EFETIVIDADE DA AURICULOACUPUNTURA NA QUALIDADE DO SONO DE PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM ATUANTES NA COVID-19

RESUMO

Objetivo:

avaliar a efetividade da auriculoacupuntura na melhora da qualidade do sono de profissionais de enfermagem atuantes no combate à pandemia da COVID-19.

Método:

estudo quase-experimental, sem grupo controle ou pareamento, do tipo antes e depois, desenvolvido de maio a julho de 2020, em um hospital de referência para doenças infecciosas no Ceará. A amostra foi constituída por 26 profissionais de enfermagem, entre enfermeiros e técnicos, que realizaram três sessões de auriculoacupuntura, uma vez por semana, durante quatro semanas. A qualidade do sono foi mensurada pelo Índice de Qualidade do Sono de Pittsburg. Os efeitos da intervenção foram analisados pelo teste de “t” de student para comparação de médias entre a primeira e a última aplicação, ANOVA de uma via com medidas repetidas e teste pós-hoc de Sidak.

Resultados:

no tocante aos componentes do Índice de Qualidade do Sono de Pittsburg foram verificadas diferenças significativas entre os indivíduos nos componentes: qualidade subjetiva do sono (p=0,001); latência do sono (p<0,001), duração do sono (p<0,001), eficiência habitual do sono (p=0,011), distúrbios do sono (p<0,001), medicamentos para dormir (p=0,005) e disfunção diurna do sono (p<0,001). O índice global do sono também teve mudança significativa (p<0,001). A intervenção reduziu em 52,35% a pontuação do índice de qualidade do sono.

Conclusão:

as mudanças ocorridas foram capazes de mudar a categoria na classificação do sono por meio de uma queda circunstanciada nos escores do Índice de Qualidade do Sono de Pittsburg. Observaram-se diferenças significativas entre os momentos inicial e final no índice global e em todos componentes.

DESCRITORES:
Acupuntura auricular; Infecções por coronavírus; Pandemia; Sono; Recursos humanos de enfermagem no hospital

ABSTRACT

Objective:

to evaluate the effectiveness of auriculoacupuncture in improving the sleep quality of nursing professionals in the fight against the COVID-19 pandemic.

Method:

quasi-experimental before and after study, without a control or matching group performed from May to July 2020, in a referral hospital for infectious diseases in Ceará. The sample consisted of 26 nursing professionals, including nurses and technicians, who performed three sessions of auriculoacupuncture, once a week, for four weeks. Sleep quality was measured by the Pittsburg Sleep Quality Index. The effects of the intervention were analyzed by the student's “t” test to compare means between the first and last application, one-way ANOVA with repeated measures and post-hoc Sidak´s test.

Results:

regarding the components of the Pittsburg Sleep Quality Index, significant differences were observed between the individuals in the components: subjective sleep quality (p=0.001); sleep latency (p<0.001), sleep duration (p<0.001), habitual sleep efficiency (p=0.011), sleep disorders (p<0.001), sleeping medications (p=0.005) and excessive daytime sleep sleepiness (p<0.001). The overall sleep index also changed significantly (p<0.001). The intervention reduced the sleep quality index score by 52.35%.

Conclusion:

the changes that occurred were able to change the category in sleep classification through a detailed decrease in the Pittsburg Sleep Quality Index scores. Significant differences were observed between the first and final moments in the global index and in all components.

DESCRIPTORS:
Auriculoacupuncture; Coronavirus infections; Pandemic; Sleep; Human nursing resources in the hospital

RESUMEN

Objetivo:

evaluar la efectividad de la auriculopuntura en la mejora de la calidad del sueño de los profesionales de enfermería que trabajan para combatir la pandemia de COVID-19.

Método:

estudio cuasiexperimental, sin grupo control ni pareado, del tipo antes y después, desarrollado de mayo a julio de 2020, en un hospital de referencia por enfermedades infecciosas en Ceará. La muestra estuvo conformada por 26 profesionales de enfermería, entre enfermeros y técnicos, quienes realizaron tres sesiones de auriculoacupuntura, una vez por semana, durante cuatro semanas. La calidad del sueño se midió mediante el índice de calidad del sueño de Pittsburg. Los efectos de la intervención se analizaron mediante la prueba “t” de Student para comparar medias entre la primera y la última aplicación, ANOVA unidireccional con medidas repetidas y prueba post-hoc de Sidak.

Resultados:

con respecto a los componentes del Índice de Calidad del Sueño de Pittsburg, se encontraron diferencias significativas entre los individuos en los componentes: calidad subjetiva del sueño (p = 0,001); latencia del sueño (p <0,001), duración del sueño (p <0,001), eficiencia habitual del sueño (p = 0,011), trastornos del sueño (p <0,001), medicamentos para dormir (p = 0,005) y disfunción del sueño durante el día (p <0,001). El índice general de sueño también cambió significativamente (p <0,001). La intervención redujo la puntuación del índice de calidad del sueño en un 52,35%.

Conclusión:

los cambios que ocurrieron pudieron cambiar la categoría en la clasificación del sueño a través de una caída sustancial en las puntuaciones del Índice de Calidad del Sueño de Pittsburg. Se observaron diferencias significativas entre los momentos inicial y final en el índice global y en todos los componentes.

DESCRIPTORES:
Acupuntura auricular; Infecciones por coronavirus; Pandemia; Sueño; Recursos humanos de enfermería en el hospital

INTRODUÇÃO

O vírus SARS-CoV-2, responsável por causar uma síndrome respiratória aguda grave, denominada COVID-19, trouxe consequências físicas e psicológicas à população mundial, especialmente àqueles dos grupos de risco e profissionais que atuam na linha de frente dos cuidados em saúde, dado a exaustiva exposição e deletérias consequências ocasionadas pela manifestação viral.1^-3 Estudos comprovam que o aparecimento do novo coronavírus pode desencadear, dentre outros agravos de ordem física, ansiedade, medo, sintomas depressivos, alterações no ciclo circadiano, delirium e distúrbios no padrão do sono.2^-4

Além disso, esses fatores podem ser potencializados em trabalhadores de saúde quando somados à exaustão física, elevada carga de trabalho, falta de equipamentos de proteção individual, condições inadequadas de trabalho, necessidade de tomada de decisões eticamente complexas sobre o racionamento de cuidados, tensões emocionais e gravidade dos atendimentos, que já ocorriam mesmo antes da corrente pandemia por SARS-CoV-2, visto que está muito ligada à prática de enfermagem. Ademais, aspectos pessoais ligados aos anseios gerados pelo isolamento social e mudanças na rotina familiar também têm colaborado para acentuar o contexto em que esses profissionais estão inseridos, podendo colocar em risco a segurança desses profissionais e pacientes, dentre outros.5^-7

Nesse sentido, dentre as estratégias de enfrentamento do estresse laboral, ansiedade, distúrbios do humor e do sono, destaca-se a auriculoacupuntura.8 Essa terapêutica tem demonstrado efeito promissor na prática na atenuação dos problemas ligados a catástrofes, epidemias ou pandemias, configurando-se, como uma possibilidade de intervenção a ser utilizada nos profissionais da saúde que atuam na linha de frente da COVID-19, na tentativa de melhorar os padrões de sono e controle de estresse.9

Com base nisso, a hipótese que este estudo pretendeu testar foi a seguinte: a auriculoacupuntura é efetiva para a melhora da qualidade do sono de profissionais de enfermagem atuantes na pandemia da COVID-19. Logo, o interesse em estudar sobre essa questão justifica-se, posto que, o cenário atual expõe os profissionais diariamente às situações que influenciam negativamente no padrão do sono, comprometendo a assistência prestada e a qualidade de vida do trabalhador. Assim, o objetivo desse estudo foi avaliar a efetividade da auriculoacupuntura na melhora da qualidade do sono de profissionais de enfermagem atuantes na pandemia da COVID-19.

MÉTODO

Trata-se de um estudo quase-experimental, sem grupo controle ou pareamento, do tipo antes e depois, realizado em um hospital de referência em doenças infecciosas no Estado do Ceará, no período de maio a julho de 2020. O estudo seguiu as recomendações do Standart Protocol Item: recommendations for interventional trials (SPIRIT).

A população consistiu dos profissionais da equipe de enfermagem representados por enfermeiros e técnicos de enfermagem. A opção de priorizar estes profissionais se deu em razão da emergência da pandemia e as consequências dela na qualidade do sono destes profissionais que atuam continuamente no cuidado.

Para o estudo foi utilizado como estratégia de recrutamento a amostragem não probabilística consecutiva por conveniência e a amostra consistiu em 39 profissionais que iniciaram o protocolo.

A população do estudo consistiu em 104 profissionais de enfermagem e, a amostra foi determinada de acordo com o cálculo para estudos quase-experimentais, com nível de significância bilateral de 95%, poder de 80%, razão do tamanho da amostra de 1 e razão de prevalência de indivíduos que decidiram submeter-se a intervenção pelo total de indivíduos que finalizaram o protocolo foi de 42%, necessitando pelo menos 17 indivíduos no braço da intervenção.10 No entanto, 26 profissionais concluíram o referido protocolo do estudo. Foram descontinuados 13 profissionais por motivo de atestado médico relacionado à COVID-19.

Foram incluídos trabalhadores de ambos os sexos, que atuavam nos setores considerados linha de frente no combate à COVID-19: Unidade de Terapia Intensiva (UTI), Setor de Urgência e Emergência (UE) e a Clínica Médica (CM). Foram excluídos aqueles que por quaisquer razões de afastamentos do trabalho não estivessem laboralmente ativos. Também foram excluídos os profissionais considerados bons dormidores (PSQI≥5), uma vez que o estudo buscou realizar intervenção para melhora da qualidade do sono.

Esse estudo utilizou-se da auriculoacupuntura como produto de intervenção. As sessões de auriculoacupuntura ocorreram em um tempo aproximado de 20 minutos, em uma sala disponibilizada pelo próprio hospital, com iluminação e ventilação adequadas, e foi utilizado o protocolo dos pontos auriculares pré-estabelecidos.11^-12 Neste momento era solicitada a exposição do pavilhão auricular e realizada a antissepsia com álcool 70% para que, em seguida, fossem aplicadas as esferas de cristal (esferas neutras) nos nove pontos selecionados para este estudo, de acordo com o mapa auricular da escola Chinesa, os quais foram: Shenmen, Rim, Autonômico simpático, Coração, Pulmão, Subcórtex, Endócrino, Ponto zero ou Relaxamento muscular e Suprarrenal ou tranquilizante. Estes pontos auriculares demonstram efeitos sobre o sono, como já testado em estudos anteriores.11^-12

O protocolo do estudo seguiu as referidas etapas:

1. Foi enviado um convite por WhatsApp por intermédio da gerência de enfermagem para toda equipe do hospital incluída na amostra com informações sobre o dia, horário e local da aplicação;

2. Aos que compareceram, foi disponibilizada uma lista de frequência pela gerência de enfermagem para verificar a assiduidade dos profissionais às sessões. Além disso, os profissionais responderam a um questionário socioprofissional e sobre qualidade de sono (T0) e, nesse primeiro encontro, já houve a primeira sessão de auriculoacupuntura. Esse mesmo questionário foi respondido outras três vezes (T1, T2 e T3), sempre no momento que antecedia as sessões de auriculoacupuntura. Nesse sentido, cada tempo posterior à baseline (T0), corresponde a uma semana transcorrida após esse período, ou seja, T1 correspondendo a primeira semana após o baseline e T3 a terceira semana pós-baseline. Os atendimentos ocorreram por meio de agendamento prévio, sempre no mesmo dia da semana (quarta-feira), o que permite afirmar que os pontos ficavam no pavilhão auricular por sete dias. No total foram realizadas três sessões de auriculoacupuntura, por quatro semanas consecutivas, uma vez por semana em cada profissional.

O instrumento utilizado para coleta de dados foi subdividido em: avaliação sociodemográfica e qualidade do sono. Os dados sociodemográficos continham nove questões sobre gênero, idade, profissão, função, tempo de serviço, carga horária de trabalho semanal, turno de trabalho, e setor de trabalho. A qualidade do sono foi mensurada pelo Índice da Qualidade do Sono de Pittsburg (PSQI).

O PSQI é uma ferramenta autoaplicável,13 e validada no Brasil,14 usada para avaliação da qualidade do sono e de possíveis distúrbios no último mês. O questionário é bastante usado em diversas populações, inclusive para os profissionais de Enfermagem, e já foi traduzido e validado para diferentes línguas. O instrumento possui 19 questões e é integrado por sete componentes do sono: qualidade subjetiva, latência, duração, eficiência e distúrbios do sono, uso de medicação para dormir e disfunção diurna, que resultam em um escore correspondente à qualidade subjetiva global do sono. A pontuação global é determinada pela soma dos sete componentes, cada qual recebe uma pontuação estabelecida entre zero e três pontos com o mesmo peso, em que o três reflete o extremo negativo da escala que varia de zero a 21 pontos. As pontuações acima de cinco pontos indicam má qualidade do sono do indivíduo.13^-15

A análise estatística dos dados foi realizada com o programa SPSS versão 23 a fim de definir as variáveis dos resultados como frequência absoluta, medidas de dispersão e tendência central. O nível de significância adotado foi de 5% e o intervalo de confiança de 95%. Para verificar o nível da qualidade do sono, foi feito o teste de “t” de student e Mann Whitney para comparação de médias entre a primeira e a última aplicação, verificando a efetividade da intervenção. E, ANOVA de uma via com medidas repetidas e teste pós-hoc de Sidak foram realizados para medir se as diferenças entre os momentos são significantes.

A pesquisa recebeu aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa e obedeceu a todos os preceitos éticos dispostos na Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

RESULTADOS

A maioria dos trabalhadores de enfermagem era do gênero feminino (24; 92,3%), idade média de 39,11 (±12,09) anos; técnicos de enfermagem (16; 61,5%), com predomínio de trabalho no turno da manhã (17; 65,4%); trabalhavam em unidades de terapia intensiva (13; 50,0%); o tempo de serviço de 175,76 (±149,69) em meses e a carga horária de trabalho de 49,96 (±12,72) horas semanais. O excesso de horas trabalhadas está relacionado a carga horária extra que eles estão se disponibilizando a fazer devido a demanda do COVID.

Em relação ao PSQI observou-se que o índice geral apresentou diferenças de médias significantes nos indivíduos que realizaram auriculoacupuntura em todos os momentos do tratamento, com expressiva redução após o segundo momento de avaliação. Verificaram-se no tocante aos componentes do PSQI, diferenças significativas entre os indivíduos na qualidade subjetiva em todos os momentos; bem como na latência do sono, duração do sono, eficiência habitual, distúrbios do sono, medicamentos para dormir e disfunção diurna, tanto em T1 como T2 (Tabela 1).

Tabela 1 -
Médias, desvio padrão e teste t de Student de acordo com cada avaliação e os respectivos componentes do sono em profissionais de enfermagem. Fortaleza, CE, Brasil, 2020. (n=26)

Componentes do Índice de qualidade de sono de Pittsburg	Baseline		T1*		T2†		T3‡
	Média (desvio padrão)	p-valor	Média (desvio padrão)	p-valor	Média (desvio padrão)	p-valor	Média (desvio padrão)	p-valor
Qualidade subjetiva do sono	1,57 (0,70)	<0,001	1,42 (0,70)	<0,001	0,96 (0,44)	<0,001	0,38 (0,49)	0,001
Latência do sono	1,57 (0,85)	<0,001	1,57 (0,90)	<0,001	1,11 (0,65)	<0,001	0,96 (0,52)	<0,001
Duração do sono	1,73 (0,82)	<0,001	1,42 (0,90)	<0,001	1,11 (0,65)	<0,001	0,73 (0,53)	<0,001
Eficiência habitual do sono	0,53 (0,90)	0,006	0,26 (0,53)	0,016	0,23 (0,42)	0,011	0,23 (0,42)	0,011
Distúrbio do sono	1,96 (0,44)	<0,001	1,65 (0,56)	<0,001	1,53 (0,58)	<0,001	1,03 (0,59)	<0,001
Medicamentos para dormir	0,69 (1,08)	0,003	0,69 (1,12)	0,004	0,53 (0,90)	0,006	0,38 (0,63)	0,005
Disfunção diurna sono	1,69 (0,78)	<0,001	1,46 (0,90)	<0,001	1,26 (0,82)	<0,001	1,00 (0,63)	<0,001
Índice de qualidade de sono de Pittsburg global	9,76 (2,97)	<0,001	8,50 (3,67)	<0,001	6,76 (2,48)	<0,001	4,65 (1,93)	<0,001

• Nota:*momento que antecedeu a segunda sessão; ^†momento que antecedeu a terceira sessão; ^‡momento que antecedeu a quarta sessão.

Desse modo, a diferença da porcentagem das médias entre os momentos T0 e T3 evidenciou uma melhora de 75,8% na qualidade subjetiva; 57,8% na duração do sono; 56,6% na eficiência habitual; 52,5% nas alterações do sono; 55,0% na redução dos medicamentos para dormir. Constataram-se resultados de melhoria em 37,5% na latência do sono e 49,2% na disfunção diurna. Assim, pode-se afirmar que a intervenção teve capacidade de melhorar em mais de 50,0% quatro componentes do PSQI demonstrando comprometimento em outros componentes como o início do sono e cochilos durante o dia.

A auriculoacupuntura foi capaz de reduzir o escore de duração do sono após a auriculoacupuntura em cerca de 0,307 entre T1 e T0. Já entre T2 e T1, notaram-se diferenças estatísticas significantes entre os escores dos componentes qualidade subjetiva, latência do sono, duração do sono, uso de medicamentos para dormir e no PSQI total (Tabela 2).

No tocante ao T3 e T2, verificaram-se diferenças significativas nos escores dos componentes: qualidade subjetiva do sono, duração do sono, redução de alterações no sono, uso de medicamentos para dormir e no PSQI total. Comparando o último e o primeiro momento constatou-se redução nos escores nos componentes: qualidade subjetiva do sono, latência do sono, duração do sono, alterações no sono, disfunção diurna e PSQI total. Assim, não foi possível observar diferenças estatísticas significantes na eficiência habitual e na disfunção diurna sono. Nesse sentido, é oportuno salientar que a intervenção demonstra efeito em pelo menos quatro componentes com o tempo de 14 dias (T2) mantendo-se esse mínimo até o final do protocolo em estudo (Tabela 2).

Tabela 2 -
Diferenças entre as avaliações e o teste t pareado dos componentes do sono e o índice total em profissionais de enfermagem durante o pico da pandemia. Fortaleza, CE, Brasil, 2020 (n=26).

Diferenças entre as avaliações	Auriculoacupuntura
	Diferença das médias	Erro padrão	Intervalo de Confiança 95%	p-valor
Total
Baseline - T1*	- 1,269	0,66	+ 0,10 - 2,64	0,690
T1* - T2†	- 1,730	0,32	+ 1,05 - 2,40	<0,001
T2† - T3‡	- 2,115	0,26	+ 1,57 - 2,65	<0,001
T3‡ - Baseline	- 5,115	0,53	+ 4,01 - 6,21	<0,001
Qualidade subjetiva do sono
Baseline - T1*	- 0,153	0,15	- 0,16 - 0,47	0,327
T1* - T2†	- 0,461	0,09	+ 0,25 - 0,66	<0,001
T2† - T3‡	- 0,576	0,11	+ 0,34 - 0,81	<0,001
T3‡ - Baseline	- 1,192	0,15	+ 0,86 - 1,51	<0,001
Latência do sono
Baseline - T1*	0,000	0,12	- 0,25 - 0,25	1,000
T1* - T2†	- 0,461	0,13	+ 0,17 - 0,74	0,003
T2† - T3‡	- 0,153	0,09	- 0,03 - 0,34	0,103
T3‡ - Baseline	- 0,615	0,16	+ 0,27 - 0,95	0,001
Duração do sono
Baseline - T1*	-0,307	0,14	+ 0,10 - 0,60	0,043
T1* - T2†	- 0,307	0,10	+ 0,08 - 0,52	0,008
T2† - T3‡	- 0,384	0,12	+ 0,12 - 0,64	0,005
T3‡ - Baseline	- 1,000	0,15	+ 0,67 - 1,32	<0,001
Eficiência habitual do sono
Baseline - T1*	- 0,269	0,21	- 0,18 - 0,71	0,230
T1* - T2†	- 0,038	0,03	- 0,40 - 0,11	0,327
T2† - T3‡	0,000	-	-	-
T3‡ - Baseline	- 0,307	0,20	- 0,11 - 0,73	0,147
Alterações ou distúrbios do sono
Baseline - T1*	- 0,307	0,12	+ 0,05 - 0,55	0,180
T1* - T2†	- 0,115	0,06	- 0,16 - 0,24	0,083
T2† - T3‡	- 0,500	0,11	+ 0,26 - 0,73	<0,001
T3‡ - Baseline	- 0,923	0,13	+ 0,64 - 1,20	<0,001
Uso de medicamentos para dormir
Baseline - T1*	0,000	0,29	- 0,61 - 0,61	1,000
T1* - T2†	- 0,153	0,07	+ 0,00 - 0,30	0,043
T2† - T3‡	- 0,153	0,07	+ 0,00 - 0,30	0,043
T3‡ - Baseline	- 0,307	0,23	- 0,17 - 0,78	0,200
Disfunção diurna do sono
Baseline - T1*	- 0,230	0,13	- 0,05 - 0,51	0,110
T1* - T2†	- 0,192	0,09	- 0,00 - 0,39	0,057
T2† - T3‡	- 0,269	0,08	+ 0,08 - 0,45	0,006
T3‡ - Baseline	- 0,692	0,13	+ 0,41 - 0,96	<0,001

• Nota:*momento que antecedeu a segunda sessão; ^†momento que antecedeu a terceira sessão; ^‡momento que antecedeu a quarta sessão.

Desse modo, verifica-se que a intervenção foi capaz de reduzir consideravelmente em 52,35% a pontuação do PSQI total demonstrando diferenças significativas, com adequada distribuição normal entre os momentos: T0 (KS: 1,019, p: 0,250); T1 (KS: 0,611; p: 0,850); T2 (KS: 0,602, p: 0,862) e T3 (KS: 1,458, p: 0,058) (Figura 1).

Figura 1 -
Apresentação do comportamento do índice total do PSQI de acordo com os momentos de avaliação do efeito da auriculoacupuntura em profissionais de enfermagem durante o pico da pandemia. Fortaleza, CE, Brasil, 2020 (n=26).

Observa-se mudança de categoria na classificação do sono por meio de uma queda circunstanciada nos escores do PSQI ao longo do tempo com a aplicação e manutenção dos cristais na equipe de enfermagem no pico da pandemia, com extrema significância estatística. Sendo assim, a ANOVA de uma via com medidas repetidas demonstrou efeito da intervenção entre os momentos da intervenção sobre o PSQI [F (1,83, 45,83) =39,938; p<0,001] influenciando em quase 40,0% desses valores (Tabela 3).

Tabela 3 -
Teste de efeito da ANOVA de uma via com medidas repetidas na aplicação da auriculoacupuntura em profissionais de enfermagem durante o pico da pandemia. Fortaleza, CE, Brasil, 2020. (n=26)

		Tipo III Soma dos quadrados	Diferença	Quadrado Médio	F*	p-valor	Eta parcial quadrado
Intervalo	Greenhouse-Geisser	383,769	1,834	209,308	39,938	<0,001	0,615
	Limite inferior	383,769	1,000	383,769	39,938	<0,001	0,615
Erro (Intervalo)	Greenhouse-Geisser	240,231	45,838	5,241
	Limite inferior	240,231	25,000	9,609

• Nota: *força da intervenção

O teste pós-hoc de Sidak demonstrou que apenas o momento T0 e o T1 não diferem entre si (p=0,351). Assim, nota-se que os intervalos T2 difere com T0, T1 e T3; bem como o T3 difere com T0, T1, T2 com extrema significância (Tabela 4).

Tabela 4 -
Comparações entre os momentos da aplicação da auriculoacupuntura por meio do teste pós-hoc de Sidakem profissionais de enfermagem durante o pico da pandemia. Fortaleza, CE, Brasil, 2020. (n=26)

(I) Intervalo	(J) Intervalo	Diferença média (I-J)	Modelo padrão	p-valor	Intervalo de confiança 95% para a diferença
					Limite inferior	Limite superior
Baseline	T1*	1,269	0,669	0,351	-0,642	3,180
	T2†	3,000	0,600	<0,001	1,286	4,714
	T3‡	5,115	0,536	<0,001	3,585	6,646
T1*	Baseline	-1,269	0,669	0,351	-3,180	0,642
	T2†	1,731	0,326	<0,001	0,800	2,662
	T3‡	3,846	0,456	<0,001	2,543	5,150
T2†	Baseline	-3,000	0,600	<0,001	-4,714	-1,286
	T1*	-1,731	0,326	<0,001	-2,662	-0,800
	T3‡	2,115	0,262	<0,001	1,367	2,864
T3‡	Baseline	-5,115	0,536	<0,001	-6,646	-3,585
	T1*	-3,846	0,456	<0,001	-5,150	-2,543
	T2†	-2,115	0,262	<0,001	-2,864	-1,367

• Nota:*momento que antecedeu a segunda sessão; ^†momento que antecedeu a terceira sessão; ^‡momento que antecedeu a quarta sessão.

DISCUSSÃO

O sono está intrinsecamente relacionado com a restauração das funções neurocomportamentais e com a homeostase do sistema imune. Ademais, é considerado um dos mecanismos para reduzir a contaminação por vírus e doenças oportunistas. Quando insuficiente, causa desordem no ciclo circadiano, diminuição da secreção de melatonina e possui forte relação com a produção de citocinas pro-inflamatórias, influenciando negativamente os cuidados de enfermagem prestados.16

A literatura tem evidenciado desfechos danosos da crise atual na qualidade do sono de profissionais de enfermagem e demais trabalhadores da saúde. Na China, país que registrou os primeiros casos do novo coronavírus (SARS-CoV-2), uma investigação conduzida com médicos e enfermeiros apontou baixa qualidade do sono nesses profissionais, nos primeiros meses da pandemia, com escore do PSQI=8,58.17 Já na Itália - um dos locais que encontrou severas dificuldades de controle do vírus, um estudo mostrou que 68,3% de profissionais que atendiam com pacientes diagnosticados com COVID-19, tinham episódios de insônia durante o pico de infecção da doença.18

Viver na pandemia e desconhecer vários aspectos ligados à essa nova situação, faz aumentar os níveis de estresse e preocupações com a saúde, condições financeiras, mudanças na vida social e rotina diária. Igualmente, o cenário também eleva os transtornos de ansiedade, pensamentos desagradáveis e sintomas depressivos, impedindo a promoção do sono.19 Ao avaliar desordens de cunho psicológico, pesquisadores chineses apontam que os enfermeiros possuem taxas mais altas de ansiedade, depressão, insônia e outros problemas mentais, quando inseridos no contexto da COVID-19.20

Os resultados evidenciados nesta pesquisa chamam atenção e demonstram a urgência por intervenções que possam minimizar riscos causados pela disseminação do SARS-CoV-2, em especial, no sono dos profissionais que atuam na linha de frente no combate à essa doença. Conforme os desfechos encontrados, após a aplicação da auriculoacupuntura, todos os componentes do PSQI tiveram atenuação estatisticamente significante em seus escores, sugerindo melhora na qualidade do sono dos profissionais avaliados. Na comparação das médias dos componentes do PSQI, os melhores resultados estiveram ligados à qualidade e duração do sono dos participantes.

Estudos que utilizaram a acupuntura na tentativa de melhorar a qualidade do sono de diferentes populações mostraram resultados estatisticamente significativos desse método na redução de distúrbios do sono.11^-12^,21^-22 Esses resultados são apoiados por outras pesquisas que mostraram desfechos positivos da terapia da auriculoacupuntura na qualidade do sono de profissionais de enfermagem.23 Nos Estados Unidos, a acupuntura tem-se mostrado popular e está na lista das 10 principais indicações para insônia, de acordo com um inquérito realizado em clínicas particulares, em 2018.24

Por meio da regulação de neurotransmissores e fatores hormonais, a acupuntura auricular pode modular o sono e a vigília e melhorar a sua qualidade25, como demonstrado em estudo anterior26, onde verificou-se que cinco semanas de tratamento com acupuntura foram associadas a um aumento noturno significativo (p=0,002) da secreção endógena de melatonina (medida na urina) e a melhorias significativas nas medidas polissonográficas da latência do início do sono (p=0,003), índice de excitação (p=0,001), tempo total de sono (p=0,001) e eficiência do sono (p=0,002). Também foram encontradas reduções significativas nos escores da ansiedade estado (p=0,049) e traço (p=0,004).

Na mesma direção, uma revisão sistemática e metanálise, com 15 ensaios clínicos, mostrou benefício da auriculoacupuntura em todas as metanálises, com diferenças significativas entre os grupos de tratamento e controle. Essa prática não só diminuiu escores dos componentes do PSQI, mas também, melhorou o tempo total e a eficiência do sono e reduziu a incidência de efeitos adversos quando comparado aos psicofármacos ansiolíticos, sedativos e hipnóticos usuais para indução do sono.27

Os resultados ora apresentados mostram que a utilização de medicações para o sono sofreu redução significativa (p=0,005). Devido a condições traumáticas enfrentadas ao longo da vida e profissão, semelhantes àquelas enfrentadas por profissionais de saúde em epidemias ou pandemias, militares norte-americanos, comumente, fazem uso dessas drogas para o controle do sono. Nesse sentido, uma pesquisa conduzida em um hospital militar americano mostrou que a acupuntura não apenas reduziu distúrbios do sono, como também, foi capaz de diminuir a ocorrência de dor crônica nessa população, em comparação com os cuidados habituais ofertados.28

Atualmente, apesar da escassez de estudos que tenham utilizado a auriculoacupuntura para o tratamento dos distúrbios do sono em profissionais de enfermagem durante os primeiros meses do surto de COVID-19, diferentes pesquisas, ao redor do mundo, já sinalizaram para os efeitos benéficos dessa terapia após desastres em larga escala.9 Em overview de revisões envolvendo 34 revisões sistemáticas com ou sem metanálise em diversos grupos populacionais, avaliou a eficácia da acupuntura para melhora da qualidade do sono pelo PSQI e verificou que os grupos que fizeram uso de acupuntura auricular tinham melhor qualidade do sono que os pacientes do grupo controle. Mas, apesar dos resultados promissores, os autores sublinham a necessidade de ampliar investigações sobre o tema dado a baixa qualidade metodológica dos mesmos.29

Nesse sentido, sugere-se uma melhor análise do componente sete do PSQI, que diz respeito à disfunção diurna do sono. Apesar dos desfechos positivos e estatisticamente significantes quando das comparações de antes e depois com a intervenção por auriculoacupuntura na equipe de enfermagem, nos primeiros momentos de aplicação dessa terapia os resultados não foram tão satisfatórios como o esperado. As dificuldades para dormir entre os trabalhadores que desempenham suas funções por turno é relativamente alta, especificamente para aqueles que utilizam o turno da manhã para repor o sono. Associado a isso, a alta carga de estresse e o comportamento de vida de cada trabalhador terminam por prejudicar, ainda mais, a qualidade do sono.23 Faz-se importante ressaltar que os distúrbios do sono, as desordens psicológicas ou mesmo a Síndrome de Burnout são comuns entre enfermeiros, e estão especialmente relacionadas às funções laborais. Esses fatores aumentam adversidades individuais e sociais, diminuindo o bem-estar e a qualidade de vida.23

No que concerne ao tempo de tratamento, estudo realizado com trabalhadores obesos de hospital universitário identificou que oito sessões foram efetivas para melhorar a qualidade do sono (p<0,001).30 Em outras populações, a auriculoacupuntura também foi investigada quanto aos benefícios para insônia e/ou qualidade do sono em um tratamento de duas semanas, no ponto Shenmen, em 30 puérperas taiwanesas com insônia. Relataram que o tratamento da AA reduziu a média das mulheres PSQI por 3,13 (de 8,7±2,26 a 5,57±2,37), alcançando diferença significativa antes e após o tratamento.31

Dessa forma, por meio dos resultados encontrados, assume-se que a auriculoacupuntura é uma prática integrativa e complementar em saúde que merece ser explorada e pode ser recomendada aos profissionais atuantes na linha de frente dos cuidados aos pacientes com COVID-19; mas não apenas durante a vigência da pandemia, como também uma intervenção de enfermagem na saúde do trabalhador. Por ser econômica e segura, com efeitos colaterais adversos mínimos, essa terapia tem um importante potencial para se tornar corretiva, reabilitadora ou preventiva no que se diz respeito à qualidade do sono.

Logo, esse estudo oferece perspectivas significativas para a área da saúde e enfermagem, visto que os resultados indicam que essa é uma estratégia aplicável e eficaz em distintos cenários, apesar de arrojada e especializada. Também, pontua-se que dada a qualidade da terapia e os benefícios dispostos, faz-se interessante traçar investigações de custo-efetividade para elucidar direcionamentos e implantações dessa prática nos serviços de atenção à saúde.

A principal limitação desse estudo é o potencial de generalização reduzido, visto que uma associação causal não pode ser feita de maneira tão segura como ocorre nos estudos clínicos controlados randomizados. Outra limitação foi a amostra ser de conveniência e pequena, o que impediu a análise do efeito da auriculoacupuntura sobre à qualidade do sono, sem contar nas perdas amostrais durante o seguimento desse estudo em decorrência da contaminação dos profissionais pelo SARS-CoV-2.

Também, não foram controlados alguns fatores de confusão, tais como o uso de outras práticas integrativas e complementares, o número de empregos dos participantes, o uso de medicações controladas ou descontinuados os bons dormidores, podendo gerar um viés de resultado.

Ainda é importante mencionar que a ausência de avaliação com base em um resultado objetivo, como polissonografia, pode resultar em viés estatístico no resultado da avaliação. Por se tratar de um estudo inédito neste contexto, inviabiliza o confronto com outros estudos que possam ter sido realizados no mesmo contexto epidemiológico. Portanto, para estudos futuros, recomenda-se que tais limitações sejam minimizadas, para que assim, haja validade de que a acupuntura seja recomendada para melhorar a qualidade do sono, garantindo a validade externa dos dados, com cautela.

CONCLUSÃO

Essa intervenção foi capaz de melhorar mais de 50% as dimensões qualidade subjetiva do sono, duração do sono, eficiência habitual, redução nas alterações do sono e no uso de medicamentos para dormir. No entanto, a intervenção não foi capaz de sustentar melhores níveis de latência do sono e disfunção diurna do sono. Desse modo, percebe-se que após a aplicação de três sessões de auriculoacupuntura, durante quatro semanas, os profissionais de enfermagem avaliados apresentaram melhora na qualidade do sono de acordo com o PSQI.

AGRADECIMENTO

Agradecimento a todos os profissionais de saúde que estão na linha de frente no combate ao COVID-19.

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NOTAS

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Saúde de Fortaleza, parecer nº 4.149.550, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 34396420.8.0000.5044.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Jan 2021
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  10 Ago 2020
• Aceito
  02 Out 2020