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PROFESSOR-ENFERMEIRO NO ENSINO SUPERIOR: TEMPO, DINHEIRO E RESISTÊNCIA NA VISÃO GERENCIALISTA

RESUMO

Objetivo:

analisar a docência universitária em enfermagem a partir da dialética institucional.

Método:

pesquisa qualitativa fundamentada na Socioclínica Institucional. Participaram 18 professores-enfermeiros de quatro Regiões do Brasil e seis estabelecimentos públicos de educação superior. Para a produção de dados, foram realizadas entrevistas, observações, análises documentais, restituições individuais e coletivas e uso do diário de pesquisa. A organização dos dados para análise se deu pela transcrição/tradução dos mesmos, pela recomposição/rearranjo, e pela reconstituição/narração final. A análise dos dados foi produzida a partir de analisadores, fundamentada na Socioclínica, vertente da Análise Institucional e na modalidade qualitativa de análise por questionamento e pela escrita.

Resultados:

dois principais analisadores fizeram a instituição ‘docência no ensino superior e o professor-enfermeiro’ emergir: relação tempo-dinheiro e resistência. O tempo docente, cada vez mais associado ao dinheiro, na lógica gerencialista, tem formatado o professor-enfermeiro como sujeito passivo na produção de conhecimentos, induzido pelo modelo avaliativo da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e seu atrelamento à progressão na carreira universitária. Nesse modelo, o professor-enfermeiro é impulsionado a se dedicar mais à pesquisa do que ao ensino. Isso interfere nas concepções e práticas docentes, que ficam mais influenciadas pelo gerencialismo e menos fundamentadas em teorias pedagógicas. A resistência contra esse modelo não encontrou ainda mecanismos de enfrentamento.

Conclusão:

pela análise produzida com os participantes, as escolhas dos professores-enfermeiros estão tão mais fundamentadas no gerencialismo e tão menos baseadas em referenciais pedagógicos, notadamente naqueles advindos de teorias dialéticas. Nesse sentido, resistir se transfigura em movimento de adaptar-se.

DESCRITORES:
Docentes de enfermagem; Universidades; Tempo; Ensino; Indicadores de produção científica

ABSTRACT

Objective:

to analyze university teaching in nursing from an institutional dialectic approach.

Method:

a qualitative research based on Institutional Socioclinics. Eighteen nursing professors from four regions of Brazil and from six public institutions of higher education participated. For data production, interviews, observations, documentary analyses, individual and collective restitution and use of the research diary were performed. Data was organized for analysis by transcription/translation, recomposition/rearrangement, and final reconstruction/narration. Data analysis was produced from analyzers, based on Socioclinics, Institutional Analysis current of thought, and on the qualitative mode of analysis by questioning and writing.

Results:

two main analyzers made the institution ‘teaching in higher education and the nursing professor’ emerge: time-money relation and resistance. Teaching time, increasingly associated with money, in managerialist logic, has formatted the nursing professors as passive subjects in the production of knowledge, induced by the evaluation model of the Coordination for the Improvement of Higher Level Personnel and its link to the progression in the university career. In this model, the nursing professor is driven to devote more to research than to teaching. This interferes with teaching conceptions and practices, which are more influenced by managerialism and less grounded in pedagogical theories. Resistance against this model has not yet encountered coping mechanisms.

Conclusion:

from the analysis produced with the participants, the choices of the nursing professor are so much more grounded in managerialism and so much less based on pedagogical references, especially those arising from dialectical theories. In this sense, resistance is transformed into a movement of adaptation.

DESCRIPTORS:
Nursing professors; Universities; Time; Teaching; Indicators of scientific production

RESUMEN

Objetivo:

analizar la docencia universitaria en enfermería a partir de la dialéctica institucional.

Método:

investigación cualitativa fundamentada en la Socioclínica Institucional. Participaron 18 profesores-enfermeros de cuatro regiones de Brasil y seis establecimientos públicos de educación superior. Para producir los datos se realizaron entrevistas, observaciones, análisis documentales, restituciones individuales y colectivas, además de utilizarse un diario de investigación. La organización de los datos para su análisis se dio mediante la transcripción/traducción de los mismos, su recomposición/reordenamiento, y por su reconstitución/narración final. El análisis de los datos se produjo a partir de analizadores, y se fundamentó en la Socioclínica, una vertiente del Análisis Institucional, y en la modalidad cualitativa de análisis por cuestionamiento y en forma escrita.

Resultados:

dos analizadores principales hicieron surgir la institución de ‘docencia en la educación superior y el profesor-enfermero’, a saber: relación tiempo/dinero y resistencia. El tiempo docente, cada vez más asociado al dinero en la lógica gerencialista, ha conformado al profesor-enfermero como un sujeto pasivo en la producción de conocimientos, inducido por el modelo evaluativo de la Coordinación de Perfeccionamiento para Personal de Nivel Superior y su vínculo con el avance en la carrera universitaria. En ese modelo, el profesor-enfermero está motivado a dedicarse más a la investigación que a la enseñanza. Eso interfiere con las concepciones y prácticas docentes, que quedan más influenciadas por el gerencialismo y menos fundamentadas en teorías pedagógicas. La resistencia contra ese modelo todavía no encontró mecanismos de confrontación.

Conclusión:

de acuerdo con el análisis elaborado con los participantes, las elecciones de los profesores-enfermeros están tanto más fundamentadas en el gerencialismo como menos basadas en referenciales pedagógicos, especialmente en aquellos devenidos de teorías dialécticas. En este sentido, la resistencia se transforma en un movimiento de adaptación.

DESCRIPTORES:
Docentes de enfermería; Universidades; Tiempo; Enseñanza; Indicadores de producción científica

INTRODUÇÃO

É notório que o trabalho docente na universidade tem se transformado consubstancialmente nas últimas décadas, uma vez que a atualização do Estado brasileiro para um Estado de fundamentação neoliberal, na década de 1990, trouxe para o setor público um dispositivo de gestão conhecido como Nova Gestão Pública (NGP) ou gerencialismo.11. Ball SJ. Profissionalismo, gerencialismo e performatividade. Cad Pesqui [Internet]. 2005 [cited 2019 Feb 20];35(126):539-64. Available from: Available from: httpS://dx.doi.org/10.1590/s0100-15742005000300002
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A NGP é um movimento ideológico, nascido na Inglaterra e incorporado pelos países de língua inglesa (notadamente aqueles que tiveram relação colonial com a Inglaterra) e disseminado mundialmente, cujas características principais se referem à inculcação na administração pública de princípios e lógicas empresariais, tais como a avaliação por produtividade, performatividade, a responsabilização dos indivíduos por suas condutas, uso de metas objetivas e específicas, uso eficiente de recursos, dentre outros,11. Ball SJ. Profissionalismo, gerencialismo e performatividade. Cad Pesqui [Internet]. 2005 [cited 2019 Feb 20];35(126):539-64. Available from: Available from: httpS://dx.doi.org/10.1590/s0100-15742005000300002
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-33. Silva APSS, Pedro ENR. Autonomy in nursing students process of knowledge construction: the educational chat as a teaching tool. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2010 [cited 2019 Feb 20];18(2):210-6. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/s0104-11692010000200011
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coadunando com os ideais neoliberais e seus anseios últimos de empresarialização de tudo, inclusive tornar o próprio indivíduo uma empresa.22. Paula APP. Administração pública brasileira: entre o gerencialismo e a gestão social. Rev. Adm Empres [Internet]. 2005 [cited 2019 Feb 20];45(1):36-49. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/s0034-75902005000100005
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,44. Dardot P, Laval C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, SP(BR): Boitempo; 2016.

Pesquisadores têm mostrado o impacto do gerencialismo sobre a docência universitária, observando pela intensificação do trabalho docente55. Moraes MLB. Modelos de gestão, performatividade e intensificação do trabalho docente. Rev Thema [Internet]. 2018 [cited 2019 Feb 20];15(2):553-62. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.15536/thema.15.2018.553-562.796
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a partir da adoção de perspectivas de geração e de prestação de contas por meio de avaliações quantitativas e quantificadas,66. Flores MA. Discursos do profissionalismo docente paradoxos e alternativas conceptuais. Rev Bras Educ [Internet]. 2014 [cited 2019 Feb 20];19(59):851-69. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/s1413-24782014000900003
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-77. Hypolito ALM. Trabalho docente e o novo Plano Nacional de Educação: valorização, formação e condições de trabalho. Cad CEDES [Internet]. 2015 [cited 2019 Feb 20];35(97):517-34. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/cc0101-32622015150376
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enfatizando ou tornando os produtos do trabalho docente mensuráveis e implementando uma lógica reguladora e indutora desse tipo de trabalho.88. Ferreira FI. A lógica das competências e a prática reflexiva na formação de professores. REIPE [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 20]; Extr(6):116-21. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.17979/reipe.2017.0.06.2355
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Ainda, discute-se a lógica das competências com a perspectiva gerencialista na educação brasileira, uma vez que as competências são passíveis de serem compreendidas nessa mesma lógica.

Há, no entanto, outras abordagens pedagógicas progressistas que se distanciam da quantificação, buscando olhares mais amplos para a formação e considerando a complexidade da mesma para a vida humana, destacando a importância do contexto, da problematização da relação de classe, desigualdades sociais, tais como as abordagens críticas, emancipatórias. Na enfermagem, estas abordagens também se fazem presentes durante a formação, quais sejam tendência libertadora, tendência libertária e tendência histórico-crítica dos conteúdos.99. Rodrigues JA, Rocha LS, Anjos DS, Cavalcante LPF, Rozendo CA. Tendências pedagógicas: conflitos, desafios e perspectivas de docentes de enfermagem. Rev Bras Educ Med [Internet]. 2013 [cited 2019 Feb 20];37(3):333-42. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022013000300005
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Apesar de a educação em enfermagem estar permeada de algumas tendências pedagógicas progressistas, um estudo mostra que a perspectiva gerencialista e neoliberal tem intensificado o trabalho do docente enfermeiro em estabelecimentos públicos de ensino superior e tem precarizado o trabalho docente nos estabelecimentos privados.1010. Leonello VM, Oliveira MAC. Higher education in nursing: the faculty work process in different institutional contexts. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 [cited 2019 Feb 20];48(6):1093-102. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/s0080-623420140000700018
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Some-se a isso o modelo de avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que tem induzido um fenômeno chamado produtivismo acadêmico, em que a produção de conhecimentos tem seguido uma lógica avaliativa quantitativa para atribuição de qualidade às revistas, aos programas de pós-graduação1111. Vosgerau DSAR, Orlando EA, Meyer P. Produtivismo acadêmico e suas repercussões no desenvolvimento profissional de professores universitários. Educ Soc [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 20];38(138):231-47. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/es0101-73302016163514
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-1313. Zandoná C, Cabral FB, Sulzbach CC. Produtivismo acadêmico, prazer e sofrimento: um estudo bibliográfico. Perspectiva [Internet]. 2014 [cited 2019 Feb 20];38(144):121-30. Available from: Available from: http://www.uricer.edu.br/site/pdfs/perspectiva/144_457.pdf
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e vem induzindo certo tipo de educação superior, de formação do docente universitário, de práticas e concepções pedagógicas.

Na educação superior, percebeu-se forte mercantilização/mercadologização da educação com um boom de criação de estabelecimentos de ensino superior de natureza privada, com foco no lucro e financeirização deste setor, galgando investimentos financeiros, inclusive do capital estrangeiro. Isso produz e dissemina novas concepções do que se entende por educação e, inclusive, de universidade, nesse contexto de empresarialização das universidades, inclusive das públicas.1212. Bianchetti L, Valle IR. Produtivismo acadêmico e decorrências às condições de vida/trabalho de pesquisadores brasileiros e europeus. Ensaio: Aval Pol Públ Educ [Internet]. 2014 [cited 2019 Feb 20];22(82):89-110. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/s0104-40362014000100005
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,1414. Minto LW. Intelectuais no mundo capes: heteronomia, razão mercantil e perda de sentido. Rev HISTEDBR On-line [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 20];17(3):1011-4. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.20396/rho.v17i3.8650643
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-1515. Santos JA, Rodrigues J. (Des)caminhos da Política de Expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica: contradições na trajetória histórica. Marx e o Marxismo - Rev NIEP-Marx [Internet]. 2015 [cited 2019 Feb 20];3(4):88-112. Available from: Available from: http://www.niepmarx.blog.br/revistadoniep/index.php/MM/article/view/100
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No campo da saúde, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) enquanto uma política de Estado com forte participação popular em sua concepção, a resistência à mercantilização da saúde pública ajudou a sustentar algumas conquistas em meio a vários investimentos para tornar a gestão da saúde como algo indireto (organizações sociais), a privatização de alguns tipos de serviços e, mais recentemente, a implementação de medidas que atingem não apenas a saúde, mas, também, outras áreas sociais que é a imposição de um teto de investimentos, por meio da Emenda Constitucional (EC) 95 de 16 de dezembro de 2016. Isso também começa a gestar transformações nas concepções e práticas do que é saúde.

Essas atualizações nas concepções, nas práticas e nas estruturas tanto do campo da saúde como do campo da educação, disparadas pela atualização do Estado no sentido gerencialista neoliberal, tem causado importantes interferências na universidade pública e na docência no ensino superior. Notadamente, os professores-enfermeiros estão baseando suas escolhas mais sobre os preceitos do gerencialismo do que em teorias pedagógicas, quanto menos nas teorias críticas. Estudos recentes com professores enfermeiros apontam que o trabalho docente tem sido muito influenciado pelo neoliberalismo, em que se asseveram processos quantitativos de avaliação na lógica da prestação de contas.1010. Leonello VM, Oliveira MAC. Higher education in nursing: the faculty work process in different institutional contexts. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 [cited 2019 Feb 20];48(6):1093-102. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/s0080-623420140000700018
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Pesquisas nesta temática são escassas para a questão da docência no ensino superior em enfermagem, sendo, ainda, exclusivo quando da utilização da Socioclínica Institucional (SI), vertente da Análise Institucional (AI), que se ocupa de estudar as instituições - produzidas socio-historicamente no interjogo dialético de forças instituintes contra o que fora instituído, num contínuo processo de institucionalização, em que as instituições vão se atualizando e se produzindo, tal como a instituição docência no ensino superior e o professor-enfermeiro - objeto deste estudo.

Assim, a AI tem se produzido como um movimento que, por meio de autoanálises e autogestões de grupos, busca desnaturalizações de tudo aquilo que há de cristalizado, pois se fundamenta na premissa de que a sociedade e as relações se constituem histórica e socialmente.1616. Lourau R. A Análise Institucional. Petrópolis, RJ(BR): Vozes; 2014.

Nesse sentido, a instituição se atualiza constantemente a partir de seus momentos do instituído (aquilo que foi universalizado), do instituinte (aquilo que busca questionar o universal, a partir de certa particularidade) e o processo de institucionalização (aquilo que busca consolidar uma determinada perspectiva a partir de sua singularidade, almejando um novo universal).1616. Lourau R. A Análise Institucional. Petrópolis, RJ(BR): Vozes; 2014. A partir das contribuições desses precursores, outro pesquisador propõe a Socioclínica Institucional como intervenções mais duradouras e que foca a sua análise em efeitos que se produzem, tomando por baliza os princípios socioclínicos.1717. Monceau G. Técnicas socioclínicas para a análise institucional das práticas sociais. Psicol Rev [Internet]. 2015 [cited 2019 Feb 20];21(1):197-217. Available from: Available from: https://dx.doi.org/doi-10.5752/p.1678-9523.2015v21n1p197
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-1818. Monceau G, Soulière M. Mener la recherche avec les sujets concernés: comment et pour quels résultats? Éduc socialisation [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 20];45:1-16. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.4000/edso.2525
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Desse modo, nesta pesquisa, utilizaram-se alguns princípios da SI para provocar análises e autoanálises em um grupo de professores-enfermeiros universitários quanto às concepções e práticas pedagógicas. Para tal, foram consideradas concepções e práticas pedagógicas em acordo com o conceito de prática profissional, desenvolvida na perspectiva de análise de práticas profissionais, como aquelas que vão se atualizando ao longo do tempo a partir dos inúmeros movimentos instituídos, instituintes e de institucionalização (universalização, particularização e singularização), o que está intimamente relacionado às implicações profissionais de níveis histórico-existencial, psicoafetivo e estrutural-profissional.1717. Monceau G. Técnicas socioclínicas para a análise institucional das práticas sociais. Psicol Rev [Internet]. 2015 [cited 2019 Feb 20];21(1):197-217. Available from: Available from: https://dx.doi.org/doi-10.5752/p.1678-9523.2015v21n1p197
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-1818. Monceau G, Soulière M. Mener la recherche avec les sujets concernés: comment et pour quels résultats? Éduc socialisation [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 20];45:1-16. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.4000/edso.2525
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Portanto, a questão central abordada neste artigo se refere às principais influências do gerencialismo sobre as concepções e as práticas pedagógicas de professores-enfermeiros na universidade pública. Assim, o objetivo deste artigo foi analisar a docência universitária em enfermagem a partir da dialética institucional.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa fruto de um estudo sobre a docência no ensino superior e o professor-enfermeiro, fundamentada na SI, vertente da corrente da AI.1616. Lourau R. A Análise Institucional. Petrópolis, RJ(BR): Vozes; 2014. -2121. Fortuna CM, Silva SS, Mesquita LP, Matumoto S, Oliveira PS, Santana FR. A socioclínica institucional como referencial teórico e metodológico para a pesquisa em enfermagem e saúde. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 20];26(4):e2950017. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017002950017
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O campo da pesquisa foi um estabelecimento público do Estado de São Paulo que forma enfermeiros bacharéis e licenciados, mestres e doutores. A escolha foi intencional e guiada pela importância desse estabelecimento na formação de professores enfermeiros para o país e América Latina.

O critério de escolha dos participantes foi ser professor-enfermeiro, estar em atividade profissional durante a produção de dados. Foram excluídos professores sociólogos, psicólogos, veterinários, biólogos, pedagogos, entre outros, que também atuam no referido estabelecimento.

Desse modo, uma gama de dispositivos analíticos, entendidos como tudo aquilo que ajuda na ampliação e/ou provocação de análise e produção de dados, ou seja, os dispositivos ajudam tanto na produção de dados como no processo analítico, inclusive deles mesmos,1919. Borges FA, Rézio LA, L'Abbate S, Fortuna CM. A entrada no campo e a fabricação de dispositivos na investigação socioclínica. Psicol Estud [Internet]. 2018 [cited 2019 Feb 20];23:e40373. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.4025/psicolestud.v23i0.40373
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-2121. Fortuna CM, Silva SS, Mesquita LP, Matumoto S, Oliveira PS, Santana FR. A socioclínica institucional como referencial teórico e metodológico para a pesquisa em enfermagem e saúde. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 20];26(4):e2950017. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017002950017
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foram utilizados para a produção e a restituição dos dados nesta pesquisa, dentre eles: entrevistas, observações, análises documentais, restituições individuais e coletivas, grupos de reflexão, além do uso de diário de pesquisa e novas entrevistas para a contínua produção de dados, reflexões, análises e interpretações.

As entrevistas foram realizadas com 13 participantes do estabelecimento de estudo que foi acompanhado mais de perto e, para a ampliação do campo de análise (o campo de análise são as instituições; e o campo de intervenção é a base material das instituições), realizou-se cinco entrevistas com professores-enfermeiros de outros estabelecimentos, de quatro Regiões do país - Norte, Nordeste, Sul e Sudeste - os quais foram convidados pessoalmente, em eventos científicos nacionais de educação em enfermagem.

No decorrer das entrevistas, observações, grupos de discussão, reuniões de restituição, os princípios da socioclínica estiveram presentes, principalmente o uso de analisadores, que provocam o desvelamento das instituições.1717. Monceau G. Técnicas socioclínicas para a análise institucional das práticas sociais. Psicol Rev [Internet]. 2015 [cited 2019 Feb 20];21(1):197-217. Available from: Available from: https://dx.doi.org/doi-10.5752/p.1678-9523.2015v21n1p197
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-1818. Monceau G, Soulière M. Mener la recherche avec les sujets concernés: comment et pour quels résultats? Éduc socialisation [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 20];45:1-16. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.4000/edso.2525
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,2020. Fortuna CM, Monceau G, Valentim S, Mennani KLE. Uma pesquisa socioclínica na França: notas sobre a análise institucional. Fractal: Rev Psicol [Internet]. 2014 [cited 2019 Feb 20];26(2):255-66. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1984-0292/1309
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Foram 13 entrevistas, 104 horas de observações em salas de aula, de atividades de laboratório, de estágios e imersões e análise de 63 documentos, dos quais a maioria de livre acesso online (documentos, legislações da universidade e do estabelecimento estudado), alguns cedidos pelos professores (planos de aula, planos de disciplinas) e um documento com autorização para acesso e análise (documento de avaliação institucional). O período de tempo para a produção e a análise dos dados desta pesquisa foi de janeiro de 2014 a setembro de 2018.

Foram feitas devolutivas individuais com quadros construídos a partir dos dispositivos de produção de dados anteriores e foram feitos cinco encontros presenciais, com duração de três horas cada, em que participaram em média quatro professores por encontro, uma vez que a coincidência de agendas foi o maior desafio encontrado nesta pesquisa.

Houve, após esse período, momentos de novas entrevistas com cinco professores-enfermeiros de quatro Regiões do Brasil (um da Norte, dois da Nordeste, um da Sudeste e um da Sul) para reflexões e aprofundamentos sobre os dados e as análises logradas até então. Adotou-se a letra P (P01, P02, P03, P04, P05, P06, P07, P08, P09, P10, P11, P12, P13) para professores-enfermeiros que participaram ao longo da pesquisa e PC (PC01, PC02, PC03, PC04, PC05) para professores-enfermeiros que participaram das novas entrevistas.

A organização dos dados ao longo da pesquisa baseou-se na perspectiva qualitativa de Paillé e Mucchielli quanto à análise por questionamento e à análise pela escritura, seguindo momentos propostos de transcrição/tradução, transposição e reconstituição/narração.22 A análise por questionamento busca, por meio do estabelecimento de questões cada vez mais complexas, produzir conhecimentos, ao passo que a escritura dos resultados vai enunciando e dando pistas de novos questionamentos, incitando aprofundamentos analíticos.

Assim, a transcrição/tradução foi composta de transcrição de entrevistas e organização de todo o material de observações e documentos. A transposição se fez pela elaboração de quadros, figuras, esquemas analíticos que reorganizaram o corpus destacando semelhanças, diferenças, dissonâncias, ressonâncias, ausências de elementos esperados, reiterada presença de ideias etc. Por fim, na reconstituição/narração se deu à escolha de elementos, fatos aglutinadores de contradições (analisadores) para a redação do texto final.2222. Paillé P, Mucchielli A. L'Analyse Qualitative en Sciences Humaines et Sociales. 3th ed. Paris (FR): Armand Colin; 2012.

O processo analítico buscou sustentação no referencial da SI, que propicia esse movimento poroso, articulado, dinâmico de produção de dados. Por isso, fundamentou-se o processo analítico na perspectiva de que uma vez que se dispõe a pensar sobre algo e a observá-lo, um processo analítico já está em andamento, engajando intimamente pesquisador e pesquisandos no processo coparticipativo de produção de dados e de análises.1919. Borges FA, Rézio LA, L'Abbate S, Fortuna CM. A entrada no campo e a fabricação de dispositivos na investigação socioclínica. Psicol Estud [Internet]. 2018 [cited 2019 Feb 20];23:e40373. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.4025/psicolestud.v23i0.40373
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-2121. Fortuna CM, Silva SS, Mesquita LP, Matumoto S, Oliveira PS, Santana FR. A socioclínica institucional como referencial teórico e metodológico para a pesquisa em enfermagem e saúde. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 20];26(4):e2950017. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017002950017
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Este projeto seguiu todos os preceitos éticos determinados pela Resolução CNS n. 466, assim como os da Declaração de Helsinki. Nessa direção, para garantir o sigilo e compromisso ético assumido, o nome do estabelecimento de ensino não é mencionado, visto que, ao mencioná-lo, os participantes da pesquisa poderiam ser identificados.

RESULTADOS

Os resultados apresentados a seguir são frutos da análise documental, do diário de pesquisa e de dados empíricos produzidos em entrevistas, observações, restituições individuais, coletivas e grupos de reflexão. Esse dispositivo de pesquisa foi produtor de analisadores que desnudaram o que estava oculto ou não dito na organização, revelando lógicas gerencialistas na condução da universidade, na sua relação com a produção de conhecimentos, na formação pedagógica dos docentes, nas concepções e nas práticas dos professores-enfermeiros. Dessa maneira, os resultados serão apresentados segundo os seguintes analisadores da instituição docência no ensino superior e o professor-enfermeiro: 1) Analisador tempo-dinheiro e 2) Analisador resistência.

Analisador tempo-dinheiro

A primeira direção analisada está relacionada com o uso do tempo docente, uma vez que na universidade-empresa gerencialista a quantidade dos produtos e sua qualidade quantificada é o mais importante, pois são responsáveis pelo ranqueamento dos programas de pós-graduação (compõem os índices) e, por consequência, das universidades.

Eu acho que nós estamos nos espelhando num modelo de universidade, enquanto pesquisa, né, assumindo a pesquisa como a centralidade do papel da universidade e aí acaba sobrepondo ao ensino e à extensão. E aí é um modelo que particularmente eu não conhecia, tomei ciência eu acho que umas duas ou três semanas e aí começa a fazer sentido, entendeu? Que é um modelo de excelência, do que é excelência, excelência é aquilo que produz conhecimento. Então, algumas universidades, por exemplo, vão assumindo algumas estratégias para buscar essa excelência na pesquisa e, portanto, ser referência internacional, né? nesse ranqueamento das avaliações e vão assumindo algumas questões. [...] eu acho que está na raiz do que é ser professor, eu acho que a grande discussão é o que é ser professor da universidade? O que é, qual é a nossa finalidade? A finalidade do nosso trabalho: é realizar pesquisa? É produzir? É uma lógica perversa da produtividade, é dum mercado da produção que vai adentrando ao espaço da universidade, né? (PC05, análise durante nova entrevista com professora-enfermeira da Região Nordeste do país).

Para o professor-enfermeiro, as questões priorizadas são aquelas relacionadas com a pesquisa hegemônica e seus produtos quantificáveis.

[...] vem muito claro uma situação que nós estamos vivendo agora [...]. Que é o desejo de muitos professores aqui, até por se sentir, é... nessa sobrecarga, esse desejo de pensar que o que vai resolver a vida do professor dentro da universidade é diminuir a graduação. Então, eu vou diminuir a aula com a graduação. Aí, vem questões que vão para além da nossa unidade, muita interferência que, que são as ideias que vão surgindo. Então, assim, eu vou discutir os rumos da graduação, mas com foco em diminuir vagas, em fechar curso, essa escola não comporta dois cursos e vai nessa ideia que é isso que vai resolver o problema do docente [...]. E aí quando a gente propõe né “bom, então, vamos olhar o processo de trabalho docente”. Não é só a graduação é a pós... inconversável - isso não entra em discussão e principalmente porque tem programa nota sete, porque tem isso, porque tem aquilo e tem financiamento. Então assim, graduação vai dar gasto, graduação dá gasto, é... E essa visão de que está diminuindo docente, então, tem que diminuir vaga, que não tem mais professor para dar conta do número de alunos que tem na escola. E não pensa no todo, inclusive no próprio docente e o que vai significar para ele, diminuir vaga, diminuir aula, é... carga horária (P07, análise durante encontro).

Mas eu acho que a gente, enquanto docente, é muito cobrado enquanto produção científica mesmo. Então, a universidade [...] tem um objetivo maior que é a formação, mas a gente é cobrado, mas no sentido de o quanto a gente produz de novos conhecimentos (P02, análise durante entrevista individual).

Quando da análise de concepções e práticas pedagógicas do grupo estudado, evidenciaram-se vários movimentos de aproximações com o pedagógico, desde o uso instrumental e técnico de algumas estratégias de ensino-aprendizagem como se elas não portassem nenhum comprometimento ou relação com teorias pedagógicas, ou como se fossem neutras ideologicamente, ou ainda, como se não fosse importante a reflexão entre o que se pretende fazer pedagogicamente e o que se faz de fato. O seguinte trecho analítico aborda a questão da economia do tempo do ensino para se dedicar a outras atividades.

Então, é assim, é pouco tempo que a gente tem para estruturar uma boa disciplina com essas estratégias diversificadas. Precisa do tempo e, às vezes, o docente não tem, e é o que dificulta mudanças que eu percebo em outras disciplinas. [...] Agora, nas disciplinas em que a gente tem um número maior de pessoas [docentes], as pessoas não têm a mesma disponibilidade de tempo, tanto tempo cronológico de horário mesmo, e tempo interno de buscar uma nova tecnologia, buscar uma nova estratégia. Aí, esbarra nessas questões e acaba que a gente pode perceber sempre que pode melhorar, mas não avança por conta das dificuldades que é de se deixar... deixar não... de se investir no tempo de preparo da disciplina (P10, análise durante entrevista individual).

Já nos seguintes trechos analíticos os participantes abordam a necessidade de formação pedagógica para a docência no ensino superior, mas, pelo fato de o docente ter que gerenciar seu tempo, inclusive para participar de tais cursos, isso tem ficado inviável diante das cobranças, demandas e exigências produtivistas da universidade-empresa neoliberal.

Eu não tive a iniciativa de fazer novamente [o curso de pedagogia universitária oferecido por instâncias da universidade] justamente por conta da minha malha de trabalho, que não permite que eu tire, pelo menos no primeiro semestre, um dia inteiro para uma atividade externa, fica muito complicado em ter esse compromisso [...] na agenda não cabe (P04, análise durante entrevista individual).

Analisador resistência

Algumas perspectivas pedagógicas, principalmente as tendências dialéticas, não estão conseguindo mais encontrar sustentação no estabelecimento de ensino para continuarem a existir, tal como referido no seguinte trecho: [...] não posso dizer que não tem apoio da universidade, mas a universidade não reconhece o trabalho do docente nessas outras perspectivas [não tradicionais ou emancipatórias], que é um trabalho que exige maior carga horária, que demanda mais tempo do professor para se preparar também. [...] Muitas vezes, eu não consigo devolver o portfólio no tempo adequado para aquele aluno porque eu não consegui terminar de ler o material. Então, esse modelo de trabalho que a gente também está inserida não favorece essa nossa atuação (P07, análise durante entrevista individual).

No trecho analítico a seguir, são abordadas algumas questões que evidenciam a dificuldade estrutural de enfrentar a imposição gerencialista, tais como os cortes e a não recontratação de docentes no mesmo regime de trabalho.

[...] eu não sei até quando a gente vai resistir a esse modelo. Vou dar um exemplo claro, com a aposentadoria de algumas colegas da área em que eu leciono, eu não sei até quando a gente consegue manter essa proposta pedagógica por uma questão numérica. Como é que vamos conseguir trabalhar com 150 alunos das três disciplinas de cada semestre com três professores, dentro de uma proposta de trabalhar com 10 estudantes por professor? Eu posso querer, eu posso fazer, mas a instituição talvez não me dê condições para. Então, não basta apenas aquilo que eu acredito, que minha colega acredita. Existe uma série de outros fatores que independem da gente que acabam se colocando nesse processo [...]. É uma força muito poderosa e eu acho que as pessoas não percebem isso ou não querem perceber, porque por outro lado esse modelo traz um pouco mais de conforto, de facilidade, as coisas são mais práticas, mais fáceis, mais acessíveis no sentido de muito consumismo. Então, as pessoas acabam se seduzindo um pouco por isso e acabam não vendo o impacto disso no futuro (P06, análise durante restituição individual).

Em momentos de observação, um dos participantes reclama que teria de modificar toda a conformação da disciplina, se adaptar para conseguir manter minimamente sua perspectiva um tanto dialética de ensino.

Em encontro informal com P03 no estabelecimento de ensino, ela reportou que “vamos precisar repensar como trabalhamos na disciplina, pois estamos com menos professores”. Ela referiu que devido aos cortes, e com os rearranjos que foram sendo feitos, talvez terão que trabalhar com maior número de estudantes por professor - o questionamento que fica é o quanto esta situação tem potencial inviabilizador das perspectivas emancipatórias, tal como o uso do ciclo pedagógico [metodologia de ensino-aprendizagem utilizada no local de estudo], a perspectiva de avaliação formativa, o acompanhamento atento, dentre outros aspectos (diário de pesquisa).

Os professores-enfermeiros envolvidos com perspectivas pedagógicas dialéticas, voltadas para processos de ensino-aprendizagens mais democráticos, saíam do embate, ora porque estão se indispondo com pares, ora pelo adoecimento.

[...] é eu acho que esse panorama que você mostra justifica os afastamentos, o adoecimento, é... leva as pessoas à exaustão, faz com que elas acabem saindo né? lá do que você coloca do movimento defensivo para um movimento integrativo, no sentido de conseguir sobreviver. [...] um panorama muito claro, mas muito entristecedor ao mesmo tempo [...]. Porque eu acabei, eu sou uma do grupo do cansaço. Há pouco tempo na universidade, mas eu assumo, por quê? Por que eu estou falando isso? Porque eu trago a história do adoecimento e eu adoeci. Então, eu preferi me recolher nesse momento, pode ser que daqui a algum tempo, um ano, dois anos, eu decida ir para a frente de batalha de novo, mas nesse momento eu decidi me recolher, mas pelo menos dentro do meu microespaço, dentro do meu microgrupo, dos alunos com quem eu trabalho eu tenho tentado disseminar algumas ideias e propor no processo de trabalho o que eu acredito, pode ser que não seja o melhor, mas é aquilo que eu tenho pensado em fazer (P06, análise durante encontro).

Ou ainda, sendo coagidos via avaliação de projetos e relatórios, que por vezes passam a não ser mais aprovados.

[...] sabe por quê? Porque eu acho que você faz muito mais inimizades nessa situação, mais do que daquela questão da livre concorrência que você colocou. Eu acho que tem muitas inimizades quando você quer enfrentar as situações, por acreditar em concepções pedagógicas diferentes. Você arruma muito mais inimizades na [estabelecimento estudado], você tem dificuldades de aprovação de uma série de questões, até aprovações de coisas pequenas, você tem dificuldade. Tem dificuldade de afastamentos, porque as pessoas começam a te julgar a partir.... Você entendeu? Dificuldade de aprovação de alunos na pós-graduação. Assim, é um mecanismo de perversidade que se forma em torno daqueles que se... contrapõem... (P06, análise durante encontro).

DISCUSSÃO

Analisador tempo-dinheiro

Este analisador revela que o uso do tempo docente está, por um lado, cada vez mais economizado para atividades que não geram produtos que interfiram positivamente no ranqueamento da universidade, dos programas de pós-graduação e do professor universitário (ele mesmo).

Por outro lado, existe um afrouxamento do tempo docente para a produção da moeda de troca da universidade-empresa: o professor-enfermeiro que publica artigos em revista qualis/CAPES A1 ou A2 se mantém credenciado no programa de pós-graduação, galga outras funções com prolabore, ascende na carreira e melhora seu salário, consegue e mantém bolsas de produtividade; o programa de pós-graduação ao qual está vinculado, por sua vez, mantém sua nota ou melhora nota no ranqueamento CAPES e, assim, consegue gerir seus recursos de maneira mais flexível, investindo mais em seus docentes e discentes no campo de pesquisas que respondem a esta lógica gerencialista. Tal reflexão também fora tecida por outro autor.1414. Minto LW. Intelectuais no mundo capes: heteronomia, razão mercantil e perda de sentido. Rev HISTEDBR On-line [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 20];17(3):1011-4. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.20396/rho.v17i3.8650643
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Dessa forma, estes conseguem constituir, manter e continuar parcerias internacionais, produzem artigos dentro desse critério e se alinham mais com essa lógica; a universidade melhora seu ranking mundial e a pós-graduação no Brasil deveria melhorar seu ranqueamento em nível mundial também, dentro desses critérios gerencialistas - ou seja, uma qualidade que tem como referencial os princípios ideológicos do gerencialismo, fundamentados principalmente no neoliberalismo.

Com relação ao que toca mais diretamente na docência no ensino superior, em 1996, ou seja, durante o período de ideais gerencialistas, foi criado o modelo CAPES de avaliação dos programas de pós-graduação, por meio do qual os recursos à pós-graduação brasileira seriam distribuídos aos estabelecimentos de ensino superior.1212. Bianchetti L, Valle IR. Produtivismo acadêmico e decorrências às condições de vida/trabalho de pesquisadores brasileiros e europeus. Ensaio: Aval Pol Públ Educ [Internet]. 2014 [cited 2019 Feb 20];22(82):89-110. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/s0104-40362014000100005
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-1313. Zandoná C, Cabral FB, Sulzbach CC. Produtivismo acadêmico, prazer e sofrimento: um estudo bibliográfico. Perspectiva [Internet]. 2014 [cited 2019 Feb 20];38(144):121-30. Available from: Available from: http://www.uricer.edu.br/site/pdfs/perspectiva/144_457.pdf
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Tratou-se de um modelo de pós-graduação baseado em modelo americano de produção e quantificação da produção de conhecimentos pelas universidades. Esse modelo estava densamente influenciado e direcionado para os princípios gerencialistas e, assim, a atender aos propósitos neoliberais. Desse modo, o modelo de distribuição dos recursos se baseou no da competição e competitividade entre os programas, e os critérios foram estabelecidos a partir de universidades tomadas como modelo tanto nacionais como anglo-saxônicas.1212. Bianchetti L, Valle IR. Produtivismo acadêmico e decorrências às condições de vida/trabalho de pesquisadores brasileiros e europeus. Ensaio: Aval Pol Públ Educ [Internet]. 2014 [cited 2019 Feb 20];22(82):89-110. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/s0104-40362014000100005
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-1313. Zandoná C, Cabral FB, Sulzbach CC. Produtivismo acadêmico, prazer e sofrimento: um estudo bibliográfico. Perspectiva [Internet]. 2014 [cited 2019 Feb 20];38(144):121-30. Available from: Available from: http://www.uricer.edu.br/site/pdfs/perspectiva/144_457.pdf
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Portanto, os programas são avaliados a partir de critérios e mensurações quantitativas, tal como aqueles relacionados à quantidade de produtos almejados e tomados como sinônimo de excelência, ou ainda àqueles, tal como quantificações de qualidade, por exemplo, número de citações que o artigo e a revista recebem, notadamente, citações de bases quanto mais internacionais possíveis.

Estudiosos do fenômeno do produtivismo acadêmico na universidade pública, principalmente a partir da década de 1990, identificam uma série de características que delimitam este fenômeno e começam a sinalizar, de maneira geral, os efeitos sobre a universidade pública, sobre a docência no ensino superior e sobre a formação em pós-graduação no país,1111. Vosgerau DSAR, Orlando EA, Meyer P. Produtivismo acadêmico e suas repercussões no desenvolvimento profissional de professores universitários. Educ Soc [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 20];38(138):231-47. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/es0101-73302016163514
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-1313. Zandoná C, Cabral FB, Sulzbach CC. Produtivismo acadêmico, prazer e sofrimento: um estudo bibliográfico. Perspectiva [Internet]. 2014 [cited 2019 Feb 20];38(144):121-30. Available from: Available from: http://www.uricer.edu.br/site/pdfs/perspectiva/144_457.pdf
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,2323. Ferreira CG, Miranda AV, Gurgel CRM. Consequências do produtivismo acadêmico para a vida docente. Rev Bras Adm Pol [Internet]. 2015 [cited 2019 Feb 20];8(2):63-83. Available from: Available from: https://portalseer.ufba.br/index.php/rebap/article/view/17207
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e esta lógica está interferindo no tipo de universidade e de docência universitária que vem sendo produzida, uma vez que acompanham as atualizações sofridas pela instituição Estado brasileiro (aqui entendendo o Estado no sentido da AI).

Autores também têm associado a universidade a uma empresa para ressaltar aspectos produtivistas no âmago da instituição universidade, ou seja, uma atualização sofrida pela universidade que a assemelha ao processo de trabalho de uma empresa, seu modo de produzir e seus produtos e subprodutos. De fato, podemos refletir que a abertura da educação superior para investimento do capital, permitido, principalmente, a partir da EC 19/1998, propiciou uma expansão desenfreada de estabelecimentos de ensino superior de iniciativa privada sobrepassando o quantitativo de estabelecimentos públicos.1111. Vosgerau DSAR, Orlando EA, Meyer P. Produtivismo acadêmico e suas repercussões no desenvolvimento profissional de professores universitários. Educ Soc [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 20];38(138):231-47. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/es0101-73302016163514
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-1313. Zandoná C, Cabral FB, Sulzbach CC. Produtivismo acadêmico, prazer e sofrimento: um estudo bibliográfico. Perspectiva [Internet]. 2014 [cited 2019 Feb 20];38(144):121-30. Available from: Available from: http://www.uricer.edu.br/site/pdfs/perspectiva/144_457.pdf
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,2323. Ferreira CG, Miranda AV, Gurgel CRM. Consequências do produtivismo acadêmico para a vida docente. Rev Bras Adm Pol [Internet]. 2015 [cited 2019 Feb 20];8(2):63-83. Available from: Available from: https://portalseer.ufba.br/index.php/rebap/article/view/17207
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-2424. Lundström U. Teacher autonomy in the era of New Public Management. Nordic J Stud Educ Policy [Internet]. 2015 [cited 2019 Feb 20];1:73-85. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.3402/nstep.v1.28144
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Entretanto, foi a associação com a implementação e disseminação da NGP que o dispositivo de implementação do neoliberalismo conseguiu alcançar os estabelecimentos públicos, transformando-os por meio de sua gestão baseada nos princípios gerencialistas: eficiência, eficácia, redução de custos, economia de recursos, responsabilização dos indivíduos por suas ações e condutas, dentre outros.22. Paula APP. Administração pública brasileira: entre o gerencialismo e a gestão social. Rev. Adm Empres [Internet]. 2005 [cited 2019 Feb 20];45(1):36-49. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/s0034-75902005000100005
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,2525. Ituassu CT, Tonelli MJ. Sucesso, mídia de negócios e a cultura do management no Brasil. Cad EBAPE.BR [Internet]. 2014 [cited 2019 Feb 20];12(1):86-111. Available from: Available from: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/cadernosebape/article/view/9313
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Assim, de acordo com os resultados deste artigo, a universidade estudada alinha as suas atividades para corresponder ao modelo de Estado neoliberal em institucionalização a partir de 1998, assumindo processos de gestão, implementando processos de trabalho alinhados com a perspectiva gerencialista: redução no número de docentes em regime integral, contratação de docentes em regime temporário, criação da possibilidade de redução salarial e de mudança de regime de trabalho para os docentes que não corresponderem aos preceitos produtivistas induzidos pela CAPES desde 1996, ou seja, implementa uma forma de avaliação baseada em metas objetivas, que avaliam estudantes e professores a partir de índices gerencialistas.

Um estudo discute que a perspectiva gerencialista foi implantada de forma generalizada já na educação básica2626. Santos LL. Administrando o currículo ou os efeitos da gestão no desenvolvimento curricular. Educ rev [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 20];33:e166063. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0102-4698166
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e, aqui, neste artigo, se discute a sua implementação com suas características próprias na educação superior e no trabalho do professor-enfermeiro. Isso evidencia que trabalhar nessa perspectiva gerencialista não é apenas uma escolha pessoal do professor - ele não tem autonomia para decidir sobre isso, trata-se de uma imposição que começa a lhe custar o salário e o emprego na universidade pública.

Analisador resistência

Apesar de certa preocupação do professor-enfermeiro com a formação pedagógica e o desejo de se profissionalizar para a atuação docente no ensino superior,2727. Vendruscolo C, Pozzebon A, Bender JW, Kloh D, Zocche DAA, Zanatta EA. Enfermeiro professor: limites e possibilidades da carreira docente. Rev Bras Ci Saúde [Internet]. 2018 [cited 2019 Feb 20];22(2):95-100. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.22478/ufpb.2317-6032.2018v22n2.30927
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nesta pesquisa evidenciou-se um processo mais perverso que tem impedido que esta profissionalização aconteça de outra maneira senão que aquela fundamentada em princípios gerencialistas e da cultura da prestação de contas,66. Flores MA. Discursos do profissionalismo docente paradoxos e alternativas conceptuais. Rev Bras Educ [Internet]. 2014 [cited 2019 Feb 20];19(59):851-69. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/s1413-24782014000900003
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,1010. Leonello VM, Oliveira MAC. Higher education in nursing: the faculty work process in different institutional contexts. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 [cited 2019 Feb 20];48(6):1093-102. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/s0080-623420140000700018
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com relação ao profissionalismo gerencialista (um jeito de atuar na docência no ensino superior baseado nos princípios gerencialistas).

Estudo australiano já discute alternativas ao gerenciamento de performances a que têm sido submetidos os professores de nível básico no país, refutando esta lógica que foca apenas na prestação de contas e não considera, de fato, o processo formativo e transformativo da aprendizagem permanente do professor.2828. Mockler N. From surveillance to formation? A generative approach to teacher ‘performance and development’ in Australian schools. Australian J Teac Educ [Internet]. 2015 [cited 2019 Feb 20];40(9):117-31. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.14221/ajte.2015v40n9.7
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As escolhas docentes relacionadas com a dimensão ensino estão cada vez mais fundamentadas pelo gerencialismo e cada vez menos fundamentadas em referências/teorias pedagógicas, sobremaneira, as teorias dialéticas e críticas. Também fica evidente que imperam os princípios gerencialistas diante das escolhas docentes, ficando as concepções pedagógicas para segundo plano. Assim, observam-se, também, estratégias de resistências pouco duráveis (reorganizar/replanejar/reconfigurar a disciplina com aumento de carga horária semanal docente na graduação), mas que, na verdade, são meras adaptações às imposições gerencialistas, uma vez que não se encontra resposta à pergunta qual o fundamento pedagógico para essa mudança?

Desse modo, o tempo do professor-enfermeiro é tomado para a produção daquilo que cabe nas metas gerencialistas da universidade estudada, ou seja, daquilo que ranqueia a universidade em âmbito internacional com grande ênfase na produção de um tipo de conhecimento que é avaliado pela sua publicabilidade em periódicos que são indicados como renomados a partir, também, de índices quantitativos tais como o número de citações que recebe (com ênfase para citações em bases internacionalizadas) e suas subsequentes parametrizações e índices os mais diversos possíveis.

Assim, os programas de pós-graduação, embutidos desses preceitos a partir da agência reguladora nessa direção - a CAPES, induzem em seus orientadores essas metas e princípios que, por sua vez, além de disseminarem essa ideologia a seus orientandos, também fazem escolhas em seu cotidiano que primam aquilo que alcança estas metas e que deixam outros aspectos do papel da universidade de lado, tal como a formação para a docência e a escolha de referenciais pedagógicos que apoiem a consolidação de uma sociedade democrática, por meio da formação de profissionais e pessoas críticas e participativas.

Entretanto, esses referenciais pedagógicos críticos estão tendo cada vez menos lugar nessa universidade-empresa, que atuam na lógica gerencialista. O que se percebe é que o discurso regulatório está cada vez mais fundamentado nos princípios do gerencialismo, em que o lucro é o centro das atenções e, ainda, as habilidades e competências que funcionam para consegui-lo também o é, não tendo lugar para outras perspectivas, notadamente aquelas fundamentadas em teorias dialéticas e críticas.2626. Santos LL. Administrando o currículo ou os efeitos da gestão no desenvolvimento curricular. Educ rev [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 20];33:e166063. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0102-4698166
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Acredita-se que esse dispositivo neoliberal esteja implementado para impossibilitar a atuação do professor que resiste a ele, pois o mesmo aprisiona o docente na execução e prestação de contas de seu trabalho com base em critérios fundamentados em propostas gerencialistas e neoliberais, os quais são objetivos, concretizáveis em curto prazo, palpáveis e executáveis, sendo passíveis de mensuração por instrumentos quantitativos (performatividade e prestação de contas).

Assim, acredita-se que a NGP, em especial, a sua vertente gerencialista, tem induzido transformações no ensino superior e sobre as concepções e práticas dos professores-enfermeiros, atravancando aquelas que se alinham com a teoria dialética, e sustentando aquelas que se alinham com os pressupostos neoliberais, ou seja, dificultando o avanço das perspectivas progressistas, o que vem acontecendo também e relatado em estudo da área da assistência social.2929. Valle KF, Leite JL. Contrarreforma do Estado e gerencialismo: novo fetiche, velha proposta. Serv Soc [Internet]. 2018 [cited 2019 Feb 20];131:109-29. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.133
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Ainda, neste presente estudo, constatou-se que a universidade gerencialista torna o professor-enfermeiro cada vez mais aprisionado na produção daquilo que a universidade e as agências reguladoras da pós-graduação demandam e se coaduna com o pensamento de que a NGP na universidade vem para controlá-la a partir da perspectiva e da vigilância dos ‘gerentes’ sobre como os profissionais atuam na universidade, o conteúdo e o tipo de seu trabalho, uma vez que se canaliza a disseminação de ideias que apoiam a consolidação neoliberal na universidade, pautada na perspectiva e desejos de mercado.2929. Valle KF, Leite JL. Contrarreforma do Estado e gerencialismo: novo fetiche, velha proposta. Serv Soc [Internet]. 2018 [cited 2019 Feb 20];131:109-29. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.133
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-3030. Anderson G, Herr K. New Public Management and the new professionalism in education: Framing the issue. Educ Policy Analysis Archives [Internet]. 2015 [cited 2019 Feb 20];23(84):1-9. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.14507/epaa.v23.2222
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Este aspecto é muito relevante, pois associa o modelo CAPES de avaliação ao processo de implementação dos dispositivos gerencialistas que afetam a universidade e a docência em enfermagem, tornando complexa a resistência a esse modelo. A principal limitação desta pesquisa, o que se torna também objeto de consideração em pesquisas futuras, revela-se na não inclusão da visão dos estudantes na produção de dados sobre a temática abordada.

CONCLUSÃO

Ao analisar as concepções e práticas pedagógicas a partir da dialética institucional foram destacados analisadores com os professores-enfermeiros universitários relacionados ao uso de seu tempo e a relação deste com o aspecto financeiro, como eles têm sido avaliados e recompensados em seu trabalho na docência no ensino superior e, por fim, as resistências.

A cultura da performatividade tem servido para avaliar o trabalho do professor-enfermeiro, uma vez que, para que este consiga manter o seu trabalho como professor-pesquisador na universidade, precisa atender aos critérios quantitativos impostos pelo modelo gerencialista. Esse modelo se solidifica cada vez mais no Estado neoliberal brasileiro, ditando as regras para o funcionamento da instituição “universidade pública brasileira”. O professor é, então, avaliado por constantes prestações de contas sobre o seu trabalho, cujo resultado se desdobra em pontuações que o mantém ou não em seu posto de trabalho como pesquisador. O gerencialismo tem se consolidado de forma tão perversa que ou os professores-enfermeiros se alinham a essa proposta ou estão fora da produção de conhecimentos, uma vez que não se tem ainda clareza de possíveis mecanismos de resistência a este modelo.

No campo pedagógico, os professores-enfermeiros estão sendo impulsionados a fundamentar suas escolhas docentes a partir das imposições gerencialistas e cada vez menos a partir de referenciais pedagógicos de fato, menos ainda naqueles embasados em teorias dialéticas, críticas e emancipatórias.

As resistências à manutenção do modelo gerencialista e aos seus dispositivos de implementação se torna tarefa cada vez mais complexa e desafiadora na universidade pública, pois as fundamentações pedagógicas nas teorias dialéticas estão escassas por não encontrarem espaço no modelo gerencialista e na universidade-empresa. Nesse sentido, resistir se transfigura em um movimento de adaptar-se.

AGRADECIMENTO

Agradecimento ao professor Gilles Monceau pelas inúmeras reflexões provocadas ao longo do desenvolvimento da tese; à professora Solange L'Abbate em sua disciplina sobre Análise Institucional; ao professor Sébastien Pesce pela acolhida e supervisão no estágio internacional, momento provocador de desterritorializações necessárias para o adensamento analítico; à professora Noeli Prestes Padilha Rivas, pelas problematizações sobre a docência universitária; à professora Maria José Bistafa Pereira pelas reflexões sobre a saúde coletiva.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído da tese - O professor-enfermeiro e a docência no ensino superior: entre teorias pedagógicas e o gerencialismo, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo/USP, em 2018.
  • FINANCIAMENTO

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - bolsa de demanda social processo n.º 147900/2014-0; e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 - CAPES-PDSE Edital n.º 19/2016 e n.º de processo 88881.133978/2016-01.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da EERP/USP sob parecer n. 2.144.477, CAAE n. 37750214.9.0000.5393.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    26 Out 2018
  • Aceito
    01 Abr 2019
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