A dicotomia especialista x generalista: discursos em contraposição.

Conclusão:

as concepções dos professores sobre teoria e prática na enfermagem são amplamente conflituosas. Nas áreas consideradas de maior complexidade, o domínio do conteúdo é considerado vantajoso e preferível. As relações que enfermeiros e professores de enfermagem mantem com o saber influenciam na desvinculação entre teoria e prática.

DESCRITORES:
Docentes de enfermagem; Educação superior; Prática do docente de enfermagem; Prática profissional; Identificação (Psicologia); Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to identify the opinions of professors about the relationship between theory and practice in nursing.

Method:

descriptive analytical, qualitative study. Eighteen professors from two universities (one federal and one private) from the southern region of the country participated. Data collection took place between July and September 2014, through semi-structured interviews. Open and axial coding as proposed by Strauss and Corbin, with the help of Atlas ti® 7 software was used for data collection.

Results:

the following categories emerged: The centrality of the practice for teaching and The specialist x generalist dichotomy: contrasting discourses.

Conclusion:

the opinions of professors about theory and practice in nursing are widely conflicting. In areas considered of greater complexity, mastery of content is prefered and considered advantageous. The relationships that nurses and nursing professors maintain with knowledge influence the disconnection between theory and practice.

DESCRIPTORS:
Nursing professors; Third-level education; Nursing professor practice; Professional practice; Identification (Psychology); Nursing

RESUMEN

Objetivo:

identificar las concepciones de los docentes sobre la relación entre teoría y práctica en enfermeira.

Método:

estudio analítico descriptivo, cualitativo. Participaron 18 profesores de dos universidades (una federal y otra privada) de la región sur del país. La recolección de datos tuvo lugar entre julio y septiembre de 2014, por medio de entrevistas semiestructuradas. Para gestión de datos, utilizamos la codificación abierta y axial propuesta por Strauss y Corbin, con la ayuda del software Atlas ti® 7.

Resultados:

surgieron las siguientes categorías: la centralidad de la práctica para el ejercicio docente y la dicotomía especialista x generalista: discursos en contraposición.

Conclusión:

las concepciones de los docentes sobre teoría y práctica en enfermería son ampliamente conflictivas. En áreas consideradas de mayor complejidad, el dominio del contenido se considera ventajoso y preferible. Las relaciones que las enfermeras y los profesores de enfermería mantienen con el conocimiento influyen en la desconexión entre la teoría y la práctica.

DESCRIPTORES:
Profesores de enfermería; Educación universitaria; Práctica docente de enfermería; Practica profesional; Identificación (psicología); Enfermería

INTRODUÇÃO

A identidade profissional compreende a percepção que um professor tem de suas atividades, de si, de seu grupo de pertencimento e das características importantes de sua profissão.11. Beijaard D, Meijer PC, Verloop N. Reconsidering research on teachers’ professional identity. Teach Teach Educ [Internet]. 2004 [cited 2016 Dec 20]; 20(2):107-28. Available from: https:/dx./doi.org/10.1016/j.tate.2003.07.001
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-22. Monereo C, Monte M. Docentes en tránsito. Análisis de incidentes críticos em secundaria. Barcelona (ES): Graó; 2011. Estas percepções tecem identidades e podem ser mobilizadas por meio de três grupos: aquelas sobre o próprio papel profissional (engloba a formação recebida e as experiências profissionais), sobre os processos instrucionais de ensino, aprendizagem e avaliação (crenças, concepções e teorias que os docentes possuem sobre ensinar) e sobre os sentimentos desencadeados pelo exercício docente (impacto afetivo produzido pela docência).33. Monereo C, Badia A. Los heterónimos del docente: identidad, selves y enseñanza. In MonereoC, Pozo JI, editors). La identidad en la psicología de la educación: necesidad, utilidad y límites. Madrid (ES): Narcea; 2011. p.57-75.

A forma como os professores compreendem e desenvolvem as suas atividades está relacionada com a formação recebida, ou a ausência desta, e os tipos de experiências vivenciadas. Neste sentido, para bacharéis que passaram a exercer a docência mediante a ausência de formação específica, pensar esses processos implica em compreender os pressupostos que norteiam suas concepções como professores.

Ser enfermeiro não é o mesmo que ser professor de enfermagem. Os conhecimentos mobilizados para cada uma dessas atividades diferem estruturalmente, considerando-se que há um conhecimento específico para ser professor e que este compõe seu processo identitário. Neste contexto, em função dos professores ensinarem geralmente como foram ensinados, há a perpetuação de práticas e saberes, o que, não raras vezes, significa privilegiar a técnica e o ensino instrumental, valendo-se das suas experiências enquanto alunos.44. Leonard L, McCutcheon K, Rogers KMA. In touch to teach: do nurse educators need to maintain or possess recent clinical practice to facilitate student learning? Nurse Educ Pract [Internet] 2016 [cited 2017 Jan 10];16(1):148-51. Available from: https://dx.doi.org/10.1016/j.nepr.2015.08.002
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As crenças, concepções e teorias que os docentes possuem sobre ensinar são parte importante de seu processo identitário.33. Monereo C, Badia A. Los heterónimos del docente: identidad, selves y enseñanza. In MonereoC, Pozo JI, editors). La identidad en la psicología de la educación: necesidad, utilidad y límites. Madrid (ES): Narcea; 2011. p.57-75. A relação existente entre ensino e prática de enfermagem assume particular importância, pois norteia parte significativa das concepções profissionais, estando presente desde que esta se tornou uma carreira universitária.55. Hatlevik IKR. The theory-practice relationship: reflective skills and theoretical knowledge as key factors in bridging the gap between theory and practice in initial nursing education. J Adv Nurs[Internet]. 2012 [cited 2016 Dec 20]; 68(4):868-77. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.13652648.2011.05789.x/abstract;jsessionid=22c02c895a0a5a97e106ea79b714f61f.f02t01
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O professor de enfermagem em alguns casos, principalmente nas instituições públicas de ensino (em função da exigência de dedicação exclusiva), afasta-se do campo prático para o exercício da docência, da pesquisa e da extensão. Este distanciamento fortalece a ideia de que, embora respeitado por seu saber, não é, em geral, modelo de capacidade técnica.

Esta dicotomia entre o professor de enfermagem considerado teórico e fora da realidade profissional e o enfermeiro enquanto sujeito que faz, prático no contexto assistencial, também fortalece a percepção de que há conhecimentos distintos: um ensinado na academia, teórico e distante do fazer real; e outro, do mundo do trabalho, composto pelo cotidiano profissional, não idealizado.66. Lazzari D, Martini JG, Busana J. Teaching in higher education in nursing: an integrative literature review. Rev Gaúch Enferm [Internet]. 2015 [cited 2016 June 10];36(3):93-101. Available from: https://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2648.2011.05789.x
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Esta realidade é fruto também do modelo de formação em saúde positivista e baseado em pressupostos que fragmentam o saber.77. Sobral FR, Campos CJG. The use of active methodology in nursing care and teaching in national productions: an integrative review. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2012 [cited 2015 Jul 10]; 46(1):208-18. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342012000100028
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A relação que enfermeiros e professores de enfermagem mantém com o saber influencia amiúde esta desvinculação entre teoria e prática, antagonizando-as ao considerar, por vezes, uma como mais importante do que a outra. A percepção de produção de distintos saberes científicos entre a academia e o mundo da prática contrapõe a ideia de que a teoria existe para ser aplicada na prática, e que os problemas da prática devam ser enfrentados por meio das teorias advindas do conhecimento científico.88. Marañóna AA, Pera MPI. Theory and practice in the construction of professional identity in nursing students: a qualitative study. Nurse Educ Today [Internet]. 2015 [cited 2016 June 10]; 35(7):859-63. Available from: https://dx.doi.org/10.1016/j.nedt.2015.03.014
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Esta polarização entre os que pensam e os que fazem, acarreta implicações à percepção de que os professores de enfermagem tem de si mesmos e de seu trabalho, repercutindo, inclusive, na formação dos alunos, pois induz a sustentação de sua ação profissional.99. Guareschi APDF, Kurcgant P. Influence of lecturer training on the profile of the graduate of the undergraduate course in nursing. Cogitare Enferm [Internet]. 2014 [cited 2016 Jan 10]; 19(1):101-8. Available from: https://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/35965/22419
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Pode-se fundamentar a relação entre teoria e prática por meio de uma perspectiva dicotômica, que separa e confere autonomia total entre uma e outra, ou de unidade, ao percebê-las como indissociáveis e complementares.1010. Moreira F, Ferreira E. Teoria, prática e relação na formação inicial na enfermagem e na docência. Educ Soc Cult [Internet]. 2014 [cited 2015 Jul 10]; 41:127-48. Available from: https://www.fpce.up.pt/ciie/sites/default/files/esc41_f_moreira_e_ferreira.pdf
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Neste sentido, as concepções que os professores possuem sobre a relação entre teoria e prática, na enfermagem, são parte importantes de sua percepção de como deve se dar o ensino, e geram implicações em suas práticas pedagógicas.55. Hatlevik IKR. The theory-practice relationship: reflective skills and theoretical knowledge as key factors in bridging the gap between theory and practice in initial nursing education. J Adv Nurs[Internet]. 2012 [cited 2016 Dec 20]; 68(4):868-77. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.13652648.2011.05789.x/abstract;jsessionid=22c02c895a0a5a97e106ea79b714f61f.f02t01
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O processo identitário docente, em que as representações sobre si mesmo são fundamentais, é permanentemente construído e as reflexões sobre ele podem colaborar no sentido de eliminar as distâncias produzidas pelo modelo cartesiano de ensino, não apenas em face à complexidade da enfermagem, mas também pelos inúmeros conflitos e paradoxos presentes.

Desta forma, questiona-se: quais são as concepções dos professores sobre teoria e prática, a partir de sua experiência profissional, para o ensino em enfermagem? Para tanto, o objetivo desta pesquisa foi identificar as concepções dos professores sobre a teoria e a prática na enfermagem.

MÉTODO

Trata-se de pesquisa descritiva, exploratória, analítica, de abordagem qualitativa, realizada com 18 professores de duas universidades da Região Sul do Brasil. Inicialmente, intencionava-se comparar a relação teoria/prática entre os diferentes perfis docentes, porém, as diferenças foram irrelevantes. Como estratégia de coleta de dados, utilizou-se a entrevista semiestruturada. A seleção dos participantes ocorreu por convite a todos os professores que compunham o quadro docente das instituições: 23 professores de enfermagem na instituição privada e 17 na instituição pública. Do total de 40 professores enfermeiros, 18 retornaram o contato e aceitaram participar da pesquisa (dez do quadro de professores da instituição pública e oito da instituição privada).

A coleta dos dados teve duração de quatro meses (julho a setembro de 2014). As entrevistas foram previamente agendadas, adequando-se às possibilidades de cada participante, e realizadas em ambiente reservado nas universidades, a fim de manter a privacidade. Gravadas em arquivo digital, tiveram duração de 40 a 120 minutos e foram norteadas pelas seguintes questões: como você se identifica profissionalmente? De que forma se constituiu docente? Como se sente com relação à docência? Como se estrutura pedagogicamente sua prática docente?

Os indivíduos que aceitaram participar da pesquisa assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os professores foram identificados com as letras F (de Universidade Federal), P (de Universidade Privada) e A (de Assistência), seguidos do número correspondente à ordem de realização das entrevistas. A identificação com a letra A corresponde àqueles professores que, por não possuírem dedicação exclusiva, atuam tanto na docência quanto na assistência, de maneira concomitante (ex: FP, atua em universidade pública e privada - não possui dedicação exclusiva; PA, atua em universidade Privada e na Assistência).

Procedeu-se à análise das entrevistas, produzindo inferências embasadas nos pressupostos teóricos de Monereo sobre a identidade profissional de professores.33. Monereo C, Badia A. Los heterónimos del docente: identidad, selves y enseñanza. In MonereoC, Pozo JI, editors). La identidad en la psicología de la educación: necesidad, utilidad y límites. Madrid (ES): Narcea; 2011. p.57-75. A análise dos dados se deu mediante o procedimento de codificação.1111. Strauss AL, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento. São Paulo, SP(BR): Artmed; 2008. Esse processo está relacionado à organização conceitual dos dados brutos em categorias, sendo utilizadas duas etapas distintas e complementares denominadas de: a) codificação aberta; b) codificação axial.

Para auxiliar no procedimento de codificação, utilizou-se o software Atlas ti® 7. Nesse software foi criada uma unidade hermenêutica, inseridas as entrevistas na íntegra e realizada a leitura em profundidade. Os códigos que emergiram foram agrupados por similaridade, concluindo-se a codificação axial. Ao final desse processo emergiram as seguintes categorias: A centralidade da prática para o exercício docente; A dicotomia especialista x generalista: discursos em contraposição.

RESULTADOS

Dos 18 professores entrevistados, 16 eram mulheres. A faixa etária predominante entre os professores, para ambos os sexos, foi a de 35 a 40 anos. Dez professores são doutores, seis mestres (um cursando o doutorado) e dois especialistas cursando mestrado. Três professores possuem vínculo de trabalho com dedicação exclusiva à docência em universidade federal; dois professores possuem vínculo de trabalho sem dedicação exclusiva com a universidade federal; e, cinco professores possuem vínculos sem dedicação exclusiva com a universidade federal, além de outro vínculo com Instituição de Ensino Superior Privada. Dentre os professores vinculados à docência na universidade privada, dois se dedicam apenas à docência e seis possuem vínculo com a assistência de enfermagem, em concomitância. O tempo de experiência docente no ensino superior variou de dois a 18 anos.

A centralidade da prática para o exercício docente

Os enfermeiros que optam pela docência (em detrimento ou não de outras atividades da enfermagem) mostram-se comprometidos com uma prática essencialmente autodidata, pois não há preparo ou formação pedagógica. O início das atividades docentes em instituições privadas de ensino é possibilitado quase que unicamente pelas habilidades técnicas científicas e pelo tempo de experiência como enfermeiro assistencial. Já nas instituições públicas, as seleções se dão por meio de concursos, o requisito essencial é o título de mestre ou doutor, cuja centralidade está no desenvolvimento de pesquisas científicas e seu universo.

Na universidade privada, exige-se dos professores experiência prática, não tem tanto valor o número de publicações. A pública, a meu ver, tem uma política equivocada neste sentido, porque ela só valoriza currículo acadêmico, artigos, pesquisas. Há professores que saíram da graduação para o mestrado e deste para o doutorado, nunca trabalharam (FP05).

Eu imagino que se eu termino a graduação, faço mestrado e doutorado, não me identifico com nenhuma área em específico durante esses anos de formação, tenho dois problemas: o primeiro é a ausência de formação pedagógica, comum a todos nós, e o segundo é a ausência de experiência profissional (PA15).

A realização de mestrados e doutorados em curtos períodos, após a graduação, é percebida como um processo débil na constituição do professor e(ou enfermeiro, uma vez que a ausência de formação pode ser considerada uma fragilidade, que ganha reforço mediante a ausência de experiência profissional. Neste sentido, a experiência profissional assume papel de destaque nas falas dos participantes, seja refutando-a, seja exaltando-a. Quem a considera essencial para o exercício docente, percebe-a como um lugar de domínio e sobre o qual se assentam as práticas pedagógicas.

A experiência prática é fundamental. Eu dou aulas em uma disciplina em que tenho anos de experiência assistencial. É algo que eu tenho condições de ensinar aos alunos com a maior segurança do mundo, eu vivi, eu conheço (P12).

É fundamental para um professor de enfermagem [experiência profissional]. Profissionais da saúde não podem ser docentes sem terem exercido a enfermagem, isso deveria ser uma norma, uma regra. Não somos teóricos, matemáticos, filósofos, somos enfermeiras, nossa profissão é eminentemente prática. Ela é feita na prática, formada na prática (FP05).

A essência da enfermagem é o lidar com o paciente, com a família, se eu não sei trabalhar com isso, como vou ensinar isso( Quando se tem uma abordagem majoritariamente filosófica da enfermagem não é bom para o ensino (FP10).

O modelo de professor tradicional permanece como central nas percepções. Entre a realização de técnicas e a produção de conhecimentos que qualifiquem a prática ou proponham inovações no cuidado parece existir um abismo de concepções sobre a profissão. Está presente também a percepção de que o aluno de enfermagem tem predileção e valoriza o profissional experiente em alguma especialidade, pois, há um repertório de vivências que enriquecem a experiência educativa e produzem identificação com o ideal de domínio da técnica, entendido pelo aluno como competência, sucesso profissional, etc.

O aluno gosta da vivência. Tanto que sempre ouço que eles gostam de estar comigo, pois me perguntam as coisas e eu sempre sei responder, ajudar, porque eu já vivi, já experimentei. Querendo ou não, sempre vai haver essa comparação (FP10).

Se os alunos me questionarem se já trabalhei na área da minha disciplina, vou ter que dizer que não. Eu sinto que faz diferença. O aluno espera uma formação técnica e um professor com experiência e isso está longe de ser o que define uma enfermeira. Uma aula mais dialogada, em grupos, com leituras não é considerado “dar aula”. Eles querem aquilo que interpretam como conhecimento técnico, científico, clínico (FP2).

Muitas vezes os alunos dizem “tal professora soube explicar, mas não soube fazer”. Então, se você perguntar aos alunos sobre quem eles preferem dando aulas, é quem punciona qualquer veia, sabe fazer bem um curativo, te auxilia com a técnica durante um estágio, dá segurança e não quem sabe a teoria, mas treme na hora e não sabe como fazer (PA14).

Mesmo no repertório de lembranças sobre o que é ser docente, a definição do que gostaria de repetir ou não, sugere um rechaço aos professores considerados teóricos, por estes não compreenderem a amplitude e os meandros de uma prática vivida cotidianamente com pacientes, familiares e profissionais.

Incomodava-me professores competentes, mas excessivamente teóricos. Nunca haviam entrado em um hospital! A teoria é parte importante do aprendizado, mas a prática, na nossa área, é essencial. Os alunos veem essa diferença, você tem histórias para contar. Quando você entende o que se passa num plantão de 12 horas, sabe que existem muitas situações para além do que está explícito nos livros, inclusive em termos de relações pessoais (F04).

Há aspectos vivenciais que os livros não trazem. Eu consigo com que o aluno faça correlações entre teoria e prática, consigo discutir os meus sentimentos quando vivi alguma situação na enfermagem e como lidei com ela. E enfermagem é isso, é prática, é o dia a dia no trabalho, são as relações, as vivências (FP05).

O fato de você nunca ter trabalhado na assistência, torna sua prática mais difícil, principalmente para criar situação de reflexão. Há coisas que não estão descritas nos livros. Se você tem vivência, fica mais fácil ajudar o aluno a refletir sobre os processos (FP02).

Na comparação entre ministrar disciplinas em que há domínio do repertório e outra em que não há, a participante expõe que o conhecimento de uma área facilita o processo, pois há identificação com o gostar, o viver, além de sentimentos de paixão e segurança sustentando o ensino.

Tenho disciplinas em que eu não tenho essa experiência, essa vivência. Eu consigo passar o conteúdo, consigo ensinar, mas preciso estudar muito para ter alguma segurança de chegar à sala de aula e ensinar. É a mesma coisa( Não, não é. Ensinar aquilo que eu gosto, teorias que domino, práticas que vivenciei é transmitir paixão, segurança. É saber de detalhes da prática que não estao descritos nos livros (P12).

Para o professor com bagagem prática, não há sustos, ele sabe como lidar, como resolver os problemas em sua área, ele sabe que muitas vezes o que vive está distante da perfeição dos livros (FP05).

A noção de que basta dominar a especialidade para ter sucesso como docente, com práticas pedagógicas advindas da experiência profissional estão fortemente presentes e é fator reconhecido no repertório docente em sala de aula.

A dicotomia especialista x generalista: discursos em contraposição

A referida necessidade de experiência prática pode ser compreendida de outra forma, quando percebida como uma aquisição possível durante seu processo de formação como enfermeiro, por meio da realização de estágios extracurriculares e aproveitamento de inúmeras atividades que reforcem o conhecimento e contribuam para o desenvolvimento de alguma experiência com relação à prática de enfermagem.

A prática é essencial para um professor, mas isso também pode vir da experiência acadêmica e não necessariamente da vivência profissional. Se um graduado que não buscou aprender mais em atividades extracurso fosse dar aula em seguida, sim, isso seria complicado (F01).

Nunca trabalhei como enfermeira, mas tive muitas experiências durante a graduação, que me fortaleceram muito e fortaleceram a minha prática (F06).

Há quem tenha vinte anos de prática e seja péssimo professor. A Enfermagem é muito mais que técnicas ou acúmulo de anos em alguma especialidade. Aliás, as técnicas de enfermagem são fáceis, não há complexidade. Na graduação, no último ano, principalmente, se pode adquirir destreza manual de maneira muito rápida (F03).

Em contrapartida, alguns participantes deste estudo compreendem a docência por outra ótica, cuja centralidade está na amplitude da enfermagem, enquanto profissão, e suas muitas possibilidades de trabalho. Ao mesmo tempo em que consideram a enfermagem uma profissão técnica, também a percebem como uma teorização. Ou ainda, que o desenvolvimento de habilidades para o ensino se sobreponha às habilidades técnicas.

A experiência prática ajuda, mas não é imprescindível. Ouço os alunos comentando que o professor x nunca trabalhou, penso na pessoa e percebo que a relação que faz com a teoria é péssima. A destreza encanta os alunos (F08).

Eu penso que não há necessidade de experiência prática na enfermagem para o exercício da docência. Isto me parece uma ideia antiga, absorvida pelos profissionais (F03).

Ter anos de prática não garante nada, a ausência de experiência prática também não. Isso depende da trajetória de cada um. Na minha área eu me sinto segura, mas se eu fosse para outra especialidade, não me sentiria (F06).

Outra ideia presente indica a enfermagem como uma profissão generalista, cujo conhecimento base permite a atuação em muitas áreas ou especialidades diferentes. Os deslocamentos de áreas, as trocas de disciplinas mesmo sem o conhecimento do conteúdo, não seriam problemas, pois, o professor de enfermagem pode atuar em muitas frentes. A possibilidade de não escolher a área para a docência é uma realidade na enfermagem, tanto para as instituições públicas quantos para as privadas.

Para ser professor de enfermagem você não precisa ter 10 ou 20 anos de experiência prática. Você tem que saber ensinar. Até por que eu posso ter experiência em saúde mental e acabar dando aula na terapia intensiva. Uma enfermeira com anos de atuação na atenção primária, não necessariamente dá aula de atenção primária, e aí( Isso acontece muito, esses deslocamentos de áreas. Você tem é que estar preparado para isso (F03).

Para ser enfermeiro de terapia intensiva, eu preciso entender de terapia intensiva, o mesmo para ginecologia ou trauma ou saúde pública. Mas para ser professor de enfermagem, parece que não preciso ter nenhuma habilidade específica identificável ou formal (P12).

Eu nunca trabalhei em hospital e hoje ministro aulas de um conteúdo exclusivo de ambiente hospitalar. Sei que algumas vezes o fato de eu trabalhar um conteúdo técnico de forma apenas teórica pode ser um problema. Mas também penso que eles terão estágios a seguir e a professora de estágio tem experiência (PA17).

A percepção de que há uma distância entre a enfermagem e o que ensinam os professores de enfermagem esteve presente, indicando que no mundo do trabalho do enfermeiro, esta faz algo, mas não produz conhecimento, e que o ensino deveria estar centrado nessa realidade: a de um professor que ensina o conhecimento que produz.

A enfermagem precisa antes de tudo se assumir, ter concepções mais profissionais de cuidado. Eu deveria ensinar aquilo que utilizo com sucesso no meu dia a dia, minhas pesquisas em campo, todas as experiências que eu valido cotidianamente no meu espaço de trabalho. Mas agora o que temos é exatamente isso: enfermeiras assistenciais de um lado, professoras de enfermagem de outro (PA18).

Isso de ser generalista me incomoda um pouco, porque facilmente dá a ideia de que podemos fazer de tudo um pouco e isso não é real. Por mais que entenda que a especialidade pode ser um problema, por outro lado ela não é. A terapia intensiva avançou, dentre muitos outros fatores, por que é uma especialidade. Talvez a chave seja ser um especialista que entende que é parte de algo, e não um que pensa que sua parte é a única que existe (PA15).

Desta forma, esses dois aspectos, a percepção sobre seu trabalho e a experiência profissional, emergem como constituintes de um processo identitário ainda pouco compreendido, atrelado a questões conflitivas da própria enfermagem, principalmente, as relações desta com o conhecimento e a exaltação da técnica como marcador mais importante da profissão e de seu ensino.

DISCUSSÃO

São muitos os aspectos a serem considerados quando se intenciona compreender o ensino na Enfermagem (generalizáveis para os demais cursos de graduação, principalmente na área da saúde). Não é possível dissociar a docência em enfermagem da própria enfermagem e há inúmeros aspectos que se entrecruzam e geram repercussões em ambas as atividades. Os conflitos existentes influenciam no processo identitário docente e ajudam a entender as escolhas pedagógicas dos professores. As representações sobre as funções profissionais, os processos instrucionais de ensino aprendizagem e avaliação e os sentimentos desencadeados pelo exercício docente estão intimamente relacionados às concepções que o professor tem sobre ensinar e a maneira como se dá o ensino.33. Monereo C, Badia A. Los heterónimos del docente: identidad, selves y enseñanza. In MonereoC, Pozo JI, editors). La identidad en la psicología de la educación: necesidad, utilidad y límites. Madrid (ES): Narcea; 2011. p.57-75.

Desta forma, a existência de experiência anterior ou concomitante como enfermeiro assistencial se constituiu para os participantes desta pesquisa em fator de grande relevância, à medida que foi percebida como facilitador do trabalho docente, guia para as atividades e certificador de certo prestígio em sala de aula. A experiência técnica, as habilidades desenvolvidas ao longo da prática clínica ou gestão de unidades impõem um caráter de “saber o que está ensinando”, pois há domínio do território.1212. Johnson M, Cowin LS, Wilson I, Young H. Professional identity and nursing: contemporary theoretical developments and future research challenges. Int Nurs Rev [Internet]. 2012 [cited 2016 Jan 10]; 59(4):562-9. Available from: https://dx.doi.org/10.1111/j.1466-7657.2012.01013.x
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As relações entre teoria e prática são discutidas desde a Reforma Universitária e Reforma Sanitária Brasileira. A produção de pesquisas e artigos é considerado algo teórico, enquanto que a atuação na prática, algo técnico. A existência simultânea desses dois aspectos ajuda a dicotomizar a ideia de um professor de Enfermagem como alguém que ou sabe algo ou faz algo.1313. Lima RS, Lourenço EB, Rosado SR, Fava SMCL, Sanches RS, Dázio EMR. Representation of nurse’s managerial practice in inpatient units: nursing staff perspective. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2016 [cited 2016 Jan 10];37(1):e54422. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2016.01.54422
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-1414. Valença CN, Santos RCA, Medeiros SM, Guimarães J, Germano RM, Miranda FAN. Reflections on the articulacion between the homo faber and homo sapiens in nursing. Esc Anna Nery Rev Enferm [Internet]. 2013 [cited 2016 Jan 20]; 17(3):568-72. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S1414-81452013000300023
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O ensino de algo que nunca foi experimentado não é incomum entre os profissionais de distintas áreas de conhecimento com dedicação integral à docência, ou mesmo com dedicação parcial, fato este que pode ser agravado pela ausência de formação ou conhecimento pedagógico, por acabar então, ao reproduzir as propostas de seus professores de graduação, apenas repassando conhecimentos.1515. Freire LIF, Fernandes C. O professor universitário novato: tensões, dilemas e aprendizados no início da carreira docente. Cienc Educ [Internet]. 2015 [cited 2016 June 10]; 21(1):255-72. Available from Available from https://dx.doi.org/10.1590/1516-731320150010016
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Estudos citam a necessidade de existência do que denominam credibilidade clínica ou competência clínica, definidas como a capacidade de oferecer assistência direta aos pacientes, como uma característica imperativa ao professor de enfermagem, pois auxilia no ensino de qualidade.1616. Ludin M, Fathullah NMN. Undergraduate nursing students' perceptions of the effectiveness of clinical teaching behaviours in Malaysia: a cross-sectional, correlational survey. Nurse Educ Today [Internet]. 2016 [cited 2017 Jan 10]; 44:79-85. Available from: https://dx.doi.org/10.1016/j.nedt.2016.05.007
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São muitas as polarizações ou dicotomias que têm sustentado a história profissional da enfermagem e igualmente, a história da docência na enfermagem. O processo identitário dos enfermeiros se situa, dentre outros aspectos, em “anjo branco/prostituta, mãe/amante, rica/pobre, branca/negra, moça de boa família/ moça de família duvidosa, enfermagem não tem sexo/personagem de filme pornográfico, docente/assistencial, vestida de uniforme/seminua de lingerie”.1717. Gentil RC. O enfermeiro não faz marketing pessoal: a história explica por quê? Rev Bras Enferm [Internet]. 2009 [cited 2017 Jan 10]; 62(6):916-8. Available from: https://www.scielo.br/pdf/reben/v62n6/a19v62n6.pdf
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O processo identitário dos professores de enfermagem parece enveredar por caminhos bastante semelhantes, pois dele emergem as questões entre domínio da teoria(domínio da prática, experiência assistencial(inexperiência assistencial, dedicação exclusiva ao ensino(dedicação à docência e à assistência em concomitância.

Estudos1818. Bettancourt L, Muñoz LA, Merighi MAB, Santos MF. Nursing teachers in clinical training areas: a phenomenological focus. Rev Latino-Am Enferm [Internet]. 2011 [cited 2016 Jan 10]; 19(5):1197-204. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692011000500018
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-1919. Gustafsson M, Engström AK, Ohlsson U, Sundler AJ, Bisholt B. Nurse teacher models in clinical education from the perspective of student nurses - a mixed method study. Nurse Educ Today [Internet]. 2015 [cited 2016 Jan 10]; 35(12):1289-94. Available from: https://dx.doi.org/10.1016/j.nedt.2015.03.008
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que objetivaram compreender a experiência de professores de enfermagem em campo de prática apontaram que estes se encontram em um espaço distinto do seu, por tempo limitado, ao desenvolverem atividades em hospitais, tais como as relações com pacientes e equipe, apresentando, por vezes, sentimentos de insegurança, medo e angústia, provocados pelo contato com as atividades da clínica.

A existência de conflitos entre a academia e os serviços de saúde não é fator novo, tampouco, exclusivo da Enfermagem. Conflitos desta ordem têm sido descritos e são percebidos, principalmente, nas divergências entre a orientação teórica na academia e o modelo de assistência hospitalar.2020. Azevedo DM, Azevedo IC, Holanda CSM, Santos QG, Vale LD, Cassiano AN. Da academia à realidade: uma reflexão acerca da prática do exame físico nos serviços de saúde. Saúde Transform Soc [Internet]. 2013 [cited 2015 Jan 10]; 4(4):106-10. Available from: https://incubadora.periodicos.ufsc.br/index.php/saudeetransformacao/article/view/1550/3464
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Neste cenário, a ausência de habilidade técnica em determinados procedimentos ou especialidades é interpretada como incompetência para a prática profissional. Há supervalorização das habilidades técnicas, percebida como indicador da capacidade profissional de um enfermeiro.2121. Voldbjerg SL, Grønkjær M, Sørensen EE, Hall EOC. Newly graduated nurses’ use of knowledge sources: a meta-ethnography. J Adv Nurs [Internet]. 2016 [cited 2016 Dec 10]; 72(8):1751-65. Available from: https://dx.doi.org/10.1111/jan.12914
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-2222. Queiros PJP. The knowledge of expert nurses and the practical-reflective rationality. Invest Educ Enferm [Internet]. 2015 [cited 2016 June 10]; 33(1):83-91. Available from: https://dx.doi.org/10.17533/udea.iee.v33n1a10
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A prática é o conhecimento corporificado tecnicamente e influencia as decisões pedagógicas dos professores de enfermagem, porém, ao interpretá-la de maneira desconectada de uma produção de conhecimento acadêmico e distante do que é proposto pela formação, pode reforçar a ideia de que apenas o domínio de um corpo de conhecimentos e a experiência profissional sustentam a docência universitária.2323. Arantes APP, Gebran RA. Docência no Ensino Superior: trajetórias e saberes. Jundiaí, SP (BR): Paco editorial; 2013.

Estudo2424. Barlem JGT, Lunardi VL, Barlem ELD, Bordignon SS, Zacarias CC, Lunardi Filho WD. Fragilidades, fortalezas e desafios na formação do enfermeiro. Esc Anna Nery Rev Enferm [Internet]. 2012 [cited 2015 Jun 10]; 16(2):347-53. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S1414-81452012000200020
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apontou que, na percepção de alunos de um curso de graduação, professores afastados da assistência ou sem experiência profissional são considerados como uma das fragilidades em seu processo de formação. Aos professores que também atuam como profissionais das áreas em que lecionam se imputa um desempenho diferenciado, pois se considera que seus conhecimentos ultrapassam as experiências, enquanto alunos.2525. Wagner AL. A prática profissional e o desempenho docente. Rev Fundarte. 2015; 15(29):74-88.

Desta forma, a relação da Enfermagem com o conhecimento e consequentemente com a relação percebida entre teoria/prática permite inúmeros discursos sobre o ensino e seus métodos, sobre as necessidades dos alunos e sua aprendizagem. Esvazia-se de sentido a ação docente quando se pensa que a teoria é algo desvinculado da realidade e a prática, uma experiência desvinculada da teoria.

Os processos, as práticas e as experiências acumuladas constituem parte do conhecimento da Enfermagem. A apreensão deste conhecimento pelos enfermeiros se dá por comparação, experimentação, por associação com outros conhecimentos e por interação com outros profissionais.2626. Santos SVM, Ribeiro ME, Motta ALC, Silva LJA, Resck ZMR, Terra FS. Building knowledge in nursing: a reflective theoretical and methodological approach for nurses training. Rev Enferm UFPE on line [Internet]. 2016 [cited 2016 June 10]; 10(1):172-8. Available from: https://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v10i1a10935p172-178-2016
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Para a Enfermagem, teoria e prática são elementos não passiveis de desvinculação, mas complementares, portanto, resultado de suas interações constantes.2727. Merighi MAB, Jesus MCP, Domingos SRF, Oliveira DM, Ito TN. Ensinar e aprender no campo clínico: perspectiva de docentes, enfermeiras e estudantes de enfermagem. Rev Bras Enferm [Internet]. 2014 [cited 2016 Jan 10]; 67(4):505-11. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2014670402
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O maior obstáculo ao pensar essas interações parece residir na dificuldade dos profissionais da enfermagem em mudarem paradigmas, pois há problemas em diferenciar o que fazem e está registrado, e o que dizem fazer.

Desta forma, quando afirmam que a prática assistencial é essencial ao professor, entende-se um modo de conceber a teoria e a prática. Qual conhecimento é necessário, afinal, ao enfermeiro? A enfermagem está destinada a ser, permanentemente, uma prática puramente empírica instrumental? No espaço de formação do enfermeiro a não clarificação desse objeto infere ao ensino uma confusão epistemológica, com consequências não apenas para a Enfermagem como profissão, mas também sobre as atividades assumidas em nome da Enfermagem. A apropriação de teorias que conduzam e orientem as práticas é fundamental para o entendimento de que a relação entre uma e outra é de complementaridade e não de oposição. Pensá-las em simultaneidade seja, talvez, o grande desafio.88. Marañóna AA, Pera MPI. Theory and practice in the construction of professional identity in nursing students: a qualitative study. Nurse Educ Today [Internet]. 2015 [cited 2016 June 10]; 35(7):859-63. Available from: https://dx.doi.org/10.1016/j.nedt.2015.03.014
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Ao refletir o processo identitário dos professores de Enfermagem, suas crenças, concepções e teorias sobre a própria enfermagem, os professores as transpõem à sua ação docente. O referido descompasso entre a enfermagem “do mundo real” e aquela que é ensinada nos cursos de graduação é fruto também de que não se reconhece, ou se explicita de modo desejável, a necessidade de superação de paradigmas na Enfermagem, relativas a uma forma profissional de concepção do ensino e aos novos modos de relação expressas pela contemporaneidade. Novas ideias ou propostas devem ser assimiladas e compreendidas e não apenas adotadas como “modismos”, ou reduzidas em sua essência até se esvaziarem por completo de sentido, sem aprofundamento teórico ou interesse genuíno.55. Hatlevik IKR. The theory-practice relationship: reflective skills and theoretical knowledge as key factors in bridging the gap between theory and practice in initial nursing education. J Adv Nurs[Internet]. 2012 [cited 2016 Dec 20]; 68(4):868-77. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.13652648.2011.05789.x/abstract;jsessionid=22c02c895a0a5a97e106ea79b714f61f.f02t01
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,2828. Silva LAA, Soder RM, Schimdt SM, Noal HC, Arboit ÉL, De Marco VR. Teacher archetypes: perceptions of nursing students. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Jan 10];25(2):e0180014. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0104-07072016000180014
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Conceber a enfermagem como profissão técnica, sem compreender o seu objeto de fato, ou desconectada do que acontece no mundo do trabalho garantirá apenas a reprodução de práticas isoladas ou percepções que apartam e contrapõem teoria e prática.2929. Grealish L, Smale LA. Theory before practice: implicit assumptions about clinical nursing education in Australia as revealed through a shared critical reflection. Contemp Nurse [Internet]. 2011 [cited 2016 Jan 10]; 39(1):51-64. Available from: https://dx.doi.org/10.5172/conu.2011.39.1.51
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Desta forma, os conflitos existentes entre ter experiência assistencial, ou não, e seus reflexos na forma de ensinar são percebidos como úteis, pois a formação profissional não é necessariamente idêntica à prática profissional, uma vez que não se pode limitar a reproduzi-la. A tensão existente pode permear o entendimento de que mudanças são necessárias e endossá-las no sentido de aproximar teoria e prática.1212. Johnson M, Cowin LS, Wilson I, Young H. Professional identity and nursing: contemporary theoretical developments and future research challenges. Int Nurs Rev [Internet]. 2012 [cited 2016 Jan 10]; 59(4):562-9. Available from: https://dx.doi.org/10.1111/j.1466-7657.2012.01013.x
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,3030. Goodman B. “What are nurse academics for?” Intellectual craftsmanship in an age of instrumentalism. Nurse Educ Today [Internet]. 2013 [cited 2016 Jan 10]; 33(2):87-9. Available from: https://dx.doi.org/10.1016/j.nedt.2012.08.015
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Considerou-se como limitação para comparações e reflexões com os resultados desse estudo o quantitativo de pesquisas publicadas nesta temática na área da Enfermagem. Desse modo, aponta-se a necessidade de privilegiar estudos que busquem compreender os processos de constituição identitária docente, permitindo maior compreensão e qualificação da educação superior em Enfermagem.

CONCLUSÃO

As concepções dos professores sobre a teoria e prática na Enfermagem valorizam a vertente prática da profissão. O entendimento de que a Enfermagem “faz” algo, e esse, para ser ensinado, deve ser anteriormente experienciado, revela uma percepção de ensino eminentemente baseado no domínio do conteúdo ou de uma especialidade. Ao ser território conhecido, fornece ao professor a sensação de conhecimento e autoridade para ensinar, sem que exista uma preocupação com a forma como se ensina. Em áreas complexas, o domínio do conteúdo é realmente vantajoso às práticas docentes, mas não infere que o ensino seja apenas a transmissão de um conhecimento especializado, adquirido e transmitido por meio de experiências prévias ou memórias, por vezes nebulosas, de antigos professores ou de seu próprio processo de aprendizagem.

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NOTAS

  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, aprovado sob o Parecer n. 724.391, CAAE n. 33241314.2.0000.0121.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2017
  • Aceito
    29 Jan 2018
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