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DUALIDADE DA CONVIVÊNCIA COM O LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO: OSCILANDO ENTRE “DIAS BONS” E “DIAS RUINS”

RESUMO

Objetivo:

apreender a percepção de indivíduos com Lúpus Eritematoso Sistêmico sobre a convivência com a doença.

Método:

pesquisa descritiva exploratória, de natureza qualitativa, realizada junto a 26 indivíduos em tratamento no ambulatório de reumatologia de um hospital universitário do Sul do Brasil. Os dados foram coletados no período de fevereiro a julho de 2019, mediante entrevistas semiestruturadas, audiogravadas e submetidas à análise de conteúdo, modalidade temática.

Resultados:

dos dados emergiu uma categoria temática intitulada: “Oscilando entre dias bons e ruins na convivência cotidiana com o Lúpus Eritematoso Sistêmico”, composta por duas subcategorias, as quais retratam que conviver com Lúpus é algo instável/inconstante. Isto porque, em decorrência dos períodos de remissão e exacerbação dos sinais e sintomas da doença, vivencia-se o paradoxo de uma constante oscilação entre altos e baixos.

Conclusão:

apreendeu-se que os indivíduos com Lúpus percebem que a convivência com a doença é marcada por uma oscilação entre dias bons e dias ruins, os quais estão respectivamente, relacionados aos períodos de remissão e exacerbação das manifestações da doença.

DESCRITORES:
Lúpus Eritematoso Sistêmico; Doenças autoimunes; Doenças raras; Enfermagem; Doenças crônicas; Pesquisa qualitativa

ABSTRACT

Objective:

to learn the perception of individuals with Systemic Lupus Erythematosus about living with the disease.

Method:

an exploratory and descriptive research study, of a qualitative nature, carried out with 26 individuals undergoing treatment at the rheumatology outpatient clinic of a university hospital in southern Brazil. The data were collected in the period from February to July 2019, by means of semi-structured interviews that were audio-recorded and subjected to the thematic modality of content analysis.

Results:

a category entitled: “Fluctuating between good and bad days in living with Systemic Lupus Erythematosus”, composed of two subcategories that portray that living with Lupus is something unstable/fickle, emerged from the results. This is because, as a result of the periods of remission and exacerbation of the signs and symptoms of the disease, the patients experience a paradox of constant oscillation between ups and downs.

Conclusion:

it was learned that individuals with Lupus perceive that living with the disease is marked by an oscillation between good days and bad days, which are related to periods of remission and exacerbation of the manifestations of the disease, respectively.

DESCRIPTORS:
Systemic Lupus Erythematosus; Autoimmune diseases; Rare diseases; Nursing; Chronic diseases; Qualitative research

RESUMEN

Objetivo:

averiguar de qué manera las personas con Lupus Eritematoso Sistémico perciben su convivencia con la enfermedad.

Método:

investigación descriptiva y exploratoria, de naturaleza cualitativa, realizada con 26 individuos en tratamiento en la clínica ambulatoria de reumatología de un hospital universitario del sur de Brasil. Los datos se recolectaron durante el período de febrero a julio de 2019, mediante entrevistas semiestructuradas, grabadas en audio y sometidas a análisis de contenido, en su modalidad temática.

Resultados:

de los datos surgió una categoría temática de título: “Oscilando entre días buenos y malos en la vida diaria con Lupus eritematoso sistémico”, compuesta por dos subcategorías, que indican que vivir con Lupus es algo inestable/voluble. Esto se debe a que, a raíz de los períodos de remisión y exacerbación de las señales y los síntomas de la enfermedad, se experimenta la paradoja de una oscilación constante entre buenos y malos momentos.

Conclusión:

se descubrió que las personas con Lupus perciben que la convivencia con la enfermedad está marcada por una oscilación entre días buenos y días malos, que están relacionados, respectivamente, con los períodos de remisión y exacerbación de las manifestaciones de la enfermedad.

DESCRIPTORES:
Lupus Eritematoso Sistémico; Enfermedades autoimunes; Enfermedades poco comunes; Enfermería; Enfermedades crónicas; Investigación cualitativa

INTRODUÇÃO

O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença reumática, inflamatória crônica e autoimune, na qual o sistema imunológico torna-se hiperativo, agredindo, de forma paulatina, o funcionamento normal e saudável do corpo humano. É subdividido em quatro tipos: discóide, induzido por drogas, neonatal e sistêmico11. Kusnanto K, Putu N, Purnama W, Kep M, Harmayetty H, Kes M, et al. Self-care model application to improve self-care agency, self-care activities, and quality of life in people with systemic lupus erythematosus. J Taibah Univ Med Sc [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 15];13(5):472-8. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jtumed.2018.07.002
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-22. Waldheim E, Ajeganova S, Bergman S, Frostegard J, Welin E. Variation in pain related to systemic lupus erythematosus (SLE): a 7-year follow-up study. Clin Rheumatol [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 12];37:1825-34. Available from: https://doi.org/10.1007/s10067-018-4079-1
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. A prevalência vem aumentando gradativamente e estima-se que existam, aproximadamente, cinco milhões de pessoas com LES em todo o mundo, das quais 90% são mulheres em idade fértil11. Kusnanto K, Putu N, Purnama W, Kep M, Harmayetty H, Kes M, et al. Self-care model application to improve self-care agency, self-care activities, and quality of life in people with systemic lupus erythematosus. J Taibah Univ Med Sc [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 15];13(5):472-8. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jtumed.2018.07.002
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.

O LES pode acometer vários sistemas do corpo humano, como imunológico, circulatório, nervoso, cardiopulmonar, hematológico e renal22. Waldheim E, Ajeganova S, Bergman S, Frostegard J, Welin E. Variation in pain related to systemic lupus erythematosus (SLE): a 7-year follow-up study. Clin Rheumatol [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 12];37:1825-34. Available from: https://doi.org/10.1007/s10067-018-4079-1
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-33. Neder PRB, Ferreira EAP, Carneiro JR. Adherence to the treatment of lupus: effects of three intervention conditions. Psic; Saúde Doenças [Internet]. 2017 [cited 2019 Sept 16];18(1):203-20. Available from: https://doi.org/10.15309/17psd180117
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. Seu espectro clínico varia de leve a grave, com períodos de exacerbação e remissão44. Larsen JL, Hall EOC, Jacobsen S, Birkelund R. The existential experience of everyday life with systemic lupus erythematosus. J Adv Nurs [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 16];74(5):1170-9. Available from: https://doi.org/10.1111/jan.13525
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. Além disso, os indivíduos apresentam uma gama singular de sintomas - cansaço, fadiga, artrite, dores, edema em membros superiores e inferiores, síndrome de Sjögren e outras manifestações cutâneas55. Inoue M, Shiozawa K, Yoshihara R, Yamane T, Shima Y, Hirano T, et al. Predictors of poor sleep quality in patients with systemic lupus erythematosus. Clin Rheumatol [Internet]. 2017 [cited 2019 Sept 16];36(5):1053-62. Available from: https://doi.org/10.1007/s10067-017-3545-5
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. Destaca-se que os efeitos artríticos podem ser observados em mais de 95% dos indivíduos acometidos66. Phuti A, Schneider M, Makan K, Tikly M, Hodkinson B. Living with systemic lupus erythematosus in South Africa: a bitter pill to swallow. Health Qual Life Outcomes [Internet]. 2019 [cited 2019 Sept 16];17:65. Available from: https://doi.org/10.1186/s12955-019-1132-y
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. Contudo, a fadiga e o cansaço também são queixas frequentes quando o LES está em atividade22. Waldheim E, Ajeganova S, Bergman S, Frostegard J, Welin E. Variation in pain related to systemic lupus erythematosus (SLE): a 7-year follow-up study. Clin Rheumatol [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 12];37:1825-34. Available from: https://doi.org/10.1007/s10067-018-4079-1
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,77. DU X, Zhao Q, Chen H, Shen B. Fatigue of systemic lupus erythematosus in China: contributors and effects on the quality of life. Patient Prefer Adher [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 18];12:1729-35. Available from: https://doi.org/10.2147/PPA.S170984
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-88. Mahieu MA, Ahn GE, Chmiel JS, Dunlop DD, Helenowski IB, Semanik P, et al. Fatigue, patient reported outcomes, and objective measurement of physical activity in systemic lupus erythematosus. Lupus [Internet]. 2016 [cited 2019 Sept 18];25:1190-9. Available from: https://doi.org/10.1177/0961203316631632
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.

A pessoa que é acometida pelo LES vivencia muitas mudanças na vida cotidiana, incluindo, além da presença de sintomas físicos e psicológicos, a diminuição da força muscular, alteração do ritmo e da produtividade no trabalho, limitações relacionadas ao tratamento e alterações na autoimagem corporal e autoestima44. Larsen JL, Hall EOC, Jacobsen S, Birkelund R. The existential experience of everyday life with systemic lupus erythematosus. J Adv Nurs [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 16];74(5):1170-9. Available from: https://doi.org/10.1111/jan.13525
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,77. DU X, Zhao Q, Chen H, Shen B. Fatigue of systemic lupus erythematosus in China: contributors and effects on the quality of life. Patient Prefer Adher [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 18];12:1729-35. Available from: https://doi.org/10.2147/PPA.S170984
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,99. Mazzoni D, Cicognani E, Prati G. Health-related quality of life in systemic lupus erythematosus: a longitudinal study on the impact of problematic support and self-efficacy. Lupus [Internet]. 2017 [cited 2019 Sept 20];26(2):125-31. Available from: https://doi.org/10.1177/0961203316646459
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. Nesse sentido, para muitos pacientes, a doença desafia o futuro e o sentido da vida1010. Larsen JL, Hall EOC, Jacobsen S, Birkelund R. Being in a standstill-of-life: women’s experience of being diagnosed with systemic lupus erythematosus: a hermeneutic-phenomenological study. Scand J Caring Sci [Internet]. 2017 [cited 2019 Sept 18];32(2):654-62. Available from: https://doi.org/0.1111/scs.12491
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.

A experiência de conviver com o LES constitui grande desafio para as pessoas com a doença, seus familiares e também para o sistema de saúde, o qual, rotineiramente, depreende esforços para atender os acometidos, suas complicações e tratamento44. Larsen JL, Hall EOC, Jacobsen S, Birkelund R. The existential experience of everyday life with systemic lupus erythematosus. J Adv Nurs [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 16];74(5):1170-9. Available from: https://doi.org/10.1111/jan.13525
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. Mundialmente, pesquisadores buscam, cada vez mais, compreender a origem e o processo do adoecimento, e indicam que seu acometimento impacta significativamente na vida cotidiana das pessoas e suas famílias, em diferentes e amplos aspectos, contemplando a saúde física, psicológica, familiar e social22. Waldheim E, Ajeganova S, Bergman S, Frostegard J, Welin E. Variation in pain related to systemic lupus erythematosus (SLE): a 7-year follow-up study. Clin Rheumatol [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 12];37:1825-34. Available from: https://doi.org/10.1007/s10067-018-4079-1
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,77. DU X, Zhao Q, Chen H, Shen B. Fatigue of systemic lupus erythematosus in China: contributors and effects on the quality of life. Patient Prefer Adher [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 18];12:1729-35. Available from: https://doi.org/10.2147/PPA.S170984
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,1010. Larsen JL, Hall EOC, Jacobsen S, Birkelund R. Being in a standstill-of-life: women’s experience of being diagnosed with systemic lupus erythematosus: a hermeneutic-phenomenological study. Scand J Caring Sci [Internet]. 2017 [cited 2019 Sept 18];32(2):654-62. Available from: https://doi.org/0.1111/scs.12491
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.

Entretanto, ainda são necessários estudos que ressaltem como as pessoas que convivem com o LES percebem seu cotidiano, pois, conhecer melhor a face subjetiva dessa doença e entender a forma com que ela se materializa na historicidade do sujeito, e também os anseios, dúvidas e medos que a acompanham podem influenciar positivamente a qualidade da assistência prestada pelos profissionais de saúde. Assim, constata-se a necessidade de uma assistência de enfermagem que contemple essa compreensão, somando-se a atenção prática e técnica, pois, conviver com a sintomatologia e o estereótipo sociocultural da doença produz múltiplas implicações que precisam ser consideradas1111. Silva EB, Lima RBO, Silva JS, Cabral CVS. The systemic lúpus erythematosus and women’s selfimage carrier. Rev Enferm da UFPI [Internet]. 2016 [cited 2019 Sept 22];5(1):67-72. Available from: https://doi.org/10.26694/reufpi.v5i1.4719
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Ademais, por ser uma doença crônica, para a efetivação do cuidado integral é preciso considerar a dimensão psicossomática, pois os fatores estresse e sofrimento psicossocial, por exemplo, podem influenciar o seu desencadeamento, evolução, agravamento e possível controle1111. Silva EB, Lima RBO, Silva JS, Cabral CVS. The systemic lúpus erythematosus and women’s selfimage carrier. Rev Enferm da UFPI [Internet]. 2016 [cited 2019 Sept 22];5(1):67-72. Available from: https://doi.org/10.26694/reufpi.v5i1.4719
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. Destarte, apreender a realidade vivenciada por pessoas com LES pode subsidiar um planejamento assistencial que previna ou minimize possíveis consequências negativas à vida e à saúde e potencialize cuidados voltados à manutenção do controle da doença. Diante do exposto, neste estudo tem-se o objetivo de apreender a percepção de indivíduos com LES sobre a convivência com a doença.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa descritiva exploratória, de natureza qualitativa, realizada junto a 26 pessoas com LES em acompanhamento no ambulatório de reumatologia de um hospital universitário, localizado no Sul do Brasil. Este acompanhamento ocorre mediante consultas periódicas a cada três meses, em média, sendo este intervalo abreviado ou prolongado por até seis meses a depender da situação clínica do indivíduo.

Nesse ambulatório, a pessoa com LES é atendida por um reumatologista e por uma equipe interdisciplinar composta por ginecologista, oftalmologista, dermatologista, psicólogo, psiquiatra e assistente social. O atendimento é mediado pelo fluxo organizacional interno da instituição, o qual é regulado pelos próprios profissionais, sendo o indivíduo encaminhado e reencaminhado a determinada especialidade, de acordo com a necessidade clínica apresentada.

Os dados desta pesquisa foram coletados no período de fevereiro a julho de 2019. Inicialmente, os participantes foram abordados pela primeira autora, na sala de espera do ambulatório, nos dias e horários em que os mesmos compareceram ao serviço para consulta médica previamente agendada. Nestas ocasiões, os indivíduos foram convidados a participar de um estudo com abordagem quantitativa sobre qualidade de vida.

De modo intencional, durante a aplicação do instrumento de coleta de dados quantitativos, os indivíduos que, segundo a percepção da pesquisadora, demonstraram disponibilidade e interesse em relatar sua experiência de convivência com a doença foram convidados a participar da etapa qualitativa. Para essa etapa foram considerados os seguintes critérios de inclusão: residir no município de Maringá ou região metropolitana e ter disponibilidade de horário para receber a pesquisadora em seu domicílio. Não foram convidados indivíduos acometidos por outras patologias não relacionadas ao LES ou com dificuldades na fala, pois isto poderia dificultar a comunicação entre pesquisador e entrevistado. Todos os convidados para o recorte qualitativo aceitaram participar, sendo-lhes solicitado um número de telefone para posterior contato.

As entrevistas foram previamente agendadas de acordo com a disponibilidade da pesquisadora e dos participantes e realizadas em local privativo no domicílio, sem a presença de outras pessoas e em um único encontro. As entrevistas foram audiogravadas após autorização, tiveram duração média de 45 minutos, sendo guiadas pela seguinte questão norteadora: “Como é para você conviver com LES?”. E, quando necessário, foram utilizadas duas questões de apoio: “Quais os impactos do LES na sua vida?” e “Qual a sua perspectiva de vida convivendo com LES?”.

O recrutamento dos participantes ocorreu de forma gradativa, durante um período de cinco meses. As entrevistas foram transcritas na íntegra, preferencialmente no mesmo dia de sua realização. Nesta ocasião também foram submetidas a uma leitura flutuante para incluir detalhes relacionados à impressão da pesquisadora sobre a comunicação não verbal emitida pelo indivíduo, de modo a proporcionar melhor compreensão do contexto envolvido e da subjetividade das respostas. Novos participantes foram sendo convidados até que fatos novos deixassem de surgir e o objetivo proposto para o estudo já tivesse sido alcançado. Ressalta-se que os depoimentos transcritos não foram devolvidos para aprovação dos respondentes.

Todas as entrevistas foram submetidas à análise de conteúdo, modalidade temática, seguindo as etapas estabelecidas1212. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo, SP(BR): Edições 70; 2016.. Na pré-análise, ocorreu a organização, transcrição e separação do conjunto de dados e leitura exaustiva do material empírico com identificação inicial dos aspectos relevantes. Na etapa de exploração do material, fez-se a classificação e a agregação dos dados a partir de um processo minucioso de leitura, com identificação, por meio de cores diversas, dos termos comuns e dos mais específicos e seleção dos códigos de primeira ordem - diretamente associados às citações e utilizando-se as próprias palavras dos entrevistados - denominados códigos in vivo, os quais deram origem aos núcleos de sentido e às unidades de registro e que serviram de base para a posterior categorização dos dados. Na última fase foi realizada a categorização, que consistiu no agrupamento dos elementos, segundo suas semelhanças e por diferenciação, com o posterior reagrupamento baseado nas características comuns, originando uma categoria temática e duas subcategorias.

Após autorização do hospital, o projeto foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da instituição signatária. Todos os participantes, após leitura e esclarecimento de dúvidas, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias. Para garantir o anonimato na apresentação dos resultados, os extratos dos depoimentos foram codificados com a letra P (Participante) seguida de um número arábico correspondente à ordem de realização das entrevistas, seguido das letras M ou F para indicação do sexo masculino ou feminino e a indicação do tempo de diagnóstico (em anos ou meses), exemplo: P17, M, 10 anos.

RESULTADOS

Os 26 participantes tinham idade de 18 a 65 anos, sendo 21 do sexo feminino. Quanto à escolaridade, nove deles possuíam menos de oito anos de estudo. Todos apresentavam manifestações cutâneas, articulares e psicológicas relacionadas à doença, sendo as mais comuns: a presença de dores articulares (26); alopecia (21); cansaço fácil (18); ansiedade (15) e fadiga (14). As manifestações da doença foram variadas e guardavam relação com o tempo de diagnóstico que variou de quatro meses a 30 anos. Após o processo analítico emergiu uma categoria temática, composta por duas subcategorias, as quais são apresentadas a seguir.

Oscilando entre dias bons e ruins na convivência cotidiana com o LES

Conviver com o LES, segundo os participantes, é algo instável/inconstante. Isto porque, em decorrência dos períodos de remissão e exacerbação dos sinais e sintomas da doença, vivencia-se o paradoxo de uma constante oscilação entre altos e baixos, ou seja, conviver com o LES é marcado pela experiência de “dias bons” e “dias ruins” [códigos in vivo] (Figura 1).

A minha vida é assim cheia de altos e baixos, tumultuada, um dia a gente está bem, no outro está ruim, é complicado, um dia bom, um dia ruim (P10, F, 6 anos). O lúpus é uma coisa muito louca, tem dias que você está bem no outro está mal. Não tem como falar que amanhã eu vou estar bem, porque eu não sei. É um mistério. Do mesmo jeito que as coisas aparecem, elas desaparecem. É muito estranho (P15, F, 16 anos).

Figura 1 -
Representação gráfica da categoria: “Oscilando entre dias bons e ruins na convivência cotidiana com o LES” e suas subcategorias “dias bons” e “dias ruins”. Maringá, PR, 2019.

Dias bons

Conviver cotidianamente e de forma longitudinal com a doença favorece o processo de sua aceitação. Isto tem impacto positivo no tempo presente, pois as pessoas que estão em remissão da doença conseguem olhar em direção ao passado e constatar que já enfrentaram dias piores, de intenso sofrimento físico e emocional. E, nesse sentido, os dias atuais são comemorados, por serem considerados dias bons, permeados, sobretudo, por sentimentos de superação. Foram muitas lutas, tem horas que fico pensando: será que passei por tudo isso mesmo? Foi difícil, lutei muito para chegar onde cheguei. Hoje nem pareço a mesma de 20 anos atrás (P18, F, 30 anos). Eu acho que a palavra que me define é superação, porque no começo você não tem informação nenhuma, nem os médicos sabem, você corre atrás de socorro e eles não conseguem te ajudar, tratam de coisas que não têm nada a ver com o seu problema, é muito difícil. Então, depois de tudo o que passei, hoje olho para trás e dou aquela respirada, penso e agradeço. Hoje tenho mais motivos para agradecer, porque eu sofri, mas superei (P26, F, 6 anos).

Os aspectos emocionais impactam diretamente o convívio cotidiano com o LES. Observa-se que os cuidados com o aspecto emocional ajudam o processo de aceitação, agregando positividade para o estabelecimento e a manutenção de dias bons. O emocional afeta muito. Então eu evito me importar com as coisas e com a opinião dos outros, procuro me afastar de pessoas que me estressam. Porque tem pessoas que falam coisas desnecessárias, que acabam por magoar a gente. Falam porque não sabem o que é a minha doença, porque não tem Lúpus, porque não sente, não convive, então é fácil julgar sem saber (P3, F, 4 meses).

Ainda, a consolidação de dias bons está diretamente relacionada à adesão terapêutica, porque o tratamento adequado auxilia a reduzir os sintomas e na remissão e, consequentemente, a conviver melhor com a doença. Hoje eu estou bem, muito bem comparado com antes, o tratamento nos ajuda muito (P4, F, 7 anos). Se cuidar e tratar como se deve, você consegue viver bastante com o Lúpus, mas é como os médicos dizem com tratamento se vive, sem ele, o Lúpus é uma doença grave, que pode levar à morte (P3, F, 4 meses).

Também tem interferência positiva na vida cotidiana a superação dos medos e a conquista gestacional, porque a doença impõe limitações importantes nesse cenário e, muitas vezes, contribui com percepções negativas acerca da construção familiar. Eu tenho certeza que essa criança aqui é um milagre. E eu estou boba, parece que não é verdade, na hora que escutei o coração batendo, fiquei sem reação. Com tantas coisas ruins que já ouvi, que não poderia engravidar, um monte de coisas e agora estou aqui com o meu milagre. Estou tranquila e feliz (P8, F, 10 anos, 16 semanas de gestação).

Outrossim, a religiosidade e a fé em Deus auxiliam a percepção de dias bons, pois favorecem sentimentos de paz, tranquilidade e aceitação, o que auxilia positivamente a enfrentar a doença. Eu acho que a base principal é Deus. Eu deposito a minha causa na mão de Deus e fico tranquila. A partir do momento em que você descansa de verdade em Deus você vê como a sua vida muda (P8, F, 10 anos). Eu sou um cara que tenho muita fé em Deus. Ele sabe de todas as coisas, Ele é quem resolve os meus problemas. Então eu tenho fé, é a minha estrutura (P11, M, 15 anos).

Dias ruins

Em detrimento dos dias bons, os períodos nos quais os sintomas da doença estavam em atividade, foram relatados como ruins, devido às limitações e dificuldades impostas à vida cotidiana. Os períodos em que o Lúpus está em atividade são mais difíceis. É muito cansaço, dificuldade para caminhar, para ir à academia, para ir trabalhar (P1, F, 9 anos). Conviver com Lúpus é ruim, é horrível, porque você vive em isolamento, ele exige que você se isole, são muitas restrições. Por exemplo: praia você não pode ir, o que eu sempre amei. Restrições alimentares, bebidas, às vezes você vai a uma festinha e não pode tomar nada, tem que se limitar. Não posso ir a um parque com o meu filho por causa do sol, passear de dia, tem que evitar, hoje eu nem vou para falar a verdade. E querendo ou não eu acabo tirando o lazer da vida do meu filho também, o meu problema passa a atingir ele e isso é ruim, é muito ruim (P3, F, 4 meses).

A presença recorrente da dor, do cansaço e da fadiga também tem influência negativa no cotidiano. Nesse sentido, os participantes apontaram que nos dias em que a dor e a fadiga são mais intensas, conviver com a doença é difícil. Tem dias que consigo limpar dez casas, mais tem dias que não consigo nem me levantar da cama. Dor, cansaço, fadiga, tem dias que é muito difícil (P8, F, 10 anos). O que mais atrapalha no Lúpus é o cansaço, você pode fazer o que for que ele sempre vai estar ali, você pode dormir, você pode ficar em casa, ele sempre vai estar ali, é como se ele te pertencesse (P1, F, 9 anos). A pessoa que tem Lúpus sente muita fadiga. É fadiga o dia inteiro, a gente fica com aquela sensação ruim, parece que vai ter um treco, fica agoniada, nossa não sei nem como te explicar. Mas é muito ruim, é horrível (P9, F, 6 anos).

Além disso, os participantes relataram que os dias de inverno são mais difíceis, isto porque os sintomas se intensificam e contribuem para a percepção de dias ruins. Eu também tive a síndrome de Raynaud, os dedos ficavam brancos, depois vermelhos, depois roxos. Isso ocorre na época de inverno, acompanhado de formigamento, dormência, sensação de estar anestesiado (P4, F, 7 anos). No frio é pior ainda, parece que as dores pioram, o cansaço, tudo. Os dedos das mãos ficam todos roxos, bem roxo, o corpo gela muito rápido, tem que se agasalhar bem, eu uso luva e tenho uma bota térmica. Dói demais no frio (P17, M, 4 anos).

As modificações corporais, cutâneas e articulares também apresentam impacto negativo na vida cotidiana, em especial na autoestima, nas relações sociais e no lazer. Meu cabelo caiu tudo, meu corpo mudou, fiquei toda inchada. Eu era uma mulher bonita, com um corpo bonito, e tudo se acabou. Aí minha família, meu marido, meu filho começaram a me chamar de feia, eu já não tenho beleza, não tenho autoestima, e eles ainda me tratam assim (P6, F, 23 anos). Meu cabelo caiu quase tudo, fiquei parecendo um homem. Nossa, foi muito triste, eu nem saia de casa, tinha vergonha, não é fácil você se olhar no espelho e vê o seu cabelo caindo tudo, você se sente feia, sabe? Aí você vai tomar banho cai aquele monte, a gente tem que ter muita fé em Deus senão você acaba se entregando, ainda mais a gente que é vaidosa. Sempre gostei muito de me arrumar, me achava bonita, aí depois me sentia feia, me olhava no espelho e me sentia feia (P9, F, 6 anos). O maior problema do Lúpus é o inchaço, a perna direita está normal, mas a esquerda não, a barriga também está bem inchada. Eu tenho varizes e estrias para todo lado, aqui na barriga. Então assim, eu tenho vergonha do meu próprio corpo, sair em público, ir a uma piscina é difícil né? E eu fico com receio das pessoas (P22, M, 4 anos).

Outra manifestação lúpica de grande impacto na vida cotidiana e que marcam os dias ruins, refere-se à perda da libido e outras dificuldades relacionadas à vida sexual, que podem trazer preocupações acerca do descontentamento dos parceiros e relacionamentos. Na parte da relação sexual eu sinto muita ardência, então geralmente é meses sem ter relação sexual, muitas vezes não tenho nem vontade de fazer nada, então é tudo muito complicado, meu marido é novo e nenhum homem gosta disso (P15, F, 16 anos). O lúpus também atrapalha na vida sexual, a gente não tem vontade de mais nada. Você perde quase totalmente a libido, o desejo, perde tudo. Eu como homem não consigo estar ali presente. Isto é uma coisa que te pressiona contra a parede, porque considero errado, mas o que eu posso fazer se tenho essa doença (P22, M, 4 anos).

Os indivíduos também sofrem com a incapacidade para o trabalho, a qual está diretamente relacionada às mudanças impostas pelo processo de adoecimento. A minha vida depois do Lúpus mudou. Agora eu estou desempregada e isso é muito ruim, para mim, trabalhar é importante, faz a gente se sentir útil, ocupada, você se realiza como pessoa. Então o trabalho é importante para gente. E agora você se vê parada, dona de casa, é uma coisa que desagrada muito (P4, F, 7 anos).

Outrossim, é possível observar que a doença ocasiona mudança de papéis na vida em família e sociedade, situação que acarreta, no indivíduo, sentimentos negativos de tristeza e inutilidade, fazendo com que ele experimente, frequentemente, dias ruins devido ao novo papel, reflexo das limitações impostas pela doença. Hoje eu não consigo mais trabalhar. Vamos dizer que sou um cara sustentado pela mulher e isso é triste, é deprimente, me sinto um ser inútil, que não sou capaz de prover o sustento da minha família (P22, M, 4 anos).

Além das complicações e limitações impostas pela doença, os sentimentos de medo e angústia contribuem para o estabelecimento de dias ruins, e, nesse sentido, é possível observar que as limitações no planejamento familiar têm repercussões negativas na vida cotidiana, considerando-se que os indivíduos com LES têm medo de construir uma família. Eu desejo engravidar, mas até onde sei, o Lúpus tem que estar controlado e algumas mulheres às vezes não podem engravidar, por causa das medicações que podem trazer consequências. Eu tenho vontade de engravidar, mas também tenho medo, muito medo (P1, F, 9 anos). Eu tinha planos para engravidar esse ano e a médica disse que não posso de jeito nenhum. Isto é o que mais afeta no Lúpus, porque nós mulheres sentimos o desejo de engravidar, e não podemos (P3, F, 4 meses). Eu tenho medo de ter filhos, medo de ter um filho e quando ele tiver 20 anos eu já não estar mais aqui. Eu tive a falta de um pai e eu sei que não é nada legal você ter que aprender sozinho com a vida, a se barbear, a viver em sociedade. E não quero que um filho meu passe por isso, não ter um pai do lado é triste, é difícil. Por isso, tenho medo de ter filhos, muito medo mesmo (P22, M, 4 anos).

Em relação a esse aspecto, as mulheres que já vivenciaram esse momento narram histórias complexas, as quais têm inferência negativa nessa experiência. As minhas gestações foram uma tribulação, a gravidez da menina foi terrível eu não tinha líquido, ela nasceu de 32 semanas, teve um monte de problemas que eu achei que ela nem iria viver, e o menino nasceu de 36 semanas. Na gravidez do menino eu tive pré-eclampsia, fiquei muito ruim. As minhas gestações foram bem complicadas, os dois filhos nasceram prematuros. Foi muito difícil, muito sofrido, achei que iria morrer (P6, F, 23 anos). Minhas gestações foram todas com problema. A primeira foi até melhor, mas na segunda eu tive muitas dores, muita perda de líquido, depois na última fiquei internada dos seis meses até ganhar. Nasceu no tempo certo, e com saúde, mas eu sofri bastante e tive dois abortos também, um já estava formadinho, e o outro foi espontâneo (P18, F, 30 anos).

DISCUSSÃO

Os resultados arrolados neste estudo demonstraram que conviver cotidianamente com o LES não é uma experiência cristalizada. Pelo contrário, os indivíduos referiram que a convivência oscilava entre dias bons e ruins. Aspectos como aceitar a doença e apresentar expectativa positiva quanto ao futuro, calcados, muitas vezes, na fé em um Ser superior e na adesão ao tratamento, cooperam para a manutenção da remissão da doença e, por conseguinte, para a vivência consecutiva de dias bons, nos quais os indivíduos sentem-se mais produtivos, felizes e completos.

A reação às doenças crônicas se manifesta de forma única, singular para cada pessoa, embora alguns comportamentos, tais como dificuldade de aceitação e de adotar novos hábitos, sejam identificados com frequência. Ter que enfrentar um diagnóstico sem cura leva o indivíduo a refletir sobre aspectos complexos como sua própria existência, suas perdas e sua morte. Porém, ao aceitar o diagnóstico, ele pode adquirir uma postura de investigação, o que o leva a explorar ao máximo os conhecimentos sobre a sua doença, sua condição pessoal e suas perspectivas.

Portanto, não só a forma como a doença se manifesta, mas também a maneira como as pessoas enfrentam o adoecimento ao longo da vida é singular. E, neste sentido, a aceitação e a resiliência apontam para formas bem-sucedidas de lidar com adversidades de modo a minimizar o impacto. Foi possível apreender que, mesmo diante de tantas complicações e limitações, alguns participantes demonstraram ter alcançado a superação e a aceitação da doença, o que favorece seu manejo clínico e a adesão à terapêutica, resultando em melhora na qualidade de vida e, consequentemente, no estabelecimento de dias bons. Esses aspectos também foram evidenciados em estudo qualitativo realizado na Austrália, com o objetivo de descrever as experiências e perspectivas de adolescentes e adultos diagnosticados com LES, em que os participantes referiram o desenvolvimento da autoconfiança e da resiliência para enfrentar a doença1313. Tunnicliffe DJ, Singh-grewal D, Chaitow J, Mackie F, Manolios N, Lin M, et al. Lupus Means Sacrifices: perspectives of adolescents and young adults with systemic lupus erythematosus. Arthritis Care Res (Hoboken) [Internet]. 2016 [cited 2019 Sept 20];68(6):828-37. Available from: 10.1002/acr.22749
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Estudo fenomenológico realizado na Dinamarca, com 14 mulheres com LES, mostrou que um desafio importante na convivência com a doença é a constante incerteza sobre o dia de amanhã. Os períodos de intensificação dos sintomas costumam ser imprevisíveis, e as consequentes alterações negativas na capacidade funcional podem interromper, ou dificultar intensamente, planos e projetos de vida. Dessa forma, a experiência existencial de se manter em movimento, avançando nos projetos de vida, exige esforços internos, ou seja, resiliência para enfrentar as ondas em sentido contrário, resultantes da intensificação do LES44. Larsen JL, Hall EOC, Jacobsen S, Birkelund R. The existential experience of everyday life with systemic lupus erythematosus. J Adv Nurs [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 16];74(5):1170-9. Available from: https://doi.org/10.1111/jan.13525
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.

Ainda foi evidenciada, no presente estudo, a relevância da espiritualidade apresentada em relatos relacionados à confiança em Deus, para uma melhor convivência com o LES. A fé representou o alicerce de sustentação da vida cotidiana e apresentou-se como fator importante na manutenção da saúde, bem-estar e no enfrentamento da condição crônica1414. Aberer E, Alexander A, Martin L, Michaela P, Sabina S, Regina F-P, et al. The influence of religious/spiritual exercises on well-being and quality of life in dermatological patients: a quasi-experimental study. Cogent Med [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 20];5(1):1499593. Available from: https://doi.org/10.1080/2331205X.2018.1499593
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. A sua presença permite que as perspectivas sobre a vida sejam positivas e que o desejo de viver seja gradativamente retomado, o que, por sua vez, influencia positivamente na remissão das manifestações lúpicas.

Por fim, a vivência da gravidez se mostrou como materialização da “superação”, interpretada, inclusive, como um milagre. Ressalta-se que, apesar da preocupação manifestada pelas mulheres, a vivência da gravidez é uma experiência relativamente frequente, pois no LES não há remissão da fertilidade1515. Naseri EP, Surita FG, Borovac-Pinheiro A, Santos M, Appenzeller S, Costallat LTL. Systemic lupus erythematosus and pregnancy: a single-center observational study of 69 pregnancies. Rev Bras Ginecol Obs [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 22];40(10):587-92. Available from: https://doi.org/10.1055/s-0038-1672136
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. Contudo, a possível gravidez requer um planejamento prévio, com a participação de uma equipe interdisciplinar, que atenda às necessidades das mulheres acometidas e forneça subsídios para que a gestação ocorra em um momento propício.

Em relação à vivência de dias ruins, observa-se que, embora a ciência tenha desenvolvido formas eficientes de controlar algumas doenças e contornar seus efeitos, no caso do LES, ainda que se tenha medicação disponível para tratamento, não há garantia de que a doença permanecerá sob controle, podendo, mesmo diante da adesão terapêutica, apresentar muitos períodos de exacerbação. Isto porque o LES é uma doença de curso imprevisível, caracterizado por períodos de remissão e exacerbação, o que ocasiona desarranjo existencial na vida dos indivíduos44. Larsen JL, Hall EOC, Jacobsen S, Birkelund R. The existential experience of everyday life with systemic lupus erythematosus. J Adv Nurs [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 16];74(5):1170-9. Available from: https://doi.org/10.1111/jan.13525
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. As manifestações advindas do adoecimento são variáveis, mas estudos indicam que sintomas físicos, como a sensibilidade ao sol, as dores articulares, o cansaço e a fadiga, são os mais comuns e impactam negativamente no dia a dia22. Waldheim E, Ajeganova S, Bergman S, Frostegard J, Welin E. Variation in pain related to systemic lupus erythematosus (SLE): a 7-year follow-up study. Clin Rheumatol [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 12];37:1825-34. Available from: https://doi.org/10.1007/s10067-018-4079-1
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,77. DU X, Zhao Q, Chen H, Shen B. Fatigue of systemic lupus erythematosus in China: contributors and effects on the quality of life. Patient Prefer Adher [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 18];12:1729-35. Available from: https://doi.org/10.2147/PPA.S170984
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,99. Mazzoni D, Cicognani E, Prati G. Health-related quality of life in systemic lupus erythematosus: a longitudinal study on the impact of problematic support and self-efficacy. Lupus [Internet]. 2017 [cited 2019 Sept 20];26(2):125-31. Available from: https://doi.org/10.1177/0961203316646459
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,1616. Wu M-L, Yu K-H, Tsai J-C. The effectiveness of exercise in adults with systemic lupus erythematosus: a systematic review and meta-analysis to guide evidence-based practice. Worldviews Evidence-Based Nurs [Internet]. 2017 [cited 2019 Sept 20];14(4):306-15. Available from: https://doi.org/10.1111/wvn.12221
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Destarte, os participantes deste estudo relataram, com frequência, a presença de dor e o impacto dela no cotidiano, corroborando resultados de pesquisas nacionais e internacionais22. Waldheim E, Ajeganova S, Bergman S, Frostegard J, Welin E. Variation in pain related to systemic lupus erythematosus (SLE): a 7-year follow-up study. Clin Rheumatol [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 12];37:1825-34. Available from: https://doi.org/10.1007/s10067-018-4079-1
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,1717. Sousa GA, Lima ÉC. Complicações do lúpus eritematoso sistêmico e o comprometimento da qualidade de vida. Rev Enferm FACIPLAC [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 21];2(2):1-9. Available from: http://revista.faciplac.edu.br/index.php/REFACI/article/view/584
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. Cabe destacar que a presença frequente, e às vezes contínua, da dor pode ocasionar relevante sofrimento físico e psicossocial, especialmente quando não é considerada e valorizada por pessoas próximas e profissionais de saúde. Ressalta-se a importância de considerar esse fator no planejamento das ações de cuidado junto às famílias desses indivíduos, e também nas ações de educação continuada junto à equipe que proporciona assistência.

O cansaço e a fadiga também foram relatados como aspectos negativos da doença, pois, muitas vezes, não são reconhecidos como complicações do LES. A falta de conhecimento sobre esses sintomas da doença por parte dos que convivem com a pessoa com LES, resulta em frequente incompreensão e até mesmo estigma de displicência. Revisão que investigou o significado do adoecimento por LES evidenciou que a fadiga é vivenciada de forma recorrente e está presente independentemente da doença estar em fase de exacerbação ou remissão, interferindo, negativamente, nas atividades diárias1818. Alves VLP, Carniel AQ, Costallat LTL, Turato ER. Significados do adoecer para pacientes com lúpus eritematoso sistêmico: revisão da literatura. Rev Bras Reumatol [Internet]. 2015 [cited 2019 Sept 20];55(6):522-7. Available from: https://doi.org/10.1016/j.rbr.2014.08
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. Em especial, destaca-se o efeito dessas manifestações na redução da capacidade para o trabalho e a manutenção do emprego, apontadas por estudo realizado no Reino Unido junto a 393 pessoas com LES1919. Booth, S; Price, E; Walker, E. Fluctuation, invisibility, fatigue - the barriers to maintaining employment with systemic lupus erythematosus: results of an online survey. Lupus [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 20];27(14):2284-91. Available from: https://doi.org/10.1177/0961203318808593 .
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Outra manifestação advinda do adoecimento por LES e que interfere negativamente no cotidiano das pessoas adoecidas é a alteração na autoimagem, decorrente das manifestações cutâneas, como manchas na pele, erupções transitórias e permanentes e alopecia. A literatura aponta que o impacto negativo dessas manifestações é significativamente maior nas mulheres, interferindo na autoestima e na baixa valorização pessoal99. Mazzoni D, Cicognani E, Prati G. Health-related quality of life in systemic lupus erythematosus: a longitudinal study on the impact of problematic support and self-efficacy. Lupus [Internet]. 2017 [cited 2019 Sept 20];26(2):125-31. Available from: https://doi.org/10.1177/0961203316646459
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-1111. Silva EB, Lima RBO, Silva JS, Cabral CVS. The systemic lúpus erythematosus and women’s selfimage carrier. Rev Enferm da UFPI [Internet]. 2016 [cited 2019 Sept 22];5(1):67-72. Available from: https://doi.org/10.26694/reufpi.v5i1.4719
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,2020. Shen B, He Y, Chen H, Zhao C, Zhu L, Gao Y, et al. Body image disturbances have impact on the sexual problems in chinese systemic lupus erythematosus patients. J Immunol Res [Internet]. 2015 [cited 2019 Sept 20];2015:6-11. Available from: https://doi.org/10.1155/2015/204513
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. No entanto, às vezes, os indivíduos com LES sentem que essas manifestações não são suficientemente valorizadas pelos profissionais de saúde, por estarem relacionadas à aparência física, conforme estudo realizado na costa Leste dos EUA2121. Hale ED, Radvanski DC, Hassett AL. The man-in-the-moon face: a qualitative study of body image, self-image and medication use in systemic lupus erythematosus. Rheumatol [Internet]. 2015 [cited 2019 Sept 22];54(7):1220-5. Available from: https://doi.org/10.1093/rheumatology/keu448
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Alguns participantes deste estudo referiram que a alopecia é uma das manifestações cutâneas mais impactantes, pois, segundo eles, sua presença ocasiona vergonha, tristeza, isolamento e preconceito. Ressaltam-se resultados semelhantes encontrados em estudos realizados em diferentes partes do mundo sobre a experiência de vida com LES99. Mazzoni D, Cicognani E, Prati G. Health-related quality of life in systemic lupus erythematosus: a longitudinal study on the impact of problematic support and self-efficacy. Lupus [Internet]. 2017 [cited 2019 Sept 20];26(2):125-31. Available from: https://doi.org/10.1177/0961203316646459
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-1111. Silva EB, Lima RBO, Silva JS, Cabral CVS. The systemic lúpus erythematosus and women’s selfimage carrier. Rev Enferm da UFPI [Internet]. 2016 [cited 2019 Sept 22];5(1):67-72. Available from: https://doi.org/10.26694/reufpi.v5i1.4719
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,2020. Shen B, He Y, Chen H, Zhao C, Zhu L, Gao Y, et al. Body image disturbances have impact on the sexual problems in chinese systemic lupus erythematosus patients. J Immunol Res [Internet]. 2015 [cited 2019 Sept 20];2015:6-11. Available from: https://doi.org/10.1155/2015/204513
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,2222. Williams EM, Bruner L, Adkins A, Vrana C, Logan A, Kamen D, et al. I too, am America: a review of research on systemic lupus erythematosus in African-Americans. Lupus Sci Med [Internet]. 2016 [cited 2019 Sept 22];3(1):e000144. Available from: https://doi.org/10.1136/lupus-2015-000144
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. O comprometimento na aparência física, na forma corporal, nos cabelos, na pele, entre outros, frequentemente aflige a vaidade feminina, além de constituir motivo de discriminação e privação de atividades de lazer para evitar a exposição social, o que resulta em grande impacto na qualidade de vida das mulheres1111. Silva EB, Lima RBO, Silva JS, Cabral CVS. The systemic lúpus erythematosus and women’s selfimage carrier. Rev Enferm da UFPI [Internet]. 2016 [cited 2019 Sept 22];5(1):67-72. Available from: https://doi.org/10.26694/reufpi.v5i1.4719
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,1818. Alves VLP, Carniel AQ, Costallat LTL, Turato ER. Significados do adoecer para pacientes com lúpus eritematoso sistêmico: revisão da literatura. Rev Bras Reumatol [Internet]. 2015 [cited 2019 Sept 20];55(6):522-7. Available from: https://doi.org/10.1016/j.rbr.2014.08
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,2323. Lima PS, Carvalho DMB, Leitão JMSR, Costa CLS, Moura HN, Santos LM, et al. O Lúpus eritematoso sistêmico e seu processo de adoecimento: uma concepção feminina. Rev Eletr Acervo Saúde [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 15];18(115):1-9. Available from: https://doi.org/10.25248/reas.e115.2019
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Além das manifestações físicas e psicológicas, os participantes referiram alterações na vida sexual, semelhante ao identificado em estudo realizado na China, que evidenciou diminuição do interesse e redução da frequência das relações sexuais em indivíduos com LES2020. Shen B, He Y, Chen H, Zhao C, Zhu L, Gao Y, et al. Body image disturbances have impact on the sexual problems in chinese systemic lupus erythematosus patients. J Immunol Res [Internet]. 2015 [cited 2019 Sept 20];2015:6-11. Available from: https://doi.org/10.1155/2015/204513
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. Em estudo realizado com 112 mulheres indianas casadas, mais de 90% das participantes relataram problemas de desejo, excitação e lubrificação, o que esteve relacionado à insatisfação conjugal2121. Hale ED, Radvanski DC, Hassett AL. The man-in-the-moon face: a qualitative study of body image, self-image and medication use in systemic lupus erythematosus. Rheumatol [Internet]. 2015 [cited 2019 Sept 22];54(7):1220-5. Available from: https://doi.org/10.1093/rheumatology/keu448
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. Entre os homens, é alta a prevalência de disfunção erétil (69%), segundo apontou estudo multicentrico na América Latina2424. Merayo-Chalico J, Barrera-Vargas A, Morales-Padilla S, Reyna-de laGarza R, Vázquez-Rodríguez R, Campos-Guzmán J, et al. Epidemiologic profile oferectile dysfunction in patients with systemic lupus erythematosus: the latin american landscape. J Rheumatol [internet]. 2019 [cited 2020 May 11];202(4):644. Available from: https://doi.org/10.3899/jrheum.180292
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Tais manifestações estão diretamente relacionadas à autoimagem, que é a percepção que o indivíduo tem de si mesmo, perpassando pelo entendimento de suas potencialidades, pensamentos e ideias; e também pela autoestima, que se refere ao discernimento de si como pessoa e sua inserção no meio social. Portanto, essas alterações se refletem no convívio e na aceitação social, que, por sua vez, implica na sexualidade, não como ato sexual em si, mas como componente da personalidade do indivíduo. A aceitação pessoal e social interfere na qualidade de vida e requer uma adaptação, a qual envolve processos complexos de convívio com a doença que extrapolam a dimensão saúde2525. Silva PFC, Pires AS, Gonçalves FGA, Cunha LP, Campos TS, Noronha IR. Influência dos acessos vasculares na autoimagem e sexualidade dos pacientes em hemodiálise: contribuição para enfermagem. Cienc Cuid Saude [Internet]. 2017 [cited 2019 Sept 22];16(1). Available from: https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v16i1.34402
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As manifestações físicas, psicológicas e as restrições corporais resultantes do LES também geram consequências na vida profissional, especialmente quando é necessário o afastamento das atividades laborais, o que, por sua vez, repercute na condição econômica das pessoas acometidas e, consequentemente, na qualidade de vida1111. Silva EB, Lima RBO, Silva JS, Cabral CVS. The systemic lúpus erythematosus and women’s selfimage carrier. Rev Enferm da UFPI [Internet]. 2016 [cited 2019 Sept 22];5(1):67-72. Available from: https://doi.org/10.26694/reufpi.v5i1.4719
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,2222. Williams EM, Bruner L, Adkins A, Vrana C, Logan A, Kamen D, et al. I too, am America: a review of research on systemic lupus erythematosus in African-Americans. Lupus Sci Med [Internet]. 2016 [cited 2019 Sept 22];3(1):e000144. Available from: https://doi.org/10.1136/lupus-2015-000144
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-2323. Lima PS, Carvalho DMB, Leitão JMSR, Costa CLS, Moura HN, Santos LM, et al. O Lúpus eritematoso sistêmico e seu processo de adoecimento: uma concepção feminina. Rev Eletr Acervo Saúde [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 15];18(115):1-9. Available from: https://doi.org/10.25248/reas.e115.2019
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. Nesses casos, a perda da estabilidade profissional, na maioria das vezes, está diretamente relacionada às manifestações da doença, porque nem sempre os indivíduos apresentam disposição para trabalhar e também porque a necessidade de afastamento para cumprir a rotina de exames e consultas médicas é mal compreendida pelos empregadores.

O desemprego e a consequente dependência financeira dos familiares ocasionam ônus negativo para a saúde física, psicológica e social das pessoas com LES. Em estudo realizado no Pará-BR, que avaliou a repercussão das doenças reumáticas na produtividade no trabalho, o LES apresentou repercussão negativa na atividade profissional dos pacientes. Segundo os resultados, 84,2% não trabalhavam, e, entre estes, 94,1% referiu ter interrompido suas atividades profissionais em decorrência da doença. Os resultados também demonstraram que as doenças reumáticas, principalmente o LES, aumentam o número de solicitações de auxílio doença e levam à aposentadoria em idade precoce2626. Pinto B, Grover S, Dhooria A, Rathi M, Sharma A. Sexual functioning and its correlates in premenopausal married Indian women with systemic lupus erythematosus. Int J Rheum Dis [internet]. 2019 [cited 2020 May 11];22(10):1814-9. Available from: https://doi.org/10.1111/1756-185X.13675
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Por fim, contrapondo à vivência sublime de dias bons, a gravidez também surge como um aspecto negativo, devido ao medo de exacerbação da doença e dos riscos gestacionais decorrentes da suspensão temporária de alguns medicamentos. Destarte, comparada com a população em geral, a gravidez de mulheres com LES apresenta maior risco de complicações obstétricas e perinatais, como pré-eclâmpsia, perda fetal, retardo do crescimento intrauterino, parto prematuro e síndromes de lúpus neonatal2727. Pastore D eduardo A, Costa ML, Parpinelli MA, Surita FG. A critical review on obstetric follow-up of women affected by systemic lupus erythematosus. Rev Bras Ginecol Obstet [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 22];40(4):209-24. Available from: https://doi.org/10.1055/s-0038-1625951
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-2828. Chen D, Lao M, Zhang J, Zhan Y, Li W, Cai X, et al. Fetal and maternal outcomes of planned pregnancy in patients with systemic lupus erythematosus: a retrospective multicenter study. J Immunol Res [Internet]. 2018 [cited 2019 Oct 15];2018:2413637. https://doi.org/10.1155/2018/2413637.
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. Contudo, o planejamento e o acompanhamento regular com equipe de saúde pode fazer toda a diferença. Na China, um estudo analisou dados de 243 pacientes com LES que tiveram a gravidez planejada, e constatou que 21,4% delas experienciaram crises de exacerbação da doença, porém, em 95,1% dos casos os partos foram bem-sucedidos, evidenciando benefícios em relação às gestações não planejadas2828. Chen D, Lao M, Zhang J, Zhan Y, Li W, Cai X, et al. Fetal and maternal outcomes of planned pregnancy in patients with systemic lupus erythematosus: a retrospective multicenter study. J Immunol Res [Internet]. 2018 [cited 2019 Oct 15];2018:2413637. https://doi.org/10.1155/2018/2413637.
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Nessa mesma direção, o participante jovem do sexo masculino ao manifestar sua preocupação em ter filhos, demonstrou o quanto a doença está interferindo em sua condição psicossocial, principalmente por não conseguir trabalhar. Esse jovem (20 anos), em vários momentos, demonstrou sua baixa autoestima e descrença na possibilidade de melhoria de sua condição de saúde. Ressalta-se que ele já passou por várias internações e apresenta limitações importantes decorrentes das manifestações lúpicas, apesar do pouco tempo de adoecimento (quatro anos).

Assim, considerando-se que o LES é uma doença crônica de grande impacto físico, psicológico e social, os profissionais de enfermagem tornam-se relevantes. Destarte, a baixa compreensão e a aceitação do LES, agravadas por estruturas inadequadas de apoio social, impactam negativamente as experiências pessoais daqueles que convivem com a doença. Nesse sentido, os profissionais de enfermagem podem atuar como facilitadores no processo de adaptação terapêutica para o convívio com a doença. Isto porque são profissionais especializados no cuidado, no atendimento das necessidades individuais, e porque lançam mão de estratégias que podem minimizar os efeitos dos dias ruins com cuidados prévios e também a posteriori, e podem reforçar atitudes que favorecem os dias bons, por meio de orientações e apoio. E mais: a atuação de forma empática, holística e humanizada, com acolhimento, valorização e respeito às individualidades, favorece a redução das complicações e pode impactar diretamente no empoderamento do indivíduo2929. Barreto M da S, Garcia-Vivar C, Matsuda LM, Angelo M, Oliveira MLF de, Marcon SS. Presence of the Family during emergency care: patient and Family living. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2019 [cited 2019 Sept 22];28(e20180150). Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2018-0150
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.

As limitações deste estudo estão relacionadas ao fato de os informantes terem sido localizados em um único serviço de saúde e, portanto, estarem sujeitos a influências locais; e, também, pelo fato de os depoimentos não terem sido validados. Contudo, os resultados são significativos e corroboram outros estudos, possibilitando reflexões sobre as necessidades que precisam ser incluídas no planejamento das ações de cuidado a esses indivíduos e suas famílias.

Sugere-se que novas pesquisas investiguem o papel da família da pessoa com LES, sua percepção sobre a doença e os cuidados necessários para mantê-la sob controle. Essas informações poderão subsidiar o cuidado ampliado à família desses pacientes e o planejamento assistencial em saúde, além de incentivar a participação da família no tratamento do LES de forma adequada.

CONCLUSÃO

Conviver com LES envolve o enfrentamento de dias bons e ruins, os quais estão diretamente relacionados aos períodos de remissão e exacerbação da doença, considerando-se que a doença em atividade ocasiona uma percepção negativa do dia a dia, devido às dificuldades, limitações e complicações impostas. Em contrapartida, o tempo de convivência favorece o manejo clínico, o processo de aceitação, a superação e o estabelecimento de dias melhores. Assim, evidencia-se a importância do apoio profissional, social e familiar à pessoa com LES, o que pode contribuir positivamente para a vida cotidiana.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído da dissertação - Dualidade da convivência com o Lúpus Eritematoso Sistêmico: oscilando entre “dias bons” e “dias ruins”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Estadual de Maringá, em 2019.
  • AGRADECIMENTO

    Ao Dr Paulo Roberto Donadio - Chefe do Ambulatório de Reumatologia do Hospital Universitário de Maringá.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá, parecer nº 2.990.675/2018, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética nº 00498518.8.0000.0104

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2020
  • Aceito
    27 Nov 2020
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