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PERCEPÇÃO DE RISCOS E BENEFÍCIOS ASSOCIADOS AO USO DE MACONHA ENTRE ESTUDANTES DE BRASÍLIA, BRASIL

RESUMO

Objetivos:

analisar a percepção de daos e benefícios da maconha, e essa associação com seu uso, entre estudantes de escolas públicas brasilienses do ensino médio, com idades entre 15 e 17 anos, assim como analisar a intenção desses adolescentes de usar maconha no contexto hipotético de mudanças regulatórias no país.

Método:

estudo transversal quantitativo em que participaram 268 estudantes, com idade entre 15 a 17 anos. Os instrumentos de coleta de dados foram: Inter-American Drug Use Data System Secondary Students School Survey; Monitoring the Future; Benthin Risk Perception Measure; e um item sobre intenção de usar maconha no contexto de mudanças regulatórias. A análise dos dados deu-se por meio de estatística descritiva e inferencial.

Resultados:

dos estudandes, 23,5% usaram maconha. A média de início do uso foi 14 anos (DP=1,802); 56,3% percebem grande risco de usar maconha regularmente, 58,6% consideram que o risco é maior do que o benefício; e a maioria não tem intenção de usar maconha.

Conclusão:

As estratégias de prevenção com foco exclusivo nos efeitos nocivos das drogas não são eficazes, sendo que uma abordagem mais realista e com foco na promoção da saúde tem mais chance de encontrar resultados positivos. Conclusão: A intenção de uso da maconha em caso de mudança regulatória mostrou que o cenário não mudaria muito, pois a proporção dos que a usariam é muito semelhante à daquela que já fez uso da droga.

DESCRITORES
cannabis; Comportamento do adolescente; Fatores de risco; Regulação governamental; Drogas ilícitas

ABSTRACT

Objectives:

to analyze the perception of data on and benefits of cannabis, and its association with the use among Brazilian students in public high schools between the ages of 15 and 17, as well as to analyze the intention of these adolescents to use cannabis in the hypothetical context of regulatory changes in Brazil.

Method:

a quantitative cross-sectional study involving 268 students aged 15 to 17. The instruments of data collection were: Inter-American Drug Use Data System Secondary Students School Survey; Monitoring the Future; Benthin Risk Perception Measure; and an item on intent to use cannabis in the context of regulatory changes. Data were analyzed through descriptive and inferential statistics.

Results:

23.5% of the students use cannabis. The average age they started using was 14 years old (SD=1.802); 56.3% perceive a high risk of using cannabis regularly, 58.6% consider the risk to be greater than the benefit; and most of them have no intention of using cannabis.

Conclusion:

Prevention strategies that focus exclusively on the harmful effects of drugs are not effective, and a more realistic approach focused on health promotion is more likely to show positive results. Conclusion: The intention to use cannabis in case of regulatory change showed that the scenario would not change significantly, since the proportion of those who would use it is very similar to the one that has already used the drug.

DESCRIPTORS
cannabis; Adolescent behavior; Risk factors; Government regulation; Illicit drugs

RESUMEN

Objetivos:

analizar la percepción de los daños y beneficios de la marihuana, y la asociación con su uso entre estudiantes de escuelas públicas brasilienses de la escuela secundaria, con edades entre 15 y 17 años, así como analizar cuál es la intención de estos adolescentes de consumir marihuana en un contexto hipotético de cambios en las leyes en Brasil.

Método:

estudio transversal cuantitativo en que participaron 268 estudiantes, con edades entre 15 y 17 años. Los instrumentos para la recolección de datos fueron: Inter-American Drug Use Data System Secondary Students School Survey; Monitoring the Future; Benthin Risk Perception Measure; y un punto sobre la intención de consumir marihuana en un contexto de cambios en las leyes. Se llevó a cabo el análisis de los datos a través de la estadística descriptiva e inferencial.

Resultados:

de los estudiantes, 23,5% dicen haber consumido marihuana. La media de inicio del uso fue de 14 años (DE=1,802); 56,3% dicen notar que es un gran riesgo consumir marihuana regularmente; 58,6% consideran que el riesgo es mayor que el beneficio; y la mayoría no tiene la intención de consumir marihuana.

Conclusión:

Las estrategias de prevención con enfoque exclusivo en los efectos nocivos de las drogas no son eficaces, siendo que un abordaje más realista y con enfoque en el fomento de la salud tiene más chances de obtener resultados positivos. Conclusión: La intención de consumir marihuana en caso de cambios legales demostró que el escenario no cambiaría mucho, dado que el porcentaje de aquellos que la consumirían es muy semejante al porcentaje de estudiantes que ya la consumen.

DESCRIPTORES
Cannabis; Conductas del adolescente; Factores de riesgo; Regulación gubernamental; Drogas ilícitas

INTRODUÇÃO

A questão das drogas é uma preocupação mundial devido a sua alta frequência e aos prejuízos sociais, psíquicos e biológicos delas advindos, principalmente entre a população mais vulnerável, como é o caso de crianças e adolescentes. Na fase da adolescência ocorre um rápido desenvolvimento biopsicossocial, sendo que os problemas decorrentes do uso abusivo de drogas podem influenciar por toda a vida.11. Jinez LJ, Souza JRM, Pillon SC. Drug use and risk factors among secondary students. Rev. Latino-Am Enfermagem. 2009 Mar-Apr;17(2):246-52. Parece haver um consenso entre os estudiosos quanto à consideração de que, quanto mais precocemente se dá o início do uso de drogas, maior é o risco de prejuízos psíquicos, físicos e sociais no desenvolvimento humano.22. Wright MGM, Cumsille F, Padilha MI, Ventura CA, Sapag J, Brands B et al. International research capacity building program for health related professionals to study the drug phenomenon in Latin America and the Caribbean. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2015 [cited 2018 Apr 15];24(spe):17-25. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0104-07072015001010014
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-44. Neto C, Fraga S, Ramos E. Consumo de substâncias ilícitas por adolescentes portugueses. Rev. Saúde Pública. 2012 Oct;46(5):808-15.

A maconha é a droga ilícita mais usada mundialmente,55. Laranjeira R, Madruga CS, Ribeiro M, Pinsky I, Caetano R, Mitsuhiro SS. II LENAD-Levantamento Nacional de Álcool e Drogas. São Paulo(BR): Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas, Universidade Federal de São Paulo; 2012. seu uso recreativo se tornou quase tão comum quanto o uso de tabaco entre adolescentes e jovens adultos nos últimos anos66. Hall W. What has research over the past two decades revealed about the adverse health effects of recreational cannabis use? Addiction 2015 Jan;110(1):19-35. Available from: https://dx.doi.org/10.1111/add.12703
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e uma das possíveis razões para isso é acreditar que se trata de uma droga leve.77. Soares-Weiser K, Weiser M, Davidson M. Uso de maconha na adolescência e risco de esquizofrenia. Rev Bras Psiquiatr. 2003 Sept;25(3):131-2. A alta incidência de seu uso entre adolescentes e jovens tem sido objeto da atenção de pesquisadores no mundo todo, especialmente devido aos danos associados ao abuso, tais como transtornos de humor e prejuízos para os processos cognitivos e motivacionais do jovem.88. Hawkins JD, Catalano RF, Miller JY. Risk and protective factors for alcohol and other drug problems in adolescence and early adulthood: Implications for substance abuse prevention. Psychol Bull. 1992 July;112(1):64-105.

As pesquisas epidemiológicas sobre consumo de drogas no Brasil não ocorrem de forma sistemática, sendo que os dois últimos estudos com populações de estudantes ocorreram em 2003 e 2010, respectivamente, não havendo qualquer outra base estatística que possa subsidiar comparações dos padrões de consumo ao longo dos anos nessas ou em outras populações do país.99. Carlini EA, Noto AR, Sanchez ZM. VI levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio de ensino das redes públicas e privadas nas 27 capitais brasileiras-2010. São Paulo(BR): CEBRID/UNIFESP; 2010. Com base nas informações disponíveis nesses dois últimos estudos, pode-se afirmar que, embora o abuso de drogas lícitas e ilícitas entre a população de adolescentes venha diminuindo com o decorrer dos anos, ainda é observado um alto consumo de drogas lícitas, especialmente o álcool.99. Carlini EA, Noto AR, Sanchez ZM. VI levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio de ensino das redes públicas e privadas nas 27 capitais brasileiras-2010. São Paulo(BR): CEBRID/UNIFESP; 2010. Por sua vez, segundo dados do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID),1010. Galduróz JC, Noto AR, Carlini EA. IV levantamento sobre o uso de drogas entre estudantes do 1o. e 2o. graus em 10 capitais brasileiras. São Paulo(BR): CEBRID; 1997. a maconha é a droga ilícita mais usada entre estudantes do Ensino Médio e Fundamental da rede pública de ensino. No último levantamento realizado no Brasil, em 1997, as capitais que apresentaram maior consumo dessa droga foram Curitiba (11,9%) e Porto Alegre (14,4%). Por sua vez, constatou-se que 7,6% dos estudantes do Brasil relataram já ter experimentado maconha uma vez na vida. Comparando estudos anteriores, a maconha foi a droga que teve seu “uso na vida” aumentado, tendo passado de 2,8% em 1987 para 7,6% em 1997. O uso frequente e pesado da maconha também teve aumento estatisticamente significativo nos últimos levantamentos de 2012.55. Laranjeira R, Madruga CS, Ribeiro M, Pinsky I, Caetano R, Mitsuhiro SS. II LENAD-Levantamento Nacional de Álcool e Drogas. São Paulo(BR): Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas, Universidade Federal de São Paulo; 2012.

A epidemiologia de uso da maconha no Brasil mostra que esse assunto não pode continuar sem um enfrentamento franco e decisivo, em vista do consumo da maconha entre estudantes estar aumentando1111. Galduróz JCF, Noto AR, Fonseca AM, Carlini EA. V levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública de ensino nas 27 capitais brasileiras-2004. São Paulo(BR): CEBRID /UNIFESP; 2005. e de ser elevado o seu uso por crianças que vivem em situação de rua.12 O I Levantamento Domiciliar sobre Consumo de Drogas no Brasil1313. Carlini, EA; Galduróz, JCF; Noto, AR; Nappo, SA. I levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil. São Paulo(BR): CLR Balieiro Editores; 2002. revelou que 6,9% dos 47 milhões de habitantes das 107 maiores cidades brasileiras já consumiram maconha pelo menos uma vez na vida, o que corresponde a 3,249 milhões de pessoas. Os dados do II Levantamento sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas dentre a População em Geral1414. Carlini EA, Galduróz JCF. II levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: 2005 Estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país. São Paulo(BR): Páginas & Letras Editora; 2007. demonstraram que 12 milhões de brasileiros (22,8%), com idade entre 12 e 65 anos, usaram uma droga (exceção ao álcool e tabaco) durante a vida. Álcool (74,6%) e tabaco (44%) foram as drogas lícitas mais utilizadas; e maconha (8,8%) e cocaína (2,9%) foram as drogas ilícitas mais usadas.

De acordo com o VI Levantamento do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas,99. Carlini EA, Noto AR, Sanchez ZM. VI levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio de ensino das redes públicas e privadas nas 27 capitais brasileiras-2010. São Paulo(BR): CEBRID/UNIFESP; 2010. realizado com estudantes entre 10 e 19 anos do ensino fundamental e médio de escolas públicas e particulares nas 27 capitais brasileiras, verificou-se que o “uso na vida” (quando a pessoa fez uso de qualquer droga psicotrópica pelo menos uma vez na vida), nas instituições educacionais públicas, foi relatado por 59,3% dos alunos, enquanto nos estabelecimentos escolares privados, foi informado por 65% dos alunos entrevistados. A categoria “uso no ano” (quando a pessoa utilizou droga psicotrópica pelo menos uma vez nos 12 meses que antecederam a pesquisa) foi relatada por 41,1% dos alunos nas escolas públicas e 47,5% de alunos nas escolas privadas. Em relação à frequência de “uso no mês” (quando a pessoa utilizou droga psicotrópica pelo menos uma vez nos 30 dias que antecederam a pesquisa), o percentual foi de 23% nas escolas públicas e de 20,6% nas escolas privadas.99. Carlini EA, Noto AR, Sanchez ZM. VI levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio de ensino das redes públicas e privadas nas 27 capitais brasileiras-2010. São Paulo(BR): CEBRID/UNIFESP; 2010.

Ao comparar os dados dos dois levantamentos sobre o consumo de drogas entre estudantes do ensino fundamental e médio de escolas públicas do Brasil realizados pelo CEBRID em 2004 e em 2010,99. Carlini EA, Noto AR, Sanchez ZM. VI levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio de ensino das redes públicas e privadas nas 27 capitais brasileiras-2010. São Paulo(BR): CEBRID/UNIFESP; 2010.,1111. Galduróz JCF, Noto AR, Fonseca AM, Carlini EA. V levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública de ensino nas 27 capitais brasileiras-2004. São Paulo(BR): CEBRID /UNIFESP; 2005. observa-se uma diminuição do “uso na vida” de drogas em geral em todas as faixas etárias pesquisadas. Na faixa etária entre 10 e 12 anos, o “uso na vida” em 2004 foi 10,2% e em 2010 foi de 4,6%; na faixa entre 13 e 15 anos, o uso em 2004 foi de 20,3% e em 2010, 8,4%. Entre 16 e 18 anos, o uso foi de 26,5% no estudo de 2004 e 15,7% em 2010. Por sua vez, houve diminuição do “uso no ano” de drogas entre os estudantes na comparação com a pesquisa realizada em 2004. Essa diminuição (de 19,6% para 9,9%, excluindo álcool e tabaco) inverte uma tendência de aumento crescente que vinha sendo observada em todos os levantamentos realizados desde a década de 1990. A exceção é a cocaína, cujo consumo aumentou (de 1,7% em 2004 para 1,9% em 2010), mas seu uso ainda é discreto se comparado a outras drogas como álcool, tabaco, inalantes e maconha. No caso do crack, também houve diminuição do uso (de 0,7% em 2004 para 0,4% em 2010), embora o número de estudantes usuários seja tão inexpressivo que não permita afirmações consistentes.

Essa tendência de diminuição do uso não se mostrou uniforme no cenário nacional. Em Brasília, por exemplo, entre os anos de 2004 e 2010, houve redução no número de estudantes que relataram consumo de tabaco no ano e na vida, mas não houve diferença para o uso de bebidas alcoólicas. Observou-se, ainda, aumento de estudantes que relataram uso na vida das demais drogas. As principais alterações para o uso no ano envolveram aumento de uso de inalantes e cocaína.99. Carlini EA, Noto AR, Sanchez ZM. VI levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio de ensino das redes públicas e privadas nas 27 capitais brasileiras-2010. São Paulo(BR): CEBRID/UNIFESP; 2010.

Há estudos que sugerem evidências de que o uso prolongado de maconha pode causar prejuízos cognitivos e motores55. Laranjeira R, Madruga CS, Ribeiro M, Pinsky I, Caetano R, Mitsuhiro SS. II LENAD-Levantamento Nacional de Álcool e Drogas. São Paulo(BR): Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas, Universidade Federal de São Paulo; 2012.,1515. Rigoni MS, Oliveira MS, Moraes JFD, Zambom LF. O consumo de maconha na adolescência e as consequências nas funções cognitivas. Psicol Estud. 2007;12(2):267-75.-1616. Thayer RE, YorkWilliams S, Karoly HC, Sabbineni A, Ewing SF, Bryan AD, Hutchison KE. Structural neuroimaging correlates of alcohol and cannabis use in adolescents and adults. Addiction. 2017 Dec;112(12):2144-54. Available from: https://dx.doi.org/10.1111/add.13923
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ou déficits nas habilidades sociais.1717. Wagner, MF; Silva, JG; Zanettelo, LB; Oliveira, MS. O uso da maconha associado ao déficit de habilidades sociais em adolescentes. Rev Eletr Saúde Mental Álcool Drog. 2010 [cited 2018 Apr 15];6(2):255-73. Available from: Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-69762010000200003&lng=pt&tlng=pt
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A partir de revisão de literatura sobre os efeitos da maconha nas funções executivas, um estudo baseado em evidências constatou que existe um interessante padrão de recuperação de algumas funções, bem como a persistência de déficits de outras.1818. Crean R, Crane N, Mason B. An evidence based review of acute and long-term effects of cannabis use on executive cognitive functions. J Addict Med. 2011 Mar;5(1):1-8. Available from: https://dx.doi.org/10.1097/ADM.0b013e31820c23fa
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Os efeitos agudos do consumo de maconha são evidentes nas habilidades de atenção e de processamento de informações, com provável recuperação dessas funções depois de um mês ou mais de abstinência. Problemas de tomada de decisão e de risco não são necessariamente evidentes imediatamente depois de fumar. No entanto, se o consumo de maconha for pesado e crônico, a deficiência pode surgir e não desaparecer com a abstinência, particularmente se o abuso for iniciado na adolescência, ou seja, quando a maturação das funções executivas não foi atingida. Por sua vez, estudo britânico sugere não haver alterações estruturais no cérebro de usuários crônicos de cannabis, adultos ou adolescentes.16 O uso de maconha prejudica a inibição aguda e promove a impulsividade; ao longo de um período de abstinência, esses déficits são mais evidentes em tarefas que exigem habilidades de formação de conceitos, planejamento e sequenciamento. A memória de trabalho é significativamente prejudicada após a exposição aguda à maconha, porém, esses déficits podem desaparecer com a abstinência sustentada.1818. Crean R, Crane N, Mason B. An evidence based review of acute and long-term effects of cannabis use on executive cognitive functions. J Addict Med. 2011 Mar;5(1):1-8. Available from: https://dx.doi.org/10.1097/ADM.0b013e31820c23fa
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Em suma, é importante salientar que não há nenhuma evidência na literatura de que o uso ocasional de maconha possa provocar efeitos danosos.77. Soares-Weiser K, Weiser M, Davidson M. Uso de maconha na adolescência e risco de esquizofrenia. Rev Bras Psiquiatr. 2003 Sept;25(3):131-2.

O pacto internacional de Guerra às Drogas e as medidas proibicionistas, das quais o Brasil foi signatário por meio das três convenções da ONU, parecem finalmente ter reconhecido sua derrocada. O debate sobre a maconha vem ganhando cada vez mais terreno em diversos países, por ser a droga ilícita mais consumida no mundo. Diante desse cenário de mudanças regulatórias, cabe indagar o que pensa o adolescente sobre os efeitos da maconha e qual será o seu comportamento face à legalização e regulamentação do seu uso.

Em virtude dos baixos impactos quando comparada a outras substâncias, do seu potencial terapêutico e seu uso no contexto de redução de danos, pode ter ocorrido uma diminuição na percepção dos seus riscos por parte dos usuários de maconha. Essa possibilidade preocupa profissionais de saúde e pede urgência na formulação de políticas de promoção e prevenção no contexto das drogas, pois tal percepção interfere diretamente na balança decisória para o uso.1919. Meier MH, Caspi A, Cerdá M, Hancox RJ, Harrington H, Houts R, Poulton R, Ramrakha S, Thomson WM, Moffitt T. Associations between cannabis use and physical health problems in early midlife: a longitudinal comparison of persistent cannabis vs tobacco users. JAMA Psychiatry. 2016 July 1;73(7):731-40. Available from: https://dx.doi.org/10.1001/jamapsychiatry. 2016.0637
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-2222. Barnes M, Barnes J. Cannabis: the evidence for medical use. 2016 [cited 2018 Apr 15]. Available from: Available from: https://www.drugsandalcohol.ie/26086/1/Cannabis_medical_use_evidence.pdf
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Este estudo teve como objetivos analisar a percepção de danos e benefícios da maconha, e essa associação com seu uso, entre estudantes de escolas públicas brasilienses do ensino médio, com idades entre 15 e 17 anos, assim como analisar a intenção desses adolescentes de usar maconha no contexto hipotético de mudanças regulatórias no país.

O mesmo estudo também foi conduzido em outros oito países da América Latina, América Central e Caribe (Belize, Chile, Colômbia, Jamaica, México, República Dominicana, Saint Kitts e Trinidad e Tobago). A pesquisa foi realizada com o apoio do Centre for Addiction and Mental Health (CAMH) da Universidade de Toronto, Canadá e da Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas da Organização de Estados Americanos (CICAD/OEA). No Brasil, a Universidade de Brasília foi a responsável pela realização do estudo.

MÉTODO

Este estudo transversal quantitativo fez parte de um estudo multicêntrico que contou com a participação de 10 cidades de 9 países, sendo aqui apresentados os resultados referentes à amostra brasileira do Distrito Federal.

O estudo contou com 268 estudantes do 1o ao 3o ano do ensino médio (50,7% do 1o ano, 26,1% do 2o e 23,1% do 3o) de três escolas públicas do Distrito Federal, com idades entre 15 e 17 anos (38,8% com 15 anos, 32,1% com 16 anos e 29,1% com 17 anos). Dos estudantes, 35,1% eram do sexo masculino e 64,9% do sexo feminino. O critério de inclusão foi o de ser estudante com idade entre 15 e 17 anos, matriculado na escola selecionada, que tenha a capacidade de ler e escrever sem qualquer assistência, e que pudesse fornecer consentimento livre e esclarecido e autorização dos familiares. Um tamanho da amostra de 268 foi representativo e teve um tamanho do efeito médio a um nível de α=0,05.

O instrumento de coleta de dados foi uma amálgama de escalas derivadas de três instrumentos, a saber: a) Inter-American Drug Use Data System Secondary Students School Survey (SIDUC); b) Monitoring the Future (MTF); c) Benthin Risk Perception Measure; e d) foi criada uma questão hipotética sobre intenção de uso de maconha. Ao todo, o instrumento compôs-se de 23 questões de múltipla escolha em formato de escala Likert. Não foram encontrados estudos na literatura sobre a validação dessas escalas para o Brasil.

O SIDUC é uma metodologia padronizada, criada para obter dados, formar conceitos explicativos e apoiar as respostas para enfrentar o uso de substâncias psicoativas nas Américas e no Caribe (Organização dos Estados Americanos, Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas e Observatório Interamericano sobre Drogas de 2011). Foram usados 10 itens sobre comportamento de consumo desse questionário: três perguntas recolheram dados demográficos sobre sexo, idade e grau de escolaridade; dois itens sobre ter ou não amigos que usam maconha; um item sobre declaração de uso ou não de maconha e idade do primeiro uso; dois itens de múltipla escolha em formato de escala Likert de seis pontos sobre comportamento de consumo nos últimos 12 meses e nos últimos 12 dias respectivamente, e três itens sobre percepção de riscos do consumo de maconha com quatro pontos (1 - nenhum risco, 2 - pouco risco, 3 - risco médio, 4 - grande risco). Uma menor pontuação neste último item representa menor percepção de risco de consumo.

o MTF é uma pesquisa anual sobre os estilos de vida e valores de jovens, concebida para explorar mudanças nos valores importantes, comportamentos e orientações de estilo de vida da juventude norteamericana contemporânea.2323. Johnston LD, O’Malley PM, Miech RA, Bachman JG, Schulenberg JE. Monitoring the Future national results on drug use: 1975-2013: Overview, Key Findings on adolescent drug use. Ann Arbor (US): Institute for Social Research, The University of Michigan. 2014. [citado 2018 Apr 15]. Available from: Available from: http://monitoringthefuture.org//pubs/monographs/mtf-overview2013.pdf
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O presente estudo incluiu três dos seus itens que exploram a percepção geral de danos relacionada ao uso experimental e frequente de maconha, registrados numa escala de cinco pontos.

O instrumento Benthin Risk Perception Measure2424. Benthin A, Slovic P, Severson H. A psychometric study of adolescent risk perception. J Adolesc. 1993 June;16(2):153-168. utiliza uma escala de sete pontos para avaliar a percepção de riscos e benefícios de vários comportamentos. Tem sido amplamente utilizado em estudos que exploram a percepção de risco, danos e benefícios, a maioria dos quais têm relatado um alfa de Cronbach de 0,70.2525. Curry L, Youngblade L. Negative affect, risk perception, and adolescent risk behavior. J Appl Dev Psychol. 2006 Sept-Oct;27(5):468-85. Available from: https://dx.doi.org/10.1001/10.1016/j.appdev.2006.06.001
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-2828. Magar E, Phillips L, Hosie J. Self-regulation and risk-taking. Pers Individ Dif. 2007 Nov;43(7):1698-710. Available from: https://dx.doi.org/10.1016/j.paid.2008.03.014
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Além disso, uma versão em espanhol dessa medida está disponível, tendo sido usado na América Latina.2929. Trujillo AM, Fornsi-Santacana M, Perez-Gomez A. Substance use and risk perception: comparative study of adolescents in Bogota and Barcelona. Adicciones. 2007;19(2):179-89. Para este estudo, uma versão ligeiramente modificada foi usada para investigar a percepção dos participantes sobre danos e benefícios de fumar maconha. Esta versão modificada foi composta de 11 questões: oito itens da escala original e três itens adicionais.

Além da utilização dessas escalas, também foi introduzida uma questão hipotética sobre intenção de uso de maconha no caso de mudanças regulatórias com seis alternativas de resposta. A pergunta foi: “Se você tivesse 18 anos e o uso da maconha fosse legalizado e regulamentado, qual das opções você provavelmente faria?”. As opções de resposta foram: Não usaria, mesmo que estivesse legalmente disponível; Experimentaria; Usaria tanto quanto já faço agora; Usaria com maior frequência do que eu uso agora; Usaria menos do que uso agora; Não sei”. A frequência de resposta para cada alternativa foi computada, e o item foi analisado em associação com a resposta de já fazer ou não uso da maconha. Desse modo, a análise tinha o intuito de saber como se comportariam hipoteticamente aqueles que não fazem uso da droga caso ela fosse legalizada e regulamentada no futuro.

Primeira fase: solicitação de autorização para realizar o estudo

Primeiramente foi solicitada a aprovação do projeto junto ao Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília. A partir da autorização de realização da pesquisa pela Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, as escolas da rede distrital foram contatadas e apenas três delas aceitaram o convite de participar da pesquisa. Foi obtido o consentimento/assentimento livre e esclarecido dos pais dos alunos e dos alunos participantes das três escolas escolhidas. Foram tomadas as devidas precauções para garantir o anonimato e confidencialidade dos respondentes, bem como informado aos participantes sobre essa garantia.

Segunda fase: coleta e análise de dados

A aplicação do questionário foi feita em sala de aula, com as carteiras afastadas umas das outras para evitar o partilhamento de informações. Para a realização da coleta, o pesquisador principal contou com a ajuda de pesquisadores auxiliares para fazer a aplicação dos questionários, tendo o procedimento ocorrido em duplas de pesquisadores devidamente treinados. O questionário total apresentou um coeficiente de confiabilidade alfa de Cronbach de 0,747, o que confere um bom índice de consistência interna ao instrumento. A coleta ocorreu em um único dia, tendo sido cedido, pela direção da escola, espaço para a mesma ocorresse durante no horário de atividades regulares da rotina escolar.

A análise de dados foi feita por meio de estatística descritiva e inferencial. A estatística descritiva foi usada para descrever os dados demográficos e de prevalência, por meio de frequências e porcentagens. A análise inferencial foi usada para explorar as correlações por meio do χ2 e do teste t.

RESULTADOS

Os resultados revelaram que 23,5% dos participantes relataram ter usado maconha (29,8% de homens e 20,1% de mulheres): 19% no último ano (25,5% de homens e 15,5% de mulheres) e 9,7% no último mês (14,9% de homens e 6,9% de mulheres). Em relação ao sexo, não houve diferença significativa entre a prevalência de consumo alguma vez na vida ((2=3,175, p=0,075), mas houve diferença significativa em relação à prevalência no último ano ((2=3,972, p=0,046) e último mês ((2=4,455, p=0,035), sendo tais prevalências maiores entre os homens.

Em relação à idade de início do uso da maconha, verificou-se que a média de idade de início do uso foi 14 anos de idade (DP=1,802), sendo a idade mínima reportada 9 anos e a máxima, 17 anos.

Em relação ao uso de maconha por parte dos amigos, mais da metade dos participantes (59,5%, n=164) afirmou que ao menos alguns de seus amigos mais próximos usam maconha. Destes, 63,9% são homens e 57,4%, mulheres. Por sua vez, 29,5% referem que nenhum dos amigos próximos usa maconha, dos quais 25,5% são homens e 31,6%, mulheres.

Avaliou-se a percepção de risco de acordo com a frequência de uso da maconha: a maioria dos participantes (56,3%, n=151) percebe grande risco de usar maconha regularmente, 33,6% (n=90) percebe risco médio de usar maconha de vez em quando e 32,5% (n=87) percebe pouco risco em usar maconha uma ou duas vezes (Figura 1).

Figura 1 -
Percepção de risco de consumo de maconha de acordo com a frequência de uso, Brasília, julho de 2015

Foi constatado que 56,9% das mulheres acreditam que os riscos são totalmente conhecidos ou conhecidos e 24,7% acreditam que os riscos são pouco conhecidos. Já os homens acreditam que os riscos são muito bem conhecidos ou conhecidos (44,6%), ao passo que 21,3% acreditam que os riscos são pouco conhecidos. Uma pequena porcentagem, tanto de homens quanto mulheres, acredita que os riscos são total ou parcialmente desconhecidos.

Em relação à percepção dos riscos para si (individual) e para os outros, associados ao uso da maconha, observou-se que mais da metade considerou que fumar maconha é um comportamento de risco tanto para si como para os outros, sendo que essa percepção de risco é maior entre as mulheres. Já a incerteza sobre o risco individual (22,3%) e para os outros (19,1%) foi maior entre os homens (ver Tabela 1).

Tabela 1 -
Percepção de riscos individual e para os outros de homens e mulheres, associados ao uso da maconha, Brasília - julho de 2015

Por sua vez, 72,4% (n=149) dos participantes afirmaram que não são influenciados pelos amigos a fumar maconha. As mulheres (75,3%) se disseram menos influenciadas do que os homens (67%). Além disso, observou-se uma menor tendência por parte delas (2,9%) de se considerarem influenciadas pelos amigos, enquanto que, entre os homens, essa tendência foi maior (8,5%).

Observou-se que, do total da amostra, 34,7% não percebem que os adolescentes que fumam maconha sejam admirados pelos seus pares e essa tendência é muito semelhante para ambos os sexos. Porém, chama a atenção o fato de tanto homens como mulheres não estarem certos de que isso se dê (29,5%).

Em relação aos possíveis riscos e benefícios associados ao uso da maconha, pouco mais da metade do total da amostra (58,6%) considera que o risco é maior do que o benefício, sendo que essa tendência é maior entre as mulheres (65%) do que entre os homens (46,8%). A percepção de que os benefícios são maiores que os riscos foi observada em 20,5% da amostra (Tabela 2)

Tabela 2 -
Porcentagem de homens e mulheres que responderam à pergunta acerca dos possíveis prazeres ou outros benefícios associados ao uso da maconha, Brasília, julho de 2015

Por outro lado, a maioria dos estudantes percebe que o uso de maconha não facilita o enfrentamento de dificuldades emocionais (56,9%). Da amostra, 31,1% acreditam que a maconha ajuda em alguma medida. Os homens (17,2%) têm mais incertezas quanto a isso do que as mulheres (9,2%) (Tabela 3).

Tabela 3 -
Porcentagem de homens e mulheres que responderam à pergunta acerca dos benefícios da maconha no enfrentamento de problemas emocionais, na melhora do bem-estar físico e no desempenho acadêmico, Brasília, julho de 2015

Por fim, os participantes acreditam que o uso da maconha não está associado à melhora do bem-estar físico (64,6%) ou acadêmico (81,3%). As mulheres percebem com maior força que a maconha definitivamente não melhora o desempenho acadêmico (62,1% contra 45,2% dos homens) e também têm menos incertezas quanto a isso (7,5% contra 15,1% dos homens) (vide Tabela 3).

Foi encontrada uma associação significativa entre a percepção de risco e a frequência de uso tanto para uso esporádico, ocasional e frequente, com relação a ter usado maconha alguma vez na vida, no último ano e no último mês. Em relação à prevalência no último mês, verificou-se uma associação entre haver usado maconha nos últimos 30 dias e uma baixa percepção de risco de consumo esporádico ((2 (3)=32,745, p<0,000), ocasional ((2 (3)=63,448, p<0,000) e frequente ((2 (3)=40,798, p<0,000). Em todos os casos observou-se uma relação entre uso de maconha e uma menor percepção de risco.

Foram avaliadas a intenção de uso e as crenças sobre o uso medicinal da maconha no contexto das mudanças regulatórias. Os resultados apontaram que 68,7% dos participantes do estudo não têm intenção de usar maconha (aos 18 anos) no contexto das mudanças regulatórias (71,8% das mulheres e 62,8% dos homens), e, mesmo que ela fosse legalizada e regulamentada, 25,4% experimentaria ou continuaria usando, ao passo que 5,6% não sabe (Tabela 4).

Tabela 4 -
Porcentagem de homens e mulheres que responderam à pergunta acerca da do uso de acordo com a idade e legalização da maconha, Brasília, julho de 2015

Sobre as considerações sobre o uso da maconha, 53,4% foram favoráveis ao seu uso com fins medicinais (39,4% dos homens e 61% das mulheres) e 25,6% acham que a maconha deveria ser usada tanto para fins medicinais como para fins recreativos (38,3% de homens e 18,6% de mulheres). A legalização da maconha para fins recreativos foi apontada por 1,9%, sendo mais aceita entre os homens cuja porcentagem foi de 4,3% homens contra 0,6% de mulheres. Da amostra total, 15% acha que não deveria ser usada de maneira alguma (13,8% de homens e 15,7% de mulheres). A porcentagem dos que não souberam se posicionar foi muito semelhante: 4,3% de homens e 4,1% de mulheres (Tabela 5).

Tabela 5 -
Porcentagem de homens e mulheres que responderam à pergunta se são favoráveis ao uso medicinal e recreativo da maconha, Brasília, julho de 2015

Para realizar a análise da associação entre intenção de uso e percepção de risco segundo a frequência, foram agrupados os resultados em dois grupos: aqueles que disseram que não usaram maconha (68,7%) e aqueles que afirmaram intenção de experimentá-la ou de continuar usando (25,8%). Aqueles que responderam que não sabiam (5,6%), foram excluídos da análise.

Os resultados apontaram uma associação significativa entre a percepção de risco segundo a frequência de uso e intenção de usar maconha no contexto das mudanças regulatórias, tanto para uso experimental ((2 (3)=50,925, p=0,000), para uso ocasional (2 (3)=63,963, p=0,000) e uso frequente ((2 (3)=64,200, p=0,000). Em todos os casos foi observada uma relação entre menor percepção de risco e intenção de uso.

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo confirmam a prevalência maior de homens do que de mulheres que fazem uso de maconha. Porém, encontrou-se uma proporção de uso de maconha superior àquela apresentada em outros estudos, o que parece confirmar a tendência de aumento do uso de maconha entre estudantes de Brasília nos últimos anos, como apontam os levantamentos.99. Carlini EA, Noto AR, Sanchez ZM. VI levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio de ensino das redes públicas e privadas nas 27 capitais brasileiras-2010. São Paulo(BR): CEBRID/UNIFESP; 2010. Esse dado demanda um olhar especial em relação a estratégias de prevenção nas escolas. Além disso, a grande maioria dos participantes relata ter amigos próximos que fazem uso da droga (embora diga não ser influenciada pelos amigos).

A maioria dos adolescentes parece conhecer os riscos associados ao uso abusivo da maconha, mas a maioria não percebe grande risco em seu uso esporádico. Ambos os sexos, mas em especial as mulheres consideram o uso da maconha como um comportamento de risco, tanto para si quanto para os outros. Além disso, foram apontados mais riscos do que benefícios de seu uso, embora haja uma posição favorável ao uso de maconha para fins medicinais. Como era de se esperar, os adolescentes que não vêm riscos no uso da maconha foram aqueles que relataram fazer uso da droga.

Um dado que chama a atenção pela gravidade, ainda que sem relevância estatística, foi o fato de haver na amostra, um participante que iniciou o uso da droga aos 9 anos de idade. Sabe-se que o prognóstico de quem faz uso precoce de drogas pode estar associado a um maior risco de prejuízos psíquico, físico e social no desenvolvimento humano11. Jinez LJ, Souza JRM, Pillon SC. Drug use and risk factors among secondary students. Rev. Latino-Am Enfermagem. 2009 Mar-Apr;17(2):246-52. -44. Neto C, Fraga S, Ramos E. Consumo de substâncias ilícitas por adolescentes portugueses. Rev. Saúde Pública. 2012 Oct;46(5):808-15. .

Ainda que deste estudo não se possam derivar afirmações consistentes sobre comportamentos futuros em relação ao uso de maconha, os dados obtidos sobre a intenção de uso em caso hipotético de mudança regulatória mostram que o cenário não mudaria muito, já que a proporção dos que disseram que a usariam é muito semelhante à daquela que já fez uso da droga, ou seja, a maioria não pretende usar a maconha caso a mesma venha a ser legalizada.

A inclusão da temática da drogadição na formação continuada de educadores justifica-se pelo quadro do consumo de drogas entre crianças e adolescentes retratado por pesquisas e estudos na área. As pesquisas mostram que é na passagem da infância para a adolescência que se inicia o uso de drogas, seja como mera experimentação, consumo ocasional, uso abusivo ou indevido2323. Johnston LD, O’Malley PM, Miech RA, Bachman JG, Schulenberg JE. Monitoring the Future national results on drug use: 1975-2013: Overview, Key Findings on adolescent drug use. Ann Arbor (US): Institute for Social Research, The University of Michigan. 2014. [citado 2018 Apr 15]. Available from: Available from: http://monitoringthefuture.org//pubs/monographs/mtf-overview2013.pdf
http://monitoringthefuture.org//pubs/mon...
,2424. Benthin A, Slovic P, Severson H. A psychometric study of adolescent risk perception. J Adolesc. 1993 June;16(2):153-168.. Diferentes estudos confirmam ser cada vez mais precoce a idade da primeira experimentação55. Laranjeira R, Madruga CS, Ribeiro M, Pinsky I, Caetano R, Mitsuhiro SS. II LENAD-Levantamento Nacional de Álcool e Drogas. São Paulo(BR): Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas, Universidade Federal de São Paulo; 2012., o que aumenta consideravelmente os riscos do uso abusivo de drogas e a ocorrência de problemas ou situações de vulnerabilidade, tais como: danos à saúde, problemas de relacionamento e de violência, diminuição no rendimento ou desempenho acadêmico e aumento da evasão escolar. Os estudos epidemiológicos sobre o uso de drogas pela população brasileira vêm confirmar a importância das ações de promoção da saúde integral no âmbito da comunidade escolar99. Carlini EA, Noto AR, Sanchez ZM. VI levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio de ensino das redes públicas e privadas nas 27 capitais brasileiras-2010. São Paulo(BR): CEBRID/UNIFESP; 2010.-1414. Carlini EA, Galduróz JCF. II levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: 2005 Estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país. São Paulo(BR): Páginas & Letras Editora; 2007..

O legado da falida guerra às drogas nos deixou importantes lições que podem nos assinalar para os possíveis modelos de regulação que queremos. Diferentes drogas com diferentes danos em diferentes contextos podem precisar de abordagens diferentes. Qualquer mudança nesse terreno deve ser apoiada por investimentos em educação baseada em evidências, aconselhamento e serviços de tratamento para deter o uso de drogas e aumentar a segurança entre os usuários. A saúde deve estar no centro desse debate e, portanto, os profissionais de saúde devem zelar pela preservação da dimensão racional e humana nas políticas de saúde, em detrimento da retórica populista da criminalização do usuário3030. Rolles S. An alternative to the war on drugs. BMJ. 2010 Jul 13;341:c3360. Available from: https://dx.doi.org/10.1136/bmj.c3360pmid:20627976
https://dx.doi.org/10.1136/bmj.c3360pmid...
.

Uma das limitações do presente estudo é que seus resultados não permitem a generalização, uma vez que se utilizou de amostra de conveniência. Por sua vez, não se pode atribuir relação de causalidade entre as variáveis por se tratar de um estudo transversal. Além disso, tendo em vista que uso de drogas na adolescência é um assunto complexo que envolve vários fatores de risco e de proteção em diversos domínios, este estudo não abarcou a complexidade do fenômeno, limitando-se ao estudo da percepção de riscos e benefícios. Por fim, haja vista o caráter hipotético da questão sobre intenção de uso no contexto de mudanças regulatórias, os resultados não são úteis para fazer predições consistentes. Não obstante tais fragilidades, os achados são importantes para o debate das políticas públicas de prevenção e promoção de saúde.

CONCLUSÃO

Os participantes do estudo parecem ter conhecimento sobre os riscos associados ao uso da maconha, embora muitos considerem que as informações são limitadas. Em geral, os participantes consideram que os riscos de uso da maconha são maiores que os benefícios, ainda que muitos acreditem que a maconha ajuda em alguma medida. A intenção de uso de maconha (quando fizerem 18 anos), num contexto de legalização, não foi preocupante, e houve uma posição favorável em relação ao uso medicinal da maconha.

Os prejuízos do abuso de drogas residem no seu potencial de levar ao engajamento em outros comportamentos de risco, tais como violência, condução de veículo automotor sob efeito da droga e conduta sexual de risco, que podem agravar ainda mais a vulnerabilidade do jovem. Ao levar em conta quão vulneráveis estão às diferentes formas de violências e ao abuso de drogas lícitas e ilícitas, e ao considerarmos a elevada taxa de mortalidade por causas externas para essa população, identifica-se a necessidade de priorização da atenção integral à saúde de adolescentes e jovens. Recomenda-se que se implementem intervenções voltadas à prevenção do uso de maconha, já que as prevalências apontaram valores importantes. No entanto, as estratégias de abordagem do tema deve ser tratar o tema de forma realista, pois já é sabido que as estratégias de prevenção com foco exclusivo nos efeitos nocivos das drogas não são eficazes, sendo que uma abordagem com foco na promoção integral da saúde tem mais chance de encontrar resultados positivos.

De qualquer modo, as mudanças que estamos assistindo no cenário do mundo ocidental têm convergido na direção de uma maior tolerância do uso da maconha. Por sua vez, os estudantes de Brasília têm apresentado aumento crescente no consumo de maconha e os educadores parecem pedir ajuda aos especialistas em relação a como proceder nesse contexto. Sem dúvida, medidas de prevenção em todos os níveis (primário, secundário e terciário ou universal, seletiva e indicada), bem como seu monitoramento e avaliação, precisam ser adotadas sistematicamente nos espaços das escolas do Brasil.

AGRADECIMENTO

Agradecimentos ao Centre for Addiction and Mental Health (CAMH) da University of Toronto, Canadá e à Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas da Organização de Estados Americanos (CICAD/OEA).

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NOTAS

  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUIS

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília (CAAE 46091615.6.0000.5540)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    25 Set 2018
  • Aceito
    20 Maio 2019
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