Acessibilidade / Reportar erro

DESVELANDO AS ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA CONJUGAL UTILIZADAS POR MULHERES

RESUMO

Objetivo:

desvelar as estratégias de enfrentamento da violência conjugal utilizadas por mulheres.

Método:

pesquisa qualitativa que se utilizou da vertente Straussiana da Teoria Fundamentada nos Dados como referencial teórico-metodológico e que teve como cenário duas Varas de Justiça pela Paz em Casa. Os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais e analisados no processo de codificação em três etapas interdependentes: codificação aberta, axial e seletiva.

Resultados:

para a elucidação do componente “Estratégia”, emergiram as seguintes categorias: Encontrando apoio na família; Inserindo-se em grupos de mulheres em situação de violência; e Experienciando o suporte jurídico-policial.

Conclusão:

diante da dificuldade feminina em romper com a relação permeada pela violência, urge que os profissionais das diversas áreas de atendimento a mulheres estejam preparados não apenas para reconhecer o agravo como também para orientá-las quanto à saliência desses recursos para o processo de saída desta situação e quiçá viabilizar o acesso a estes.

DESCRITORES
Violência contra a Mulher; Estratégias; Enfermagem; Família; Teoria Fundamentada

ABSTRACT

Objective:

to unveil the strategies used by women for confronting marital violence.

Method:

a qualitative research using the Straussian orientation of the Data Grounded Theory as a theoretical-methodological framework and two Justice Courts for Peace at Home as its scenario. Data was collected through individual interviews and analyzed in the coding process in three interdependent stages: open, axial and selective coding.

Results:

to elucidate the “Strategy” component, the following categories emerged: Finding support in family; Being part of groups of women in situations of violence; and Experiencing legal-police support.

Conclusion:

given the difficulty women find in breaking with a relationship permeated by violence, it is urgent that the professionals in various areas of care for women be prepared not only to recognize the problem but also to guide them as to the prominence of these resources for exiting from violence situation process and perhaps enable access to these one.

DESCRIPTORS
Violence against women; Strategies; Nursing; Family; Grounded theory

RESUMEN

Objetivo:

revelar las estrategias que utilizan las mujeres para hacer frente a la violencia conyugal.

Método:

investigación cualitativa en la que se utilizó la vertiente Straussiana de la Teoría Fundamentada en los Datos como referencial teórico-metodológico y que tuvo escenario dos Tribunales de Justicia para la Paz en el Hogar. Los datos se recolectaron por medio de entrevistas individuales y se los analizó en el proceso de codificación en tres etapas independientes: codificación abierta, axial y selectiva.

Resultados:

para elucidar el componente “Estrategia”, surgieron las siguientes categorías: Encontrar apoyo en la familia; Integrarse a grupos de mujeres en situación de violencia y Recurrir al apoyo jurídico-policial.

Conclusión:

frente a la dificultad que tienen las mujeres en salir de una relación permeada por la violencia, urge que los profesionales de las diversas áreas de atención a las mujeres estén preparados no solo para reconocer la agresión sino también para orientarlas en cuanto a la prominencia de esos recursos para el proceso de salir de esa situación y, quizás, viabilizarles el acceso a dichos recursos.

DESCRIPTORES
Violencia contra la mujer; Estrategias; Enfermería; Familia; Teoría Fundamentada

INTRODUÇÃO

Em que pesem as sérias repercussões para a saúde feminina que interferem para os altos índices de morbimortalidade, a violência conjugal se expressa de forma cíclica e duradoura. Diante de tal conjuntura, estratégias com fins de enfrentamento do fenômeno se fazem necessárias.

Mulheres de todo o mundo encontram-se suscetíveis a experienciar violência, sendo mais frequentes os abusos domésticos, sobretudo praticados pelos cônjuges. No Brasil, pesquisa realizada com 1.102 mulheres revela que aproximadamente uma em cada cinco brasileiras já vivenciou algum tipo de violência doméstica ou familiar, na maioria das vezes, praticadas pelo cônjuge.11. Brasil. Secretaria de Transparência. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Brasília, DF(BR): Senado Federal; [Internet] 2015 [cited 2019 Dec 07]. Available from: https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/pdf/Relatrio_Violncia_Mulher_v9formatado.pdf
https://www12.senado.leg.br/instituciona...
Mesmo em países desenvolvidos como EUA, Inglaterra e País de Gales, os números da violência conjugal são elevados, demonstrando a forma indistinta com que esse tipo de violência se propaga mundialmente.22. Hutt J. Letter from Minister for Finance and Government Business to the Chair of Finance Com. Llywodraeth Cymru Welsh Government; [Internet] 2016 [cited 2019 Dec 07]. Available from: http://senedd.assembly.wales/documents/s49856/Letter/from/the/Minister/for/Finance/and/Government/Business/to/the/Chair/of/the/Finance/Committee/-.pdf
http://senedd.assembly.wales/documents/s...
-33. National Center for Injury Prevention and Control. Preventing Intimate Partner Violence [Internet] 2017 [cited 2018 Aug 4]. Available from: https://www.cdc.gov/violenceprevention/pdf/ipv-technicalpackages.pdf
https://www.cdc.gov/violenceprevention/p...

Além dos índices de violência na conjugalidade, também é importante pontuar suas repercussões para a vida das mulheres, sendo o feminicídio a sua expressão máxima. Estudo realizado na Turquia revelou que mais de 70% dos feminicídios analisados ocorreram no lar da vítima.44. Toprak S, Ersoy G . Femicide in Turkey between 2000 and 2010. Stöckl H, editor. PLoS One [Internet]. 2017 [cited 2018 Oct 03];12(8):e0182409. Available from: https://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0182409
https://dx.doi.org/10.1371/journal.pone....
Quando não lhes tira a vida, a vivência de violência deixa marcas nas mulheres, tais como hematomas, lacerações, contusões e fraturas ocasionadas pela agressão física e/ou devido ao processo de somatização. Além deles, há sinais e sintomas mentais e físicos de origem emocional, a exemplo da insônia, baixa autoestima, transtorno do pânico, úlceras gástricas e hipertensão.55. Acosta DF, Gomes VLO, Fonseca AD, Gomes GC. Violence against women commited by intimate partners: (in)visibility of the problem. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2015 [cited 2018 Oct 03];24(1):121-7. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0104-0707201500170013
https://dx.doi.org/10.1590/0104-07072015...
-66. Kapiga S, Harvey S, Muhammad AK, Stöckl H, Mshana G, Hashim R, et al. Prevalence of intimate partner violence and abuse and associated factors among women enrolled into a cluster randomised trial in northwestern Tanzania. BMC Public Health [Internet]. 2017 [cited 2018 June 4];17(1):190. Available from: https://dx.doi.org/10.1186/s12889-017-4119-9
https://dx.doi.org/10.1186/s12889-017-41...

O adoecimento feminino decorre de um contexto de violência experienciado de forma duradoura e cíclica ao longo do relacionamento íntimo. Estudos nacional e internacional apontam, respectivamente, tempo médio de convivência de 7 a 10 anos.77. Estrela FM, Gomes NP, Lírio JGS, Silva AF, Mota RS, Pereira Á, et al. Expressions and repercussions of conjugal violence: processes of women in a probate court. Rev enferm UFPE [Internet]. 2018 [cited 2018 Oct 3];12(9):2418-27. Available from: https://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v12i9a231013p2418-2427-2018
https://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v12...
-88. Hajian S, Vakilian K, Mirzaii Najm-abadi K, Hajian P, Jalalian M. Violence against Women by Their Intimate Partners in Shahroud in Northeastern Region of Iran. Glob J Health Sci [Internet]. 2014 [cited 2018 Oct 3];6(3):117-30. Available from: https://dx.doi.org/10.5539/gjhs.v6n3p117
https://dx.doi.org/10.5539/gjhs.v6n3p117...
A permanência no relacionamento violento perdura por longos períodos justamente em razão da forma cíclica com que é experienciado pelas mulheres, sinalizada pela dificuldade dessas em sair da situação em que se encontram.99. Razera J, Falcke D. Por que eles permanecem juntos? Contribuições para a permanência em relacionamentos íntimos com violência. Psicol Clínica [Internet]. 2017 [cited 2018 Oct 3];29(3):543-62. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-56652017000300010
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
Tal ciclicidade geralmente se anuncia de forma sutil, é expressado pela violência psicológica, e se intensifica até culminar em um evento mais grave, que geralmente está manifestado pelo uso da força física.88. Hajian S, Vakilian K, Mirzaii Najm-abadi K, Hajian P, Jalalian M. Violence against Women by Their Intimate Partners in Shahroud in Northeastern Region of Iran. Glob J Health Sci [Internet]. 2014 [cited 2018 Oct 3];6(3):117-30. Available from: https://dx.doi.org/10.5539/gjhs.v6n3p117
https://dx.doi.org/10.5539/gjhs.v6n3p117...
,1010. Huecker MR, Smock W. Domestic Violence. [Internet]. Treasure Island, FL(US): StatPearls StatPearls Publishing; 2018 [cited 2018 Oct 3]. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29763066
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29763...
Mesmo após esses episódios agudos, é comum às mulheres, mediante a demonstração de arrependimento do agressor, o perdão aos seus cônjuges e a retomada do relacionamento, fase conhecida como lua de mel.1111. Silva FP, Oliveira FAP, Varela S, Batista RA, Barbosa LR. The biopsychosocial sphere of women victims of violence: a systematic review. Aquichan [Internet]. 2017 [cited 2018 Oct 3];17(4):390-400. Available from: https://dx.doi.org/10.5294/aqui.2017.17.4.3
https://dx.doi.org/10.5294/aqui.2017.17....

Estudo realizado na Suécia revela que enfermeiros da Atenção Primária à Saúde (APS) percebem as limitações das mulheres em romper relações violentas.1212. Sundborg E, Törnkvist L, Wändell P, Saleh-Stattin N. Impact of an educational intervention for district nurses about preparedness to encounter women exposed to intimate partner violence. Scand J Caring Sci [Internet]. 2018 [cited 2018 Oct 3];32(2):902-13. Available from: http://dx.doi.org/10.1111/scs.12521
http://dx.doi.org/10.1111/scs.12521...
Considerando os longos anos de permanência na relação conjugal permeada pela violência e as dificuldades de saírem deste ciclo danoso à sua saúde física e mental, delineou-se como questão de pesquisa: que recursos favorecem as mulheres a enfrentar a violência conjugal? Como objetivo definiu-se: desvelar as estratégias de enfrentamento da violência conjugal utilizadas por mulheres.

METODO

Pesquisa qualitativa que se utilizou da vertente Straussiana da Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) como referencial teórico-metodológico. Por meio das ações e interações das pessoas em um determinado contexto e seguindo um sistema de codificação rigoroso, a TFD permite que o investigador desenvolva e relacione conceitos, favorecendo uma maior compreensão acerca do fenômeno estudado.1313. Strauus A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed; 2008.

O estudo teve como cenário duas Varas de Justiça pela Paz em Casa localizadas em uma capital brasileira. A coleta de dados se deu por meio de entrevistas individuais, guiadas por um formulário elaborado pelos pesquisadores. As entrevistas tiveram agendamento telefônico prévio e foram realizadas em local de escolha das participantes. Os depoimentos foram gravados com o auxílio de um gravador portátil, transcritos na íntegra, e seus dados foram codificados com o apoio do software organizador NVIVO 10®.

Atendendo aos pressupostos da TFD, a inserção das participantes respeitou os princípios de amostragem teórica. Assim, o primeiro grupo amostral foi constituído por 29 mulheres, escolhidas intencionalmente e que atenderam ao seguinte critério de inclusão: estar em processo judicial por violência conjugal junto às Varas de Justiça pela Paz em Casa. Excluíram-se mulheres cujo estado emocional e psicológico tornava a sua participação contraindicada pelo serviço psicossocial da Vara. Em razão da especificidade da temática “violência na relação conjugal”, foram desenvolvidos grupos reflexivos de mulheres como estratégias para estabelecer uma relação de confiança com as participantes desse grupo amostral. A questão norteadora para esse grupo foi: “Com quais recursos você pode contar para enfrentar a violência conjugal?”. Com base em suas respostas, novos questionamentos emergiram, iniciando uma conversa que teve por finalidade alcançar a profundidade dos dados em suas propriedades e dimensões e o avanço da pesquisa.

No processo de coleta e análise comparativa dos dados referentes ao primeiro grupo amostral, formulou-se a hipótese: as mulheres frente à vivência de violência conjugal buscam o suporte de profissionais que atuam em instituições de atendimento à mulher em situação de violência. Esta hipótese direcionou a continuidade da coleta de dados para o segundo grupo amostral, formado por nove profissionais atuantes nesses serviços e que foram referidas pelas mulheres do primeiro grupo. Foi respeitado o critério de inclusão: profissionais que atuam em serviços da rede de atendimento à mulher em situação de violência, sendo entrevistadas uma psicóloga, uma assistente social, uma promotora, duas conciliadoras, duas defensoras públicas e duas juízas. Excluiu-se profissionais que se encontravam afastados das atividades laborais no período das entrevistas, totalizando nove profissionais, todas mulheres. A uniformidade na composição desse segundo grupo amostral em relação ao sexo decorreu das caraterísticas do universo tendencialmente feminizado nesta área profissional, não sendo intencional. A abertura do diálogo para este grupo ocorreu a partir da seguinte questão norteadora: com quais recursos as mulheres podem contar para o enfrentamento da violência conjugal?.

Para preservar o anonimato, as entrevistadas foram identificadas pelas letras M e P, respectivamente, seguidas de um algarismo arábico de ordem da entrevista. No caso das mulheres, optou-se por inserir também as suas idades.

Como recomendado pelo método, os dados foram coletados e analisados concomitantemente, sendo que o processo de codificação ocorreu em três etapas interdependentes: aberta, axial e seletiva.1313. Strauus A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed; 2008. Na codificação aberta foram identificados os conceitos, agrupando-os em categorias de acordo com suas semelhanças. Na codificação axial, as categorias e subcategorias foram relacionadas com o propósito de alcançar uma explicação mais aprofundada dos dados. Isso se deu por meio de um processo analítico norteado pelo modelo paradigmático formado pelos cinco componentes da vertente Straussiana: contexto, condição causal, condição interveniente, estratégia e consequência. Na última etapa, denominada codificação seletiva, as relações e interações entre as categorias foram interligadas em torno de uma categoria central, que revelou o fenômeno: vivenciando a violência conjugal como um processo progressivo e cíclico e suas repercussões para a saúde e o desenvolvimento humano. Devido à relevância do componente “estratégias”, optou-se por aprofundar a sua discussão neste estudo, considerando que o seu entendimento poderá subsidiar o planejamento de ações voltadas para o enfrentamento desse agravo.

RESULTADOS

Para a elucidação do componente “Estratégia”, emergiram as seguintes categorias: Encontrando apoio na família; Experienciando o suporte jurídico-policial; e Inserindo-se em grupos de mulheres em situação de violência. Essas categorias surgiram dos relatos das entrevistadas, retratando, assim, os meios que as apoiaram no enfrentamento da violência no relacionamento conjugal.

Encontrando apoio na família

Os dados revelam a importância do apoio familiar, afetivo e/ou financeiro para a decisão feminina em romper com a relação permeada pela violência. A falta de suporte por parte dos familiares, por sua vez, intervém para a permanência e até mesmo regresso à relação abusiva.

Enquanto ele [marido] não saiu de casa, eu fiquei na casa de meu filho ou de minhas irmãs. [...] eles me ajudaram muito. Eu sou muito querida por minha família. (M3, 71 anos)

Quando decidi sair de casa, eu não tinha nada, mas tive o apoio de minha família. [...] fiquei na casa de minha mãe. [...] ela me deu carinho, cuidou de mim e me ajudou com dinheiro até eu conseguir me estabilizar. (M1, 29 anos)

O apoio emocional e financeiro da família é fundamental para apoiar a mulher que decide denunciar a violência. [...] sem esse suporte é comum as mulheres demorar mais para deixar o relacionamento ou acabar retornando à relação violenta. (P1)

Experienciando o suporte jurídico-policial

O atendimento policial e jurídico resolutivo, por meio das medidas protetivas, da Ronda Maria da Penha e do serviço psicossocial, foi apontado enquanto suporte que favorece a ruptura do ciclo da violência. Também citado foi o entendimento do fluxo inquérito-processo-sentença, que se constitui importante recurso para que as mulheres não desistam da denúncia durante o percurso jurídico-policial.

Na delegacia, me encaminharam para o Ministério Público. Depois, fui encaminhada para a defensoria pública e para a Vara. [...] com a medida protetiva, ele não me procurou mais. [...] me sinto uma pessoa livre! (M14, 71 anos)

Conversei muito com a assistente social e a psicóloga da Vara e elas me deram informações, apoio e me encaminharam para o grupo de mulheres. Hoje eu estou fortalecida! (M2, 68 anos)

[...] a medida protetiva é rápida. Serve para que ele mantenha distância dela. [...] a Ronda Maria da Penha acompanha as mulheres para assegurar que ele não se aproxime. (P2)

Inserindo-se em grupos de mulheres em situação de violência

Esta categoria coloca em evidência a relevância de as vítimas de violência conjugal estarem inseridas em grupos de mulheres em situação de violência. Estes espaços foram realizados pelo serviço judiciário e também pelo grupo Violência Saúde e Qualidade de Vida (VID@), através da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia. Estes são reconhecidos pelas entrevistadas como espaço de autoconhecimento, cuidado e apoio mútuo a partir do compartilhamento de suas histórias, o que as empodera na busca por uma vida conjugal livre de violência.

No grupo reflexivo, você vai conhecendo melhor a sua própria história. Entendi que só eu posso mudar a minha. [...] me sentia cuidada e apoiada. (M4, 32 anos)

Participar das reuniões do grupo de mulheres da promotoria foi maravilhoso! Me ajudou muito: aprendi que eu deveria mudar, e não tentar modificar o meu marido. A partir disso tive força para me separar dele. (M5, 57 anos)

Consigo perceber o quanto participar dos grupos ajuda a mulher a se empoderar e a sair do relacionamento violento. (P6)

DISCUSSÃO

O estudo sinaliza que algumas mulheres vivenciam, por longos anos, uma conjugalidade permeada pela violência e elenca recursos que favorecem tal enfrentamento, dentre os quais o suporte familiar. Desvela-se, nesse estudo, que mães, filhos e irmãos acolhem a mulher em suas casas, ajudando-a financeiramente até que possa se estruturar para seguir sua vida. Além do suporte financeiro, os familiares também a apoiam afetivamente, haja vista que o emocional fica bastante comprometido nesse processo. Poder contar com o apoio emocional e/ou financeiro da família contribui para o fortalecimento da mulher no sentido de ela decidir dar um basta à relação abusiva. Diversos estudos concordam que o apoio da família é essencial para a resiliência de mulheres em vivência de violência, sobretudo porque favorece a melhora de sua autoestima e, consequentemente, o empoderamento para a ruptura desse ciclo.1414. Gomes NP, Erdmann AL, Gomes NR, Monteiro D da S, Santos RM, Couto TM. Social support to women in situation of domestic violence. Rev Salud Publica (Bogota) [Internet]. 2015 [cited 2018 Oct 3];17(6):823-35. Available from: https://dx.doi.org/10.15446/rsap.v17n6.36022
https://dx.doi.org/10.15446/rsap.v17n6.3...
-1515. Carneiro JB, Gomes NP, Estrela FM, Santana JD de, Mota RS, Erdmann AL. Domestic violence: repercussions for women and children. Esc Anna Nery [Internet]. 2017 [cited 2018 Oct 3];21(4):e20160346. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0346
https://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean...

Sendo a família elemento-chave para a proteção dos indivíduos,1616. Oyesanya TO, Bowers B. “I’m trying to be the safety net”: family protection of patients with moderate-to-severe TBI during the hospital stay. Qual Health Res [Internet]. 2017[cited 2018 Oct 10]; 27(12):1804-15. Available from: https://dx.doi.org/10.1177/104973231769709
https://dx.doi.org/10.1177/1049732317697...
sua falta poderá fragilizar a mulher e até mesmo interferir na sua saúde emocional, situações que comprometem o processo de ruptura do ciclo. Corroborando esse entendimento, estudo realizado com mais de vinte mil mulheres de nove países, de diversos continentes, revelou associação entre a falta de apoio da família e o suicídio como saída da violência conjugal experienciada pelas vítimas.1717. Albuquerque Netto L, Moura MAV, Araujo CLF, Souza MHN, Silva GF. Social support networks for women in situations of violence by an intimate partner. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2018 Oct 3];26(2):e07120015. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017007120015
https://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017...
Pesquisa realizada no sudeste da Europa com mulheres em vivência de violência revela que a falta de apoio familiar aumenta a permanência nas relações violentas e os índices de reincidência de novas denúncias.1818. Kelmendi K. Domestic Violence Against Women in Kosovo. J Interpers Violence [Internet]. 2015 [cited 2018 Oct 3];30(4):680-702. Available from: https://dx.doi.org/10.1177/0886260514535255
https://dx.doi.org/10.1177/0886260514535...
Muitas vezes, isso ocorre devido à crença dos familiares de que o casamento é um laço indissociável e que, portanto, deve durar para sempre, o que contribui para que as mulheres permaneçam na relação conjugal, mesmo quando permeada pela violência.1919. Cabrera O. Gênero, sexo e raça e a formação de subjetividades femininas em Cuba, século XIX. Rev Estud Fem [Internet]. 2017 [cited 2018 Oct 3];25(1):117-45. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1806-9584.2017v25n1p117
https://dx.doi.org/10.1590/1806-9584.201...

Outro recurso que auxilia as mulheres no enfrentamento da violência conjugal remete ao atendimento policial e jurídico resolutivo. Entretanto, em razão de o atendimento se tratar de um longo percurso e envolver diferentes instâncias, o estudo sinaliza para o risco de desistência do processo, sobretudo por causa do desconhecimento acerca dos trâmites que precisam ser seguidos. Nesse contexto, o entendimento acerca do fluxo jurídico-policial é essencial para que as mulheres não desistam do processo, de modo que a orientação adequada prestada por profissionais que atuam em serviços que compõem a rede de atendimento à mulher em situação de violência é indispensável para que estas deem seguimento à ação jurídica.

Esta rede de atendimento é formada por serviços de saúde, assistência social e jurídico-policial, pautando-se no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, o qual orienta para um conjunto de políticas públicas e serviços voltados a promoção de direitos e garantia da assistência às mulheres vitimadas pela violência. Ressalta-se que, por atuarem em rede, os setores envolvidos devem ter suas ações pensadas de forma integrada e articulada, possibilitando, assim, a ampliação da assistência prestada e a oferta de serviços de melhor qualidade que permitam a identificação da violência, o atendimento e os encaminhamentos,2020. Tojal AL, Silva QMF, Almeida ACMS, Roza TFSM.Rede de enfrentamento à violência contra a mulher: situação dos serviços especializados no município de Maceió. Rev Bras Técn Sociais. [Internet] 2016 [cited 2018 Oct 3];3(2):22. Available from: https://dx.doi.org/10.14210/rbts.v3.n1.p13-22
https://dx.doi.org/10.14210/rbts.v3.n1.p...
-2121. Brasil. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. [Internet]. Brasília, DF(BR): Secretaria de Políticas para as Mulheres; 2013 [cited 2018 Oct 3]. Available from: http://www.spm.gov.br/assuntos/pnpm/publicacoes/pnpm-2013-2015-em-22ago13.pdf
http://www.spm.gov.br/assuntos/pnpm/publ...
assegurando atenção resolutiva às necessidades da mulher.

Salienta-se que para o registro de uma ocorrência, em geral, o primeiro passo é ir à delegacia, que pode ser a especializada (Delegacia de Atendimento à Mulher - DEAM), a específica do idoso (quando se tratar de mulher com 60 anos ou mais) ou mesmo uma delegacia comum. Da delegacia, o inquérito policial vai para o Ministério Público, que decide se apresentará ou não a denúncia. Em caso positivo, o processo é montado e encaminhado para a Vara de Violência, onde ocorre o julgamento e a execução das causas de natureza cível (medida protetiva, por exemplo) e criminal (do ato em si) decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.2222. Silva AS, Barbosa GSS. Política criminal e Lei Maria da Penha: o deferimento do comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação como a principal medida protetiva de urgência. Rev Criminol Polit Criminais [Internet]. 2017 June[cited 2018 Oct 3];3(1):78. Available from: https://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2526-0065/2017.v3i1.1799
https://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJour...
É preciso que as mulheres compreendam que o registro da ocorrência na delegacia é apenas o “pontapé” inicial, havendo, portanto, o sequenciamento de outras ações jurídicas necessárias para o encaminhamento da denúncia até as medidas de caráter protetivo. Esse entendimento é fundamental para evitar que as mulheres desistam de viver uma vida livre de violência.

Ainda no que tange ao suporte jurídico-policial, as participantes fazem alusão às medidas protetivas, as quais estão dispostas no capítulo II da Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006. Elas configuram-se como instrumentos utilizados com o intuito de preservar os direitos fundamentais da vítima e filhos, quando necessário, sendo expedidas por um juiz até 48 horas após o requerimento do Ministério Público ou a pedido da própria ofendida, podendo ser isoladas ou cumulativas.2222. Silva AS, Barbosa GSS. Política criminal e Lei Maria da Penha: o deferimento do comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação como a principal medida protetiva de urgência. Rev Criminol Polit Criminais [Internet]. 2017 June[cited 2018 Oct 3];3(1):78. Available from: https://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2526-0065/2017.v3i1.1799
https://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJour...
-2323. Brasil. Lei n. 11.340, de 7 de Agosto de 2006:Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília, DF(BR): Diário Oficial da União; 7 de agosto de 2006. Dentre as medidas mais aplicáveis têm-se o afastamento do lar ou outro local de convivência; a fixação de um limite mínimo entre as partes; e a suspensão de visita a filhos menores, no caso de risco também para estes. A medida pode ainda visar proteção patrimonial dos bens individuais da mulher, bem como, os da sociedade conjugal, impedindo temporariamente a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum. Salienta-se que a medida protetiva pode ser suspensa caso a mulher assim deseje.2222. Silva AS, Barbosa GSS. Política criminal e Lei Maria da Penha: o deferimento do comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação como a principal medida protetiva de urgência. Rev Criminol Polit Criminais [Internet]. 2017 June[cited 2018 Oct 3];3(1):78. Available from: https://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2526-0065/2017.v3i1.1799
https://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJour...

Destacar-se que a medida protetiva tem como natureza jurídica o caráter cível, e não penal, pois são meios que visam proteger a vítima, evitando a continuidade das agressões, e não necessariamente aplicar uma sanção ao infrator. No entanto, quando houver descumprimento das medidas asseguradas, o judiciário poderá decretar a prisão preventiva e instaurar um procedimento criminal, tornando a situação de caráter penal para que a vítima tenha sua proteção resguardada, de acordo com o Artigo 313 do Código de Processo Penal.22 Importante referir que o descumprimento da medida protetiva não configura crime de desobediência porque isso só ocorre quando não há previsão legal de sanção específica e, no caso, a Lei Maria da Penha já prevê medidas extrapenais para essa ocorrência, qual seja: a prisão preventiva.2424. Weingartner Neto J. A efetividade de medida protetiva de urgência no âmbito da violência doméstica e familiar: o crime de desobediência. Direito & Justiça [Internet]. 2014 May 19 [cited 2018 Oct 3]; 40(2):144. Available from: https://dx.doi.org/10.15448/1984-7718.2014.2.17323
https://dx.doi.org/10.15448/1984-7718.20...

Para que seja alcançada a efetividade das medidas protetivas, faz-se necessário que programas de proteção e atendimento à mulher estejam em regular funcionamento.2323. Brasil. Lei n. 11.340, de 7 de Agosto de 2006:Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília, DF(BR): Diário Oficial da União; 7 de agosto de 2006. Em alguns estados do Brasil foi instituída a Ronda Maria da Penha, uma ação vinculada à Polícia Militar que funciona 24h para que as mulheres acompanhadas liguem quando houver problemas relacionados ao descumprimento da medida protetiva.2525. Ronda Maria da Penha comemora 12 anos da lei com Workshop [Internet]. A Tarde. 2018 [cited 2018 Oct 3]. Available from: http://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/1983104-ronda-maria-da-penha-comemora-12-anos-da-lei-com-workshop
http://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/...
A Ronda tem como objetivo principal o acompanhamento de vítimas de violência a fim de assegurar que as medidas protetivas sejam respeitadas, inclusive com a prisão do homem que a desrespeite e o encaminhamento da mulher para que registre uma nova ocorrência, se for o caso.

Além das ações de afastamento de autores de violência, é importante destacar o atendimento das vítimas pela equipe de atendimento multidisciplinar (psicóloga e assistente social) das Varas de Justiça pela Paz em Casa. Dentre as atribuições dessa equipe está o fornecimento de subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante contato com as partes envolvidas no inquérito, para que sejam utilizados em audiências. Esta equipe também desenvolve trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas voltadas para a mulher, o homem e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.2323. Brasil. Lei n. 11.340, de 7 de Agosto de 2006:Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília, DF(BR): Diário Oficial da União; 7 de agosto de 2006.

Da mesma forma, o Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher (NUDEM) vincula-se à Defensoria Pública e tem ampla importância por ser um espaço de atendimento jurídico à mulher em situação de violência. Ele é responsável por prestar orientação jurídica e pela defesa em juízo, em todos os graus, das cidadãs de baixa renda, estando este órgão também inserido nas Varas e Juizados.2626. Ministério dos Direitos Humanos (BR). Retrospectiva SPM 2015 [Internet]. Brasília, DF(BR): Secretaria de Política Pública para Mulheres; 2015 [citado 2018 Oct 3]. Available from: http://www.spm.gov.br/restrospectiva-spm-2015
http://www.spm.gov.br/restrospectiva-spm...
Ademais, nele são realizados grupos de mulheres visando o empoderamento e a reflexão feminina, nos quais elas podem falar, são ouvidas e se dão conta de que a violência não é um problema pontual, o que aumenta a sua autoestima e as fortalece para decidir pela mudança.

Os grupos de mulheres em situação de violência conjugal também foram referidos pelas participantes deste estudo como recurso estratégico para o enfrentamento desse tipo de violência, quer sejam promovidos pela instância do jurídico ou organizados em parcerias com instituições de ensino superior. Tais espaços favorecerem a reflexão e o empoderamento feminino, a exemplo do grupo reflexivo no qual as entrevistadas desta pesquisa se integravam, considerando-o enquanto recurso positivo de apoio, cuidado e autoconhecimento, porque possibilita à mulher expressar sentimentos, compartilhar vivências, refletir comportamentos e (re)pensar atitudes, sobretudo no sentido de transformar a si mesma, e não projetar a mudança no outro. Vislumbrando oportunizar tais reflexões para o outro sujeito da relação, a Lei Maria da Penha prevê a criação de programas de recuperação e reeducação de homens.2323. Brasil. Lei n. 11.340, de 7 de Agosto de 2006:Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília, DF(BR): Diário Oficial da União; 7 de agosto de 2006. Esses podem ser desenvolvidos em parceria com serviços sociais, de saúde e da educação, como o caso do grupo reflexivo referenciado pelas entrevistadas, que está sob a coordenação de uma universidade nordestina. É importante referir que, embora as participantes sejam encaminhadas pela Vara de Violência, a maioria dos grupos, assim como o grupo reflexivo em questão, não sofre ingerência desse órgão, e vice-versa.

Corroborando a saliência do suporte familiar e institucional, onde se inserem os grupos com mulheres, estudos internacionais realizados na Suécia e EUA alertam para a relevância de que os profissionais que atuam no âmbito da APS estejam capacitados para realizar os encaminhamentos às mulheres em situação de violência. Estes também devem conduzir grupos não só de mulheres, como também de homens, com foco na reflexão de gênero e empoderamento pautado em intervenções comunitárias para a saída de relações abusivas.1212. Sundborg E, Törnkvist L, Wändell P, Saleh-Stattin N. Impact of an educational intervention for district nurses about preparedness to encounter women exposed to intimate partner violence. Scand J Caring Sci [Internet]. 2018 [cited 2018 Oct 3];32(2):902-13. Available from: http://dx.doi.org/10.1111/scs.12521
http://dx.doi.org/10.1111/scs.12521...
,2727. Ellsberg M, Arango DJ, Morton M, Gennari F, Kiplesund S, Contreras M, et al. Prevention of violence against women and girls: what does the evidence say? Lancet [Internet]. 2015 [cited 2018 Oct 3];385:1555-66. Available from: https://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61703-7
https://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(14...
. A capacitação profissional é essencial no sentido de favorecer o cuidado às mulheres que experienciam um cotidiano conjugal permeado pela violência, conforme sinaliza pesquisa nacional realizada em Santa Catarina com enfermeiros e médicos de Saúde da Família (ESF) . Estes referem o despreparo em como agir diante desse contexto, sinalizando a necessidade de uma gestão que priorize o reconhecimento desse agravo e a atenção qualificada a essas mulheres, o que envolve, entre outras questões, o conhecimento sobre os recursos de empoderamento.2828. Gomes VR, Lima VLA, Silva AF, Sena LX, Santos ACB. Violência contra a mulher na região norte: a versão da mídia impressa paraense. Rev LEVS [Internet]. 2014 [cited 2017 May 23];14(1):113-28. Available from: http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/levs/article/view/4213/3073
http://www2.marilia.unesp.br/revistas/in...

Os achados indicam a relevância de os profissionais criarem estratégias para o fortalecimento e/ou restabelecimento do vínculo familiar. Estas podem se dar, por exemplo, a partir do encorajamento para que as mulheres recorreram aos familiares ou por meio de ações de cunho educativo junto aos familiares para que compreendam a sua importância para o fortalecimento da mulher no processo de tomada de decisão. Outra limitação refere-se à falta de aprofundamento de em qual momento da vida as mulheres buscaram esses recursos. Assim, necessário se faz novas investigações no sentido de ampliar o entendimento acerca do contexto de vida experienciado por mulheres ao procurar por diferentes formas de apoio para romper com o cenário de violência conjugal.

CONCLUSÃO

O estudo desvelou que, diante da situação de violência conjugal vivenciada por mulheres, o apoio familiar, o suporte jurídico-policial e a participação em grupos de mulheres que experienciam tal situação se constituem recursos que oferecem subsídios ao enfrentamento do fenômeno. Diante da dificuldade feminina em romper com a relação permeada pela violência, urge que os profissionais das diversas áreas de atendimento a mulheres estejam preparados, não apenas para reconhecer o agravo, como também para orientá-las quanto à saliência desses recursos para o processo de saída desta situação e, quiçá, viabilizar o acesso a estes.

No campo da saúde, tais ações podem e devem ser conduzidas por enfermeiros, pois, dada a sua maior proximidade com a comunidade, encontram-se em posição de destaque para estabelecer uma interação, sobretudo no âmbito da APS, onde geralmente ocupam cargos de coordenação e/ou integram a equipe de referência. A partir das visitas domiciliares e ações de cunho educativo, tal contexto viabiliza a aproximação entre profissionais de saúde e mulheres/familiares e a consequente disponibilização de orientações e atendimento, visando o empoderamento feminino para uma vida livre de violência. Ainda no que concerne às medidas educativas, importa destacar a organização e condução de grupos de mulheres, essenciais para o processo de desconstrução da desigualdade de gênero que sustenta a violência conjugal.

REFERENCES

  • 1. Brasil. Secretaria de Transparência. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Brasília, DF(BR): Senado Federal; [Internet] 2015 [cited 2019 Dec 07]. Available from: https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/pdf/Relatrio_Violncia_Mulher_v9formatado.pdf
    » https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/pdf/Relatrio_Violncia_Mulher_v9formatado.pdf
  • 2. Hutt J. Letter from Minister for Finance and Government Business to the Chair of Finance Com. Llywodraeth Cymru Welsh Government; [Internet] 2016 [cited 2019 Dec 07]. Available from: http://senedd.assembly.wales/documents/s49856/Letter/from/the/Minister/for/Finance/and/Government/Business/to/the/Chair/of/the/Finance/Committee/-.pdf
    » http://senedd.assembly.wales/documents/s49856/Letter/from/the/Minister/for/Finance/and/Government/Business/to/the/Chair/of/the/Finance/Committee/-.pdf
  • 3. National Center for Injury Prevention and Control. Preventing Intimate Partner Violence [Internet] 2017 [cited 2018 Aug 4]. Available from: https://www.cdc.gov/violenceprevention/pdf/ipv-technicalpackages.pdf
    » https://www.cdc.gov/violenceprevention/pdf/ipv-technicalpackages.pdf
  • 4. Toprak S, Ersoy G . Femicide in Turkey between 2000 and 2010. Stöckl H, editor. PLoS One [Internet]. 2017 [cited 2018 Oct 03];12(8):e0182409. Available from: https://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0182409
    » https://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0182409
  • 5. Acosta DF, Gomes VLO, Fonseca AD, Gomes GC. Violence against women commited by intimate partners: (in)visibility of the problem. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2015 [cited 2018 Oct 03];24(1):121-7. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0104-0707201500170013
    » https://dx.doi.org/10.1590/0104-0707201500170013
  • 6. Kapiga S, Harvey S, Muhammad AK, Stöckl H, Mshana G, Hashim R, et al. Prevalence of intimate partner violence and abuse and associated factors among women enrolled into a cluster randomised trial in northwestern Tanzania. BMC Public Health [Internet]. 2017 [cited 2018 June 4];17(1):190. Available from: https://dx.doi.org/10.1186/s12889-017-4119-9
    » https://dx.doi.org/10.1186/s12889-017-4119-9
  • 7. Estrela FM, Gomes NP, Lírio JGS, Silva AF, Mota RS, Pereira Á, et al. Expressions and repercussions of conjugal violence: processes of women in a probate court. Rev enferm UFPE [Internet]. 2018 [cited 2018 Oct 3];12(9):2418-27. Available from: https://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v12i9a231013p2418-2427-2018
    » https://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v12i9a231013p2418-2427-2018
  • 8. Hajian S, Vakilian K, Mirzaii Najm-abadi K, Hajian P, Jalalian M. Violence against Women by Their Intimate Partners in Shahroud in Northeastern Region of Iran. Glob J Health Sci [Internet]. 2014 [cited 2018 Oct 3];6(3):117-30. Available from: https://dx.doi.org/10.5539/gjhs.v6n3p117
    » https://dx.doi.org/10.5539/gjhs.v6n3p117
  • 9. Razera J, Falcke D. Por que eles permanecem juntos? Contribuições para a permanência em relacionamentos íntimos com violência. Psicol Clínica [Internet]. 2017 [cited 2018 Oct 3];29(3):543-62. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-56652017000300010
    » http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-56652017000300010
  • 10. Huecker MR, Smock W. Domestic Violence. [Internet]. Treasure Island, FL(US): StatPearls StatPearls Publishing; 2018 [cited 2018 Oct 3]. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29763066
    » http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29763066
  • 11. Silva FP, Oliveira FAP, Varela S, Batista RA, Barbosa LR. The biopsychosocial sphere of women victims of violence: a systematic review. Aquichan [Internet]. 2017 [cited 2018 Oct 3];17(4):390-400. Available from: https://dx.doi.org/10.5294/aqui.2017.17.4.3
    » https://dx.doi.org/10.5294/aqui.2017.17.4.3
  • 12. Sundborg E, Törnkvist L, Wändell P, Saleh-Stattin N. Impact of an educational intervention for district nurses about preparedness to encounter women exposed to intimate partner violence. Scand J Caring Sci [Internet]. 2018 [cited 2018 Oct 3];32(2):902-13. Available from: http://dx.doi.org/10.1111/scs.12521
    » http://dx.doi.org/10.1111/scs.12521
  • 13. Strauus A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed; 2008.
  • 14. Gomes NP, Erdmann AL, Gomes NR, Monteiro D da S, Santos RM, Couto TM. Social support to women in situation of domestic violence. Rev Salud Publica (Bogota) [Internet]. 2015 [cited 2018 Oct 3];17(6):823-35. Available from: https://dx.doi.org/10.15446/rsap.v17n6.36022
    » https://dx.doi.org/10.15446/rsap.v17n6.36022
  • 15. Carneiro JB, Gomes NP, Estrela FM, Santana JD de, Mota RS, Erdmann AL. Domestic violence: repercussions for women and children. Esc Anna Nery [Internet]. 2017 [cited 2018 Oct 3];21(4):e20160346. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0346
    » https://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0346
  • 16. Oyesanya TO, Bowers B. “I’m trying to be the safety net”: family protection of patients with moderate-to-severe TBI during the hospital stay. Qual Health Res [Internet]. 2017[cited 2018 Oct 10]; 27(12):1804-15. Available from: https://dx.doi.org/10.1177/104973231769709
    » https://dx.doi.org/10.1177/104973231769709
  • 17. Albuquerque Netto L, Moura MAV, Araujo CLF, Souza MHN, Silva GF. Social support networks for women in situations of violence by an intimate partner. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2018 Oct 3];26(2):e07120015. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017007120015
    » https://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017007120015
  • 18. Kelmendi K. Domestic Violence Against Women in Kosovo. J Interpers Violence [Internet]. 2015 [cited 2018 Oct 3];30(4):680-702. Available from: https://dx.doi.org/10.1177/0886260514535255
    » https://dx.doi.org/10.1177/0886260514535255
  • 19. Cabrera O. Gênero, sexo e raça e a formação de subjetividades femininas em Cuba, século XIX. Rev Estud Fem [Internet]. 2017 [cited 2018 Oct 3];25(1):117-45. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1806-9584.2017v25n1p117
    » https://dx.doi.org/10.1590/1806-9584.2017v25n1p117
  • 20. Tojal AL, Silva QMF, Almeida ACMS, Roza TFSM.Rede de enfrentamento à violência contra a mulher: situação dos serviços especializados no município de Maceió. Rev Bras Técn Sociais. [Internet] 2016 [cited 2018 Oct 3];3(2):22. Available from: https://dx.doi.org/10.14210/rbts.v3.n1.p13-22
    » https://dx.doi.org/10.14210/rbts.v3.n1.p13-22
  • 21. Brasil. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. [Internet]. Brasília, DF(BR): Secretaria de Políticas para as Mulheres; 2013 [cited 2018 Oct 3]. Available from: http://www.spm.gov.br/assuntos/pnpm/publicacoes/pnpm-2013-2015-em-22ago13.pdf
    » http://www.spm.gov.br/assuntos/pnpm/publicacoes/pnpm-2013-2015-em-22ago13.pdf
  • 22. Silva AS, Barbosa GSS. Política criminal e Lei Maria da Penha: o deferimento do comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação como a principal medida protetiva de urgência. Rev Criminol Polit Criminais [Internet]. 2017 June[cited 2018 Oct 3];3(1):78. Available from: https://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2526-0065/2017.v3i1.1799
    » https://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2526-0065/2017.v3i1.1799
  • 23. Brasil. Lei n. 11.340, de 7 de Agosto de 2006:Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília, DF(BR): Diário Oficial da União; 7 de agosto de 2006.
  • 24. Weingartner Neto J. A efetividade de medida protetiva de urgência no âmbito da violência doméstica e familiar: o crime de desobediência. Direito & Justiça [Internet]. 2014 May 19 [cited 2018 Oct 3]; 40(2):144. Available from: https://dx.doi.org/10.15448/1984-7718.2014.2.17323
    » https://dx.doi.org/10.15448/1984-7718.2014.2.17323
  • 25. Ronda Maria da Penha comemora 12 anos da lei com Workshop [Internet]. A Tarde. 2018 [cited 2018 Oct 3]. Available from: http://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/1983104-ronda-maria-da-penha-comemora-12-anos-da-lei-com-workshop
    » http://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/1983104-ronda-maria-da-penha-comemora-12-anos-da-lei-com-workshop
  • 26. Ministério dos Direitos Humanos (BR). Retrospectiva SPM 2015 [Internet]. Brasília, DF(BR): Secretaria de Política Pública para Mulheres; 2015 [citado 2018 Oct 3]. Available from: http://www.spm.gov.br/restrospectiva-spm-2015
    » http://www.spm.gov.br/restrospectiva-spm-2015
  • 27. Ellsberg M, Arango DJ, Morton M, Gennari F, Kiplesund S, Contreras M, et al. Prevention of violence against women and girls: what does the evidence say? Lancet [Internet]. 2015 [cited 2018 Oct 3];385:1555-66. Available from: https://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61703-7
    » https://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61703-7
  • 28. Gomes VR, Lima VLA, Silva AF, Sena LX, Santos ACB. Violência contra a mulher na região norte: a versão da mídia impressa paraense. Rev LEVS [Internet]. 2014 [cited 2017 May 23];14(1):113-28. Available from: http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/levs/article/view/4213/3073
    » http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/levs/article/view/4213/3073

NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    O estudo se vincula à pesquisa matriz “Reeducação de homens e mulheres envolvidos em processo criminal: estratégia de enfrentamento da violência conjugal”, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Violência, Saúde e Qualidade de Vida (VID@), da Universidade Federal da Bahia.
  • FINANCIAMENTO

    Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado da Bahia (FAPESB) e Secretaria de Segurança Pública da Bahia, pela concessão do financiamento para desenvolvimento do projeto.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, parecer n. 877.905/2014; CAAE 31286414.2.0000.5531.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    13 Nov 2018
  • Aceito
    01 Mar 2019
Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós Graduação em Enfermagem Campus Universitário Trindade, 88040-970 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil, Tel.: (55 48) 3721-4915 / (55 48) 3721-9043 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: textoecontexto@contato.ufsc.br