Acessibilidade / Reportar erro

PROGRAMA MAIS MÉDICOS: NARRATIVAS, MUDANÇAS E LIMITES

RESUMO

Objetivo:

analisar a narrativa de usuários sobre a assistência recebida pelos profissionais do Programa Mais Médicos.

Método:

pesquisa qualitativa, exploratória, descritiva, de natureza compreensiva, realizada no período de agosto a dezembro de 2015. Foram realizadas 16 entrevistas em quatro Unidades Básicas de Saúde que contrataram médicos que se expressavam no idioma espanhol. Foi realizada observação sistemática com 30 horas de registro, e os depoentes responderam a um questionário sócio demográfico e a uma entrevista semiestruturada. A análise obedeceu à triangulação dos dados da observação participante, das entrevistas e do referencial teórico, utilizando-se a análise temática à luz da hermenêutica dialética. Foram elaboradas três categorias operacionais: Qualidade e acolhimento na consulta, Comunicação médico-paciente e Médico estrangeiro.

Resultados:

os entrevistados afirmaram que marcar uma consulta médica, diferente de antes, tornou-se possível e menos demorado com a chegada dos novos médicos. Os entrevistados mostraram-se satisfeitos com o atendimento médico recebido, realçando a qualidade na assistência.

Conclusão:

o acolhimento médico recebido na consulta, e as medicações prescritas, parecem ter um peso maior para a percepção da qualidade da consulta, e serem mais importantes para os usuários do que a compreensão do idioma estrangeiro e da linguagem do médico. A baixa competência estrutural e operacional da Atenção Básica permanece como limite para o Programa Mais Médicos.

DESCRITORES:
Atenção primária à saúde; Cuidados médicos; Sistema Único de Saúde; Políticas públicas; Consórcio de saúde

ABSTRACT

Objective:

to analyze the narrative of users about the assistance received by the professionals of the Mais Médicos (More Doctors) Program.

Method:

qualitative, exploratory, descriptive, comprehensive research carried out from August to December 2015. 16 interviews were carried out in four Basic Health Units that hired doctors who spoke the Spanish language. Systematic observation was performed with 30 hours of registration, and the respondents answered a socio-demographic questionnaire and a semi-structured interview. The analysis followed the triangulation of data from participant observation, interviews and the theoretical framework, using thematic analysis in the light of dialectical hermeneutics. Three operational categories have been developed: Quality and welcoming in consultation, Doctor-patient communication and foreign Doctor

Results:

the interviewees stated that making an appointment for a medical appointment, unlike before, became possible and less time consuming with the arrival of new doctors. The interviewees were satisfied with the medical care received, highlighting the quality of care.

Conclusion:

the medical reception received at the consultation, and the prescribed medications, seem to have a greater weight for the perception of the quality of the consultation, and to be more important for users than the understanding of the foreign language and the doctor's language. The low structural and operational competence of Primary Care remains the limit for the Mais Médicos Program.

DESCRIPTORS:
Primary health care; Medical care; Unified health system; Public policy; Health consortium

RESUMEN

Objetivo:

analizar la narrativa de los usuarios sobre la asistencia recibida por los profesionales del Programa Mais Médicos.

Método:

investigación cualitativa, exploratoria, descriptiva, exhaustiva, realizada entre agosto y diciembre de 2015. Se realizaron 16 entrevistas en cuatro Unidades Básicas de Salud que contrataron médicos que hablaban español. La observación sistemática se realizó con 30 horas de registro, y los encuestados respondieron un cuestionario sociodemográfico y una entrevista semiestructurada. El análisis siguió la triangulación de datos de la observación participante, entrevistas y el marco teórico, utilizando análisis temáticos a la luz de la hermenéutica dialéctica. Se han desarrollado tres categorías operativas: calidad y bienvenida en la consulta, comunicación médico-paciente y médico extranjero.

Resultados:

los entrevistados declararon que hacer una cita para una cita médica, a diferencia de antes, se hizo posible y llevó menos tiempo con la llegada de nuevos médicos. Los entrevistados quedaron satisfechos con la atención médica recibida, destacando la calidad de la atención.

Conclusión:

la recepción médica recibida en la consulta, y los medicamentos recetados, parecen tener un mayor peso para la percepción de la calidad de la consulta, y son más importantes para los usuarios que la comprensión del idioma extranjero y el idioma del médico. La baja competencia estructural y operativa de Atención Primaria sigue siendo el límite para el Programa Mais Médicos.

DESCRIPTORES
Atención primaria de salud; Atención médica; Sistema de salud pública brasileño; Política pública; Consorcio de salud

INTRODUÇÃO

A realidade do acesso aos serviços de saúde no país é discrepante. A maioria dos médicos concentra-se nas regiões Sul e Sudeste, e quando migram para outras regiões preferem os grandes centros urbanos, desassistindo as cidades mais remotas, comunidades ribeirinhas e regiões periféricas.11. Oliveira JPA, Sanchez MN, Santos LMP. O Programa Mais Médicos: provimento de médicos em municípios brasileiros prioritários entre 2013 e 2014. Cienc Saúde Coletiva[Internet]. 2016 [cited 2018 Mar 10];21(9):2719-27. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015219.17702016
https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015...

Para tentar resolver a questão da má distribuição de médicos pelo país, o Governo implementou várias iniciativas na extensão universitária, na oferta de incentivos e benefícios para os profissionais que quisessem atuar nas áreas mais carentes do país. Algumas dessas intervenções foram o Projeto Rondon (1967) e o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), em 1976, anteriores à criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Depois do SUS criado, o Programa de Interiorização do Sistema Único de Saúde (PISUS), em 1993, o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (PITS), em 2001, e o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (PROVAB), em 2012. Nenhuma dessas medidas conseguiu assegurar por completo a oferta equânime de médicos no país.22. Oliveira FP, Vanni T, Pinto HA, Santos JTR, Figueiredo AM, Araújo SQ, et al. Mais Médicos: um programa brasileiro em uma perspectiva internacional. Interface[Internet]. 2015 [cited 2018 Mar 15];19(54):6623-34. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622014.1142
https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622014...
-44. Ministry of Health (BR). Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). 2011[cited 2018 Mar 18]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...

No ano de 2011, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) realizou uma pesquisa, com 2.773 entrevistados, e o resultado revelou que 58,1% da população apontaram a falta de médicos como o principal problema do SUS.44. Ministry of Health (BR). Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). 2011[cited 2018 Mar 18]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
Tendo em vista a contínua e problemática falta de médicos, e mais uma vez na tentativa de trazer soluções, o Governo Federal criou o Programa Mais Médicos através da Medida Provisória nº 62155. Brasil. Casa Civil. Medida Provisória nº 621, de 8 de julho de 2013. Institui o Programa Mais Médicos e dá outras providências. 2013[cited 2018 Mar 20]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/mpv/mpv621.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
e a Lei nº 12.871 de 22 de outubro de 2013,66. Brasil. Casa Civil. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. 2013[cited 2018 Mar 10]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12871.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
tendo como meta levar 15 mil médicos para regiões onde faltam estes profissionais. Em paralelo, houve o aumento de vagas para os cursos de medicina e investimentos em materiais, equipamentos e infraestrutura, para melhorias das condições de assistência à saúde no país, além do fortalecimento das políticas de educação permanente e a promoção das Políticas Públicas.77. Silva TRB, Silva JV, Pontes AGV, Cunha ATR. Percepção de usuários sobre o Programa Mais Médicos no município de Mossoró, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2016 [cited 2018 Mar 10];21(9):2861-9. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015219.18022016
https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015...

Apenas com a criação do Programa Mais Médicos, o país alocou, em apenas um ano, 14.462 médicos em 3.785 municípios. A grande novidade desse programa foi permitir a contratação de médicos estrangeiros, sobretudo provenientes de Cuba, através de acordos internacionais. Visando atender às necessidades que motivaram sua criação, o Programa Mais Médicos contou com três eixos norteadores: a) Provimento Emergencial: contratação imediata de médicos; b) Educação - reestruturação na formação médica do país; c) Infraestrutura - por meio da construção, ampliação e reforma das unidades básicas de saúde (UBS).88. Ministry of Health (BR). Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Programa Mais Médicos: dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília, DF(BR): MS; 2015 [cited 2017 Dec 22]. Available from: https://goo.gl/8Y2tbQ
https://goo.gl/8Y2tbQ...

Manifestações contrárias ao programa, protestos e promoção de greves foram realizadas por várias entidades da classe, incomodadas principalmente, pela não exigência de revalidação do diploma e contratação de profissionais cubanos, sob o argumento de que a formação destes seria precária e incapaz de atender pacientes no âmbito da realidade brasileira.99. Gonçalves O Jr, Gava GB, Silva MS. Programa Mais Médicos, aperfeiçoando o SUS e democratizando a saúde: um balanço analítico do programa. Saúde Soc [Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 10];26(4):872-87. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902017170224
https://dx.doi.org/10.1590/s0104-1290201...

Tendo em vista a Lei que criou o Programa Mais Médicos, considerando-se a discussão acirrada produzida pelos colegiados de representação dos profissionais médicos, e diante das opiniões conflitantes entre os que apoiam tal programa e aqueles que o criticam, avaliou-se como importante compreender melhor esta realidade a partir da perspectiva dos usuários, para os quais o programa foi criado. Espera-se obter, através da narrativa destes, uma análise do valor, da aceitabilidade e da compreensão em relação ao programa. O presente estudo objetivou analisar a narrativa de usuários sobre a assistência recebida pelos profissionais do Programa Mais Médicos.

MÉTODO

Tratou-se de uma pesquisa qualitativa, exploratória, descritiva, de natureza compreensiva, realizada no período de agosto a dezembro de 2015. Optou-se por um município com maior quantidade de médicos estrangeiros vinculados ao Programa Mais Médicos. Foram efetivadas 16 entrevistas em quatro UBS que mais contrataram médicos que se expressavam no idioma espanhol.

Foi realizada observação sistemática com 30 horas de registro. A observação sistemática se fez através da participação na vida cotidiana do grupo em estudo, para constatar as situações cotidianas com que se deparavam normalmente, e como se comportavam, diante delas, no caso, o cotidiano de uma UBS. O pesquisador entabulava conversação com alguns, ou todos, envolvidos na situação, e descobria as interpretações que eles tinham sobre os acontecimentos que observaram. Os dados empíricos obtidos desta forma necessitaram de três estágios de análise: seleção de problemas, controle sobre a frequência e distribuição de fenômenos e a incorporação de descobertas individuais ao modelo da organização em estudo (no caso, as consultas dentro do Programa Mais Médicos).1010. Morse JM. Critical analysis of strategies for determining rigor in qualitative inquiry. Qual Health Res[Internet]. 2015 [cited 2018 Mar 10];25(9):1212-22. Available from: https://dx.doi.org/10.1177/1049732315588501
https://dx.doi.org/10.1177/1049732315588...
Os depoentes foram usuários do sistema de saúde e responderam a um questionário sócio-demográfico e a uma entrevista semiestruturada. A análise dos dados observou a triangulação dos dados obtidos pela observação participante, pelas entrevistas e pelo referencial teórico.

Para análise do material empírico, utilizou-se a análise de conteúdo, modalidade temática, seguindo os passos de pré-análise, categorização e interpretação.1111. Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesquisa Qualit[Internet]. 2017 [cited 2018 Mar 10];5(7):1-12. Available from: https://editora.sepq.org.br/index.php/rpq/article/view/82/59
https://editora.sepq.org.br/index.php/rp...

Os dados foram analisados à luz da Hermenêutica-dialética, a partir da subjetivação do objeto e da objetivação do sujeito. A Hermenêutica funda-se na compreensão do significado, do símbolo, da intencionalidade, ao passo que a dialética se apoia na ideia de crítica e de mudança, de processo e de contradição. A Hermenêutica ocupa-se da arte de entender textos, no sentido ampliado (biografias, narrativas, entrevistas, livros, etc.) onde, mais do que um desvendamento da verdade do objeto, o que se busca é a revelação do que o outro expõe como verdade, não uma verdade essencialista, mas a semântica que o entrevistado quis expressar. Foram elaboradas três categorias operacionais: qualidade e acolhimento na consulta, comunicação médico-paciente e médico estrangeiro. Essas categorias serviram a uma aproximação ao objeto de pesquisa e se revelaram apropriadas à observação e ao trabalho de campo.1111. Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesquisa Qualit[Internet]. 2017 [cited 2018 Mar 10];5(7):1-12. Available from: https://editora.sepq.org.br/index.php/rpq/article/view/82/59
https://editora.sepq.org.br/index.php/rp...

Este estudo seguiu as recomendações da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS

Qualidade e acolhimento na consulta

O grupo entrevistado foi composto por mulheres, com idade entre 33 e 68 anos, autorreferidos de cor parda (incluíram-se nesta categoria os autoconsiderados “morenos”). Importa registrar que o grupo procurou a consulta já apresentando sintomas de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) ou com quadro clínico claro de diabetes mellitus instalado, com sintomas clássicos, evidentes e auto percebidos:

Eu vim porque eu adoeci, tava muito magra, com as pernas fracas. Um dia experimentei a minha urina e vi que tava doce... aí quando foi na consulta, a doutora disse que eu tava diabética (E1).

Os entrevistados afirmaram que marcar uma consulta médica, diferente de antes, tornou-se possível e menos demorado, com a chegada dos “novos médicos”. A consulta era agendada pela agente de saúde, que, por sua vez, poderia ser, ela mesma, acessada pelo celular, mudando a rotina de sofrimento das longas filas na madrugada para conseguirem uma senha de consulta médica, que nem sempre acontecia devido à grande demanda de pacientes;

Antes do programa era mais difícil marcar uma consulta, era difícil conseguir, por que era mais gente. Tinha que vim aqui no posto marcar. Agora não, de uns tempos pra cá é a Agente de Saúde que marca, né (E8).

Verificou-se que, apesar desta nova configuração quantitativa de mais profissionais médicos para o atendimento, persiste deficitária a autoeducação em saúde, constitutiva da atenção primária em saúde (APS), como conceito. Existem vários exemplos de pacientes que negligenciam e/ou subestimam, o seu estado de saúde, faltando às consultas agendadas e retornando meses depois, com agravos expressivos, decorrentes da hipertensão ou diabetes mellitus.

Minha consulta é mês a mês, já saio daqui com ela marcada. Ah... mas tem dia que eu falho, às vezes eu passo é de dois meses sem vim... aí quando eu chego a médica fala, por que eu venho sentindo as coisas complicações decorrentes da hipertensão e diabetes (E3).

O grupo entrevistado reconhece os profissionais como sendo estrangeiros, sendo diferentes, mas a maior parte, talvez devido à baixa escolaridade, não consegue especificar a procedência exata dos médicos. Há inclusive a sensação de haver um certo privilégio, pelo fato de estarem sendo atendidos por um “médico de fora”. Outros, além de especificar Cuba como país de origem, fazem comparações entre o atendimento com médicos brasileiros e estrangeiros, e afirmam haver diferenças:

E ela é estrangeira, é cubana. A diferença dela é porque os médicos brasileiros parecem que estão ali só pra ganhar dinheiro. Mal ele olha pra ti, já vai logo escrevendo, não escuta o que tu tem pra falar. Parece até que tem nojo do povo e ela não, ela é diferente (E4).

Os entrevistados referiram que houve diálogo entre eles, que lhes foi dada oportunidade e tempo para expressar suas queixas e serem ouvidos com atenção e no mais, apontam as referidas qualidades, como sendo mais difíceis de serem encontradas entre médicos brasileiros:

Me recebeu muito bem! Ele olha pra gente...ele conversa com o paciente, não tem esse negócio de ficar só de cabeça baixa escrevendo... ele escuta a gente bacana...Por que tem médico que a pessoa chega pra consultar e ele nem dá atenção, ela não, ele dá atenção pra gente, não tem esse negócio de ficar só anotando, anotando, como muitos que eu já consultei (E3).

No que diz respeito aos exames físicos, afirmaram que os médicos os realizaram sempre que alguma queixa foi referida. Uma entrevistada disse que o médico se preocupava com o estado emocional do paciente, e outro relatou que, mesmo queixando-se da dor e mostrando o local, ele não realizou nenhum exame físico.

Ela quer saber o que tá acontecendo dentro da tua casa, porque ela sabe que o lado emocional reflete (E4). Não, sobre examinar, ela não me examinou: só perguntou onde era a dor. Ela não chegou e examinou onde é que era nada (E7).

Metade dos entrevistados referiu sobre solicitações de exames de imagem e/ou laboratorial, e alguns optaram por pagar a laboratórios particulares para realização dos exames, alegando dificuldades: tempo de espera longo, para realizar o exame e também para receber o resultado. Outros confirmaram as colocações acima, com suas experiências de terem feito os exames pela UBS ou estar aguardando a agenda:

Ela me passou um raio X, que foi uma luta pra marcar e quase três meses pra receber o resultado (E7).

Comunicação Médico-paciente

Sobre a dificuldade em compreender a “fala do médico”, o discurso de resposta comum é “um pouco”, e vem acompanhado pela justificativa de que o profissional fala “enrolado”.

Algumas vezes a gente tem um pouco de dificuldade, por que ela não é daqui, ai ela enrola um pouco a língua, mas aí agora ela já tá pegando o português bem direitinho (E6). Não tenho dificuldade, entendo muito bem! Mas é por que eu já trabalhei em um hotel em Manaus, que tinha gente de todas as partes do mundo, chileno, argentino e etc... e é por isso que eu não tive dificuldade com ela (E4).

Parece haver aqui uma valoração do acolhimento, como um presente afetuoso, e da prescrição medicamentosa:

Ela falava umas coisas eu entendia e outras eu não entedia. Tem gente que diz: Ah eu não gosto dessa muié porque ela fala errado. Bem, o que eu entendo eu apoio, e o que eu não entendo eu digo hum hum (interjeição que significa afirmação e ela continua falando) (E1).

Mais escolaridade, ensino médio, e vivência com pessoas que falam outras línguas são realidades encontradas nas justificativas daqueles que dizem não ter dificuldade alguma para compreender o discurso médico e suas falas.

Os usuários não adotam uma postura passiva diante das dificuldades para compreensão do idioma. A maior parte deles pede ao médico que repita, outros pedem ajuda para alguém que possa traduzir o que foi dito. Esse “alguém” é aqui representado por uma enfermeira, técnica de Enfermagem ou Agente Comunitário de Saúde (ACS) que estejam presentes ou próximos à sala de consulta, isto é, um certo “jeitinho brasileiro” de resolver dificuldades:

Há outras estratégias vivas, por parte dos usuários, que, sem entender a fala da médica, pedem a ela que escreva as explicações dadas, para que, em casa, alguns dos filhos possam ajudar a compreender.

Eu também não sou besta, eu digo: doutora, anote aqui, que em casa meus filhos me exprica, como é que eu tomo o remédio e como é que eu não tomo (E1).

Em outros momentos a iniciativa de esclarecer provém do médico, e a paciente revela que esta atitude é rara entre os médicos brasileiros, ou seja: é pouco frequente que nas consultas realizadas fora do Programa Mais Médicos haja a preocupação de que tudo que foi dito pelo profissional médico tenha sido entendido pelo paciente.

Ela é estrangeira, ela sabe que tu pode ter dificuldade de entender o que ela tá falando. Então, quando ela começa a atender a gente, ela diz assim: Eu vou falar pausadamente, se você não tiver me entendendo, fale pra mim, que eu repito. Então, ela sabe que a gente pode ter essa dificuldade. Eu gostaria que tivesse mais médicos iguais a ela aqui no Brasil (E4).

Aí ele pediu pra menina lá, a Enfermeira Chefe, pra ir lá traduzir pra ele, porque ele num tava entendendo de jeito nenhum o que ela tava perguntando pra ele (E7).

Médico estrangeiro

A assistência prestada pelos médicos do Programa atendeu às expectativas dos usuários, em relação à consulta médica. O que autoriza crer que eles estão satisfeitos com esses profissionais:

O atendimento dela é demorado, quando a gente vem a primeira vez até estranha a demora. Mas em compensação, a gente vê que ela demora, é por que atende a gente muito bem. Todos que entram no consultório dela saem elogiando, diferente dos brasileiros, que aonde a gente vai o povo é reclamando (E4).

Embora todos os entrevistados tenham sido atendidos por um profissional do Programa Mais Médicos, poucos conseguem localizar este profissional como participante de um Programa Federal que compõe Política Pública na saúde. Os demais dizem nada saber sobre o Programa Mais Médicos, ou apenas ter ouvido falar, o que induz pensar que as iniciativas de propaganda e informação utilizadas até aqui, embora consumindo um volume razoável de recursos, não atingiram todas as camadas da população. Ainda sobre o Programa Mais Médicos, uma minoria soube responder do que se tratava e não reconhecia o médico que a atendeu como um profissional componente do Programa. Os demais referiram uma informação leve e superficial, ou nenhum conhecimento.

O que eu vejo falar é que o Mais Médico veio mais médico de fora né. Que nem o caso dela aí né, que não é daqui. É isso, pra poder ajudar mais (E8).

DISCUSSÃO

Percebeu-se um maior número de filhos na faixa etária entre 40 e 60 anos, o que significa que nasceram nos anos 50 e 60, onde a discussão sobre anticoncepcionais, e o acesso a eles, não era ampliado e facilitado. Nos grupos etários mais jovens a média foi de 2 a 3 filhos, entretanto, ainda maior que a média nacional de 1,77 filhos por mãe.1212. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Projeção da População 2018. 2018[cited 2018 Aug 01]. Available from: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/21837-projecao-da-populacao-2018-numero-de-habitantes-do-pais-deve-parar-de-crescer-em-2047
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/ag...

Esta pesquisa registrou precárias ações de promoção da saúde e de prevenção de doenças, que são constituintes da política da ação básica em saúde e que, de fato, são as ações que mais qualificam e diferenciam este nível de atenção. A precariedade de equipamentos de saúde fica dramatizada quando há necessidade de ingerir urina para confirmar a presença de glicose. No entanto, o relato de ter sido bem recebidos pelos profissionais médicos apareceu frequentemente, também, em outro estudo.1313. Campos GWS. Mais médicos e a construção de uma política de pessoal para a Atenção Básica no Sistema Universal de Saúde brasileiro. Interface[Internet]. 2015 [cited 2018 Jan 10];19(54):641-2. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015.0286
https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015...
A disposição do médico para saber como as pessoas estão gera vínculos com a comunidade, na medida em que a comunidade internaliza que será cuidada por outro igual.1414. Liz RG, Lima RCGS. Percepções de usuários sobre o impacto social do projeto de Cooperação do Programa Mais Médicos: um estudo de caso. Interface [Internet]. 2015[cited 2018 Aug 10];21(Suppl 1):1281-90. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016.0254
https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016...
Autores constataram que o Programa Mais Médicos aumentou consideravelmente o número de visitas domiciliares, com maior acompanhamento dos usuários, maior conhecimento da área e maior qualidade na assistência prestada.1515. Alencar APA, Xavier SPL, Laurentino PAS, Lira PF, Nascimento VB, Carneiro N, et al. Impacto do Programa Mais Médicos na atenção básica de um município do sertão central nordestino. Gestão e Sociedade[Internet]. 2016 [cited 2018 Aug 10];10(26):1290-301. Available from: https://dx.doi.org/10.21171/ges.v10i26.2085
https://dx.doi.org/10.21171/ges.v10i26.2...

Os pacientes portadores de Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT), no geral, apresentam baixo conhecimento sobre o diabetes e dificuldade de enfrentamento da doença, o que pode ensejar a piora do autocuidado e, consequentemente, do controle metabólico com aumento dos índices das complicações associadas.1616. Cordeiro AS, Pereira FA, Fagundes SM, Prates CA, de Pinho L. Knowledge and attitude of patients with diabetes mellitus in Primary Health Care. Esc Anna Nery[Internet]. 2017 [cited 2018 Aug 10];21(4):e20170208. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0208
https://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean...
A população em geral parece ser mais sensível à exuberância de sintomas, não tendo conhecimento suficiente para atentar às fases silenciosas, tanto da HAS quanto do diabetes. Os limites do Programa Mais Médicos deparam-se com o fato de que o Programa não conseguiu alterar o isolamento da atenção básica e, portanto, a baixa capacidade do exercício da regulação, onde, apesar da ampliação do investimento em infraestrutura, ainda é insuficiente, e muito dependente da capacidade de gestão dos municípios.1717. Campos GWS, Pereira N Jr. A atenção primária e o programa Mais Médicos do Sistema Único de saúde: conquistas e limites. Ciênc Saúde Coletiva[Internet]. 2016 [cited 2018 Aug 10];21(9):2655-63. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015219.18922016
https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015...

Esta desvalorização do silêncio dos sintomas segue desafiando a Atenção Primária em Saúde, e produzindo impacto na qualidade de vida dos indivíduos afetados, com incapacidade física, absenteísmo no trabalho, morte prematura, e efeitos econômicos adversos para as famílias e comunidades. Essa nova realidade de haver mais facilidade para consultas médicas ressalta, até contraditoriamente, o fato de que, para a APS de qualidade, o quantitativo de médicos é importante, mas não resolve a questão da assistência em saúde: é preciso que as consultas médicas e de outros profissionais produzam também o desenvolvimento da consciência sanitária, e a autonomia dos pacientes para o autocuidado com a saúde. Esta realidade reitera os achados de outros autores que encontraram alto grau de satisfação nas dimensões “tempo de espera” para agendar a consulta.1313. Campos GWS. Mais médicos e a construção de uma política de pessoal para a Atenção Básica no Sistema Universal de Saúde brasileiro. Interface[Internet]. 2015 [cited 2018 Jan 10];19(54):641-2. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015.0286
https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015...
,1515. Alencar APA, Xavier SPL, Laurentino PAS, Lira PF, Nascimento VB, Carneiro N, et al. Impacto do Programa Mais Médicos na atenção básica de um município do sertão central nordestino. Gestão e Sociedade[Internet]. 2016 [cited 2018 Aug 10];10(26):1290-301. Available from: https://dx.doi.org/10.21171/ges.v10i26.2085
https://dx.doi.org/10.21171/ges.v10i26.2...

Aqui se confirmam as reflexões,1717. Campos GWS, Pereira N Jr. A atenção primária e o programa Mais Médicos do Sistema Único de saúde: conquistas e limites. Ciênc Saúde Coletiva[Internet]. 2016 [cited 2018 Aug 10];21(9):2655-63. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015219.18922016
https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015...
apontando os entraves estruturais do Programa Mais Médicos, no desafio que permanece de se ampliar o olhar para além da assistência médica, buscando-se a interprofissionalidade, trazendo maior olhar da clínica ampliada e da promoção da saúde. Outros autores apontam a contradição na realidade do médico que mora em municípios pequenos, nos quais a vida “apressa-se de modo lento’’ e onde o médico faz parte do contexto social e os encontros mais cotidianos da vida estreitam relações, gerando uma sociabilidade de tolerância ao risco. Nessas situações alguns moradores podem sentir-se saudáveis, ainda que com hipertensão e diabetes.1414. Liz RG, Lima RCGS. Percepções de usuários sobre o impacto social do projeto de Cooperação do Programa Mais Médicos: um estudo de caso. Interface [Internet]. 2015[cited 2018 Aug 10];21(Suppl 1):1281-90. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016.0254
https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016...

A postura do médico cubano não se mostra como a de um profissional que vai ao município em busca de interesses profissionais e de renda, para atender doentes, solicitar exames e prescrever medicamentos. A postura se aproxima mais a de um promotor de saúde, um responsável também pela situação sanitária do território e onde o modo de vida local ganha continência médica. No âmbito da formação médica, a cultura cubana é social, baseada no humanismo e na solidariedade.1414. Liz RG, Lima RCGS. Percepções de usuários sobre o impacto social do projeto de Cooperação do Programa Mais Médicos: um estudo de caso. Interface [Internet]. 2015[cited 2018 Aug 10];21(Suppl 1):1281-90. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016.0254
https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016...
É necessário superar a prática tradicional, centrada na exclusividade da dimensão biológica, de modo a ampliar a escuta e reconsiderar a perspectiva humana na interação entre profissionais de saúde e usuários.1818. Santos TVC, Penna CMM. Demandas cotidianas na atenção primária: o olhar de profissionais da saúde e usuários. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2013 [cited 2018 Mar 10];22(1):149-56. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072013000100018
https://dx.doi.org/10.1590/S0104-0707201...
 

O SUS, conquistado em 1986 a partir de princípios socialistas, tem vários limites de sua insustentabilidade atual ligados à incapacidade do modo de produção capitalista em entender e aceitar a saúde como direito de todos e dever do Estado. Sobre a formação acadêmica, os cursos da saúde, os de Medicina, sobretudo, não vêm conseguindo formar profissionais capazes de compreender e atuar no SUS.1313. Campos GWS. Mais médicos e a construção de uma política de pessoal para a Atenção Básica no Sistema Universal de Saúde brasileiro. Interface[Internet]. 2015 [cited 2018 Jan 10];19(54):641-2. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015.0286
https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015...
A realidade sociocultural parece torna-los indiferentes.

Os três eixos que compuseram o Programa Mais Médicos (provimento emergencial, qualificação da infraestrutura e mudança da formação médica) enfatizam que a qualificação da infraestrutura da atenção básica sofre restrições diretas das dificuldades da gestão municipal, tanto em nível de recursos como de valorização da Atenção Básica. A realidade interiorana, onde falta quase tudo nos pequenos municípios, e a falta de regularidade no pagamento dos profissionais contratados respondem também pelo insucesso da assistência médico-hospitalar.

Ressalte-se que o acréscimo 14.462 médicos ao SUS em pouco mais de um ano, por interferência do Ministério da Saúde retrata o Programa Mais Médicos como uma evidência clara da impossibilidade dos municípios lograrem implementar e gerenciar redes de atenção básica com qualidade, sustentabilidade e cobertura para 80% da população brasileira.1919. Campos GWS. Mais médicos e a construção de uma política de pessoal para a Atenção Básica no Sistema Universal de Saúde brasileiro. Interface [Internet]. 2015 [cited 2018 Jan 10];19(54):641-2. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015.0286
https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015...

Segundo um dos usuários, entender a linguagem, e o idioma do médico, tem menos importância, do que poder usufruir da dádiva da consulta médica. Ter acesso a um médico é vivenciado como esperança de tratamento e de cura, portanto, com valor simbólico considerável.

Compreender claramente o que ele diz, ou não lhe compreender a fala, não tem a mesma importância que ter tido acesso à consulta. Estas afirmações nos levam a questionar o que quer dizer, objetivamente, para a população, uma “consulta médica”, onde o que o médico diz não precisa ser totalmente compreendido. Outros autores corroboram com esses achados.2020. Carrapato JFL, Silva RVC, Rotondaro EC, Placideli N. Brazil’s More Doctors Program: users and health professionals’ perceptions. Em Pauta[Internet]. 2016 [cited 2018 Aug 5];14(38):280-93. Available from: https://dx.doi.org/10.12957/rep.2016.27863
https://dx.doi.org/10.12957/rep.2016.278...

A capacidade e habilidade para uma escuta mais qualificada dos pacientes, uma atenção mais demorada às suas histórias de vida e de suas experiências de adoecimento, parecem ser elementos fundamentais para a superação das barreiras de comunicação. Isso implica em mais tempo de consulta; e foi referido pelos entrevistados na pesquisa, inclusive quando alegaram que havia tempo para esclarecimentos, ainda que com ajuda de uma ‘tradução informal”. Portanto, a barreira do idioma era vencida pelas alternativas de aproximação. Conceitos como “clínica centrada na pessoa” ,2121. Stewart M, Belle-Brown J, Mcwhinney I. Medicina centrada na pessoa: transformando o método clínico. 3th ed. Porto Alegre, RS (BR): ArtMed; 2017. “comprehensive care”2222. Harrinson A, Silenzio V. Comprehensive care of lesbian and gay patients and families. Prim Care[Internet]. 1996 [cited 2018 Mar 10];23(1):31-46. Available from: https://dx.doi.org/10.1016/s0095-4543(05)70259-1
https://dx.doi.org/10.1016/s0095-4543(05...
e “medicina baseada em narrativas”2323. Greenhalgh T, Hurwitz B. Why study narrative? BMJ [Internet]. 1999 [cited 2018 Mar 10];318(7175):48-50. Available from: https://dx.doi.org/10.1136/bmj.318.7175.48
https://dx.doi.org/10.1136/bmj.318.7175....
são fundamentais para entender como, mesmo entre indivíduos que não falam, necessariamente, uma mesma língua, podem se entender diante de uma situação de sofrimento e cuidado em saúde, a partir de uma linguagem que lhes propicie uma compreensão compartilhada.

Observa-se uma nítida valoração simbólica da consulta médica, em alguns casos, como um ritual místico, do qual se sai “melhorado”, pelo simples fato de ter-se socorrido com quem tem o poder (e saber) sobre o que está acontecendo - a dor, a doença, a incapacidade, em geral relativa para o desempenho de atividades cotidianas. Essa experiência de estar doente e precisar falar sobre o que sente é singular. E, singular aqui no sentido de singularidade pessoal, solidão mesmo (o paciente e sua experiência de doença). O médico é o profissional “legitimado” para “atestar” o que tem o enfermo, qual o agravo, qual o tratamento, qual o seguimento; um curso prescritivo que vai do diagnóstico e terapêutica ao prognóstico, tudo sobre uma pessoa, ditado por outra; inevitável não repercutir no campo simbólico essa “magia” que envolve a esperança de cura ou de alívio.

Portanto, não se trata de comunicação, mas, sim, de interação; onde a relação complexa é mais importante que a simples troca de informação. A pergunta clássica: “O que está sentido?”, por si só, já abre algumas portas para o alívio. As múltiplas tentativas e a espera por uma consulta médica, onde este profissional é raro, ampliam as expectativas que cursam com a ansiedade e o sofrimento da espera por este momento. Nesse sentido, a percepção que se extrai de algumas entrevistadas é que a “relação intersubjetiva” paciente-médico, tem uma importância, por vezes, maior que a “prescrição objetiva” receita-remédio. Isso se traduz como um possível “poder simbólico”2424. Bourdieu P. O poder simbólico. 9th ed. Rio de Janeiro, RJ(BR): Bertrand Brasil; 2006. do ritual da consulta médica no imaginário popular ou nas representações sociais do papel do médico e da Medicina na sociedade, sobretudo, na comunidade pesquisada.

Há aqui uma fusão de dificuldades, estrangeiras e nacionais: em entender o idioma, em entender a linguagem médica, em entender a prescrição médica, mesmo que em português.

Verifica-se que alguns argumentos para a não contratação desses profissionais perdem força quando os usuários são escutados. Consta-se que há satisfação com o atendimento recebido. Sempre que há dificuldade para se entender a pronúncia ou idioma do médico, buscou-se auxilio de outro profissional ou lançou-se mão de estratégias, como pedir para o médico anotar o que está sendo recomendado, de modo a não se sair da consulta sem entender as orientações feitas. Por outro lado, os investimentos também previstos no programa, destinados à melhoria da estrutura, e demais recursos para realização exames laboratoriais e de imagem, importantes para a assistência ao paciente, parecem ainda não ter chegado às UBS frequentadas pelos entrevistados. Em muitas falas, tem-se o exemplo do conformismo dos usuários em pagar por exames em laboratórios particulares, para darem continuidade à consulta, e concomitante indignação de ter que esperar semanas para marcar um exame, e meses para receber o resultado pelo sistema público de saúde.

A satisfação do usuário também foi comprovada em outro estudo:2525. Pinto HA, Oliveira FP, Santana JSS, Santos FOS, Araujo SQ, et al. Programa Mais Médicos: avaliando a implantação do Eixo Provimento de 2013 a 2015. Interface[Internet]. 2017 [cited 2018 Aug 10]; 21(Suppl 1):1087-101. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016.0520
https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016...
95% dos usuários disseram estar satisfeitos ou muito satisfeitos com a atuação do médico do Programa de Mais Médicos. Entre as razões dessa avaliação positiva, 85% afirmaram que a qualidade do atendimento melhorou; 87% que o médico era mais atencioso, e 82% que a consulta agora resolvia melhor seus problemas de saúde. A habilidade da comunicação, saber ouvir e saber falar, é considerada fator primordial que leva à efetividade de práticas educativas no âmbito da saúde.2626. Santos L, Torres HC. Práticas educativas em diabetes mellitus: compreendendo as competências dos profissionais da saúde. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2012 [cited 2018 Mar 10];21(3):574-80. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072012000300012
https://dx.doi.org/10.1590/S0104-0707201...
A nota média que os usuários deram ao Programa de Mais Médicos foi de nove para um máximo de dez.2525. Pinto HA, Oliveira FP, Santana JSS, Santos FOS, Araujo SQ, et al. Programa Mais Médicos: avaliando a implantação do Eixo Provimento de 2013 a 2015. Interface[Internet]. 2017 [cited 2018 Aug 10]; 21(Suppl 1):1087-101. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016.0520
https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016...

Este estudo apresenta as limitações da regionalidade dos dados analisados, por ser uma pesquisa realizada em um município de pequeno porte, de um estado da região norte do país. É um município com fortes caraterísticas socioculturais de ambiente rural, com economia de subsistência baseada na pesca, portanto, com a relação médico/habitantes mais baixa do país. Destaca-se, como principal limitação da investigação, a utilização de apenas uma fonte de coleta de dados, uma vez que a associação com outras fontes de coleta, especialmente grupais, poderia conferir maior confiabilidade aos achados da investigação.

Ainda assim o estudo contribuiu para reafirmar tanto o impacto positivo do Programa Mais Médicos em uma de suas propostas, a emergencial, de colocar rapidamente médicos em áreas de extrema pobreza e de difícil acesso, como para questionar a baixa capacidade de regulação e estrutura da Atenção Básica, cujas deficiências podem estar ligadas à dependência da capacidade de gestão municipal e às dificuldades de gestão e financiamento dos municípios.

Seria interessante repetir este estudo em outros municípios de características semelhantes e compará-los com estudos realizados em municípios com boa gestão e estrutura adequada da atenção básica, de modo a isolar esta última variável que impacta fortemente os resultados sobre a satisfação dos usuários.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo expressam que os usuários das UBS pesquisadas gostam do atendimento médico prestado pelos profissionais estrangeiros do Programa Mais Médicos. Referenciam mudanças na assistência ocasionadas pela presença dos “novos médicos” como não necessitar mais enfrentar filas na madrugada para ter acesso à consulta. Apontam diferenças e/ou qualidades favoráveis no atendimento dos médicos cubanos. A questão do ouvir, olhar ou dar atenção, interesse e educação foram atitudes ressaltadas no atendimento dos cubanos e, de acordo com os usuários, essas qualidades não são frequentes nas consultas com os médicos brasileiros.

O acolhimento na consulta e as medicações prescritas parecem ser mais importantes do que entender o que o médico diz, ressaltando o valor simbólico da consulta médica. As dificuldades em entender o idioma não são um problema. Não entender a prescrição é pior do que não entender o espanhol, e esta dificuldade existe mesmo quando o idioma falado é o português. Os pacientes encontram estratégias para contornar esta dificuldade, que são os “tradutores”, enfermeiros, agentes comunitários de saúde ou levar as orientações por escrito, para que outras pessoas leiam em casa e os auxiliem a compreender.

Apesar dos aspectos positivos evidenciados sobre o Programa, a pesquisa expõe que a qualidade na prestação de serviços de exames laboratoriais e de imagens nas UBS pesquisadas, permanece deficitária. Aponta também as falhas da Atenção Primária à Saúde na promoção da saúde, prevenção de doenças, educação em saúde e orientação para o autocuidado, o assim chamado “silêncio dos sintomas”, exemplificada no exemplo dramático de beber urina para saber se há glicose nela. Tudo indica que algumas das maiores dificuldades encontradas na assistência prestada no Programa Mais Médicos são o suporte diagnóstico laboratorial e de imagens, que são de difícil acesso e lentíssimo resultado, e o exercício ainda incompleto, conceitualmente, da Atenção Primária em Saúde, executado como um ambulatório de doenças, ou atendimento de sintomas exuberantes de HAS e de diabetes.

REFERENCES

  • 1. Oliveira JPA, Sanchez MN, Santos LMP. O Programa Mais Médicos: provimento de médicos em municípios brasileiros prioritários entre 2013 e 2014. Cienc Saúde Coletiva[Internet]. 2016 [cited 2018 Mar 10];21(9):2719-27. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015219.17702016
    » https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015219.17702016
  • 2. Oliveira FP, Vanni T, Pinto HA, Santos JTR, Figueiredo AM, Araújo SQ, et al. Mais Médicos: um programa brasileiro em uma perspectiva internacional. Interface[Internet]. 2015 [cited 2018 Mar 15];19(54):6623-34. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622014.1142
    » https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622014.1142
  • 3. Moraes I, Alkmin D, Lopes J, Santos M, Leonel M, Santos R, et al. Jornais Folha de São Paulo e Correio Braziliense: o que dizem sobre o Programa Mais Médicos? Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2014 [cited 2018 Mar 18];48(Spec No 2):107-115. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420140000800017
    » https://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420140000800017
  • 4. Ministry of Health (BR). Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). 2011[cited 2018 Mar 18]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html
  • 5. Brasil. Casa Civil. Medida Provisória nº 621, de 8 de julho de 2013. Institui o Programa Mais Médicos e dá outras providências. 2013[cited 2018 Mar 20]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/mpv/mpv621.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/mpv/mpv621.htm
  • 6. Brasil. Casa Civil. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. 2013[cited 2018 Mar 10]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12871.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12871.htm
  • 7. Silva TRB, Silva JV, Pontes AGV, Cunha ATR. Percepção de usuários sobre o Programa Mais Médicos no município de Mossoró, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2016 [cited 2018 Mar 10];21(9):2861-9. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015219.18022016
    » https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015219.18022016
  • 8. Ministry of Health (BR). Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Programa Mais Médicos: dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília, DF(BR): MS; 2015 [cited 2017 Dec 22]. Available from: https://goo.gl/8Y2tbQ
    » https://goo.gl/8Y2tbQ
  • 9. Gonçalves O Jr, Gava GB, Silva MS. Programa Mais Médicos, aperfeiçoando o SUS e democratizando a saúde: um balanço analítico do programa. Saúde Soc [Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 10];26(4):872-87. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902017170224
    » https://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902017170224
  • 10. Morse JM. Critical analysis of strategies for determining rigor in qualitative inquiry. Qual Health Res[Internet]. 2015 [cited 2018 Mar 10];25(9):1212-22. Available from: https://dx.doi.org/10.1177/1049732315588501
    » https://dx.doi.org/10.1177/1049732315588501
  • 11. Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesquisa Qualit[Internet]. 2017 [cited 2018 Mar 10];5(7):1-12. Available from: https://editora.sepq.org.br/index.php/rpq/article/view/82/59
    » https://editora.sepq.org.br/index.php/rpq/article/view/82/59
  • 12. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Projeção da População 2018. 2018[cited 2018 Aug 01]. Available from: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/21837-projecao-da-populacao-2018-numero-de-habitantes-do-pais-deve-parar-de-crescer-em-2047
    » https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/21837-projecao-da-populacao-2018-numero-de-habitantes-do-pais-deve-parar-de-crescer-em-2047
  • 13. Campos GWS. Mais médicos e a construção de uma política de pessoal para a Atenção Básica no Sistema Universal de Saúde brasileiro. Interface[Internet]. 2015 [cited 2018 Jan 10];19(54):641-2. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015.0286
    » https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015.0286
  • 14. Liz RG, Lima RCGS. Percepções de usuários sobre o impacto social do projeto de Cooperação do Programa Mais Médicos: um estudo de caso. Interface [Internet]. 2015[cited 2018 Aug 10];21(Suppl 1):1281-90. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016.0254
    » https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016.0254
  • 15. Alencar APA, Xavier SPL, Laurentino PAS, Lira PF, Nascimento VB, Carneiro N, et al. Impacto do Programa Mais Médicos na atenção básica de um município do sertão central nordestino. Gestão e Sociedade[Internet]. 2016 [cited 2018 Aug 10];10(26):1290-301. Available from: https://dx.doi.org/10.21171/ges.v10i26.2085
    » https://dx.doi.org/10.21171/ges.v10i26.2085
  • 16. Cordeiro AS, Pereira FA, Fagundes SM, Prates CA, de Pinho L. Knowledge and attitude of patients with diabetes mellitus in Primary Health Care. Esc Anna Nery[Internet]. 2017 [cited 2018 Aug 10];21(4):e20170208. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0208
    » https://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0208
  • 17. Campos GWS, Pereira N Jr. A atenção primária e o programa Mais Médicos do Sistema Único de saúde: conquistas e limites. Ciênc Saúde Coletiva[Internet]. 2016 [cited 2018 Aug 10];21(9):2655-63. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015219.18922016
    » https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015219.18922016
  • 18. Santos TVC, Penna CMM. Demandas cotidianas na atenção primária: o olhar de profissionais da saúde e usuários. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2013 [cited 2018 Mar 10];22(1):149-56. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072013000100018
    » https://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072013000100018
  • 19. Campos GWS. Mais médicos e a construção de uma política de pessoal para a Atenção Básica no Sistema Universal de Saúde brasileiro. Interface [Internet]. 2015 [cited 2018 Jan 10];19(54):641-2. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015.0286
    » https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015.0286
  • 20. Carrapato JFL, Silva RVC, Rotondaro EC, Placideli N. Brazil’s More Doctors Program: users and health professionals’ perceptions. Em Pauta[Internet]. 2016 [cited 2018 Aug 5];14(38):280-93. Available from: https://dx.doi.org/10.12957/rep.2016.27863
    » https://dx.doi.org/10.12957/rep.2016.27863
  • 21. Stewart M, Belle-Brown J, Mcwhinney I. Medicina centrada na pessoa: transformando o método clínico. 3th ed. Porto Alegre, RS (BR): ArtMed; 2017.
  • 22. Harrinson A, Silenzio V. Comprehensive care of lesbian and gay patients and families. Prim Care[Internet]. 1996 [cited 2018 Mar 10];23(1):31-46. Available from: https://dx.doi.org/10.1016/s0095-4543(05)70259-1
    » https://dx.doi.org/10.1016/s0095-4543(05)70259-1
  • 23. Greenhalgh T, Hurwitz B. Why study narrative? BMJ [Internet]. 1999 [cited 2018 Mar 10];318(7175):48-50. Available from: https://dx.doi.org/10.1136/bmj.318.7175.48
    » https://dx.doi.org/10.1136/bmj.318.7175.48
  • 24. Bourdieu P. O poder simbólico. 9th ed. Rio de Janeiro, RJ(BR): Bertrand Brasil; 2006.
  • 25. Pinto HA, Oliveira FP, Santana JSS, Santos FOS, Araujo SQ, et al. Programa Mais Médicos: avaliando a implantação do Eixo Provimento de 2013 a 2015. Interface[Internet]. 2017 [cited 2018 Aug 10]; 21(Suppl 1):1087-101. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016.0520
    » https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016.0520
  • 26. Santos L, Torres HC. Práticas educativas em diabetes mellitus: compreendendo as competências dos profissionais da saúde. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2012 [cited 2018 Mar 10];21(3):574-80. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072012000300012
    » https://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072012000300012

NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído da dissertação - Programa Mais Médicos: narrativa de usuários, apresentada ao Mestrado profissional em Gestão de Programas e Serviços em Saúde, da Centro Universitário do Maranhão, em 2016.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário do Maranhão, Parecer:1.009.517 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética n.:43284915.0.0000.5084.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2018
  • Aceito
    19 Nov 2018
Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós Graduação em Enfermagem Campus Universitário Trindade, 88040-970 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil, Tel.: (55 48) 3721-4915 / (55 48) 3721-9043 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: textoecontexto@contato.ufsc.br