DISFUNÇÕES NO DESENVOLVIMENTO SOCIOEMOCIONAL DE LACTENTES E SEUS FATORES RELACIONADOS: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

RESUMO

Objetivo:

sintetizar os fatores relacionados às disfunções no desenvolvimento socioemocional dos lactentes.

Método:

revisão integrativa realizada entre abril e agosto de 2016 com critérios definidos de inclusão e exclusão dos estudos, estratégias de busca, extração e síntese dos dados. Os fatores de exposição sofreram análise temática categorial e sistematização segundo os níveis do contexto (Microssistema, Mesossistema, Exossistema e Macrossistema) do Modelo Bioecológico de Desenvolvimento Humano.

Resultados:

no contexto do Microssistema e Mesossistema, os fatores encontrados foram: limitações no cuidado; adversidades nas relações familiares e no apoio social e situação de adoecimento dos cuidadores que influem nos processos proximais. No Exossistema e no Macrossistema, foram: vulnerabilidades sociais dos cuidadores e fragilidades das políticas públicas, que determinam as condições materiais e sociais da família.

Conclusão:

a síntese de evidências sobre os fatores de exposição favorece a construção de escalas de medida dos elementos contextuais relacionados ao desenvolvimento socioemocional de crianças pequenas. Muito além dos marcos, presentes ou não, na avaliação de uma criança, essas tecnologias podem ser preditivas, com grande potencial de antecipação dos fatores de exposição e de prevenção das disfunções no desenvolvimento.

DESCRITORES:
Lactente; Desenvolvimento infantil; Deficiências do desenvolvimento; Transtornos globais do desenvolvimento infantil; Enfermagem pediátrica

ABSTRACT

Objective:

to synthesize factors related to dysfunctions in the socioemotional development of infants.

Method:

integrative review carried out between April and August 2016 with defined criteria for inclusion and exclusion of studies, search strategies, extraction and synthesis of data. The exposure factors underwent categorical thematic analysis and systematization according to the levels of the context (Microsystem, Mesosystem, Exosystem and Macrosystem) of the Bioecological Model of Human Development.

Results:

in the context of the Microsystem and Mesosystem, the factors found were: limitations in care; adversities in family relationships and in the social support and illness situation of the caregivers that influence the proximal processes. In the Exosystem and the Macrosystem, they were: social vulnerabilities of caregivers and fragilities of public policies that determine the material and social conditions of the family.

Conclusion:

the synthesis of evidence on exposure factors favors the construction of measurement scales of the contextual elements related to the social emotional development of young children. Beyond the milestones, present or not, in the evaluation of a child, these technologies can be predictive, with great potential of anticipation of the factors of exposure and prevention of developmental dysfunctions.

DESCRIPTORS:
Infant; Child development; Developmental Disabilities; Child development disorders, pervasive; Pediatric nursing

RESUMEN

Objetivo:

sintetizar los factores relacionados con las disfunciones en el desarrollo socioemocional de los lactantes.

Método:

revisión integrativa realizada entre abril y agosto de 2016 con criterios definidos de inclusión y exclusión de los estudios, estrategias de búsqueda, extracción y síntesis de los datos. Los factores de exposición sufrieron análisis temáticos categorial y sistematización según los niveles del contexto (Microsistema, Mesosistema, Exossistema y Macrosistema) del modelo bioecológico de desarrollo humano.

Resultados:

en el contexto del Microsistema y Mesosistema, los factores encontrados fueron: limitaciones en el cuidado; adversidades en las relaciones familiares y en el apoyo social y situación de enfermedad de los cuidadores que influyen en los procesos proximales. En el Exossistema y en el Macrosistema, fueron: vulnerabilidades sociales de los cuidadores y fragilidades de las políticas públicas, que determinan las condiciones materiales y sociales de la familia.

Conclusión:

la síntesis de evidencias sobre los factores de exposición favorece la construcción de escalas de medida de los elementos contextuales relacionados al desarrollo socioemocional de niños pequeños. Mucho más allá de los marcos, presentes o no en la evaluación de un niño, esas tecnologías pueden ser predictivas, con gran potencial de anticipación de los factores de exposición y de prevención de las disfunciones en el desarrollo.

DESCRIPTORES:
Lactante; Desarrollo infantil; Discapacidades del desarrollo; Trastornos generalizados del desarrollo infantil; Enfermería pediátrica

INTRODUÇÃO

Desenvolvimento infantil pode ser definido como um processo de continuidade e mudança das características biopsicológicas da criança, a fim de adquirir novas competências que podem contribuir para sua sobrevivência e autonomia ao longo de sua vida.1^-2Trata-se de um fenômeno que pode ser apreendido em diversos domínios inter-relacionados, nominados e organizados segundo as perspectivas diversas das abordagens dos estudiosos do tema.3

Neste estudo, adota-se a conceituação de Bronfenbrenner e Morris2 que classificam o desenvolvimento segundo as habilidades ou competências intelectuais, físicas e socioemocionais, que podem se manifestar de forma combinada. Essas competências resultam de interações complexas entre elementos biopsicológicos (pessoais) e contextuais (ambientais) ao longo da vida da criança, e podem ser definidas como aquisições demonstradas por meio do desenvolvimento do conhecimento, habilidade ou capacidade de conduzir e dirigir os próprios comportamentos ao longo da vida.1

Assim, o desenvolvimento socioemocional é o processo de intersecção do desenvolvimento da criança nas perspectivas social e emocional e está relacionado à expressão da emoção em contextos sociais, nos desencadeadores sociais de expressões emocionais, na construção social da experiência e compreensão emocional, nas ramificações sociais das reações sociais, e nos efeitos da emoção no comportamento social.4

Há uma convergência teórica de que os lactentes possuem padrões comuns de desenvolvimento socioemocional. No entanto, também se entende que, desde o final do período neonatal, eles apresentam personalidades e reações distintas, que refletem tanto suas características biopsicológicas como as ambientais, as interações da criança ou os seus relacionamentos sociais.2^,4 As emoções, o temperamento e a confiança são fundamentos básicos do desenvolvimento socioemocional, que delinearão as primeiras experiências do lactente com os pais e as aquisições de competências do lactente nessa área.⁴ A partir desses fundamentos psicossociais, o desenvolvimento socioemocional pode ser apreendido pela avaliação de marcos do desenvolvimento a partir dos seguintes domínios: apego, competência social, competência emocional e autopercepção.5

O desenvolvimento socioemocional está intimamente ligado ao desenvolvimento físico cerebral e às interações ou processos proximais vivenciados pelo lactente desde o nascimento.2^,6 Há evidências da influência da maturação neurológica no desenvolvimento socioemocional do lactente, que estão relacionadas a eventos fisiológicos.7 O desenvolvimento da criança pequena, especificamente o domínio socioemocional, é amplamente condicionado por fatores de exposição relacionados ao contexto e cuidado recebido por parte dos cuidadores, que demonstram a condição de vulnerabilidade da criança em sofrer disfunções socioemocionais.8

Este estudo parte do pressuposto de que o conhecimento desses fatores de exposição pode orientar a construção de tecnologias em saúde que promovam o cuidado e o desenvolvimento socioemocional,8 pelo fortalecimento dos processos proximais, que são as formas específicas de interação entre a criança e o seu ambiente.1^-2

O domínio do desenvolvimento socioemocional é um campo de potencial atuação do enfermeiro, que regularmente atende a criança desde o seu nascimento, por meio de consultas, ações de educação em saúde, visitas domiciliares, que demandam a construção de vínculos com os cuidadores.8 Todavia, as tecnologias disponíveis para o monitoramento do desenvolvimento da criança, como escalas baseadas em marcos e sinais objetivos, estão fundamentadas nas habilidades da criança, mas podem considerar pouco os contextos que condicionam o seu processo de desenvolvimento.5

Os profissionais de enfermagem podem utilizar instrumentos que identifiquem as condições de vulnerabilidade dos lactentes para sofrer prejuízos em seu desenvolvimento, a fim de propor intervenções que fortaleçam a proteção, estímulo, cuidado e construção de vínculos com a criança3^,8 e que produzam resultados positivos no desenvolvimento socioemocional.2^,4 Dessa forma, a síntese dos fatores relacionados às disfunções no desenvolvimento socioemocional, proposta nesta revisão, pode auxiliar os profissionais de enfermagem a monitorar o desenvolvimento socioemocional do lactente para além do desempenho momentâneo, e estabelecer prioridades de assistência de acordo com as suas reais necessidades em saúde.8

Assim, este estudo teve como objetivo sintetizar os fatores relacionados às disfunções no desenvolvimento socioemocional dos lactentes.

MÉTODO

Revisão integrativa, a partir da questão de pesquisa: “Quais fatores de exposição estão relacionados com as disfunções no desenvolvimento socioemocional dos lactentes?” Foram seguidos os passos metodológicos: definição dos critérios de inclusão dos estudos (participantes, fatores de exposição, desfechos e tipos de estudos, definição das estratégias de busca, extração e síntese dos dados), buscando a clareza e o rigor necessários ao estudo.⁹

Os critérios de inclusão foram: estudos sobre crianças de zero a dois anos de idade, bem como estudos com crianças em idades pré-escolar ou escolar, cuja exposição aos elementos condicionantes se deu no período de zero a dois anos, e seu desfecho tenha sido medido a posteriori. Como fatores de exposição, foram estabelecidos comportamentos, ações e atividades ligadas ao cuidado da criança e às questões contextuais, socioeconômicas, políticas e culturais relacionadas às ações de cuidado. Como desfechos, foram escolhidos sinais de disfunções no desenvolvimento socioemocional por meio do estudo dos domínios: apego, competência social, competência emocional e autopercepção. Foram incluídos estudos que adotaram qualquer tipo de avaliação da criança, como escalas de desenvolvimento, ou outros testes ou avaliações específicos que possibilitam diagnósticos ou classificações de disfunção socioemocional somente.

Os tipos de estudos da amostra final foram estudos originais observacionais longitudinais de coorte ou caso-controle, ou transversais; quase experimentais, ou qualitativos exploratórios, teóricos, etnográficos, pesquisa-ação, ou estudo de caso.

A busca, realizada entre abril e agosto de 2016, teve como estratégias: estudos publicados em inglês, português e espanhol; no período de 2011-2015 (cinco anos retrospectivos); nas bases ou portais: PubMed (US National Library of Medicine National Institutes Database Search of Health); CINAHL (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature); LILACS (Latin-American and Caribbean Center on Health Sciences Information); Web of Science; SCOPUS; ERIC (Education Resources Information Center) e PsycNET.

Para garantir a busca mais focal e específica, considerando a necessidade de identificação dos fatores de exposição, foram utilizadas as seguintes palavras-chave: [“emotional development” OR “emotional and social development” OR “social-emotional development” OR “socioemotional development”]. Cada base de dado ou portal teve a sua própria estratégia de busca estabelecida e validada por uma bibliotecária.

Os artigos selecionados após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, mediante leitura dos resumos, foram lidos na íntegra. Os dados extraídos dos artigos foram organizados numa planilha com informações como idade do participante, classificação do participante segundo o Medical Subject Headings (MeSH), fator(es) de exposição encontrado(s), desfecho(s): domínios do desenvolvimento socioemocional (DSE),5 número da referência, base de dados/portal, localização na base de dados, ano de publicação, referência, tipo de estudo, objetivo e natureza do mesmo.

Para a síntese dos dados, os fatores de exposição foram submetidos à análise temática categorial10 e sistematizados segundo os níveis do contexto (Microssistema, Mesossistema, Exossistema e Macrossistema) descritos no Modelo Bioecológico de Desenvolvimento Humano.1^-2 Assim, as categorias foram elaboradas a partir dos dados e refletem os fatores que condicionam o desenvolvimento socioemocional do lactente. São elas: limitações no cuidado; adversidades nas relações familiares e no apoio social e situação de adoecimento dos cuidadores, que estão presentes no Microssistema e Mesossistema; vulnerabilidades sociais dos cuidadores e fragilidades de políticas e programas, que se localizam no Exossistema e o Macrossistema.2

RESULTADOS

Na busca inicial, foram identificados 652 artigos, os quais foram tabulados na plataforma Endnote®. Essa tabulação permitiu eliminar 111 artigos repetidos em mais de uma base de dado/portal, restando 541 artigos para a leitura flutuante dos títulos e resumos. Nessa leitura, foram excluídos 429 artigos que não contemplavam os critérios de inclusão definidos. Dessa forma, a amostra final de artigos incluídos para a extração dos dados foi de 109 artigos. Os resultados desse passo metodológico estão detalhados na Tabela 1.

Tabela 1 -
Número de artigos recuperados, excluídos por repetição e pela leitura flutuante, e incluídos na amostra final para a extração de dados. São Paulo, SP, 2016. (n=652)

Base de dados /Portal	Artigos recuperados inicialmente	Artigos sem repetição	Artigos excluídos após leitura flutuante	Amostra final	Referências
CINAHL	26	19	13	6	11-16
ERIC	77	74	65	9	17-25
LILACS	5	5	4	1	26
PsycNET	59	59	57	2	27-28
PubMed	104	104	62	42	29-70
SCOPUS	309	232	206	26	71-96
Web of Science	72	48	25	23	97-119
Total de artigos	652	541	429	109

A Tabela 2 mostra a distribuição dos estudos segundo seu objetivo e natureza metodológica. A maioria absoluta dos estudos é de natureza quantitativa e de estudos observacionais longitudinais e transversais.

Tabela 2
Distribuição e indicação das referências bibliográficas dos estudos incluídos na amostra final, segundo o tipo. São Paulo, SP, 2016. (n=109)

Tipo de estudo	Artigos n	Referências
Observacional longitudinal	54	12-14, 16, 21, 23-25, 30-31, 34-35, 41-43, 46-48, 50-53, 55-58, 61- 62, 69-70, 74, 76, 79, 82, 85-86, 89-91, 93-95, 97-100, 106-108, 110, 113, 115, 118-119
Observacional transversal	25	19- 20, 22, 26, 28-29, 32, 36-37, 39-40, 44-45, 49, 60, 67, 73, 80-81, 84, 88, 96, 102, 116-117
Teórico	13	17, 33, 38, 54, 66, 68, 75, 77, 83, 87, 101, 109,111
Experimental	12	59, 63-65, 71-72, 78, 92,103-104, 112, 114
Descritivo	3	11, 15, 18
Metodológico	1	105
Quase-experimental	1	27
Total	109

A Tabela 3 apresenta o perfil dos participantes dos estudos e evidencia que a maioria das investigações focou a medida dos desfechos em crianças menores de cinco anos. Todavia, muitos estudos mediram seus desfechos até a adolescência.

Tabela 3 -
Distribuição dos estudos incluídos na amostra final segundo os participantes, e classificados conforme o Medical Subject Headings (MeSH). São Paulo, SP, 2016.

Participantes	Artigos n	Referências
Recém-nascidos (0-28 dias)	1	32
Lactentes (1 mês - 2 anos)	39	12, 14-15, 30, 33-35, 37-40, 43,46, 48-49, 53-54, 57-59, 61, 63-64, 66-69,78-79, 81, 84, 86,90-94, 118-119
Lactentes/pré-escolares (1 mês - 5 anos)*	30	11, 16, 20-22, 25, 31, 36, 41-42, 44-45, 47, 50-52, 55, 62, 65, 71-74, 76, 100-101, 108-110, 113
Lactentes/pré-escolares/ escolares*	20	17-18, 23, 26, 60, 75, 77, 80, 82-83, 87-88, 97-99, 103, 105-107, 111
Pré-escolares (2 anos - 5 anos)*	16	13, 19, 24, 27-29, 56, 70, 95-96, 102, 112, 114-117
Pré-escolares/escolares (2 anos - 12 anos)*	1	85
Pré-escolares/escolares/ adolescentes (2 anos - 17 anos)*	1	89
Escolares (6 anos - 12 anos)*	1	104
Total	109	32

• * Estudos que avaliaram o desfecho num período posterior ao período de lactente (maior que dois anos). Todavia, a exposição se deu antes dos dois anos.

Na Tabela 4, são apresentados os desfechos investigados nos estudos incluídos na amostra final os agrupamentos realizados.⁵ Os resultados mostram que, a maioria dos estudos é focada em investiga os desfechos de competências social e emocional, e os domínios mais estudados do desenvolvimento socioemocional.

Tabela 4 -
Distribuição dos estudos incluídos na amostra final, segundo os desfechos. São Paulo, SP, 2016.

Desfechos	Artigos (n)	Referências
Competência social/ Competência emocional	76	11-25, 27, 32, 35, 38-39, 42-45, 47-48,50-51, 53-54, 56-59, 62-66, 68-81, 84, 87-89, 94-96, 98-108, 111, 113-115, 118
Competência emocional	18	28-29, 31, 33, 37, 49, 60-61, 67, 82, 85-86, 91, 97, 110, 112, 116-117
Competência social	5	26, 30, 36, 41, 55
Autopercepção	5	34, 40, 46, 52, 90
Apego	2	92-93
Apego / Competência emocional	2	109, 119
Apego / Competência emocional/ Competência social	1	83
Total	109

A leitura integral dos artigos incluídos permitiu a extração dos fatores de exposição que foram categorizados e sistematizados segundo os níveis do contexto, conforme o Modelo Bioecológico. Dentro do contexto do Microssistema e Mesossistema, estão presentes os fatores relacionados ao comportamento e condições biopsicossociais dos cuidadores da criança.

A categoria “Limitações no cuidado” se refere às ações dos cuidadores em relação à criança quanto a sua proteção, interação e relações afetuosas. Nessa categoria, os fatores de exposição foram: Dificuldades na interação com a criança, 13^,15^-16^,18^,20^,27^,32^,35^,38^,53^,55^,67^,75^-76^,81^,86^,90^,93^,96^,101^,116^,119 Dificuldades em atender às necessidades socioemocionais da criança, 61^,79^,91^,99 Baixa duração do aleitamento materno,81 Atitude de superproteção para com os filhos,26 Ansiedade dos pais diante de dificuldades da criança,112 Ausência de afeto dos cuidadores para com a criança,118 Percepção negativa dos filhos,47^,59 Ausência de momentos de leitura e aprendizagem com a criança,19^,108 Controle e regulação excessivos dos pais devido à influência cultural,110^-111 Postura autoritária para com a criança,47^,117 Presença de violência e abusos contra a criança, 47^,117 Presence of violence and abuse against children,47^,60^,68^,83^,113 Ausência de proteção contra acidentes36^,42^,62 e Negligência contra a criança,^59,68 Comportamento adverso dos cuidadores devido a experiências negativas. 27^-28^,56^,65^,77

A categoria “Situação de adoecimento dos cuidadores” se refere às condições de saúde-doença que podem prejudicar a capacidade dos cuidadores em estabelecer vínculos e oferecer relações afetivas. Nessa categoria, os fatores de exposição foram: presença de depressão e estresse dos cuidadores, 14^,33^,36^,38^,56^,60^,67^,73^,75^-76^,78^-79^,94^,98 esquizofrenia e outros agravos mentais dos cuidadores, 39^,68^,89^,97 ansiedade dos cuidadores,59 transtornos compulsivos nos cuidadores,40 depressão e estresse pré e pós-natal, 12^,18^,28^,30^,43^,46^,48^,51^-52^,57^,64^-65^,68^,70^,85^,100^,103 agravo nutricional durante o pré-natal38 e dependência química dos cuidadores. 15^,18^,36^,60^,97^,100^,106

A categoria “Adversidades nas relações familiares e no apoio social” revela as dificuldades das relações familiares vivenciadas pelos cuidadores e as restrições na rede social de apoio que podem prejudicar a oferta de cuidados à criança. Nessa categoria, os fatores de exposição foram: separação da criança de seus pais,68^,82 instabilidade familiar,25^,74 família monoparental, 13^,29^,36^,50^,56^,80^,84^,89^,94^,97^,103^,108^,115 não aceitação da gravidez,34^,50 cuidadores em situação de detenção ou cumprimento de pena,36 criminalidade/delinquência dos cuidadores,34^,60^,65 conflito marital, 49^,61^,68^,82 presença de violência doméstica contra os cuidadores, 17^,23^,34^,36^,58^,65^,80 e não adesão ao pré-natal.59

Dentro do contexto do Exossistema e Macrossistema, estão presentes os fatores relacionados às condições socioculturais, socioeconômicas e político-programáticas que condicionam o cuidado infantil. A categoria “Vulnerabilidades sociais dos cuidadores” está relacionada com as precariedades nas questões socioeconômicas, que garantem o sustento material da criança, e desigualdades nas questões socioculturais dos cuidadores que determinam sua autonomia e empoderamento no cuidado infantil. Nessa categoria, os fatores de exposição foram: ausência de autonomia/empoderamento devido à condição de adolescente, 29^,36^,84 ausência de autonomia/empoderamento devido à condição étnica, 23^,51^,80^,82^,98^,101^-103^,108^,110^,115 ausência de moradia fixa/ núcleo familiar, 22^,41^,45^,63^,109 processos de estigmatização devido à situação de violência e/ou assédio,28^,75 situação de estresse e ansiedade devido à situação de guerra ou conflito bélico88, dificuldades no acesso aos direitos sociais, 21^,51^,54^,66^,87^,104 dificuldade na disponibilidade de recursos da família, 13^,20^-21^,24^,28^-29^,38^,71^-72^,74^,77^,80^,87^,97^,101^-103^,114 baixa escolaridade dos cuidadores, 20^,24^,28^-29^,36^,51^,56^,71^-72^,74^,101^-103^,107 dificuldades na disponibilidade de trabalho, 11^,13^,29^,36^-37^,56^,70^-72 precariedade nas moradias,36^,66 contaminação nas moradias.44

A categoria “Fragilidades de políticas e programas” mostra a forma que as políticas e ações governamentais estão propostas e formatadas para atender às necessidades da criança. Nessa categoria, os fatores de exposição foram: limitações de programas nutricionais,31 atenção pré-natal inadequada,95 programas de apoio e de promoção social insuficientes, 34^,36^,71^,72^,78^,89^,92 serviços educacionais inadequados. 74^,105

DISCUSSÃO

A categoria “Limitações no cuidado” representa a forma e a qualidade do cuidado e interações ofertadas ao lactente15^-16^,118 assim como a proteção necessária por parte dos cuidadores. 36^,42^,62 O cuidado e a proteção dentro de um contexto mais proximal (Microssistema e Mesossistema), no qual se desencadeia o processo de desenvolvimento humano, influem diretamente na regularidade na forma e duração dos processos proximais com a criança, o que traz consequências nos resultados do desenvolvimento socioemocional.1^-2 Deve-se compreender que a forma do cuidado e da proteção da família/cuidadores sofrem influência da cultura local110 e das formas de organização democrática ou de poder em que estão inseridos.47

Na categoria “Situação de adoecimento dos cuidadores”, os fatores de exposição expressam as condições de saúde-doença dos pais/cuidadores e são caracterizados pela presença de transtornos psíquicos,14^,33^,59 além de outros agravos.38 Tais fatores são sinalizadores da insuficiência nas ações de cuidado, que podem provocar precariedade nos processos proximais e gerar disfunções.2

Essas condições de saúde indicam como os cuidadores são aptos, no ponto de vista da saúde, a prestar um cuidado de qualidade para a criança. A presença de agravos mentais está relacionada com menor grau de afetividade para a criança, assim como com a construção de vínculos mais frágeis.33^,59 Tais condições, muitas vezes, refletem condições socioculturais que impõem para a mulher uma carga muito grande para ser suportada, como a condição de ser gestante e ter que trabalhar fora, ou suportar condições de violência doméstica e outras adversidades, como a convivência com o narcotráfico e a drogadição. Tais situações adversas podem provocar limitações no cuidado e na promoção do desenvolvimento infantil, devido à pouca interação e atividades de estímulos. 87^,103^,120

A categoria “Adversidades nas relações familiares e rede social de apoio” aponta para os fatores de exposição caracterizados por questões de adversidades no núcleo familiar, falta de apoio social e situações de detenção e criminalidade no contexto de cuidado da criança. Tais fatores podem gerar a falta de apoio aos cuidadores no cuidado diário infantil e provocar negligência e exposição do lactente a situações perigosas. Pesquisas em todas essas áreas evidenciam que a adversidade significativa pode levar à ativação excessiva de sistemas de resposta ao estresse, que podem trazer prejuízos ao desenvolvimento cerebral. A falta de um contexto adequado pode produzir processos estressores, provocados pela elevação de hormônios como o cortisol, em resposta ao estresse, que pode danificar o neurodesenvolvimento e, consequentemente, o domínio socioemocional.7

Na perspectiva do cuidado em saúde, as três primeiras categorias refletem elementos relacionados aos comportamentos, subjetividades e condições dos cuidadores da criança, que podem ser utilizados pela Enfermagem na operacionalização de intervenções durante os atendimentos da criança.8 Tais ações podem fortalecer os processos proximais quando incorporadas à educação em saúde dos cuidadores, ao fortalecimento de sua capacidade para promover o desenvolvimento, à assistência institucional às situações de adição e à articulação com a rede social e comunitária no apoio ao cuidado infantil.120

Por outro lado, em contextos mais distais como o Exossistema e o Macrossistema, os fatores de exposição condicionam os cuidadores na oferta do cuidado, devido a influências sociais, culturais e econômicas. Assim, a categoria “Vulnerabilidades sociais dos cuidadores” mostra os fatores de exposição caracterizados pelas situações de ausência de autonomia/ empoderamento devido às condições socioculturais que impõem estigmatização e opressão sobre os cuidadores, e as condições socioeconômicas que determinam as condições materiais da família.3^,8

As condições socioculturais mostram-se mais relevantes na influência sobre o desenvolvimento socioemocional, pois delineiam um conjunto de crenças, valores, objetivos, atitudes e atividades que orientam a maneira pela qual um grupo de pessoas vive, o que determina as formas de cuidado oferecidas às crianças.121 As condições socioeconômicas afetam diretamente o desenvolvimento socioemocional, pois o crescimento na pobreza expõe a criança a más condições de saneamento, moradias superlotadas, má nutrição ou desnutrição, falta de estimulação psicossocial e recursos domésticos precários.3 Dessa forma, a inserção social da família afeta diretamente as condições de prover o sustento material da criança e de atender as suas necessidades.8

A categoria “Fragilidades de políticas e programas” mostra fatores de exposição relacionados com a insuficiência de programas para o atendimento das necessidades das crianças. Tais insuficiências são caracterizadas por condições precárias de trabalho das equipes de saúde, com baixa oferta de recursos humanos e instalações não adequadas para o atendimento à criança.8 Uma oferta inadequada de serviços para o atendimento da criança, como os de saúde e de educação, prejudica a promoção social e o empoderamento de sua família, que devido à presença da pobreza, não consegue prestar o cuidado adequado que se demanda para um desenvolvimento socioemocional adequado. Dessa forma, esse compromisso político demanda o estabelecimento de pactuações e compromissos dos governos em promover o desenvolvimento da primeira infância, por meio de políticas educacionais, sociais e de saúde.3^,8

O cuidado em saúde é direcionado para sujeitos e comunidades, sendo executado por profissionais em sua singularidade. Dessa forma, as duas últimas categorias demonstram elementos de natureza contextual e política que se encontram muito distantes da capacidade resolutiva da equipe de Enfermagem.8^,11 Assim, o enfermeiro deve articular as suas ações na perspectiva da intersetorialidade e da multidisciplinaridade,¹²² que permita um cuidado compartilhado com outros equipamentos sociais de atendimento às crianças e famílias que possam fortalecer o cuidado e a promoção do desenvolvimento socioemocional.7

Destarte, os fatores de exposição sintetizados e suas relações com o desenvolvimento socioemocional do lactente podem ser observados na Figura 1, que apresenta a influência sobre o processo proximal nos contextos de Microssistema, Mesossistema, Exossistema e Macrossistema:

Figura 1 -
Categorias dos fatores de exposição sintetizados e sua influência no processo proximal e no desenvolvimento socioemocional, segundo os contextos do Modelo Bioecológico de Desenvolvimento Humano. Representação gráfica baseada no modelo teórico apresentado. São Paulo, SP, 2017.1^-2

CONCLUSÃO

O presente estudo mostrou que as disfunções no desenvolvimento socioemocional dos lactentes são condicionadas pelos contextos de cuidado, fortemente expressos nos processos proximais, particularmente vinculadas às limitações no cuidado, nas situações de adoecimento dos cuidadores, e pelas adversidades nas relações familiares e apoio social que influem nas interações com a criança pequena. Os cuidadores sofrem influência de vulnerabilidades sociais e das fragilidades das políticas públicas, que determinam as condições materiais e sociais na oferta de cuidado.

Os fatores de exposição elencados nesta revisão permitiram uma síntese das situações adversas para a primeira infância no mundo, pois englobou estudos desenvolvidos em diversos contextos culturais, sociais e políticos. A síntese de evidências sobre os fatores de exposição permite o delineamento de modelos assistenciais embasados nas reais necessidades de saúde da criança e operacionalizados por tecnologias de cuidado que possam dirimir a força dos fatores de exposição, diminuir a vulnerabilidade dos lactentes e prevenir as disfunções no desenvolvimento socioemocional. Entre essas tecnologias, propõe-se a construção de escalas de medida dos elementos contextuais relacionados ao desenvolvimento socioemocional de crianças pequenas. Muito além dos marcos presentes ou não na avaliação de uma criança, essas tecnologias podem ser preditivas, com grande potencial de antecipação dos fatores de exposição e de prevenção das disfunções no desenvolvimento.

Numa perspectiva bioecológica para o desenvolvimento infantil, no contexto do Macrossistema, o estudo aponta para a premência de respostas sociais e políticas que priorizem a primeira infância e o desenvolvimento das crianças pequenas como um direito primordial. Todavia, alerta-se para os obstáculos humanitários advindos com as mudanças macroestruturais, que vigoram na contemporaneidade, com retrocessos nas relações sociais, instabilidade econômica, resistência e intolerância à diversidade cultural e supressão de direitos, que determinam o aumento das vulnerabilidades familiares e infantis. Diante desse quadro, os desafios são eminentes para a promoção do desenvolvimento humano, particularmente o desenvolvimento socioemocional das crianças pequenas.

Dessa forma, o aporte teórico do Modelo Bioecológico de Desenvolvimento Humano oferece um quadro conceitual relevante para o entendimento das relações sociais e adversidades dos contextos. Assim, é um referencial teórico expressivo para o campo da saúde e da Enfermagem, com uma abordagem que contribui para ampliar a compreensão das necessidades das crianças, famílias e comunidades.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO
  Extraído da tese - Construção e validação de marcadores de vulnerabilidade de lactentes para disfunções em seu desenvolvimento socioemocional, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, em 2017.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  16 Maio 2019
• Data do Fascículo
  2019

Histórico

• Recebido
  27 Abr 2017
• Aceito
  11 Out 2017