CONSUMO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS POR TRABALHADORES DE ENFERMAGEM: REVISÃO INTEGRATIVA

RESUMO

Objetivo:

analisar as evidências científicas disponíveis sobre os fatores e implicações relacionados ao uso de substâncias psicoativas por trabalhadores de enfermagem.

Método:

revisão integrativa, que teve como critérios de seleção: estudos primários, publicados no período de 2008 a 2017, sem restrição de idiomas e que contemplassem aspectos relacionados ao consumo de substâncias psicoativas por profissionais de enfermagem. O levantamento bibliográfico foi realizado nos meses de setembro e outubro de 2018, nas bases de dados: CINAHL, MEDLINE, SCOPUS, Web of Science e LILACS, BDENF e IBECS via Biblioteca Virtual em Saúde.

Resultados:

foram analisados 14 artigos, verificando-se o predomínio de estudos transversais (28,57), descritivos qualitativos (28,57) e descritivos quantitativos (14,28), com amostras significativas, variando de 12 a 33.588 profissionais de enfermagem e com nível de evidência 2C (100,00%). A síntese do conhecimento foi formulada em duas categorias: fatores predisponentes para o consumo de substâncias psicoativas por trabalhadores de enfermagem; e Implicações do uso de substâncias psicoativas na vida pessoal e na qualidade da assistência de enfermagem.

Conclusão:

as evidências encontradas mostram que o uso de substâncias psicoativas representou uma realidade presente no cotidiano dos trabalhadores de enfermagem e a estreita relação com as condições laborais representou o principal fator associado, sendo o ambiente de trabalho, o grande influenciador para o consumo.

DESCRITORES
Enfermagem; Equipe de enfermagem; Psicotrópicos; Saúde do trabalhador; Transtornos relacionados ao uso de substâncias

ABSTRACT

Objective:

to analyze the scientific evidence available on the factors and implications related to the use of psychoactive substances by nursing workers.

Method:

an integrative review, which had the following as selection criteria: primary studies, published between 2008 and 2017, without language restrictions and that included aspects related to the consumption of psychoactive substances by nursing professionals. The bibliographic survey was carried out in the months of September and October 2018, in the following databases: CINAHL, MEDLINE, SCOPUS, Web of Science and LILACS, BDENF and IBECS via the Virtual Health Library.

Results:

a total of 14 articles were analyzed, with predominance of cross-sectional (28.57%), qualitative descriptive (28.57%), and quantitative descriptive (14.28%) studies, with significant samples ranging from 12 to 33,588 nursing professionals, and with 2C level of evidence (100.00%). The synthesis of knowledge was formulated in two categories: Predisposing factors for the consumption of psychoactive substances by nursing workers; and Implications of the use of psychoactive substances in personal life and in the quality of nursing care.

Conclusion:

the evidence found shows that the use of psychoactive substances represented a reality present in the daily lives of nursing workers and the close relationship with the working conditions represented the main associated factor, with the work environment being the major influencer for consumption.

DESCRIPTORS
Nursing; Nursing team; Psychotropic drugs; Worker's health; Substance-related disorders

RESUMEN

Objetivo:

analizar las evidencias científicas disponibles sobre los factores y las repercusiones relacionados al consumo de sustancias psicoactivas por parte de trabajadores de Enfermería.

Método:

revisión integradora, con los siguientes criterios de selección: estudios primarios, publicados en el período de 2008 a 2017, sin restricción de idiomas y que contemplasen aspectos relacionados con el consumo de substancias psicoactivas por parte de profesionales de Enfermería. La búsqueda bibliográfica se realizó en los meses de septiembre y octubre de 2018 en las siguientes bases de dados: CINAHL, MEDLINE, SCOPUS, Web of Science y LILACS, BDENF y IBECS a través de la Biblioteca Virtual en Salud.

Resultados:

se analizaron 14 artículos, entre los que se verificó el predominio de estudios transversales (28,57%), descriptivos cualitativos (28,57%) y descriptivos cuantitativos (14,28%), con muestras significativas que variaron entre 12 y 33.588 profesionales de Enfermería, y con nivel de evidencia 2C (100,00%). La síntesis del conocimiento se formuló en dos categorías: factores que predisponen al consumo de sustancias psicoactivas por parte de trabajadores de Enfermería; y Repercusiones del consumo de sustancias psicoactivas en la vida personal y en la calidad de la atención de Enfermería.

Conclusión:

las evidencias encontradas demuestran que el consumo de sustancias psicoactivas representó una realidad presente en la rutina diaria de los trabajadores de Enfermería, y la estrecha relación con las condiciones laborales representó el principal factor asociado, puesto que el ambiente de trabajo fue el factor que más influyó para el o consumo.

DESCRIPTORES
Enfermería; Equipo de Enfermería; Psicotrópicos; Salud del trabajador; Trastornos relacionados con el consumo de sustancias

INTRODUÇÃO

O trabalho é entendido como atividade essencial para a sobrevida do ser humano e se relaciona com as necessidades objetivas e subjetivas do trabalhador. É uma das formas de crescimento pessoal e social do homem, auxiliando para a formação de laços e para as vivências de prazer. O produto gerado pelo trabalho é característico no papel do desenvolvimento de um país, estado ou cidade, e também de uma família, considerado um coadjuvante na qualidade de vida e saúde. Dessa forma, os agravos à saúde do trabalhador desenvolvem-se de forma multicausal, sendo determinados pela interação entre agentes externos e patogênicos.1 ^- 2

Quando direcionado para o trabalho em saúde, encontra-se inserido nesse contexto, o setor de enfermagem, que se configura como um ambiente coletivo, permeado por regras e rotinas, complexo em sua organização e em seus processos laborais, sendo frequentemente acercado pelos sofrimentos, medos, conflitos, tensões, disputa de poder, ansiedade e estresse, lidando com a vida e morte dos pacientes, encarando exaustivas jornadas de trabalho, e dentre outros aspectos que fazem parte do seu cotidiano laboral.3 ^- 4

As relações que se estabelecem entre o trabalho e suas condições podem interferir na saúde dos trabalhadores de enfermagem, visto que influenciam diretamente no aparecimento e/ou desenvolvimento de doenças em virtude das situações de risco que expõem a vida destes aos diversos agravos. As condições de trabalho da equipe de enfermagem, principalmente nos hospitais, têm sido consideradas impróprias, passando a serem geradoras de riscos à saúde, formando um conjunto de problemas que engloba a remuneração inadequada, a acumulação de escalas de serviço, o aumento da jornada de trabalho seguido de plantões, características tensiógenas dos serviços de saúde, tanto pela natureza do cuidado prestado às pessoas em situações de risco, quanto pela divisão social do trabalho.5 ^- 6

Em função dessas perturbações, esses profissionais são acometidos por vários sintomas e doenças, das mais variadas formas e origens, tais como: hipertensão arterial, doenças cardiovasculares, etilismo, estresse, distúrbios osteomusculares relacionado ao trabalho, além de angústia e depressão que causam danos sobre o corpo e a mente dos enfermeiros, prejudicando a força de trabalho destes profissionais.7

Devido a esses fatores, a enfermagem é uma das classes profissional mais suscetível ao consumo de substâncias psicoativas (SPAs), pois historicamente estas são relacionadas como formas de aliviar a tensão e diminuir o estresse ocasionado pelo trabalho. Porém, o uso inadequado e abusivo dessas substâncias pode gerar danos de natureza física, psíquica e de conduta para as pessoas que fazem o consumo, bem como prejuízos para o setor de trabalho e riscos para as que convivem com elas.7 ^- 8

O consumo problemático não tem se diferenciado entre diversos grupos da população e, em especial, na categoria dos profissionais de saúde. Entre a equipe de enfermagem, os índices têm variado entre 6 e 8%, podendo ser ainda maiores quando se referem ao uso abusivo de sedativos (20%).9 Estudo realizado no Rio Grande do Sul, Brasil, com 106 profissionais, dos quais 74,5% dos participantes eram técnicos de enfermagem, observou-se prevalência para o consumo de psicofármacos de 22,8% entre os participantes.10

Pesquisa realizada com 416 profissionais de enfermagem mostrou que as drogas mais consumidas pela categoria, em nível de risco médio/alto, foram o álcool no padrão binge com 35,8%, álcool 21,2% e tabaco com 6,6% dos participantes.10 No Reino Unido, estudo transversal com 623 enfermeiros verificou que 22% dos entrevistados nunca haviam consumido álcool, porém 25% dos que consumiam estavam em situação de risco ou com problemas relacionados ao consumo desta substância.11

Nesse sentido, em virtude dos fatos expostos, e considerando a magnitude do problema, bem como as vulnerabilidades quanto ao uso/abuso de SPAs por trabalhadores de enfermagem, essa pesquisa apresenta como objetivo analisar as evidências científicas disponíveis sobre os fatores e implicações relacionados ao uso de substâncias psicoativas por trabalhadores de enfermagem.

MÉTODO

O percurso metodológico definido para responder ao objetivo proposto foi a revisão integrativa da literatura. A estratégia envolveu seis etapas de investigação: definição do tema e elaboração da questão de pesquisa; amostragem, busca na literatura e delimitação para a inclusão dos estudos; extração de dados; avaliação crítica dos estudos incluídos; análise e síntese dos resultados; e apresentação da revisão ou síntese do conhecimento.12

A questão norteadora foi formulada a partir do acrônimo PICO.13 Consideraram-se trabalhadores de enfermagem como população em estudo; Consumo de substâncias psicoativas como fenômeno de interesse e trabalho como contexto, e resultou na seguinte questão: quais as evidências científicas disponíveis sobre os aspectos e fatores relacionados ao uso de substâncias psicoativas por trabalhadores de enfermagem?

Os descritores controlados e não controlados (palavras-chave) utilizados na busca foram selecionados após consulta aos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), no Medical Subject Headings (MeSH) e list CINAHL. A combinação foi realizada por meio dos operadores booleanos OR e AND e possibilitou a construção da estratégia de busca, a qual foi adaptada de acordo com as especificidades de cada base. O Quadro 1 apresenta os descritores, bem como a estratégia de busca realizada na MEDLINE, a qual foi adaptada para as demais bases.

Quadro 1 -
Descritores controlados e não controlados utilizados para construção da estratégia de busca. Teresina, PI, Brasil, 2018.

MESH e List CINAHL
P	Controlado	Nurses; Nursing; Nursing, Team; Nurse Practitioners; Nurses' Aides; Nurses, Male;
	Não Controlado	Nurse; Personnel, Nursing; Nursing Personnel; Nursings; Team Nursing; Nurse Practitioner; Practitioner, Nurse; Practitioners, Nurse; Aide, Nurses'; Aides, Nurses'; Nurse Aides; Nurse's Aides; Nurses Aides; Nurses' Aide; Nursing Auxiliaries; Auxiliaries, Nursing; Auxiliary, Nursing; Nursing Auxiliary; Male Nurse; Male Nurses; Nurse, Male.
I	Controlado	Substance-Related Disorders; Street Drugs; Alcoholism; Tabacco; Psychotropic Drugs.
	Não Controlado	Drug Abuse; Abuse, Drug; Drug Dependence; Dependence, Drug; Drug Addiction; Addiction, Drug; Disorder, Substance Use; Substance use disorders; Disorder, Drug Use; Substance Abuse; Abuse, Substance; Abuses, Substance; Substance Abuses; Substance Dependence; Dependence, Substance; Substance Addiction; Addiction, Substance; Prescription Drug Abuse; Abuse, Prescription Drug; Drug Abuse, Prescription; Drug Habituation; Habituation, Drug; Drugs, Street; Illicit Drugs; Drugs, Illicit; Drugs of Abuse; Abuse Drugs; Recreational Drugs; Drugs, Recreational; Alcohol Dependence; Dependence, Alcohol; Alcohol Addiction; Addiction, Alcohol; Alcoholic Intoxication, Chronic; Chronic Alcoholic Intoxication; Intoxication, Chronic Alcoholic; Alcohol Use Disorder; Alcohol Use Disorders; Use Disorder, Alcohol; Use Disorders, Alcohol; Alcohol Abuse; Abuse, Alcohol; Tobaccos; Nicotiana; Nicotianas; Nicotiana tabacum; Nicotiana tabacums; tabacum, Nicotiana; Drugs, Psychotropic; Psychopharmaceuticals; Psychoactive Agents; Agents, Psychoactive; Psychoactive Drugs; Drugs, Psychoactive.
Co	Controlado	Occupational Health.
	Não Controlado	Health, Occupational; Safety, Occupational; Occupational Safety; Employee Health; Health, Employee; Working Conditions.
DECS
P	Controlado	Enfermeiros e Enfermeiras; Enfermagem; Equipe de Enfermagem; Profissionais de Enfermagem; Auxiliares de Enfermagem; Enfermeiros.
	Não Controlado	Enfermeira; Enfermeira e Enfermeiro; Enfermeiras; Enfermeiro e Enfermeira; Enfermeiros e Enfermeiras; Enfermeiros de cabeceira; Enfermeiras de cabeceira; Enfermeiro.
I	Controlado	Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias; Drogas Ilícitas; Alcoolismo; Tabaco; Psicotrópicos.
	Não Controlado	Abuso de Drogas; Abuso de Substâncias; Abuso de Substâncias que Produzem Dependência; Abuso de Substâncias Psicoativas; Adição a Drogas; Adição às Drogas; Adição a Substâncias; Dependência de Substâncias; Dependência de Substâncias Psicoativas; Dependência Psíquica; Dependência Psíquica de Substâncias; Dependência Química; Drogadição; Drogadicção; Dependência de Drogas; Farmacodependência; Habituação a Drogas; Toxicodependência; Toxicomania; Uso Indevido de Drogas; Uso Indevido de Substâncias; Medicamentos Proibidos; Drogas de Abuso; Drogas de Uso Indevido; Drogas Recreativas; Abuso de Álcool; Intoxicação Alcoólica Crônica; Intoxicação por Álcool Crônica; Erva Nicotiana; Fumo; Nicociana; Nicotiana; Nicuciana; Agentes Psicoativos; Psicoativos; Psicofarmacos.
Co	Controlado	Saúde do Trabalhador; Condições de trabalho.
	Não Controlado	Saúde dos Empregados; Saúde Ocupacional; Higiene do Trabalho; Saúde dos Trabalhadores.

O levantamento bibliográfico foi realizado nos meses de setembro e outubro de 2018, nas seguintes bases de dados: Medical Literature Analysis and Retrieval System on-line (MEDLINE via PubMed®), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), SCOPUS, Web of Science ^TM e Literatura Latino-americana de Ciências da Saúde (LILACS), Base de Dados de Enfermagem (BDENF) e Índice Bibliográfico Español en Ciencias de la Salud (IBECS) via Biblioteca Virtual em Saúde.

Foram incluídos estudos primários, publicados no período de 2008 a 2017, sem restrição de idiomas e que contemplassem aspectos relacionados ao consumo de substâncias psicoativas por profissionais de enfermagem. Os critérios de exclusão focaram-se nos estudos duplicados, sendo considerados apenas uma vez.

Os artigos foram acessados por meio do portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e a busca, seleção e inclusão realizada por dois revisores de forma independente que procederam com a leitura de títulos e resumos de modo a garantir maior rigor metodológico e fidedignidade dos resultados.

Foram recuperadas 1857 produções, dentre as quais 32 atenderam aos critérios de inclusão, sendo selecionadas para o estudo. Destaca-se que 18 artigos foram excluídos por duplicidade nas bases de dados, resultando na amostra de 14 publicações. A Figura 1 descreve o percurso realizado para identificação, inclusão e exclusão dos estudos, segundo base consultada.

Figura 1 -
Percurso para identificação, inclusão e exclusão nas bases eletrônicas investigadas. Teresina, PI, Brasil, 2018.

A coleta dos dados foi realizada com auxílio de um instrumento próprio que contemplou variáveis relacionadas à identificação dos estudos (autores, periódico e ano de publicação), aspectos metodológicos (delineamento e amostra), principais resultados, desfechos, conclusões e nível de evidência.

Para análise do Nível de Evidência (NE) foram seguidas as recomendações propostas pelo Oxford Centre for Evidence-based Medicine que classifica as evidências de acordo com o delineamento metodológico: 1A - revisão sistemática de ensaios clínicos controlados randomizados; 1B - ensaio clínico controlado randomizado com intervalo de confiança estreito; 1C - resultados terapêuticos do tipo “tudo ou nada”; 2A - revisão sistemática de estudos de coorte; 2B - estudo de coorte (incluindo ensaio clínico randomizado de menor qualidade); 2C - observação de resultados terapêuticos ou estudos ecológicos; 3A - revisão sistemática de estudos caso-controle; 3B - estudo caso-controle; 4 - relatos de casos (incluindo coorte ou caso-controle de menor qualidade); 5 - opinião de especialistas14.

A análise crítica e a síntese dos resultados foram realizadas de forma descritiva, o que possibilitou a classificação dos estudos por similaridade semântica e a construção de duas categorias temáticas.

RESULTADOS

Dentre as 14 produções incluídas, prevaleceram estudos indexados nas bases de dados CINAHL (50,00%), SCOPUS (21,42%) e BDENF (14,20%), publicados em idioma português (64,28%), inglês (28,57%) e espanhol (7,14%). Houve maior concentração dos artigos no ano de 2017 (21,42%), seguidos dos anos 2014, 2012 e 2009 (14,28%). Verificou-se o predomínio de estudos transversais (28,57), descritivos qualitativos (28,57) e descritivos quantitativos (14,28), com amostras significativas, variando de 12 a 33.588 profissionais da equipe de enfermagem e nível de evidência 2C (100,00%).

Quanto ao consumo de substâncias psicoativas, observou-se que a prática foi adotada por todos os profissionais que compõe a equipe de enfermagem, em que a automedicação com o uso de drogas depressoras como os psicotrópicos (78,57%) prevaleceu, seguida do depressor álcool (50,00%) e de substâncias estimulantes como o tabaco (35,71%).

Verificou-se que aspectos como as condições do ambiente laboral, desgaste físico e psíquico, longas jornadas de trabalho, acesso facilitado e manuseio de medicamentos psicotrópicos, questões familiares, emocionais e sentimentais (insatisfação, ansiedade, depressão e tristeza), relacionamento interpessoal médico-enfermeiro, suporte organizacional e a falta de autonomia profissional apresentaram-se como os fatores que suscitam ao consumo de SPAs.

Enquanto questões como demissão, perda da licença de enfermagem, saídas antecipadas, absenteísmo, sobrecarga aos demais profissionais, acidente de trabalho, atendimento médico durante a jornada de trabalho, sonolência, reflexos diminuídos, dependência química, negligência no autocuidado, riscos de intoxicações, reações alérgicas, interações medicamentosas e morte, foram identificadas como as principais consequências e danos para vida pessoal e laboral, devido ao uso/abuso dessas substâncias.

O Quadro 2 apresenta a descrição dos estudos conforme autor principal, ano de publicação e periódico, delineamento metodológico, amostra e nível de evidência (NE), categoria profissional, classificação e tipo de SPA, principais resultados, desfechos e conclusões.

Quadro 2 -
Síntese dos estudos incluídos na revisão. Teresina, PI, Brasil, 2018. (n=14).

Fatores predisponentes para o uso de substâncias psicoativas por trabalhadores de enfermagem
Autor/ano/periódico	Delineamento/amostra/nível de evidência	Classificação e substância psicoativa	Principais resultados, desfechos e conclusões.
Junqueira MAB et al. 201715 SCOPUS	Transversal 416 - Equipe de enfermagem 2C	Depressora (álcool)	Fatores sociodemográficos e educacionais: sexo masculino, solteiros, nível superior e função de técnico de enfermagem. Comportamentos de saúde: não prática de exercícios físicos ou de esporte e beber acima do limite de duas doses.
Dias JRF et al. 201116 SCOPUS	Descritivo qualitativo 15 - Equipe de enfermagem 2C	Depressoras (medicações psicotrópicas)	Desgaste físico e psíquico, condições precárias e ambiente inadequado de trabalho, estresse, carga horária, cobranças e insatisfação no ambiente de trabalho, equipe ou família e fácil acesso.
Catalina LH et al. 201217 SCOPUS	Transversal 58 - Enfermeiros 2C	Depressoras (álcool, antidepressivos, opiáceos e barbitúricos) Estimulantes (tabaco, energéticos e anfetaminas)	Condições de trabalho: Alta carga de trabalho, necessidade de estar acordado e relaxado, estresse, fácil acesso e baixa remuneração.
Vieira TG et al. 201318 BDENF	Descritivo Quantitativo 49 - Equipe de enfermagem 2C	Depressoras (antidepressivos, benzodiazepínicos e analgésicos)	Diagnóstico de transtorno mental, longo tempo de atuação em unidades de cuidados críticos, trabalho noturno, condições inadequadas de trabalho, acesso facilitado a psicotrópicos, estresse, cansaço, perda de familiares, problemas envolvendo desempenho escolar dos filhos. Ainda, sentimentos: tristeza, ansiedade e depressão.
Rocha PR et al. 201519 LILACS	Transversal 120 - Enfermeiros 2C	Depressoras (álcool, ansiolíticos, benzodiazepínicos e sedativos) Estimulantes (tabaco e anfetaminas)	Relaxamento, celebração de ocasiões especiais, ansiedade, tristeza. Cansaço e longas jornadas de trabalho.
Ficarra MG et al. 201120 MEDLINE	Seccional 258 - Enfermeiros 2C	Estimulante (tabaco)	Categoria profissional, em que enfermeiros e auxiliares apresentaram maior predisposição para consumo da substância.
Schloze AR et al. 201721 CINAHL	Transversal 185 - Enfermeiros 2C	Depressoras (álcool e sedativo) Estimulante (tabaco)	Ambiente de trabalho desfavorável, relacionamento interpessoal médico-enfermeiro, suporte organizacional e autonomia profissional.
Martins ERC et al. 200922 CINAHL	Descritivo - qualitativo 40 - Equipe de enfermagem 2C	Depressora (álcool) Estimulante (tabaco)	Alívio de problemas de trabalho e familiares.
Oliveira AF et al.201623 CINAHL	Descritivo exploratório qualitativo 25 - Equipe de enfermagem 2C	Depressoras (medicações psicotrópicas)	Acesso fácil ao medicamento, autoconfiança de ter conhecimento sobre as drogas e seus efeitos.
Mcnelis AM et al. 201224 CINAHL	Prospectivo 1338 - Enfermeiros 2C	Depressoras (álcool e opióides)	No sexo masculino houve maior propensão ao consumo de álcool e no feminino de opóides.
Sang E et al. 201725 CINAHL	Retrospectivo 33588 - Enfermeiros 2C	Depressora (benzodiazepínicos)	Distúrbio do sono, depressão e ansiedade maior risco do consumo de benzodiazepínicos.
Implicações do uso de substâncias psicoativas na vida pessoal e na qualidade da assistência de enfermagem
Bozimowski G et al. 201426 CINAHL	Prospectivo 111 - Enfermeiros 2C	Depressoras (opóides, álcool, benzodiazepíni-cos) Alucinógena (canabis) Estimulante (cocaína)	Demissão do programa de pós-graduação, perda da licença de enfermagem e morte. Fatores: estresse.
Oliveira EB et al. 201427 CINAHL	Descritivo, quantitativo 91 - Equipe de enfermagem 2C	Depressora (ansiolíticos)	Problemas laborais: estresse, carga de trabalho. Repercussão no trabalho: saídas antecipadas, sobrecarga aos demais profissionais, acidente de trabalho, falta ao trabalho; atendimento médico durante a jornada de trabalho - sonolência 24(68,5%), e reflexos diminuídos 8(22,8%). Tais efeitos, acarretam repercussões para o desempenho e a organização.
Baggio MA et al. 200928 BDENF	Exploratório, descritivo, qualitativo 12 Equipe de enfermagem 2C.	Depressoras (analgésicos e psicotrópicos)	Acesso facilitado por condições ambientais, relações interpessoais com outros profissionais de saúde ou marketing, conhecimentos e dos efeitos dos psicotrópicos, monotonia do cotidiano, ansiedade, depressão, dor e obtenção de prazer. Dependência, negligência no autocuidado, riscos de intoxicações, reações alérgicas e interações medicamentosas.

DISCUSSÃO

Fatores predisponentes para o uso de substâncias psicoativas por trabalhadores de enfermagem

O ambiente laboral corresponde ao principal fator e facilitador predisponente para o uso de SPA por trabalhadores de enfermagem. É necessário observar o contexto em que a pessoa e a substância psicoativa utilizada estão inseridas, ao considerar os valores, crenças, condição sociodemográfica e a própria relação para com o trabalho que esse indivíduo possui, a fim de compreender os fatores que levaram a tal uso.16 ^, 22

Com as mudanças no mundo do trabalho, o adoecimento psíquico tornou-se mais incidente, ao comprometer a relação saúde e labor, houve aumento constante de sintomas depressivos e ansiosos nos profissionais em nível de Brasil e mundo. Segundo estudo realizado em Bogotá, Colômbia, os profissionais de enfermagem e da medicina apresentaram taxas mais elevadas de abuso de substâncias psicotrópicas, em especial, os profissionais mais jovens, recém encaminhados ao mercado de trabalho.17 ^- 18 ^, 24

Existem diversos fatores que culminam no abuso de psicoativos por profissionais de enfermagem. Um destes pode ser explicado pela convivência não harmoniosa com tais substâncias, ao observar os anos da graduação. Segundo um estudo realizado com profissionais de enfermagem de um Hospital Universitário do Rio de Janeiro, supõe-se que tais trabalhadores não obtiveram conhecimentos adequados acerca dos psicotrópicos e, dessa forma, transformaram-se em profissionais com limitações na questão do lidar com as drogas no ambiente de trabalho, ao notar a vastidão de substâncias disponibilizadas nas instituições de saúde.16

Entretanto, essa é apenas uma suposição, há outros fatores que podem contribuir para o abuso de SPA. As mudanças, no decorrer das décadas acerca do trabalho, propiciaram transformações quanto à visão e condições físicas e emocionais dos profissionais de enfermagem diante do trabalho. Essa classe de trabalhadores da saúde enfrenta constantemente desgaste físico, lidam com a dor e a morte dos pacientes, apresentam limitações pelo quantitativo de pessoal existente na instituição, aumento das exigências assistenciais, condições inadequadas de trabalho, remunerações baixas que os obrigam a dobrarem a jornada laboral, além de outras variáveis que podem estar associadas como problemas pessoais, a dizer situação financeira, apoio social, percepção de riscos, capacidade de solução de problemas, e familiares, que podem desmotivá-los e comprometem o desempenho e bem-estar laboral.16 ^, 18 ^, 21 ^- 22

Os fatores predisponentes supracitados em estudos nacionais, assemelham-se a resultados de estudos internacionais, nos quais os profissionais da enfermagem afirmam que o uso de psicoativos ocorre em sua maioria pela carga de trabalho, estresse, facilidade de acesso e mal remuneração, transtornos mentais associados como o de ansiedade e depressão, além de serem mais incidentes e prevalentes em mulheres, devido ao predomínio feminino na profissão.17 ^, 20 ^, 24

Dessa forma, para obter-se um conforto para com os sofrimentos e perturbações diárias, alguns trabalhadores recorrem ao uso de psicoativos como escape situacional a fim de minimizar a tensão, a tristeza e estresse, iniciando-se à priori com automedicação.23

A automedicação corresponde a um problema multidimensional, no qual se difere em termos de drogas utilizadas para cada indivíduo. Quando se analisa o porquê do uso por determinado profissional, é necessário observar a relação do sujeito com seus valores, crenças, relações econômicas e sociais, e trabalho, pois alguns apresentam uma predisposição maior ao consumo de SPA que outros. Embora o profissional da enfermagem tenha conhecimento sobre os benefícios e malefícios da medicação por conta própria, muitos se deixam ludibriar pela ideia de que os medicamentos aliviam o sofrimento que estão a passar e, assim, sem perceberem, aumentam gradativamente o consumo e, por vezes, alternam para medicamentos com efeitos psicoativos mais fortes.23 ^, 25

Os medicamentos que apresentam maior prevalência de consumo entre a equipe de enfermagem correspondem aos sedativos como morfina e anestésicos, antidepressivos, barbitúricos, analgésicos, anfetaminas e os benzodiazepínicos, por serem mais acessíveis dentro das instituições de saúde.15 ^, 17 ^, 19 ^, 21

Dentre as drogas lícitas, o álcool, tabaco e bebidas energizantes são mais prevalentes entre enfermeiros, apresentando maior consumo por mulheres, com uma média de 34 anos de idade para o abuso de álcool, 25 anos para o consumo de cigarro, e 24 a 49 anos para bebidas energizantes, de acordo com um estudo realizado com médicos e enfermeiros em Bogotá. Em contrapartida, a maconha e ópio estão em um maior nível de consumo em termos ilícitos. Diferente dos dados apresentados no estudo supracitado, uma pesquisa realizada em Indiana, Estados Unidos, apresentou resultados diferentes na comparação de consumo de SPA associado ao gênero, obtendo-se maior consumo de álcool por homens e opiáceos por mulheres.17 ^, 24

Portanto, o indivíduo que inicia o consumo por SPA pode ser motivado pelo ambiente laboral cujas condições de trabalho são inadequadas para com a saúde mental daquele sujeito, ou pode decorrer de problemas pessoais ou até mesmo familiares. Cada ser possui aspectos únicos que não devem ser analisados de forma unilateral. Ressalta-se que todo uso de psicoativos está envolto por uma rede complexa de fatores desencadeadores e protetores que podem evitar ou incentivar seu consumo, dessa forma, essa rede complexa deve ser estudada e analisada a fim de prestar a melhor assistência e suporte a esse indivíduo.21

Implicações do uso de substâncias psicoativas na vida pessoal e na qualidade da assistência de enfermagem.

O uso de substância psicoativa é uma questão de saúde pública de difícil resolução, ao considerar a complexidade, a gravidade e a diversidade de problemas decorrentes deste, além de um sistema de saúde com oferta desigual de serviços, que apresenta dificuldades em atender, integralmente, as necessidades dos usuários. Dessa forma, o abuso de drogas, que significa um uso prejudicial ou com riscos, mas sem perda de controle, engloba prejuízos sociais, psicológicos, econômicos e políticos, e reflete negativamente no convívio familiar e social daquele que faz uso de psicoativos. Diante disso, quando o uso passa a ser pelo profissional da equipe de enfermagem, o olhar sobre as implicações quanto ao uso se agrava, ao salientar que os profissionais de saúde têm a função de zelar pela promoção e prevenção de agravos à população, prejudicando as atividades em sua execução. Isto posto, o profissional da enfermagem que faz uso de SPA não consegue desenvolver sua assistência com qualidade, além do mais, apresentará dificuldade de manejo da sua vida pessoal.28 ^, 29 ^, 30

Uma pesquisa quantitativa, realizada com equipes de enfermagem de um hospital público do Rio de Janeiro, acrescenta o fato de que os profissionais de enfermagem por enfrentarem momentos de dificuldades ou crises de variados contornos e significados, podem perceber o uso de SPA como uma estratégia para facilitar a condução do seu cotidiano e minimizar o desgaste diante de problemas existentes no âmbito familiar e ocupacional. Contribuem para o consumo, o fácil acesso no ambiente de trabalho, já que também são responsáveis pelo seu armazenamento e controle, apesar de terem informações sobre seus efeitos e os riscos envolvidos em seu consumo.27

Dentre as substâncias psicoativas mais utilizadas entre os profissionais de enfermagem, os opióides são as drogas mais frequentes de escolha, aponta um estudo de revisão realizado nos Estados Unidos. Essa escolha pode corroborar para o surgimento de distúrbio psiquiátrico e manutenção da história familiar de abuso de substâncias. Ainda, os achados da pesquisa relacionam o abuso com afastamento dos programas do qual faziam parte, perda da licença de enfermagem e morte.26

Outro estudo ressalta os ansiolíticos, e, entre eles, os benzodiazepínicos, que são produtos que diminuem a ansiedade e, que possuem propriedades depressoras do sistema nervoso central, provocam alterações fisiológicas, comportamentais e psicológicas como relaxamento, diminuição do estado de consciência, do humor e das funções cognitivas. Infere-se ainda que o padrão de uso de uma substância psicoativa interfere negativamente no desempenho dos papéis sociais do indivíduo. Além de representar um comportamento perigoso quando a atividade profissional exercida coloca em risco a segurança do próprio trabalhador e a de terceiros.27

Evidencia-se que os profissionais da enfermagem estão cientes da negligência do cuidado de si ao utilizarem-se da automedicação, cuja atitude, além de paliativa, poderá acarretar prejuízos sistêmicos à sua saúde.28 Ao se posicionarem acerca dos efeitos experimentados e as repercussões do consumo de psicoativos no desempenho e na organização, identificaram-se problemas que afetam a saúde do trabalhador em função da necessidade de atendimento médico durante a jornada e acidentes de trabalho. Em relação à qualidade do serviço ofertado, pode haver erros na realização de procedimentos técnicos e sobrecarga dos demais trabalhadores devido a saídas antecipadas, entre outros problemas.27

Nesse sentido, os trabalhadores de enfermagem encontram-se expostos diariamente a situações críticas, convivendo com o sofrimento, dor e morte. O trabalhador faz uso das SPAs como estratégia de defesa, pois sua ação no sistema nervoso central gera uma sensação momentânea de bem-estar. Contudo, esse uso traz consequências como complicações nos processos de aprendizagem e memória, atenção e tomada de decisões, bem como doenças crônicas não transmissíveis, sobretudo os distúrbios mentais.21 Altera, também, as funções motoras e afeta atividades que exigem reflexos rápidos.27

A síntese dos estudos incluídos nesta pesquisa demonstrou a complexa relação e influência que o mundo do trabalho em enfermagem pode ter sob esses profissionais, ao ponto de os mesmos buscarem e perceberem no uso/abuso de SPAs uma estratégia para aliviar as tensões e perturbações ocasionadas pela dura rotina laboral. No entanto, acredita-se que a predominância de estudos nacionais e a baixa evidência científica destes limitaram a possibilidade de uma análise mais ampla e aprofundada das questões que permeiam a problemática do uso/abuso de SPAs pela enfermagem.

CONCLUSÃO

As evidências encontradas nos estudos mostram que o consumo de SPAs representou uma realidade presente no cotidiano dos trabalhadores de enfermagem, e a estreita relação com as condições laborais representou o principal fator associado, sendo o ambiente de trabalho, considerando suas especificidades e aspectos, o grande influenciador para o uso. Embora se tenha evidenciado a prevalência do consumo de álcool e tabaco, destaca-se que a automedicação representou uma prática frequente, sendo constantemente relacionada às perturbações psíquicas, como estresse e sintomas depressivos e ansiosos. Sem mencionar que o fácil acesso, proporcionado pelo manuseio técnico, constituiu-se um dos meios para obtenção e consumo de certas substâncias encontradas no ambiente de trabalho.

Notoriamente, o uso dessas substâncias oferece riscos e danos que repercutem diretamente na qualidade da assistência, comprometendo não só a segurança do paciente, mas ocasionando uma problematização que afeta todo o sistema institucional de saúde, do qual esse profissional pertence, podendo trazer, ainda, complicações para à saúde, bem como na vida pessoal, social e profissional desses indivíduos. Os erros assistências, absenteísmo, dependência química, perda do registro de classe e até mesmo a morte, são algumas das implicações constatadas na pesquisa em tela.

Apesar da limitação demonstrada pela baixa evidência metodológica dos estudos selecionados para a amostra, foram importantes os conhecimentos levantados na presente revisão com vistas a responder algumas lacunas. E por fim, chama-se a atenção para a necessidade da realização de novos estudos de cunho metodológicos mais complexos, no intuito de compreender melhor essa problemática que permeiam o mundo do trabalho em saúde, e que resultem em formulação de políticas e planos de ações, elaboração de instrumentos de investigação e protocolos que atendam às reais necessidades dessa classe trabalhadora na resolução dessa questão.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da Dissertação - Consumo de Substâncias Psicoativas por Trabalhadores de Saúde, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí, em 2019.

• AGRADECIMENTO

  Ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Trabalho da Universidade Federal do Piauí Diretório CNPq.

• FINANCIAMENTO

  O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  19 Out 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  21 Dez 2018
• Aceito
  23 Set 2019