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GESTÃO DO CUIDADO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UMA TEORIA FUNDAMENTADA NOS DADOS CONSTRUTIVISTA

RESUMO

Objetivo:

compreender a gestão do cuidado na atenção primária à saúde alicerçado nos significados atribuídos pelos trabalhadores que atuam neste contexto e construir um modelo teórico-explicativo.

Método:

pesquisa qualitativa com base na Teoria Fundamentada nos Dados construtivista, desenvolvida na rede de atenção primária à saúde de um município localizado no sul do Brasil. Os participantes foram selecionados de forma indutiva segundo a amostragem teórica, totalizando 37 trabalhadores, divididos em quatro grupos amostrais. Coleta de dados por meio de entrevista semiestruturada, de janeiro de 2017 a novembro de 2018. A análise dos dados ocorreu em duas fases: codificação inicial e codificação focalizada. Os códigos iniciais foram classificados, sintetizados e integrados para o desenvolvimento das categorias, as quais articuladas, deram origem ao modelo. Para suporte da análise, empregou-se o software Nvivo®11.

Resultados:

o fenômeno central “Gerenciando o cuidado na atenção primária à saúde” foi sustentado por quatro categorias: “Organizando a gestão do cuidado”, “Implementando a gestão do cuidado no âmbito assistencial”, “Relacionando-se com outros sujeitos para a gestão do cuidado” e “Articulando-se social e politicamente”. Estas categorias compuseram o modelo teórico apoiado na constituição de quatro dimensões interdependentes: organizacional, relacional, assistencial e social-política.

Conclusão:

a gestão do cuidado, concretizada no cotidiano do trabalho, revela-se numa variabilidade de práticas, condições e situações que integram o entrelaçado mundo do trabalho e da vida dos usuários e trabalhadores dos serviços de saúde. O modelo auxilia os envolvidos na gestão do cuidado na APS para ampliação e fortalecimento de práticas de cuidado comprometidas com os usuários.

DESCRITORES:
Atenção primária à saúde; Gestão em saúde; Teoria fundamentada; Pessoal de saúde; Políticas públicas de saúde

ABSTRACT

Objective:

to understand care management in Primary Health Care based on the meanings attributed by workers who work in this context and build a theoretical-explanatory model.

Method:

this is a qualitative research based on the Grounded Theory on Constructivist Data, developed in the Primary Health Care network of a municipality located in southern Brazil. Participants were selected inductively according to theoretical sampling, totaling 37 workers, divided into four sample groups. Data collection through semi-structured interviews, from January 2017 to November 2018. Data analysis took place in two phases: initial coding and focused coding. The initial codes were classified, synthesized and integrated for the development of the categories, which, articulated, gave rise to the model. To support the analysis, Nvivo®11 was used.

Results:

the central phenomenon “Managing care in Primary Health Care” was supported by four categories: “Organizing care management”, “Implementing care management in the care environment”, “Relating with other subjects for care management”; “Articulated socially and politically”. These categories composed the theoretical model supported by the constitution of four interdependent dimensions: organizational, relational, care and sociopolitical.

Conclusion:

care management, implemented in daily work, reveals itself in a variety of practices, conditions and situations that integrate the intertwined world of work and the lives of users and workers of healthcare services. The model helps those involved in care management in Primary Health Care to expand and strengthen care practices committed to users.

DESCRIPTORS:
Primary health care; Health management; Grounded theory; Health personnel; Public health policies

RESUMEN

Objetivo:

comprender la gestión de la atención en Atención Primaria de Salud a partir de los significados atribuidos por los trabajadores que trabajan en este contexto y construir un modelo teórico-explicativo.

Método:

investigación cualitativa basada en la Teoría Fundamentada en Datos constructivista, desarrollada en la red de atención primaria de salud de un municipio ubicado en el sur de Brasil. Los participantes fueron seleccionados inductivamente según muestreo teórico, totalizando 37 trabajadores, divididos en cuatro grupos de muestra. La recolección de datos se realizó a través de entrevistas semiestructuradas, de enero de 2017 a noviembre de 2018. El análisis de los datos se realizó en dos fases: codificación inicial y codificación focalizada. Los códigos iniciales fueron clasificados, sintetizados e integrados para el desarrollo de las categorías, que, articuladas, dieron lugar al modelo. Para apoyar el análisis se utilizó el software Nvivo®11.

Resultados:

el fenómeno central “Gestionar la atención en la atención primaria de salud” se sustenta en cuatro categorías: “Organizar la gestión de la atención”, “Implementar la gestión de la atención en el entorno de la atención”, “Relacionarse con otros sujetos para la gestión de la atención” y “Articular social y políticamente”. Estas categorías componen el modelo teórico sustentado en la constitución de cuatro dimensiones interdependientes: organizacional, relacional, asistencial y sociopolítica.

Conclusión:

la gestión del cuidado, implementada en el trabajo diario, se revela en una variabilidad de prácticas, condiciones y situaciones que integran el entrelazado mundo del trabajo y la vida de los usuarios y trabajadores de los servicios de salud. El modelo ayuda a los involucrados en la gestión de la atención en la Atención Primaria de Salud a expandir y fortalecer las prácticas de atención comprometidas con los usuarios.

DESCRIPTORES:
Atención primaria de salud; Gestión en salud; Teoría fundamentada; Personal de salud; Políticas pública de salud

INTRODUÇÃO

A experiência brasileira de Atenção Primária à Saúde (APS), configurada na Estratégia Saúde da Família (ESF) e parte estruturante do Sistema Único de Saúde (SUS) foi mencionada por várias autoridades durante a Conferência de Astana - realizada em outubro de 2018 - como modelo exitoso em virtude de seus resultados na melhoria do acesso e na saúde da população, sendo reforçada a necessidade de organizar os sistemas de saúde, com o intuito de afirmar e renovar o compromisso político com uma cobertura universal de saúde e desenvolvimento sustentável11. Giovanella L, Mendonça MHMM, Buss PB, Fleury S, Gadelha CA, Galvão LAC, Ferreira dos Santos R. From Alma-Ata to Astana. Primary health care and universal health systems: an inseparable commitment and a fundamental human right. Cad Saúde Pública [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 25]; 35(3):e00012219. Available from: https://dx.doi.org/ 10.1590/0102-311X00012219
https://dx.doi.org/ 10.1590/0102-311X000...
.

A APS, no Brasil, é a estrutura fundamental para o ordenamento do cuidado e coordenação da rede de atenção, com potencial para a sustentação de uma atenção continuada, articulada, integral e de qualidade para a universalidade da população22. Lopes LFD, Gofas FG, Obregon SL, Fabricio A, Almeida DM, Bresciani SAT. O direito à saúde e sua (não) efetivação pelas políticas públicas de atenção primária à saúde: uma análise da aplicação do método PCATOOL. REVISA [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 25]; 8(4):469-83. Available from: https://doi.org/10.36239/revisa.v8.n4.p469a483
https://doi.org/10.36239/revisa.v8.n4.p4...
. Nela se estabelecem os campos de práticas de cuidado, as manifestações subjetivas, os vínculos, o fortalecimento da intersetorialidade e da participação popular. Neste contexto, os trabalhadores, por meio de um olhar abrangente acerca do cuidado, buscam identificar demandas individuais e coletivas e proporcionar uma assistência integral, segura e de qualidade, conectando os serviços dos diferentes pontos da rede de atenção à saúde, tais como, os saberes, as práticas e os avanços tecnológicos.

Para tanto, as práticas de gestão do cuidado em saúde se inserem em um novo paradigma para a organização da rede de atenção à saúde e com capacidade de mediação nas complexas necessidades demandadas pelos usuários do sistema de saúde33. Soder R, Oliveira IC, da Silva LAA, Santos Guedes JL, Peiter CC, Erdmann AL. Desafios da gestão do cuidado na atenção básica: perspectiva da equipe de enfermagem. Enferm Foco [Internet]. 2018 [cited 2020 Jan 29]; 9(3):76-80. Available from: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/1496/465
http://revista.cofen.gov.br/index.php/en...
. Assume-se, então, a premissa de que a gestão do cuidado se corporifica nas ações dos sujeitos, gestores, trabalhadores da saúde e usuários que habitam e frequentam os serviços de saúde, edificando uma rede colaborativa e coordenada, para garantir o cuidado continuado aos usuários em local apropriado e mais oportuno44. Assis MMA. Redes de atenção à saúde e os desafios da atenção primária à saúde: um olhar sobre o cenário da Bahia. In: Almeida PF, Santos AM, Souza MKB, organizadores. Atenção Primária à Saúde na coordenação do cuidado em regiões de saúde. Salvador: EDUFBA; 2015. p. 45-64.. Neste processo, também é importante atentar para a melhoria das condições de trabalho.

Ante esses apontamentos, destaca-se a relevância e necessidade do aprofundamento no tema, visto que muito se tem falado sobre a gestão do cuidado no contexto da APS, mas pouco tem sido apresentado como análise teórico-científica. Acredita-se, portanto, que compreender o processo estrutural, significados e concepções da gestão do cuidado possa colaborar para a sensibilização no desenvolvimento de atos de cuidado que fortaleçam a APS no âmbito do sistema de saúde.

Pelo fato de entender que as práticas de cuidado são fortemente influenciadas pelas significações e motivações dos sujeitos envolvidos, bem como pelos contextos de vida e de trabalho, esta pesquisa buscou responder às seguintes questões: como os trabalhadores da saúde experienciam a gestão do cuidado em saúde no âmbito da APS? Quais os significados atribuídos à gestão do cuidado?

Este trabalho teve como objetivos compreender a gestão do cuidado na APS com base nas experiências e significados atribuídos pelos trabalhadores que atuam neste contexto e construir um modelo teórico-explicativo.

MÉTODO

Trata-se de pesquisa de abordagem qualitativa, desenvolvida com base na Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) construtivista55. Charmaz K. Constructing Grounded Theory. Los Angeles: SAGE, 2014..

Foi realizada no âmbito da rede de APS de um município localizado no Sul do Brasil, cuja população estimada para o ano de 2020 foi de 508.826 habitantes66. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [Internet]. Cidades@. [cited 2020 Out 17]. Available from: https://cidades.ibge.gov.br/
https://cidades.ibge.gov.br/...
. A APS conta com 152 equipes de saúde da família (eqSF) em 49 centros de saúde, distribuídas nos quatro distritos sanitários (DS) do município.

Foram convidados a participar do estudo trabalhadores da saúde com experiência e conhecimento em relação ao fenômeno investigado e que estavam atuando na função há pelo menos um ano. Foram incluídos, intencionalmente na composição de grupos amostrais, segundo amostragem teórica orienta a TFD55. Charmaz K. Constructing Grounded Theory. Los Angeles: SAGE, 2014..

O primeiro grupo amostral foi constituído por dezenove trabalhadores da saúde integrantes da equipe básica; o segundo grupo, dez trabalhadores integrantes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF); e o terceiro grupo amostral, quatro gestores da saúde atuantes em nível distrital. Os participantes dos três primeiros grupos amostrais eram vinculados ao mesmo DS. O Distrito Sanitário incluído para este estudo foi escolhido considerando a avaliação do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAq), ocorrido em 2014, na qual 61% das equipes avaliadas obtiveram a certificação “muito acima da média”.

O quarto e último grupo amostral foi composto de quatro gestores da saúde lotados na gerência central da Secretaria Municipal de Saúde do município. O número de participantes em cada grupo amostral e final seguiu o critério da saturação teórica, quando novos dados se repetem e já não surgem novas contribuições para o adensamento e elaboração do modelo teórico.

Entre as categorias profissionais entrevistadas neste estudo, incluíram-se: médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, agentes comunitários de saúde, fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais, farmacêuticos e cirurgiões-dentistas.

A coleta dos dados foi realizada de janeiro de 2017 a novembro de 2018 por meio da entrevista semiestruturada com base numa proposta intensiva44. Assis MMA. Redes de atenção à saúde e os desafios da atenção primária à saúde: um olhar sobre o cenário da Bahia. In: Almeida PF, Santos AM, Souza MKB, organizadores. Atenção Primária à Saúde na coordenação do cuidado em regiões de saúde. Salvador: EDUFBA; 2015. p. 45-64.. Os participantes do estudo foram convidados pessoalmente ou via telefone pela pesquisadora principal. As entrevistas foram realizadas individualmente pela pesquisadora principal que é enfermeira da APS neste município. Tais entrevistas ocorreram no próprio local de trabalho ou em outro escolhido pelos participantes (p. ex. na Universidade de origem da pesquisadora). Não houve recusas à participação.

Para registrar as entrevistas, garantir a fidedignidade dos discursos e possibilitar posterior análise, as entrevistas foram audiogravadas digitalmente, posteriormente transcritas na íntegra em documento do Microsoft ® Office Word, importadas para o software NVivo® versão 11 e, então, codificadas. As gravações tiveram duração de no mínimo 20 e no máximo 40 minutos

A análise dos dados ocorreu em duas fases: codificação inicial e codificação focalizada. Na codificação inicial, os dados foram fragmentados com base na análise das palavras, linhas, segmentos ou incidentes e codificados de acordo com a sua importância analítica. Na codificação focalizada, os códigos iniciais mais significativos foram classificados, sintetizados e integrados para o desenvolvimento das categorias55. Charmaz K. Constructing Grounded Theory. Los Angeles: SAGE, 2014..

No processo de elaboração da teoria, outras estratégias de registro e análise foram utilizadas, como memorandos e diagramas, que começam com a análise inicial e evoluem durante todo o processo de pesquisa. Os memorandos foram constituídos dos registros sobre o processo de pesquisa e por meio de considerações e sentimentos da pesquisadora. Variaram quanto ao tipo e ao formato, tais como: notas de codificação, teóricas, operacionais e de observação. Já, os diagramas funcionaram como mecanismos visuais que mostraram as relações entre os códigos, sendo uma alternativa para a concretização das ideias, possibilitando a percepção do poder relativo, do alcance e da direção das categorias, bem como das conexões existentes entre elas55. Charmaz K. Constructing Grounded Theory. Los Angeles: SAGE, 2014..

Com suporte na integração ordenada das categorias, no diálogo com a literatura científica e outros referenciais de suporte, realizou-se a elaboração teórica, qual seja, a construção da teoria relativa ao fenômeno em estudo.

Durante todo o processo de pesquisa, foram respeitadas as orientações e disposições da Resolução n.º 466/12 de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde e suas complementares. Iniciou-se a coleta de dados após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina.

Todos os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e tiveram garantida a confidencialidade da sua identidade, bem como o direito à desistência em qualquer momento da pesquisa. As entrevistas foram codificadas com a letra “G” referindo-se à palavra “Grupo” e “A”, “B”, “C” e “D” referindo-se aos grupos amostrais, posteriormente enumeradas, sucessivamente, para zelar pelo anonimato dos entrevistados (p. ex. GA1, GC2, GD3). Além disso, todas as informações que identificavam os participantes na entrevista foram modificadas.

Para validação do Modelo foram convidados a participar do processo nove trabalhadores da saúde de nível superior, atuantes na APS, nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul e não participantes do estudo. O modelo foi aprovado por todos, tendo sido considerado aplicável, abrangente e capaz de contribuir para a gestão do cuidado na APS.

RESULTADOS

Os participantes do estudo foram, em sua maioria, mulheres (81%) com idade entre 31 e 40 anos (51%) e com mais de 10 anos de obtenção da titulação para o cargo (67%).

O fenômeno central emergente após análise dos dados foi denominado “Gerenciando o cuidado na atenção primária à saúde”, que representa a ideia central vislumbrada nos dados. É sustentado por quatro categorias: “Organizando a gestão do cuidado”, “Implementando a gestão do cuidado no âmbito assistencial”, “Relacionando-se com outros sujeitos para a gestão do cuidado” e “Articulando-se social e politicamente”, as quais fundamentam o fenômeno alicerçado nas dimensões organizacional, assistencial, relacional e sociopolítica. Estas dimensões estão divididas em subdimensões, acompanhadas por eixos transversais a todas elas. As dimensões, subdimensões e eixos transversais e estão apresentados no Quadro 1.

Quadro 1 -
Dimensões, subdimensões e eixos do fenômeno “Gerenciando o cuidado na Atenção Primária à Saúde”. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2021.

A dimensão Organizacional - Organizando para a gestão do cuidado se refere ao processo de estruturação e articulação do serviço, na tentativa de subsidiar a gestão do cuidado. Desta dimensão emergiram quatro subdimensões, consideradas estratégicas e interdependentes, que corroboram o processo.

Sua primeira subdimensão perpassa pelo reconhecimento da realidade, numa perspectiva diagnóstica, quer seja no âmbito individual do sujeito, considerando os diferentes contextos de vida, quer seja no âmbito coletivo do território como espaço fundamental para os atos de cuidado e, ainda, no âmbito social das relações de cuidado que se estabelecem no seio dos serviços de saúde, com todas as suas fragilidades, fortalezas e desafios. Estes achados estão exemplificados nas falas a seguir:

A gestão do cuidado é você reconhecer quais são os problemas de saúde que você mais tem, identifica ou atende naquele grupo, que você é responsável no caso de um centro de saúde, e a partir desse diagnóstico inicial, você conhecendo as ferramentas que são disponibilizadas ou até mesmo criando algumas possibilidades de ferramentas novas, você dá possibilidade para o profissional e o paciente de ter um cuidado mais focado, mais direcionado, mais seguro com menos despesa, menos custo, mais efetividade e focado na pessoa (GD3).

[...] gestão do cuidado é dar acesso à população [...] é poder trabalhar a vigilância do território [...] discutir o cuidado individual, a qualidade do cuidado individual, a saúde baseada em evidência [...] é organização da agenda, organização do território, organização do acesso, da longitudinalidade, da coordenação do cuidado, eu entendo que são os atributos da atenção primária, atributos do SUS imbricados num processo de qualificação do cuidado continuado, clínica, individual e coletivo [...] Eu penso em conhecer, conhecer a nossa área, em conhecer tudo que a gente tem de ferramenta, tudo que a gente tem de obstáculo pela frente, as fortalezas que a gente tem, no nosso território, que é uma, nossa comunidade (GA7).

A segunda subdimensão concerne ao planejamento e à busca de estratégias para a gestão do cuidado. Refere-se à organização das equipes no e para o território, na organização dos processos de trabalho dentro do serviço, dos fluxos internos, da organização das agendas e das formas de acesso dos usuários e seus dispositivos, como as mídias sociais e a garantia de insumos de qualidade e quantidade suficientes, como mostram os relatos:

Gestão do cuidado é eu poder estar próximo, entender como que aquela família vive, da onde é que subsiste, o trabalho do pai, da mãe, toda essa coisa que pode interferir no estado de saúde deles [...] nas reuniões de equipe, acho que é um momento em que eu acho que estou fazendo gestão do cuidado. Nessas reuniões participam comigo o médico, as agentes comunitárias e nesse momento a gente faz uma troca de como está a nossa área, elas trazem os problemas encontrados na comunidade, mediante isso a gente traça um cuidado para aquilo. Por exemplo, uma agente comunitária achou uma gestante que está sem atendimento, durante a reunião agendamos uma consulta e uma visita domiciliar. Dessa maneira a gente consegue um controle melhor da área e um controle melhor da nossa equipe (GA9).

Então eu acredito que a gente faça a gestão do cuidado, tanto no planejamento do cuidado individual quanto no processo de trabalho em equipe, quando a gente discute alguma coisa do território (GA17).

[...] quando a gente recebe as pessoas no acolhimento, a gente faz a primeira escuta e organiza o atendimento, o que vai para mim e o que vai para o médico. Isso de uma certa forma é o planejamento do cuidado. [...] Eu acho que é uma forma de gerir o cuidado, pelo menos para um grupo específico... é com relação às gestantes, por exemplo. É a gente estar sempre programando e resguardando vagas disponíveis para ela, sem dificuldade de acesso, e de ver quantas consultas eu faço, quantas o médico faz (GA15).

A terceira subdimensão perpassa pela articulação das redes, no sentido de envolver os vários níveis de atenção na gestão do cuidado, pela organização das linhas de cuidado ao longo da rede estruturante, pela coordenação do cuidado nesse processo, pela garantia da continuidade do cuidado, na perspectiva da longitudinalidade e da integralidade:

Então a gestão para mim não funciona sozinha naquilo que eu vou planejar para aquele paciente, para aquele usuário, mas sim o que eu vou fazer em conjunto dentro da realidade que ele convive. [...] Eu não tenho que olhar só em uma caixinha: ‘hoje ele está com esse problema de saúde’. Não! Eu tenho que olhar esse problema de saúde onde ele está inserido, ele enquanto família, ele enquanto comunidade, o que eu tenho ao redor dele que pode estar interferindo na saúde dele, ou que pode me ajudar a trabalhar a melhoria da saúde dele e com isso as parcerias que eu vou fazer, seja com o NASF, seja com outros profissionais. Então, acionando uma rede de cuidados, que eu vou conseguir fazer essa gestão (GC3).

A dimensão Assistencial - implementando a gestão do cuidado no âmbito assistencial se refere às ações relacionadas com a prática clínica assistencial, do encontro entre trabalhadores e usuários.

Sua primeira subdimensão se refere à prestação da assistência ao usuário, no sentido da implementação de práticas de cuidado, que podem ocorrer em diferentes conjunturas da APS: no acolhimento às demandas, como escuta atenta e ativa, desde a recepção, sala de vacina, sala de procedimentos, até a consulta médica ou de enfermagem; na realização de atividades coletivas, nas visitas domiciliares ou no território como um todo como expõem os participantes:

A gestão do cuidado, abrange desde o início, quando o paciente acessou o centro de saúde, e então ele passou pelo acolhimento, ele passou por uma consulta, por um profissional de saúde, ele foi a um serviço de apoio matricial, ele utilizou um especialista e tudo isso está na gestão do cuidado, porque é a resposta que o serviço está dando para a necessidade dessa pessoa (GC2).

Na sala de procedimentos, eu acho que a gente faz muita gestão do cuidado. A gente tem muito curativo. Que a gente faz aqui querendo ou não, muito acolhimento. Muitas vezes, a gente percebe alguma coisa, a pessoa vem fazer o curativo e a gente consegue perceber outras coisas que não só o curativo (GA13).

A segunda subdimensão centraliza o cuidado no usuário, transformando-o no foco de atuação dos trabalhadores, o que compreende o entendimento das suas necessidades individuais e coletivas e a percepção das diversas situações de saúde, que podem ser encontradas no território, sempre de forma singular e no intuito de obter a satisfação da pessoa:

A gente faz parte da gestão do cuidado, porque eu acho que todo o trabalhador da saúde vai estar envolvido de alguma forma em gerir esse cuidado, promover esse cuidado, facilitando o acesso das pessoas, facilitando o acolhimento das pessoas tanto aqui, quanto na comunidade ou, às vezes, até na rua onde eles nos encontram, se estão em algum momento com dificuldade. É o momento que eles encontram para pedir esse cuidado, vendo como pode ser feito (GA10).

Eu vejo assim, acolher o paciente, cuidar daquele paciente, vamos supor se ele tem um problema muito sério, eu acho que tem que ter um olhar diferente para aquele paciente. [...] uma vez cheguei na casa da Dona Fulana e ela já estava com uma escara por abrir, aquelas feridas de pressão. Então, eu relatei tudo, tirei foto, falei com a enfermeira. [...] Então, a enfermeira pega um tempinho e vai lá (GA14).

A terceira subdimensão, construindo planos de cuidado, no sentido de que a tomada de decisão deve ocorrer de forma conjunta com o usuário, com ampliação do olhar além da consulta e supervisão do cuidado:

Eu penso que eu faço gestão do cuidado, tanto no momento em que eu estou estabelecendo um projeto terapêutico singular para o indivíduo, em que eu estou pensando em como dar conta de uma necessidade individual quanto quando eu sento com a minha equipe para organizar o processo de trabalho na minha equipe de saúde e na unidade como um todo (GA17).

Hoje tinha uma senhora lá, com uns problemas na vida dela. Então, eu comecei a pensar, o que eu posso fazer para ajudar aquela pessoa. Ou vou conversar com a equipe, procurar a equipe dela e do neto dela, porque ela conversou do neto comigo. Vou procurar e ver como é que está, como é que está esse neto, como é que ela está. É mais quando eu vejo alguma coisa que me desperta assim o interesse de correr atrás, eu vejo que tem algum sofrimento, alguma coisa assim. Tem que ter um olhar mais amplo (GB5).

Eu estou entendendo que gestão do cuidado é você ver realmente o que você tem, as ferramentas que você tem, a sua capacidade resolutiva, e você junto com o paciente, enfim, com o grupo que você está trabalhando, você desenvolve uma linha de cuidado, algo mais longitudinalizado (GD3).

Na dimensão Relacional - relacionando-se com outros sujeitos para a gestão do cuidado, fala-se sobre o papel que a relação entre os sujeitos exerce no caminho para a gestão do cuidado. Esta se estrutura em duas subdimensões.

Na primeira subdimensão, “trabalhando em equipe”, os dados revelaram que os trabalhadores entendem a gestão do cuidado como um trabalho de equipe por meio do encontro entre os sujeitos e trabalhadores, em que os atos de cuidado devem ser compartilhados entre os diferentes sujeitos envolvidos. Busca-se por um afinamento dos processos de trabalho com comprometimento, bom relacionamento e convívio entre os trabalhadores dentro do serviço, discussão entre a equipe com decisão conjunta e compartilhada. Esta realidade é exemplificada na fala abaixo:

Tem coisas que a gente já consegue dar alguma orientação, do que pode ser feito, que caminho ela deve seguir. E tem coisas que a gente não consegue auxiliar na hora e, então a gente traz na unidade, conversa com o enfermeiro, com o médico ou até em reunião. Conversa com a equipe completa e vê como que a gente pode estar ofertando o atendimento para aquela pessoa (GA10).

Na segunda subdimensão, “considerando a subjetividade”, os dados demonstraram que a subjetividade dos trabalhadores influencia fortemente os agenciamentos realizados na APS e em direção à gestão do cuidado. Perpassam pelo envolvimento, comprometimento e responsabilização dos trabalhadores com a capacidade de se manter em postura empática, disponível, acessível, geradora de confiança e, principalmente, no exercício diário de aceitação do desejo do outro:

Quando penso em gestão do cuidado eu me lembro de responsabilização. Então, eu me sinto como médico daquelas pessoas que moram naquele território. Como uma referência, eu gosto de saber que os pacientes podem ter um médico de referência em quem eles confiam, que conhece a família deles e que conhece a comunidade onde eles moram, que conhece o contexto social e cultural. Eu acho que está muito ligado à questão dos atributos [...] você só faz gestão do cuidado se você tiver também acesso, se as pessoas puderem acessar quando elas necessitam. Então você tem que estar disponível (GA5).

Na dimensão sociopolítica - articulando-se social e politicamente, a gestão do cuidado emerge como um processo social. São as formas pelas quais os indivíduos se relacionam uns com os outros e estabelecem relações interpessoais e sociais no contexto da vida. Reforça a necessidade de um conceito ampliado de saúde com observação dos determinantes e condicionantes sociais. Além disso, refere-se à capacidade de articulação, movimentação e acesso a outros setores e instâncias governamentais, na medida em que se identificam situações e condições de saúde que vão além da governabilidade apenas do serviço de saúde. Percebe-se o papel que o controle social e a gestão exercem para a gestão do cuidado, no sentido de colaboração no processo de lutas e reivindicações e de subsídio por intermédio da elaboração e suporte para a implementação de políticas públicas respectivamente. Esses achados são exemplificados nas falas a seguir:

Até o Conselho Local de Saúde é uma gestão do cuidado, porque eu vou utilizá-lo para conseguir melhorar algumas coisas que eu tenho dentro do sistema de saúde e dentro da comunidade também. Isso tudo eu vejo assim como um ganho muito grande, uma coisa positiva (GA6).

Na minha percepção a gestão de cuidado é um processo social. É você pensar sobre essa questão do conceito de saúde de forma mais ampliada, de observar os determinantes e condicionantes sociais [...] nós esbarramos em uma situação de governabilidade, até onde a gente pode ir, quais são as situações que somos responsáveis, onde que está a questão da saúde, onde está a questão do ministério da previdência, onde está a questão do ministério do trabalho [...] gestão do cuidado ela é muito maior. É para você pensar políticas públicas (GB4).

Por fim, nos eixos “ampliando o olhar” e “problematizando criticamente” se verifica a relevância de um olhar afetivo e sensibilizado para as necessidades do outro, capaz de zelar pela gestão do cuidado, como também de proporcionar uma problematização crítica das diversas situações encontradas no cotidiano do trabalho:

Porque, muitas vezes, a gente fica focado. Estou com dor de garganta, tu olhas só a garganta e, às vezes, a pessoa tem outras coisas. Então, tu tens que ver o ser como um todo e tentar ajudar da melhor maneira possível (GA19).

Tem esse olhar mais caridoso, mais afetivo com o outro, com as necessidades do indivíduo que passa por um processo. E o cuidado tem uma história até mais longa na enfermagem do que na medicina. Então, talvez tenha esse chamado para um ato muito maior do que o olhar médico, estrito. Enfim, para mim estaria dentro dessas características (GA17).

Tanto para o nosso processo de trabalho que ajuda a organizar quanto para qualidade do cuidado prestado para comunidade. Se não fica sempre na mesma coisa e a gente não evolui daquilo, não problematiza, não tem um olhar crítico nas coisas, não ajuda a melhorar todo o processo (GA7).

Se eu for parar e ver, não apenas aquele indivíduo que está na minha frente, não só o pai e a mãe, mas a família num âmbito maior, até porque o nosso paciente, eles têm uma relação muito interessante com os vizinhos. Se pensar na família como pai, mãe e os filhos é uma coisa, mas, muitas vezes, eles têm um círculo muito maior, que muitas vezes, está mais envolvido na vida deles que os de parentesco direto. Então, o que acontece com o vizinho dele pode estar afetando a vida dele e isso pode ser visto melhor (GA9).

A seguir, apresenta-se o modelo teórico-explicativo do fenômeno emergente: Gerenciando o cuidado na atenção primária à saúde. Nesta perspectiva, é possível visualizar as conexões construídas entre as dimensões e subdimensões do fenômeno, já abordadas no decorrer do presente estudo, como ilustra a Figura 1.

Figura 1 -
Modelo Teórico-explicativo do fenômeno: Gerenciando o cuidado na APS. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2021.

O Modelo apresenta o fenômeno emergente na região central da espiral, circundado pelas suas quatro dimensões interdependentes: organizacional, assistencial, sociopolítica e relacional e respectivas subdimensões. Observa-se a gestão do cuidado concretizada no cotidiano do trabalho e permeada pela complexidade das relações entre gestores, trabalhadores, usuários e comunidade - principais atores da cena. Na base da pirâmide, encontram-se os trabalhadores e os gestores, cujo olhar, no que se refere à gestão do cuidado, deve estar voltado ao usuário e à comunidade, foco principal de todas as ações. Ainda, é possível vislumbrar toda a ação sendo problematizada criticamente pelos trabalhadores e gestores que se utilizam de um olhar ampliado para o entendimento e efetivação dessa realidade.

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo possibilitam pensar sobre a gestão do cuidado na APS como uma variabilidade de práticas, condições e situações que integram o entrelaçado mundo do trabalho e da vida dos usuários e trabalhadores dos serviços de saúde. O cotidiano é repleto de desafios, em consequência da complexidade que é simplesmente existir neste mundo. Neste cenário profundo, emergem demandas, ora dos usuários, ora dos próprios trabalhadores, ora da comunidade, e é nesse ambiente de adversidades que as práticas de cuidado e em saúde se inserem. Por isso, durante a gestão do cuidado é essencial que os envolvidos mantenham o olhar ampliado e problematizem criticamente todas as dimensões e subdimensões aqui reveladas.

Com relação à dimensão organizacional, destaca-se que por meio da compreensão da realidade em saúde onde os usuários estão inseridos e da análise de situação em saúde é possível identificar as necessidades de cuidado à saúde que estão vinculadas, também, às questões sociais, ao processo histórico da comunidade em que se vive e às fragilidades no acesso aos sistemas de saúde, principalmente à APS. Assim, estas ações são fundamentais para que os trabalhadores, gestores e serviços de saúde tornem as necessidades dos usuários o centro da atenção de suas práticas77. Silva CSSL, Koopmans FF, Daher DV. O Diagnóstico Situacional como ferramenta para o planejamento de ações na Atenção Primária à Saúde. Rev PróUniverSUS [Internet]. 2016 [cited 2020 Fev 10]; 7(2):30-3. Available from: http://editora.universidadedevassouras.edu.br/index.php/RPU/article/view/345/0
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. Com base nessas ações, então, e pela lógica da integralidade do cuidado, os trabalhadores, de forma multiprofissional e interdisciplinar podem refletir em como organizar os serviços de saúde, a fim de que estratégias de cuidado à pessoa, família e comunidade se efetivem, tanto na APS como nos diferentes dispositivos e pontos da rede de atenção à saúde, quando necessário.

As demandas trazidas para o cotidiano devem ser constantemente verificadas, medidas e reavaliadas para que novas estratégias possam ser planejadas e colocadas em prática, quando se constatam gargalos que limitam o acesso ou aumentam significativamente a busca pelos serviços de saúde88. Zonta R, Norman AH, Tesser CD, Galhardi MP, Capeletti NM. Rastreamento, check-up e prevenção quaternária. Florianópolis: UFSC; 2017. 157 p.. O acesso está vinculado ao acolhimento como uma prática de escuta atenta, na medida em que propõe uma inversão da lógica de organização e funcionamento do serviço de saúde. Parte-se da premissa de que é preciso escutar todas as pessoas que buscam pelo atendimento no serviço de saúde, para então, orientá-las e guiá-las com base em sua necessidade, considerando a estrutura organizacional do serviço de saúde e da rede de serviços na qual está inserido.

Neste sentido, pontua-se o investimento dos trabalhadores da saúde e da gestão em estratégias de organização e gestão do cuidado99. Ribeiro M, Napoleão Albuquerque I, Cunha I, Mayorga F, Ximenes Neto F, Silveira N. Organização do cuidado às condições crônicas na atenção primária à saúde de Sobral-CE: avaliação de processo na perspectiva de gestores. APS em REVISTA [Internet]. 2019 [cited 2020 Fev 10];1(1):29-38. Available from: https://doi.org/10.14295/aps.v1i1.5
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como por exemplo: protocolos de acesso às especialidades, protocolos e diretrizes para diagnóstico e tratamento de doenças pertinentes à assistência pela APS, desenvolvimento de processos de educação permanente dos trabalhadores do sistema, entre outros.

Para organizar a rede de atenção à saúde, é necessário que sejam definidas as responsabilidades institucionais, as estratégias para a sua composição, manutenção e monitoramento, além de identificar, vencer ou contornar os desafios e dificuldades para sua instalação, manutenção e articulação. Há necessidade de um sistema de governança onde gestores e trabalhadores da saúde possam se manter articulados, buscando consolidar os princípios do SUS e a APS como sua porta de entrada. Cabe destacar que o financiamento tripartite é essencial para que a rede tenha o funcionamento operacional e logístico garantidos e estabelecidos pelas pactuações para executar suas ações1010. Bandeira FJS, Campos ACV, Gonçalves LHT. Rede de atenção: fragilidades no processo de implementação na perspectiva de especialistas em Gestão da Atenção Primária. Enferm Foco [Internet]. 2019 [cited 2020 Fev 14]; 10(2):24-9. Available from: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/1988/514
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Na dimensão assistencial, os trabalhadores em saúde exercem o cuidado com e para o usuário, de forma compartilhada e singular e, ao interagirem, interpretam perspectivas e compreendem as expectativas mutuamente1111. Utzumi FC, Lacerda MR, Bernardino E, Gomes IM, Aued GK, Sousa SM. Continuidade do cuidado e o interacionismo simbólico: um entendimento possível. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2018 [cited 2020 Oct 17]; 27(2):e4250016. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-070720180004250016
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. Os trabalhadores necessitam desempenhar competências e habilidades que ultrapassam sua capacidade técnica, ou seja, será necessário o desenvolvimento de habilidades relacionadas com a escuta atenta e comunicação entre a equipe e destes com os usuários, postura transparente sobre as reais possibilidades do serviço para o cuidado, no âmbito da APS e em outros níveis de atenção, tomada de decisão compartilhada, inclusiva e com foco no empoderamento dos binômios usuário-trabalhador e usuário-cuidador (quando este existir), construção de vínculos de confiança e afetos, respeitando as possibilidades dos trabalhadores como equipes de saúde e centrados no usuário.

O modelo assistencial brasileiro pautado na ESF tem sido apontado na literatura como propulsor de mudança das práticas e dirigido a uma clínica ampliada e centrada nas demandas do usuário. Em uma pesquisa, cujo objeto de estudo foi a produção do cuidado no cotidiano de trabalho na APS, verificou-se que as ESF apresentam notório esforço para atos de cuidado baseados nas necessidades de saúde dos usuários de seu território, distanciando-se em alguns momentos dos protocolos organizacionais da ESF, sendo que todo o processo foi agenciado pelas diversas dificuldades e complexidades que interferem no processo de cuidar1212. Agonigil RC, Carvalho SM, Freirel MAM, Gonçalves LF. The production of care in the routine of Family Health Teams. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [cited 2020 Fev 17]; 71:2659-65. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0595
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O cuidado centrado no paciente, compreendido como cuidado respeitoso e responsivo às preferências, necessidades e valores individuais dos pacientes e que assegura que os valores do paciente devem orientar em todas as decisões clínicas, foi incluído como um dos seis atributos da qualidade em saúde, em 20011313. Institute of Medicine (US). Crossing the Quality Chasm: A New Health System for the 21st Century. Washington: The Nacional Academies; 2001.. Dentre as tecnologias que possibilitam construir planos de cuidado centrado no paciente e mudanças na produção da gestão do cuidado, pontua-se o Projeto Terapêutico na APS1414. Peixoto MT, Carvalho RC, Vilasboas ALQ. Projeto terapêutico familiar: uma tecnologia de gestão do cuidado na saúde da família. Rev Saúde Col UEFS [Internet]. 2017 [cited 2020 Mar 02]; 7(2):35-43. Available from: https://doi.org/10.13102/rscdauefs.v7i2.1498
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Na dimensão relacional, o trabalho em equipe e os encontros entre os trabalhadores e destes com os usuários são acontecimentos que expressam a produção do cuidado. A atuação das equipes se caracteriza como de alta complexidade em virtude da dinâmica social dos territórios, nos quais estão inseridos1212. Agonigil RC, Carvalho SM, Freirel MAM, Gonçalves LF. The production of care in the routine of Family Health Teams. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [cited 2020 Fev 17]; 71:2659-65. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0595
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. Os atravessamentos subjetivos que operam no cotidiano de trabalho da APS podem, em muitos casos, não ser percebidos pelo trabalhador, mas é com base neles que o trabalhador faz opções sobre suas práticas, tecnologias de trabalho e o modo como vai se relacionar com seus pares e com o usuário1515. Franco TB. Creative work and health care: a discussion based on the concepts of slavery and freedom. Saúde Soc [Internet]. 2015 [cited 2020 Marc 04]; 21:102-14. Available from: https://doi.org/10.1590/s0104-12902015s01009
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As relações na ESF requerem, também, o olhar para a subjetividade presente no ato de cuidar, associado ao modo como o trabalhador significa o trabalho, objetiva seus saberes estruturados, dialoga com seus sentimentos, expectativas e interesses e como se relaciona com o outro. Nos encontros entre os trabalhadores de saúde, envolvendo as diferentes categorias em atuação, podem existir relações de poder que circulam nas microrrelações e que podem, por sua vez, gerar tensão no trabalho e, em consequência, prejudicar o cuidado do usuário. Assim, para a gestão do cuidado se faz necessário, ainda, a instrumentalização dos trabalhadores, com ferramentas, para que cada um possa encontrar legitimidade para agenciar mudanças, abertura para apresentar ideias e colaborar com o trabalho em equipe, além de construir um corpo de conhecimento próprio, horizontalizar conhecimentos e empoderar a equipe para o cuidar de pessoas1616. Silva IS, Arantes CIS. Power relations in the family health team: focus on nursing. Rev Bras Enferm [Internet]. 2017 [cited 2020 Mar 09]; 70(3):580-7. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0171
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Na relação com o usuário, o cuidado prestado pelo trabalhador da saúde, precisa estar pautado em uma atitude que une a competência técnica com a sensibilidade, a afetividade e o respeito, adotado com base numa postura empática, na qual haja envolvimento e compromisso com o outro1717. Santos AG, Monteiro CFS, Nunes BMVT, Benício CDAV, Nogueira LT. O cuidado em enfermagem analisado segundo a essência do cuidado de Martin Heidegger. Rev Cubana Enferm [Internet]. 2017 [cited 2020 Mar 09]; 33:3. Available from: http://www.revenfermeria.sld.cu/index.php/enf/article/view/1529/295
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. Essa postura é capaz de fortalecer o vínculo, melhorar a comunicação clínica e, em consequência, potencializar a adesão aos cuidados estabelecidos de forma compartilhada entre trabalhador da saúde e usuário.

No que compete à dimensão sociopolítica, faz-se necessário reconhecer que a saúde é um direito constitucional e, por isso, integra uma política pública, ou seja, o Estado é o responsável por oferecer o acesso à saúde por meio de programas e ações específicas para a sociedade1818. Brasil. Lei 8080 de 19 de setembro de 1990: Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União [internet] 1990 set 20 [cited 2020 May 18]. Available from: https://conselho.saude.gov.br/legislacao/lei8080_190990.htm
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. Ao mesmo tempo que é constitucional a participação popular na gestão dos serviços de saúde por meio dos conselhos de saúde1919. Brasil. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990: Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet] 1990 dez 31 [cited 2020 May 18]. Available from: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8142.htm
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. Cabe, então aos trabalhadores da saúde empoderar os usuários da APS para participar ativamente do Conselho Local de Saúde (CLS), com foco em promover a saúde no território, reivindicar o financiamento municipal, assim como o estadual e federal nas outras esferas (Conselho Estadual e Municipal de Saúde), e pensar acerca de políticas públicas de saúde.

Apesar do exposto, existe uma dificuldade de os CLS saírem da invisibilidade, visto que os usuários, mesmo quando com vínculo com os conselheiros, serviços e trabalhadores da saúde e com compreensão da rotina das unidades de saúde ignoram a existência dos CLSs, em consequência de esses conselhos dificilmente divulgarem informações sobre reuniões, funções e atividades2020. Miwa MJ, Serapioni M, Ventura CAA. A presença invisível dos conselhos locais de saúde. Saúde Soc [Internet]. 2017 [cited 2020 Mar 09];26(2):411-23. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-12902017170049
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. No presente estudo foi pontuado o Conselho Local de Saúde como um local de produção da saúde enquanto processo social, em que trabalhadores de saúde, junto aos conselheiros e população conseguem aumentar a governabilidade dos serviços de saúde. Reflete-se que quanto maior a participação da comunidade neste dispositivo de participação popular, maior a sua força na gestão do cuidado disponibilizado pelos serviços de saúde.

Pontua-se como limitação do estudo, o fato de este ter sido realizado em apenas um município brasileiro que em decorrência do grande espaço geográfico e diversidades socioculturais não contempla outras realidades vivenciadas durante o processo de gestão do cuidado na APS. Assim, considera-se relevante destacar a necessidade de novas investigações, no sentido de ratificar esses achados, buscando investigar outras realidades.

CONCLUSÃO

O fenômeno central Gerenciando o cuidado na Atenção Primária à Saúde representa uma abstração organizada, construída com base na análise interativa dos dados por meio do significado e das vivências dos trabalhadores na prática da gestão do cuidado no contexto da APS. O modelo teórico-explicativo do fenômeno apresenta a gestão do cuidado concretizada no cotidiano do trabalho e permeada pela complexidade das relações entre gestores, trabalhadores e usuários, sendo estes últimos o foco central de todas as ações. Este foi constituído por quatro dimensões interdependentes que permeiam a gestão do cuidado, quais sejam: organizacional, assistencial, relacional e sociopolítica.

Os dados desta pesquisa reforçam o caráter complexo do fazer dos serviços da APS. Acredita-se que os resultados possam contribuir para o processo reflexivo de todos os trabalhadores envolvidos na gestão do cuidado na APS e, fundamentado nessa etapa, possam colaborar para a ampliação e fortalecimento de práticas de cuidado cada vez mais comprometidas com os usuários na conformação da rede de cuidados. Ainda, pode servir de base para estudos que tenham por objetivo investigar as dimensões e subdimensões do fenômeno aqui abordado.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído da tese - Gestão do Cuidado na Atenção Primária em Saúde, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal de Santa Catarina, em 2019.
  • FINANCIAMENTO

    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, Brasil. (88881.132906/2016-01).
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, parecer n. 1.789.874/2019, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética: 59833916.1.0000.0121.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Gisele Cristina Manfrini, Melissa Orlandi Honório Locks, Monica Motta Lino. Editor-chefe: Roberta Costa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Jun 2021
  • Aceito
    24 Ago 2021
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