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INCIDÊNCIA, FATORES DE RISCO E SOBREVIDA DE PACIENTES EM ESTADO CRÍTICO COM LESÃO RENAL AGUDA

RESUMO

Objetivo:

avaliar a incidência, os fatores de risco e a sobrevida de pacientes críticos com lesão renal aguda.

Método:

coorte concorrente, realizada entre maio e setembro de 2019 em uma Unidade de Terapia Intensiva pública do estado do Acre, com 126 pacientes. Utilizaram-se o método Kaplan Meier, para estimar a probabilidade do óbito (teste de log-rank95%) e o modelo de regressão de Cox, para determinar os fatores prognósticos do óbito.

Resultados:

a incidência de lesão renal aguda foi de 37,3 a cada 1.000 indivíduos admitidos na unidade de terapia intensiva. A recuperação da doença ocorreu em 36,7% deles, e 42,9% evoluíram ao óbito. A probabilidade condicional de óbito foi maior no sexo feminino e naqueles que não utilizaram ventilação mecânica, taxa de filtração glomerular admissional <60 ml/min/1,73 m² e diagnóstico de sepse. Os fatores de risco associados ao óbito na população de pacientes críticos, independentemente do diagnóstico de lesão renal aguda, foram creatinina sérica maior que 1,2 mg/dl na admissão e taxa de filtração glomerular <60 ml/min/1,73 m² na admissão.

Conclusão:

a sobrevida nessa população é agravada pelo dimorfismo de gênero e pela redução da taxa de filtração glomerular.

DESCRITORES:
Lesão renal aguda; Incidência; Sobrevida; Unidade de terapia intensiva; Estudos longitudinais; Prognóstico

ABSTRACT

Objective:

to analyze the incidence, risk factors and survival of critically-ill patients with acute kidney injury.

Method:

a concurrent cohort study, conducted with 126 participants between May and September 2019 in a public Intensive Care Unit of the state of Acre. The Kaplan-Meier method was used to estimate the probability of death (log-rank 95% test) and the Cox regression model was employed to determine the prognostic factors of death.

Results:

the incidence of acute kidney injury was 37.3 per 1,000 individuals admitted to the intensive Care Unit. Disease recovery was the outcome in 36.7% of the patients, and 42.9% evolved to death. The conditional probability of death was higher in the female gender and in those who did not use mechanical ventilation, with glomerular filtration rate at admission < 60 ml/min/1.73 m2 and sepsis diagnosis. Regardless of the acute kidney injury diagnosis, the risk factors associated with death in the population of critically-ill patients were serum creatinine above 1.2 mg/dl at admission and glomerular filtration rate < 60 ml/min/1.73 m2 at admission.

Conclusion:

in this population, survival is aggravated by gender dimorphism and by the reduction of the glomerular filtration rate.

DESCRIPTORS:
Acute kidney injury; Incidence; Survival; Intensive Care Unit; Longitudinal studies; Prognosis

RESUMEN

Objetivo:

evaluar la incidencia, los factores de riesgo y la sobrevida de pacientes en estado crítico con insuficiencia renal aguda.

Método:

estudio de cohorte concurrente, realizado con 126 pacientes entre mayo y septiembre de 2019 en una Unidad de Cuidados Intensivos pública del estado de Acre. Se utilizó el método Kaplan-Meier para estimar la probabilidad de fallecimiento (prueba de log-rank 95%) y se empleó el modelo de regresión de Cox para determinar los factores que pronostican el fallecimiento.

Resultados:

la incidencia de insuficiencia renal aguda fue de 37,3 cada 1000 individuos ingresados en la unidad de cuidados intensivos. El 36,7% de los pacientes se recuperó de la enfermedad y el 42,9% falleció. La probabilidad condicional de fallecimiento fue mayor en el sexo femenino y en las personas que no se encontraban en ventilación mecánica, con tasas de filtración glomerular al momento de la admisión < 60 ml/min/1,73 m2 y diagnóstico de sepsis. Los factores de riesgo asociados al fallecimiento en la población de pacientes en estado crítico, independientemente del diagnóstico de insuficiencia renal aguda, fueron los siguientes: creatinina sérica superior a 1,2 mg/dl y tasa de filtración glomerular < 60 ml/min/1,73 m2, ambos al momento de la admisión.

Conclusión:

la sobrevida en esta población se ve agravada por el dimorfismo de género y por la disminución en la tasa de filtración glomerular.

DESCRIPTORES:
Insuficiencia renal aguda; Incidencia; Sobrevida; Unidad de cuidados intensivos; Estudios longitudinales; Pronóstico

INTRODUÇÃO

A lesão renal aguda (LRA) é caracterizada pela diminuição abrupta da função renal.11. Neugarten J, Golestaneh L. Female sex reduces the risk of hospital-associated acute kidney injury: a meta-analysis. BMC Nephrol [Internet]. 2018 [cited 2020 Jan 15];19(1):314. Available from: https://doi.org/10.1186/s12882-018-1122-z
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Configura-se como um problema grave de saúde ao redor do mundo, visto que provoca impactos sobre a sobrevida e elevação do risco de progressão para doença renal crônica (DRC).22. Athavale AM, Fu CY, Bokhari F, Bajani F, Hart P. Incidence of, risk factors for, and mortality associated with severe acute kidney injury after gunshot wound. JAMA Netw Open [Internet]. 2019 [cited 2020 Feb 03];2(12):e1917254. Available from: https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2019.17254
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Durante o curso de uma hospitalização, um em cada cinco adultos sofre de algum episódio de LRA.33. Susantitaphong P, Cruz DN, Cerda J, Abulfaraj M, Alqahtani F, Koulouridis I, et al. Acute kidney injury advisory group of the American Society of Nephrology. World incidence of AKI: a meta-analysis. Clin J Am Soc Nephrol [Internet]. 2013 [cited 2020 Feb 03];8(9):1482-93. Available from: https://doi.org/10.2215/CJN.00710113
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Em uma meta-análise realizada com 24 estudos observacionais sobre LRA em pacientes com trauma admitidos na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), foram identificados um aumento de seis dias no tempo de hospitalização e um risco três vezes maior de mortalidade [RR 3,4 (2,1-5,7)] ao comparar o grupo com LRA àqueles sem LRA.44. Søvik S, Isachsen MS, Nordhuus KM, Tveiten CK, Eken T, Sunde K, et al. Acute kidney injury in trauma patients admitted to the ICU: a systematic review and meta-analysis. Intensive Care Med [Internet]. 2019 [cited 2020 Feb 02];45(4):407‐419. Available from: https://doi.org/10.1007/s00134-019-05535-y
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A LRA representa um fator independente para a mortalidade. No estudo multicêntrico realizado com 15.132 pacientes da América do Norte, Europa e Austrália, a letalidade hospitalar por LRA foi de 27%, com percentuais mais elevados de acordo com a progressão da lesão.55. Srisawat N, Sileanu FE, Murugan R, Bellomod R, Calzavcca Paolo, Cartin-Ceba R et al. Variation in risk and mortality of acute kidney injury in critically ill patients: a multicenter study. Am J Nephrol [Internet]. 2015 [cited 2020 Jan 02];41(1):81‐88. Available from: https://doi.org/10.1159/000371748
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Dessa forma, avaliar a incidência da LRA em pacientes mostra-se um importante mecanismo de análise do nível de saúde; no entanto, esses dados isolados são insuficientes para gerar informações relevantes à clínica diária, pois não mostram os fatores contribuintes do óbito. Logo, este estudo teve como objetivo avaliar a incidência, os fatores de risco e a sobrevida de pacientes que evoluíram com lesão renal aguda em uma UTI.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de coorte concorrente realizado com pacientes com idade superior ou igual a 18 anos admitidos na Unidade de Terapia Intensiva de um hospital público terciário na cidade de Rio Branco, Acre, entre maio e setembro de 2019, que evoluíram com e sem LRA.

A população do estudo foi composta pela totalidade de pacientes admitidos na UTI, dentro do período estabelecido, sendo o tempo de seguimento o período compreendido entre a internação e a alta, a transferência ou o óbito do paciente. Foram excluídos os indivíduos com diagnóstico da doença renal crônica na admissão em qualquer estágio, aqueles que realizaram alguma terapia renal substitutiva nos três meses anteriores, transplantados renais, internações com duração menor do que 24 horas ou iminente risco de morte dentro das primeiras 48 horas de internação, assim como: gestantes e puérperas.

Para a coleta de dados, foi utilizado um formulário próprio contendo dados sociodemográficos, dados sobre a internação, histórico de comorbidades, sinais vitais e utilização de oxigenoterapia. Outras informações incluíram uso de medicações nefrotóxicas (inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), bloqueadores de receptores da angiotensina (BRA), vancomicina, aminoglicosídeos, cefalosporinas, quinolonas, sulfonamidas, antifúgicos, anti-inflamatórios não esteroides (AINES), aciclovir, manitol, fenitoína, anfotericina b, diuréticos, solução radiocontraste e carbapenêmicos), utilização de drogas vasoativas e dados antropométricos (o peso foi identificado pela balança incorporada ao leito da marca Hospimetal, modelo cama fawler HM2002E, 4 motores com capacidade máxima de 250 kg). Completaram a lista avaliação neurológica, exames laboratoriais, dados sobre terapia renal substitutiva e balanço hídrico (BH), manifestações clínicas e sobre desfecho (data da alta/óbito).

Todos os pacientes admitidos tiveram o cálculo da taxa de filtração glomerular (TFG), e no caso daqueles com LRA essa taxa foi medida por dia de avaliação D1, D3, D7 e saída (alta/óbito). Para avaliar a TFG foi utilizada a equação Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration (CKD-EPI).66. Levey AS, Stevens LA, Schmid CH, Zhang YL, Castro AF, Feldman HI et al. A new equation to estimate glomerular filtration rate. Ann Intern Med [Internet]. 2009 [cited 2020 Jan 30];150(9):604‐612. [published correction appears in Ann Intern Med. 2011;155(6):408]. Available from: https://doi.org/10.7326/0003-4819-150-9-200905050-00006
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Na análise do balanço hídrico (BH), utilizou-se o acumulado de 24 horas, subtraindo-se a entrada da saída.

A variável dependente lesão renal aguda (LRA) foi definida de acordo com as diretrizes do Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO) como o aumento do nível da creatina sérica acima de 0,3 mg/dl em 48 horas; ou o aumento da creatinina sérica 1,5 vez em relação ao nível basal em sete dias; ou a diurese menor que 0,5 ml/kg/h durante seis horas.77. Khwaja A. KDIGO clinical practice guidelines for acute kidney injury. Nephron Clin Pract [Internet]. 2012 [cited 2020 Jan 01];120(4):c179‐84. Available from: https://doi.org/10.1159/000339789
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Os casos de LRA foram classificados conforme os critérios KDIGO em estágio 1, 2 e 3. O estágio 1 é definido como o aumento da creatinina em 1,5-1,9 vez o valor basal em sete dias ou o aumento da creatinina sérica > 0,3 mg/dl em 48 horas ou volume urinário < 0,5 ml/kg/h por 6-12 horas. O estágio 2 se refere ao aumento 2-2,9 vezes o valor basal da creatinina ou volume urinário < 0,5 ml/kg/h por > 12 horas. Por fim, o estágio 3 diz respeito ao aumento > 3 vezes o valor basal da creatinina ou elevação para > 4,0mg/dl ou início da terapia renal substitutiva ou anúria por > 12 horas.77. Khwaja A. KDIGO clinical practice guidelines for acute kidney injury. Nephron Clin Pract [Internet]. 2012 [cited 2020 Jan 01];120(4):c179‐84. Available from: https://doi.org/10.1159/000339789
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Para creatinina basal, foi considerado o valor obtido no momento da admissão na UTI por já ser utilizado em outros estudos dessa temática.77. Khwaja A. KDIGO clinical practice guidelines for acute kidney injury. Nephron Clin Pract [Internet]. 2012 [cited 2020 Jan 01];120(4):c179‐84. Available from: https://doi.org/10.1159/000339789
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-88. Hoste EA, Bagshaw SM, Bellomo R, Celly CM, Colman R, Cruz DN et al. Epidemiology of acute kidney injury in critically ill patients: the multinational AKI-EPI study. Intensive Care Med [Internet]. 2015 [cited 2020 Jan 31];41(8):1411‐23. Available from: https://doi.org/10.1007/s00134-015-3934-7
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A recuperação da função renal foi definida como ausência de critérios de creatinina e volume urinário para qualquer estágio de 2 a 3 no período de internação, ou seja, não se encaixar nos critérios de LRA em qualquer estágio e não necessitar de terapia renal substitutiva (TRS).99. Kellum JA, Sileanu FE, Bihorac A, Hoste EA, Chawla LS. Recovery after acute kidney injury. Am J Respir Crit Care Med [Internet]. 2017 [cited 2020 Jan 18];195(6):784‐91. Available from: https://doi.org/10.1164/rccm.201604-0799OC
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Na descrição das variáveis contínuas, foram apresentadas medidas de tendência central (média e desvio-padrão), e as variáveis categóricas foram expressas por distribuição de frequências absoluta e relativa. Na comparação de grupos, realizaram-se os testes t de Student e o teste Qui-quadrado de Pearson ou teste exato de Fisher, considerando a natureza das variáveis contínuas e categóricas, respectivamente.

Foi utilizado como tempo zero (T0) da coorte a data de admissão na UTI, e o tempo de seguimento (∆T) foi o tempo decorrido entre T0 e a LRA; o desfecho foi a ocorrência de óbito. O método de Kaplan-Meier foi empregado para estimar a probabilidade condicional de óbito no 3º e 7º dias de seguimentos naqueles pacientes que evoluíram com LRA; o teste log-rank 95% foi usado para avaliar as diferenças entre as curvas.

Para o cálculo da incidência, foi considerado o número de casos novos de LRA e o total de pessoa-tempo (PT), período no qual o indivíduo esteve sob o risco de adoecer, utilizando o dia como unidade de tempo. A somatória de PT foi realizada durante todo o período de acompanhamento.

Modelos de regressão de Cox, bruto e ajustado com os respectivos intervalos de confiança de 95%, estimaram os fatores de risco de óbito dos pacientes admitidos na UTI. As variáveis independentes que demonstraram significância estatística pela análise univariada foram incluídas no modelo de regressão multivariada de Cox ajustado por idade e motivo de internação. Em todas as análises, adotou-se o nível de significância de α = 5%. Os dados foram analisados com o programa SPSS®, versão 20.0.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa e obedeceu a resolução nº 466/2012.

RESULTADOS

Dos 161 pacientes internados na UTI no período de coleta, 35 foram excluídos por não atenderem aos critérios da pesquisa. Dessa forma, a população foi de 126 pacientes, a maioria com idade inferior a 50 anos, predomínio do sexo masculino, tendo como principal motivo de internação cirúrgica, apresentando algum tipo de comorbidade relatada no momento da admissão. A maior parte deles necessitou de assistência ventilatória mecânica e drogas vasoativas na admissão e o tempo médio de internação foi de aproximadamente 17 dias As variáveis creatinina sérica admissional, taxa de filtração glomerular admissional, idade, peso admissional, plaquetas, glicemia, ureia, PAO2/FIO2, HCO3, desfecho e tempo de internação apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre os indivíduos que tinham LRA quando comparados aos que não desenvolveram a lesão, conforme mostra a Tabela 1.

Atenderam aos critérios de LRA em todo o período de acompanhamento 38,9% dos pacientes críticos. A incidência foi de 37,3 a cada 1.000 indivíduos admitidos na UTI.

Ao monitorar os sujeitos com LRA, foi observado que grande parte deles evoluiu com estágio II e III de lesão no primeiro dia de acompanhamento (D1). A taxa de filtração glomerular esteve abaixo dos 60 ml/min/1,73m² nos dias analisados. Oligúria, anúria parcial e total acompanharam estiveram presentes no grupo em todo o período, principalmente nos D1 e D3. O balanço hídrico (BH) se mostrou mais positivo no D1, com discreta redução ao longo dos outros dias, no entanto, a média do BH se manteve acima de 1,1 litro nas 24 horas. Foram percebidas alterações laboratoriais importantes nos pacientes, como hiperglicemia, hiperlactatemia, uremia e creatinina elevada, conforme indica a Tabela 2.

Tabela 1 -
Características clínicas e epidemiológicas dos pacientes com e sem lesão renal aguda em uma Unidade de Terapia Intensiva de Rio Branco, Acre, Brasil, 2019. (n=126)
Tabela 2 -
Estratificação dos casos de lesão renal aguda e características clínicas por dias de avaliação em uma Unidade de Terapia Intensiva de Rio Branco, Acre, Brasil, 2019. (n=49)

O tempo médio transcorrido entre a admissão e o diagnóstico para LRA foi de 4,57 dias±9,10 dias, e 50,0% dos casos receberam a confirmação da doença no primeiro dia de internação; o tempo médio para início da TRS foi de 6,63 dias (DP:±7,97; Mediana: 2,50).

Avaliando-se a recuperação, 36,7% dos pacientes tiveram a condição da LRA revertida ao longo do período. Apenas as variáveis LRA grave em algum momento, terapia renal substitutiva (TRS), creatinina e desfecho apresentaram diferenças estatisticamente significativas (p<0,05).

De acordo com as análises de sobrevida os indivíduos do sexo feminino apresentaram maior probabilidade condicional de óbito, alcançando 25,0% em sete dias após a identificação da LRA. Aqueles que não necessitaram de ventilação mecânica também tiveram esse aumento na probabilidade de evoluir para óbito, assim como na TFG admissional (<60) e nos indivíduos diagnosticados com sepse durante a estadia na UTI, conforme mostra a Tabela 3.

Tabela 3 -
Probabilidade condicional de óbito segundo as características clínicas e epidemiológicas de pacientes que evoluíram com lesão renal aguda em uma Unidade de Terapia Intensiva de Rio Branco, Acre, Brasil, 2019. (n=126)

Dentre os pacientes internados na UTI no período, 42,9% evoluíram ao óbito. Ao se avaliar a dinâmica desse resultado, foi observado que a maior proporção de óbitos foi nos pacientes que não estavam em ventilação mecânica (VM) (37,0%), diagnosticados com sepse (33,3%), com valores de creatinina sérica admissional > 1,2 (42,6%), TFG admissional < 60 (38,9%), diagnosticados com LRA (63,0%), LRA grave (94,1%), submetidos a TRS (27,8%), leucócitos > 12.000 (76,6%), potássio <3,6 (37,7%) e relação PAO2/FIO2 <200 (36,1%), todos estatisticamente significativos, conforme evidencia a Tabela 4.

Tabela 4 -
Características clínicas e epidemiológicas dos indivíduos sobreviventes e não sobreviventes em uma Unidade de Terapia Intensiva de Rio Branco, Acre, Brasil, 2019. (n=126)

Os indivíduos com creatinina maior ou igual a 1,2 mg/dl na admissão tiveram o risco de evolução para óbito aumentado em 77,0% quando comparado aos com creatinina menor que 1,2 mg/dl admissional. O risco de óbito foi duas vezes maior entre os pacientes com TFG menor que 60 ml/min/1,73 m² e a ventilação mecânica se mostrou um fator de proteção para mortalidade nesses indivíduos, conforme informa a Tabela 5.

Tabela 5 -
Hazard Ratio (HR) bruta e ajustada dos fatores de risco para óbito em uma Unidade de Terapia Intensiva de Rio Branco, Acre, Brasil, 2019. (n=126)

DISCUSSÃO

Neste estudo, a incidência de LRA foi elevada em indivíduos admitidos na UTI. A recuperação ocorreu em mais de um terço daqueles que evoluíram com a doença, e a sobrevida desse grupo esteve mais comprometida para as variáveis sexo feminino, não utilização de ventilação mecânica, TFG admissional < 60ml/min/1,73 m² e diagnóstico de sepse. Os fatores de risco associados ao óbito na população de pacientes críticos, independentemente do diagnóstico de LRA, foram creatinina sérica maior que 1,2 mg/dl e TFG < 60 ml/min/1,73 m² na admissão.

A alta incidência é considerada esperada de acordo com os dados encontrados em literatura e em algumas bases de dados; no entanto, deve-se levar em consideração a grande variação de valores de LRA em UTI devido à ambígua utilização de critérios para definição da doença.1010. Chang CH, Lin CY, Tian YC, Jenq CC, Chang MY, Chen YC et al. Acute kidney injury classification: comparison of AKIN and RIFLE criteria. Shock [Internet]. 2010 [cited 2020 Jan 31];33(3):247‐52. Available from: https://doi.org/10.1097/SHK.0b013e3181b2fe0c
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-1111. Valette X, du Cheyron D. A critical appraisal of the accuracy of the RIFLE and AKIN classifications in defining "acute kidney insufficiency" in critically ill patients. J Crit Care [Internet]. 2013 [cited 2020 Feb 11];28(2):116‐25. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jcrc.2012.06.012
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Todavia, a disfunção renal é uma das principais complicações no indivíduo gravemente enfermo. No estudo que traçou as características clínicas e a gravidade dos pacientes internados em UTIs públicas e privadas do município de São Paulo, foi identificado que quase 70% apresentaram algum nível dessa disfunção, evidenciando a afirmação quanto ao protagonismo no campo das disfunções orgânicas no paciente grave.1212. Nogueira LS, Sousa RMC, Padilha KG, Koike KM. Clinical characteristics and severity of patients admitted to public and private ICUS. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2012 [cited 2020 Jan 23];21(1):59-67. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-07072012000100007 .
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Em uma meta-análise realizada entre 2005 e 2015, utilizando três bases de dados diferentes e comparando a incidência das UTIs de países desenvolvidos e em desenvolvimento, valores de incidência de LRA foram de 39,3 a 35,1 respectivamente. Isso corrobora os achados da UTI pública de um estado do norte do Brasil retratada nesta pesquisa.1313. Melo FAF, Macedo E, Bezerra ACF, Melo WAL, Metha RL, Burdmaann EA, et al. A systematic review and meta-analysis of acute kidney injury in the intensive care units of developed and developing countries. PLoS One [Internet]. 2020 [cited 2020 Jan 26];15(1):e0226325. Available from: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0226325
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Durante a análise do grupo LRA, foi observado que 67,3% já chegaram à admissão em algum estágio de lesão, principalmente II e III, valores mais elevados do que os encontrados em países como Espanha e Japão, onde a incidência de estágio III de lesão foi de 8,7% e 15,7%, respectivamente.1414. Esteban Ciriano ME, Peña Porta JM, Vicente de Vera Floristán C, Olagorta García S, Álvarez Lipe R, Vicente de Vera Floristán JM. Morbidity and mortality of acute renal failure in the Critical Care Unit of a regional hospital. Morbimortalidad del fracaso renal agudo en la Unidad de Cuidados Críticos de un hospital comarcal. Rev Esp Anestesiol Reanim [Internet]. 2018 [cited 2020 Jan 25];65(6):314‐22. Available from: https://doi.org/10.1016/j.redar.2018.02.002
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-1515. Jiang L, Zhu Y, Luo X, Wen Y, Du B, Wang M et al. Epidemiology of acute kidney injury in intensive care units in Beijing: the multi-center BAKIT study. BMC Nephrol [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 27];20(1):468. Available from: https://doi.org/10.1186/s12882-019-1660-z
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Esses dados revelam a necessidade de melhores intervenções no atendimento que antecede a internação na UTI, desde o diagnóstico até a conduta, e evidenciam a elevada incidência de LRA em âmbito hospitalar pré-UTI que possivelmente é subdiagnosticada.

O tempo médio transcorrido entre a admissão e o diagnóstico para LRA foi semelhante ao constatado em um ensaio multicêntrico realizado em Pequim, China, no ano de 2012, com 30 UTIs: a maior parte dos indivíduos desenvolveu LRA até o quarto dia de internação.11. Neugarten J, Golestaneh L. Female sex reduces the risk of hospital-associated acute kidney injury: a meta-analysis. BMC Nephrol [Internet]. 2018 [cited 2020 Jan 15];19(1):314. Available from: https://doi.org/10.1186/s12882-018-1122-z
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O percentual elevado de indivíduos que chegaram com LRA grave fez com que a média do BH fosse mais positiva e que o comportamento urinário fosse mais reduzido, mesmo com o emprego de recursos clínicos. A oligúria e a anúria são preditores ruins para o paciente em LRA, apesar de ser uma das fases do curso da doença. Elas devem ser evitadas e conduzidas de maneira a buscar a euvolemia, haja vista os já reconhecidos desfechos desfavoráveis como risco aumentado para mortalidade, não recuperação da função renal e maior dependência de ventilação mecânica.1616. Almeida JP, Palomba H, Galas FR, Fukushima JT, Duarte FA, Nagaoka D et al. Positive fluid balance is associated with reduced survival in critically ill patients with cancer. Acta Anaesthesiol Scand [Internet]. 2012 [cited 2020 Jan 29];56(6):712‐17. Available from: https://doi.org/10.1111/j.1399-6576.2012.02717.x
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-1717. Bouchard J, Soroko SB, Chertow GM, Himmelfarb J, Ikizler TA, Paganini EP, et al. Fluid accumulation, survival and recovery of kidney function in critically ill patients with acute kidney injury. Kidney Int [Internet]. 2009 [cited 2020 Jan 29];76(4):422‐27. Available from: http://doi.org/10.1038/ki.2009.159
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O gerenciamento de líquidos é um cuidado extremamente necessário nesses pacientes, por isso o manejo com reposição de fluidos deve ser cauteloso. Nos pacientes sépticos, existe a terapia de reposição volêmica guiada por metas institucionalizadas,1818. Rhodes A, Evans LE, Alhazzani W, Levy MM, Antonelli M, Ferrer R, et al. Surviving sepsis campaign: international guidelines for management of sepsis and septic shock: 2016. Intensive Care Med [Internet]. 2017 [cited 2020 Jan 29];43(3):304‐77. Available from: http://doi.org/10.1007/s00134-017-4683-6
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entretanto, para o grupo LRA, as diretrizes mais recentes não estipulam parâmetros específicos para essa terapia.77. Khwaja A. KDIGO clinical practice guidelines for acute kidney injury. Nephron Clin Pract [Internet]. 2012 [cited 2020 Jan 01];120(4):c179‐84. Available from: https://doi.org/10.1159/000339789
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Essa lacuna contribui de alguma forma para a não padronização de condutas direcionadas ao paciente com LRA quanto ao uso de líquidos. Seu acúmulo deve ser manejado, ofertando ao indivíduo um balanço mais neutro ou levemente negativo. Os diuréticos devem ser utilizados com cautela tanto para reduzir a sobrecarga quando para evitá-la. Mas, a observação clínica quanto à resposta do paciente à terapia é essencial para o melhor desfecho. Ao final, aqueles que não respondem aos diuréticos devem ser considerados candidatos a TRS precoce.1919. Godin M, Bouchard J, Mehta RL. Fluid balance in patients with acute kidney injury: emerging concepts. Nephron Clin Pract [Internet]. 2013 [cited 2020 Jan 29];123(3-4):238‐245. Available from: https://doi.org/10.1159/000354713
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A TRS é um fator de suporte indispensável para o paciente em LRA grave, porém o expõe a riscos já conhecidos e descritos na literatura, a exemplo da infecção de corrente sanguínea associada ao cateter. Em um estudo realizado em Maringá, Brasil, com 129 pacientes dialíticos a ocorrência de infecção associada ao cateter de diálise foi de aproximadamente 50%.2020. Gesualdo GD, Menezes ALC, Rusa SG, Napoleão AA, Figueiredo RM, Melhado VR et al. Risk factors associated with temporary catheter-related infection in patients on dialysis treatment. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2020 Oct 23];24(3):680-5. Available from: https://doi.org/10.1590/0104-07072015000670014
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A terapia renal contínua (TRC) é uma excelente opção de tratamento dialítico aos pacientes críticos; por meio dela são feitas retiradas lentas de volume e escórias, ofertando mais segurança ao paciente crítico com instabilidade hemodinâmica e edema cerebral. Parece haver uma melhora da sobrevida, recuperação renal e menor dependência de diálise em longo prazo.2121. Karkar A. Continuous renal replacement therapy: Principles, modalities, and prescription. Saudi J Kidney Dis Transpl [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 28];30(6):1201‐09. Available from: http://doi.org/10.4103/1319-2442.275463
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Cabe destacar que a LRA grave representa um elevado risco para a mortalidade, aumento dos dias de internação e risco de desenvolver DRC em longo prazo. A idade avançada e o sexo masculino são fatores de risco comprovados para essa evolução.2222. Bagshaw SM, Laupland KB, Doig CJ, Mortis G, Fick GH, Mucenski M, et al. Prognosis for long-term survival and renal recovery in critically ill patients with severe acute renal failure: a population-based study. Crit Care [Internet]. 2005 [cited 2020 Feb 09];9(6):R700‐9. Available from: https://doi.org/10.1186/cc3879
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Em um estudo multinacional sobre a epidemiologia da LRA em pacientes críticos, foi evidenciado que a mortalidade hospitalar esteve associada à progressão da doença, em que a chance para estágio 3 era sete vezes maior. Ou seja, a progressão para LRA grave representa maiores chances de mortalidade hospitalar e pior função renal na alta hospitalar.88. Hoste EA, Bagshaw SM, Bellomo R, Celly CM, Colman R, Cruz DN et al. Epidemiology of acute kidney injury in critically ill patients: the multinational AKI-EPI study. Intensive Care Med [Internet]. 2015 [cited 2020 Jan 31];41(8):1411‐23. Available from: https://doi.org/10.1007/s00134-015-3934-7
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No presente estudo, os indivíduos do grupo que não se recuperaram da LRA se enquadravam nos critérios de LRA grave, o que mostra que essa condição deve ser manejada prévia e adequadamente, pois, além do risco aumentado de mortalidade, há um elevado percentual de indivíduos que não revertem a condição renal.

Analisando-se os sobreviventes do estudo, o achado mais intrigante foi sobre o uso da ventilação mecânica: o grupo de pacientes que a utilizou em algum momento sobreviveu mais em relação aos que não a utilizaram. Isso contraria resultados já encontrados em outras pesquisas que, apesar de reconhecerem sua indispensabilidade no tratamento ao paciente crítico, a associam a efeitos deletérios ao indivíduo.2323. Husain-Syed F, Birk HW, Seeger W, Ronco C. A protective kidney-lung approach to improve outcomes in mechanically ventilated patients. Blood Purif [Internet] 2016 [cited 2020 Feb 11];42(3):21418. Available from: https://doi.org/10.1159/000448471
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-2424. Jouffroy R, Saade A, Pegat-Toquet A, Philippe P, Carli P, Vivien B. Pre-hospital mechanical ventilation in septic shock patients. Am J Emerg Med [Internet]. 2019 [cited 2020 Feb 11]; 37(10):1860‐3. Available from: https://doi.org/10.1016/j.ajem.2018.12.047
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Observando-se o comportamento do sexo nos desfechos, evoluir para LRA e ocorrência de óbito foi maior entre os homens, mesmo que essa análise não tenha sido significativa. A diferença ou dimorfismo de gênero já foi testada em outras coortes, ensaios clínicos e meta-análises e é inegável a existência dessa diferença comportamental da doença nos diferentes sexos. Muitos mecanismos ainda não foram totalmente esclarecidos, mais o que se sabe é que esse dimorfismo é mediado por esteroides sexuais.11. Neugarten J, Golestaneh L. Female sex reduces the risk of hospital-associated acute kidney injury: a meta-analysis. BMC Nephrol [Internet]. 2018 [cited 2020 Jan 15];19(1):314. Available from: https://doi.org/10.1186/s12882-018-1122-z
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Os indivíduos com taxa de filtração glomerular admissional inferior a <60 ml/min/1,73 m² tiveram pior desempenho na avalição da sobrevida do grupo LRA. Neste estudo, as variáveis TFG <60 ml/min/1,73 m² e creatinina >1,2 mg/dl ambos admissionais foram fatores independentes para a mortalidade. Elas cursam juntas, e a creatinina isolada não é uma medida fiel da função renal devido os fatores que superestimam ou mascaram seus valores.2525. Pinho CPS, Carvalho BSS, Araújo MLD. Sensibilidade da creatinina sérica como marcador da função renal em pacientes coronariopatas. Rev Bras Clin Med [Internet]. 2011 [cited 2020 Jan 01];9(5):343-9. Available from: http://files.bvs.br/upload/S/1679-1010/2011/v9n5/a2247
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Porém, a estimativa da TFG é considerada mais apurada e adequada para o manejo do paciente.66. Levey AS, Stevens LA, Schmid CH, Zhang YL, Castro AF, Feldman HI et al. A new equation to estimate glomerular filtration rate. Ann Intern Med [Internet]. 2009 [cited 2020 Jan 30];150(9):604‐612. [published correction appears in Ann Intern Med. 2011;155(6):408]. Available from: https://doi.org/10.7326/0003-4819-150-9-200905050-00006
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Esta pesquisa demonstrou que a LRA condiciona o indivíduo a um risco independente para evoluir a óbito na condição da hospitalização na UTI. Cabe destacar que a variável LRA não entrou diretamente no modelo final, mas aquelas que determinam a função renal do indivíduo, sim. Portando, fica perceptível que alterações ainda que discretas da função renal ofertam risco aumentado de óbito.

As alterações discretas da função renal e o risco de óbito já foram analisados em outros trabalhos. Observou-se que mesmo pequenos acréscimos nos níveis séricos de creatinina e reduções mais discretas da função renal predispõem o indivíduo a um risco significativo de morte. Na meta-análise em questão, foram acompanhados 78.855 pacientes distribuídos em oito estudos, de maneira que o risco de morte naqueles com reduções discretas da função renal foi de 1,8 (IC95%: 1,3-2,5).2626. Coca SG, Peixoto AJ, Garg AX, Krumholz HM, Parikh CR. The prognostic importance of a small acute decrement in kidney function in hospitalized patients: a systematic review and meta-analysis. Am J Kidney Dis [Internet]. 2007 [cited 2020 Feb 07];50(5):712‐20. Available from: https://doi.org/10.1053/j.ajkd.2007.07.018
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Atualmente, a atenção àqueles que tiveram a condição da LRA resolvida ainda é negligenciada; no entanto, estudos reforçam a importância de intervenções e avaliações a esse grupo, dado o risco elevado de complicações: cardiovasculares, DRC e mortalidade.2727. Coca SG, Yusuf B, Shlipak MG, Garg AX, Parikh CR. Long-term risk of mortality and other adverse outcomes after acute kidney injury: a systematic review and meta-analysis. Am J Kidney Dis [Internet]. 2009 [cited 2020 Feb 07];53(6):961‐73. Available from: https://doi.org/10.1053/j.ajkd.2008.11.034
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Em virtude disso, existe uma discussão sobre a necessidade da implantação de cuidados pós-LRA, com acompanhamento nos 90 dias que se seguem à alta ou à recuperação destes indivíduos.2828. Fliser D, Laville M, Covic A, Fouque D, Vanholder R, Juillard L et al. A European renal best practice (ERBP) position statement on the Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO) clinical practice guidelines on acute kidney injury: part 1: definitions, conservative management and contrast-induced nephropathy. Nephrol Dial Transplant [Internet]. 2012 [cited 2020 Jan 30];27(12):4263‐72. Available from: http://doi.org/10.1093/ndt/gfs375
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, devido à elevada incidência da LRA recorrente e ao risco dos supracitados desfechos.

Em pesquisa que avaliou sobreviventes de LRA em longo prazo com tempo de seguimento de 2,4 anos, ficou evidenciado que 356 (8,0%) pacientes evoluíram para necessidade de diálise crônica e 1.475 (34,0%) morreram; quando se estimou o risco para evolução à diálise crônica, este foi superior a 10,0% em dois métodos estatísticos diferentes.2929. Harel Z, Bell CM, Dixon SN, McArthur E, James MT, Garg AX, et al. Predictors of progression to chronic dialysis in survivors of severe acute kidney injury: a competing risk study. BMC Nephrol [Internet]. 2014 [cited 2020 Jan 30];15(1):114. Available from: https://doi.org/10.1186/1471-2369-15-114
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Esse cuidado pós-LRA já é realidade em alguns centros e apresentou bons resultados, como melhora da sobrevida.3030. Harel Z, Wald R, Bargman JM, Mamdani M, Etchells E, Garg AX, et al. Nephrologist follow-up improves all-cause mortality of severe acute kidney injury survivors. Kidney Int [Internet]. 2013 [cited 2020 Jan 30];83(5):901‐8. Available from: https://doi.org/10.1038/ki.2012.451
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A utilização de KDIGO para definição de LRA pode ser considerada um ponto forte, visto que, os dados sobre a incidência da LRA não são uniformes, devido aos critérios já adotados anteriormente como RIFLE (Risk, Injury, Failure, Loss, End-Stage) e AKIN (Acute Kidney Injury Network). Além do mais, a estimativa de óbito na condição de LRA, a avaliação da LRA em dias específicos (D1, D3 e D7) e a determinação de fatores prognósticos para o óbito nos pacientes admitidos na UTI contribuem para dar robustez ao trabalho. Destaca-se ainda a relevância do estudo para a área da saúde, especialmente da enfermagem, por enfatizar a importância do reconhecimento precoce da LRA, do gerenciamento correto de líquidos (por meio do balanço hídrico) e da identificação de necessidade de TRS na UTI.

No entanto, algumas limitações devem ser apontadas, como a ausência de dados detalhados sobre a terapia ventilatória mecânica e a TRS, além de não se ter avaliado a trajetória daqueles que reverteram a condição da LRA. Ainda que não tenha sido proposta nos objetivos deste trabalho, essa avaliação elucida muitas questões a respeito da dinâmica comportamental da LRA em curto e longo prazos. Outra possível limitação refere-se às diferenças dos pacientes quanto ao motivo de internação (se clínico ou cirúrgico) ou ainda à gravidade, visto que essas informações podem distorcer os resultados encontrados. Ressalta-se que o motivo da internação foi incluído no modelo de ajuste das variáveis potencialmente confundidoras.

CONCLUSÃO

Verificou-se que a incidência de lesão renal aguda é elevada e que um percentual considerável de casos está chegando à unidade em um quadro grave. A não recuperação foi verificada em 63,3% daqueles que evoluíram com LRA. A sobrevida do grupo LRA é agravada pelo dimorfismo de gênero e pela TFG < 60 ml/min/1,73 m². Os fatores de risco para óbito na população de pacientes críticos foram creatinina admissional > 1,2 mg/dl e TFG < 60 ml/min/1,73 m².

Portanto, ações de triagem de indivíduos com risco de desenvolver LRA devem ser empregadas no âmbito pré-UTI. A institucionalização de protocolos clínicos ajustados à realidade também se configura como saída importante para redução dos casos de LRA negligenciados. O gerenciamento de líquidos, de responsabilidade da equipe de enfermagem e médica, deve ser rigorosamente realizado. A avaliação da resposta do paciente aos diuréticos é outro ponto merecedor de atenção, bem como a não hesitação na realização da TRS precoce.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído do Trabalho de Conclusão de Curso - Incidência, fatores de risco e sobrevida de pacientes em estado crítico com lesão renal aguda. Apresentada ao Programa de Residência Multiprofissional hospitalar com ênfase em terapia intensiva, da Universidade Federal do Acre, em 2020.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Acre, parecer n. 3.294.722, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 47577215.2.0000.5009.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Selma Regina de Andrade, Gisele Cristina Manfrini, Elisiane Lorenzini, Ana Izabel Jatobá de Souza. Editor-chefe: Roberta Costa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2020
  • Aceito
    28 Maio 2021
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