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ENSINO DE ENFERMAGEM EM TEMPOS DE COVID-19: COMO SE REINVENTAR NESSE CONTEXTO?

Aos 200 anos do nascimento de Florence Nightingale, a sociedade mundial vive um momento indicado por epidemiologistas como um dos maiores desafios sanitários em escala global deste século: uma pandemia de COVID-19 em curso.11. World Health Organization. Director General's opening remarks at the media briefing on COVID-19 [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [cited 2020 May 03]. Available from: https://www.who.int/dg/speeches/detail/who-director-general-s-statement-on-ihr-emergency-committee-on-novel-coronavirus-(2019-ncov)
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No período em que o Brasil cumpre as determinações de distanciamento social e que vários setores da atividade econômica se ajustam às novas medidas, é, também, imperativo, refletir sobre o impacto deste cenário sobre o sistema educacional, e em especial sobre o ensino universitário em enfermagem.

A abrupta interrupção das atividades previamente planejadas em aulas presenciais, as quais associam atividades teóricas e práticas gera impactos a curto, médio e longo prazos para todos os níveis escolares. Especialmente, as populações socioeconomicamente vulneráveis serão mais afetadas e dentre os possíveis reflexos estarão a acentuação das desigualdades sociais para o acesso à bens e serviços essenciais, como é a educação, dentre outros. Os indicadores de evasão escolar poderão aumentar sensivelmente o que retroalimenta os reflexos citados.22. United Nations Educational Scientific and Cultural Organization, United Nations Children’s Fund, World Food Programme, World Bank. Framework for reopening schools [Internet]. April 2020 [cited 2020 May 03]. Available from: https://www.unicef.org/documents/framework-reopening-schools
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Ao se pensar no ensino presencial, o dilema inicia ao se reconhecer os estudantes como potenciais transmissores do vírus, bem como, vulneráveis à contaminação. Os modelos de ensino adotados mundo afora no período da pandemia COVID-19 têm ao menos uma característica em comum: não foram considerados pela literatura acadêmica nem como ensino a distância (EaD) - uma vez que não há material programado para essa modalidade, nem homeschooling, quando os pais passam a assumir a tutoria do ensino. Assim, o termo que vem sendo utilizado no mundo, e também no Brasil, é descrito como "ensino remoto emergencial”.

A Universidade é um ambiente que pressupõe a excelência e a inclusão - cujos valores incluem a capacidade de inovação, a identificação e constante busca por novos caminhos de modo a criar novas oportunidades, carreiras e práticas em conformidade com uma visão inovadora. Assim, questiona-se: como a Enfermagem pode/precisa se reinventar nesse contexto? E o que é fundamental preservar no que se refere ao processo de formação do enfermeiro?

A abordagem do ensino remoto emergencial na Enfermagem e, também em outras profissões, tem sido pouco explorada tecnicamente e teoricamente pelos cientistas, apesar de afetar milhares de pessoas no Brasil (e mundo) de modo pragmático. Uma vez que o isolamento social é necessário, como seria a formação de estudantes de Enfermagem? Quais as vantagens e desvantagens? É na adversidade que nasce a força, portanto, o revés da pandemia consiste justamente no fato de mobilizar pessoas, instituições e poder público para repensar os caminhos que têm sido tomados no âmbito do ensino superior, ciência e tecnologia, bem como, a própria função social e intersetorial da Enfermagem.

Nesse ínterim, inúmeros editais de fomento e incentivo à pesquisa para que sejam identificadas, o mais breve possível, estratégias de mitigação do vírus e dos seus impactos, abriram um leque de possibilidades à ciência. As Universidades e os docentes da área de Enfermagem vêm atuando intensamente em diferentes frentes, tais como: projetos de pesquisa, cursos de formação, produção de tecnologias, comitês de gestão, orientação de alunos de Pós-Graduação e uma infinidade de outras atividades tecnocientíficas que podem ser realizadas em home office. Além disso, agora, mostra-se também necessária, a implementação de estratégias de ensino remoto emergencial na Graduação em Enfermagem.

No entanto, aos docentes é destinada a dura tarefa de educar considerando as desigualdades do acesso ao ensino remoto, imposta pelo cenário epidemiológico-social brasileiro. É necessário também, refletir sobre os dilemas da educação anteriores à crise pandêmica. Neste sentido, apesar de o crescimento de programas educativos em Enfermagem em países com diferentes características econômicas e culturais, a literatura científica ainda não dispõe de corpo de conhecimento para responder como a formação à distância desenvolve competências que envolvem habilidades e atitudes clínicas para o cuidado.33. Sanes MS, Neves FB, Pereira LEM, Ramos FR, Vargas MA, Brehmer LCF, et al. Educação a distância não! Produção de sentidos dos discursos de entidades representativas da enfermagem. Rev Bras Enferm. Forthcoming 2020.

É no campo prático que o aluno desenvolve inúmeras habilidades essenciais para o seu aprendizado, para a elaboração da expertise clínica e formação de qualidade. A EaD e o ensino remoto são modalidades sem inserção em cenário prático, não é possibilitada a vivência nos mais diversos ambientes de atuação do futuro profissional. Ainda que figurem como alternativas em tempos de enfrentamento da COVID-19, são lacunas no processo formativo.

O fato é que no âmbito internacional, as agências estão solicitando aos governos que avaliem os benefícios da aula presencial versus aprendizagem remota emergencial e os fatores de risco relacionados à reabertura das instituições de ensino e, até o momento, são observadas evidências inconclusivas sobre os riscos de infecção relacionados à não frequência escolar.22. United Nations Educational Scientific and Cultural Organization, United Nations Children’s Fund, World Food Programme, World Bank. Framework for reopening schools [Internet]. April 2020 [cited 2020 May 03]. Available from: https://www.unicef.org/documents/framework-reopening-schools
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Nesta dimensão, a Enfermagem, como integrante do trabalho coletivo em saúde, deve compartilhar da perspectiva de saúde como qualidade de vida e proteção frente ao novo coronavírus, da participação e do controle social, da integralidade das ações de saúde individual e coletiva e, por fim, da inclusão à educação. A formação profissional assume o seu maior compromisso com a implementação das políticas sociais públicas que, num processo histórico de consolidação de seus princípios e efetivação de estratégias, exige capacitação política e técnica para o pleno exercício do direito constitucional à saúde.

Os mundos do trabalho e da educação se interpenetram no campo da formação profissional da Enfermagem, com diferentes regulações, regulamentações, interesses e práticas e, sobremodo, com suas subjacentes concepções e referenciais teóricos. O conhecimento científico e a tecnologia, como matrizes de desenvolvimento, impõem modelos e parâmetros às políticas públicas, sem que estas tenham superado as antigas formas de exclusão social e a perspectiva econômica de dependência, cujas repercussões foram potencializadas dada a relevância do novo coronavírus.

Assim, em meio a adversidade, cabe aos professores, estudantes e famílias, escolas, sociedade organizada, instituições de ensino superior e poder público, dialogar sobre estratégias sustentáveis e inclusivas a todos, que assegurem qualidade técnica e promova a formação profissional de qualidade e não provoque possíveis reveses justificados por um contexto completamente atípico.

E como a Enfermagem pode/precisa se reinventar nesse contexto? E o que é fundamental preservar no que se refere ao processo de formação do enfermeiro? Essa é a questão que urge dentre as repercussões da pandemia, especificamente, da necessidade real e inequívoca do distanciamento social. Se reinventar em um contexto de dúvidas, medos, necessidades impostas pelas realidades sociais de cada pessoa implicada neste processo é, no mínimo, complexo. Nenhuma medida de urgência para este processo de reinvenção, ainda que tenha este caráter, pode perder de vista os seus efeitos colaterais, como ampliar o distanciamento entre o prescrito e o real, acentuar as diferenças sociais de acesso à bens e tecnologias, sufragar discursos excludentes. A reinvenção da Enfermagem socialmente comprometida na esfera pública é oferecer respostas contextualizadas com as possibilidades do seu corpo discente, de modo equitativo.

REFERENCES

  • 1. World Health Organization. Director General's opening remarks at the media briefing on COVID-19 [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [cited 2020 May 03]. Available from: https://www.who.int/dg/speeches/detail/who-director-general-s-statement-on-ihr-emergency-committee-on-novel-coronavirus-(2019-ncov)
    » https://www.who.int/dg/speeches/detail/who-director-general-s-statement-on-ihr-emergency-committee-on-novel-coronavirus-(2019-ncov)
  • 2. United Nations Educational Scientific and Cultural Organization, United Nations Children’s Fund, World Food Programme, World Bank. Framework for reopening schools [Internet]. April 2020 [cited 2020 May 03]. Available from: https://www.unicef.org/documents/framework-reopening-schools
    » https://www.unicef.org/documents/framework-reopening-schools
  • 3. Sanes MS, Neves FB, Pereira LEM, Ramos FR, Vargas MA, Brehmer LCF, et al. Educação a distância não! Produção de sentidos dos discursos de entidades representativas da enfermagem. Rev Bras Enferm. Forthcoming 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020
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