ABSENTEÍSMO NA ENFERMAGEM DIANTE DA COVID-19: ESTUDO COMPARATIVO EM HOSPITAL DO SUL DO BRASIL

RESUMO

Objetivo

comparar o absenteísmo da enfermagem hospitalar, antes e durante a pandemia da COVID-19.

Método

estudo transversal. Compilaram-se os registros de afastamento do trabalho da enfermagem de um hospital universitário sul-brasileiro nos meses de março, abril e maio de 2019 (n=622) e no mesmo período em 2020 (n=475). Os dados foram analisados por estatística descritiva e analítica.

Resultados

nos dois períodos, foram equânimes as frequências de afastamentos de mulheres (98,4%; 98,3%), com idade entre 40 e 49 anos (47,9%; 44,8%) e atuantes em enfermarias para adultos (30,7%; 29,2%). O absenteísmo-doença foi a causa prevalente (48,4%; 48%). O número absoluto de casos de afastamento foi maior no período pré-pandemia, contudo, o tempo em dias e horas perdidas, bem como a taxa de absenteísmo (13,9; 18,6%), foram significativamente mais elevados (p-valor<0,001) no período de pandemia vigente.

Conclusão

a pandemia de COVID-19 impactou na elevação do absenteísmo da enfermagem hospitalar.

DESCRITORES:
Absenteísmo; Equipe de enfermagem; Infecções por coronavírus; Saúde do trabalhador; Recursos humanos de enfermagem no hospital

ABSTRACT

Objective

to compare absenteeism in Hospital Nursing before and during the COVID-19 pandemic.

Method

cross-sectional study. It involved compilation of the records of absence from Nursing work at a university hospital in southern Brazil in March, April and May 2019 (n=622) and during the same period in 2020 (n=475). The data were analyzed by means of descriptive and analytical statistics.

Results

both periods presented the same absence frequencies in women (98.4%; 98.3%), aged between 40 and 49 years old (47.9%; 44.8%) and working in wards for adults (30.7%; 29.2%). Absenteeism-Disease was the most prevalent cause (48.4%; 48%). The absolute number of absence cases was higher in the pre-pandemic period; however, the time in days and hours lost, as well as the absenteeism rate (13.9; 18.6%), was significantly higher (p-value<0.001) in the current pandemic period.

Conclusion

the COVID-19 pandemic exerted an impact on the increase in Hospital Nursing absenteeism.

DESCRIPTORS:
Absenteeism; Nursing team; Infections by coronavirus; Worker's health; Nursing human resources in the hospital

RESUMEN

Objetivo

comparar el ausentismo en el área de Enfermería hospitalaria, antes y durante la pandemia de COVID-19.

Método

estudio transversal. Se compilaron los registros de ausencias laborales en el área de Enfermería de un hospital universitario del sur de Brasil durante los meses de marzo, abril y mayo de 2019 (n=622) y en el mismo período del año 2020 (n=475). Los datos se analizaron por medio de estadística descriptiva y analítica.

Resultados

en ambos períodos, las frecuencias en términos de ausencias laborales fueron equivalentes en mujeres (98,4%; 98,3%), de entre 40 y 49 años (47,9%; 44,8%) y que desempeñaban sus funciones en salas para adultos (30,7%; 29,2%). Ausentismo/Enfermedad fue la causa prevalente (48,4%; 48%). La cantidad absoluta de casos de ausencias laborales fue mayor durante el período previo a la pandemia; sin embargo, el tiempo en días y horas perdidas, así como el índice de ausentismo (13,9; 18,6%), fueron significativamente más elevados (valor-p<0,001) durante el período de pandemia actual.

Conclusión

la pandemia de COVID-19 repercutió en el aumento del ausentismo en el área de Enfermería hospitalaria.

DESCRIPTORES:
Ausentismo; Equipo de Enfermería; Infecciones por coronavirus; Salud laboral; Recursos humanos de Enfermería en el hospital

INTRODUÇÃO

A dinâmica de trabalho institucional envolve a jornada de trabalho, intervalos para lanche e para almoço e as ausências previstas em lei (folgas, férias e licenças). Porém, em virtude de múltiplos fatores, inclusive a carga de trabalho,1 é possível observar nas organizações recorrentes ausências imprevistas, sendo esse fenômeno denominado absenteísmo.2

O absenteísmo, também denominado de ausentismo ou absentismo, é um importante indicador de gestão de pessoas e das estratégias/políticas de saúde do trabalhador.3 A literatura aponta cinco tipos de absenteísmo, sendo eles absenteísmo voluntário, que é decorrente de razões particulares, não justificado por nenhuma patologia; absenteísmo por doença, que inclui todas as patologias, com exceção das decorrentes do trabalho; absenteísmo motivado por patologia profissional, que é relacionado a acidentes de trabalho ou doenças profissionais; absenteísmo legal, que é amparado por lei (licença gestacional, doação de sangue e serviço militar); e absenteísmo compulsório, ocasionado por prisão ou outro motivo que restringe o trabalhador a chegar ao local de trabalho.3

Na enfermagem, o absenteísmo é um fenômeno problemático, tanto porque a profissão é social e historicamente marcada por condições laborais que permeiam a insalubridade, penosidade e desvalorização, como também pelo motivo de a equipe representar o elo direto e permanente do cuidado humano nos serviços de saúde, além de sua expressividade numérica.1^-2 Isso torna a ausência desses trabalhadores um sério desafio às lideranças, no sentido de garantir a qualidade do cuidado em meio a um cenário de provisão de pessoal e de condições laborais frequentemente deficitários.1^,4

Os fatores relacionados às condições laborais da equipe de enfermagem tornaram-se holofotes diante da crise sanitária causada pela pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) devido à escassez de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para os profissionais de saúde, sobrecarga laboral, cancelamento de férias e outros problemas da organização do trabalho. Esse cenário impactou negativamente na saúde física e emocional dos trabalhadores.5^-7

Diante da precariedade laboral, da elevada carga de trabalho da enfermagem e evidentemente do enorme risco de contaminação pelo SARS-CoV-2, é plausível que se espere aumento das taxas de absenteísmo desses trabalhadores na vigência da pandemia.6 Isso porque as longas jornadas de trabalho, a síndrome de Burnout, o estigma social e o estresse emocional ocasionado pela pandemia favorecem o afastamento dos trabalhadores de enfermagem.7

Considerando as premissas expostas atreladas à necessidade social e científica de estudos concretos na problemática em tela, indagou-se: a pandemia da COVID-19 impactou no absenteísmo da equipe de enfermagem hospitalar? Para tanto, o objetivo do estudo foi comparar o absenteísmo da enfermagem hospitalar, antes e durante a pandemia da COVID-19.

MÉTODO

Estudo transversal e correlacional, seguindo as diretrizes Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE). Realizou-se a pesquisa em um hospital universitário localizado no sul do Brasil, com capacidade de aproximadamente 250 leitos, com atendimentos voltados unicamente ao Sistema Único de Saúde (SUS). O local de estudo engloba leitos de internação em unidades de clínica médica e cirúrgica, Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Adulto, UTI Pediátrica, UTI Neonatal, Unidade de Cuidados Intermediários (UCI), Pronto-Socorro (PS), Centro Cirúrgico (CC), Centro Obstétrico (CO), ambulatórios de especialidades e UTI COVID-19, que foi aberta em março de 2020.

Analisaram-se todos (N=1097) os registros de afastamento do trabalho da equipe de enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem), independente do setor de atuação, nos meses de março, abril e maio de 2019 (período pré-pandemia; n=622) e nos mesmos meses de 2020 (período pandêmico; n=475), de forma a permitir a comparação das variáveis de interesse. Foram excluídos 48 registros (22 de 2019 e 26 de 2020) de afastamento dos trabalhadores porque não continham a causa do absenteísmo documentada e/ou outra informação pertinente à análise completa dos dados. No presente estudo, considerou-se absenteísmo as faltas geradas por ocasiões inesperadas, não amparadas por lei.

A coleta de dados foi realizada no período de junho a julho de 2020, com a Direção de Enfermagem do hospital de inquérito, por meio da verificação direta dos registros impressos de ausência dos trabalhadores de enfermagem nos períodos avaliados. As variáveis extraídas em relação aos profissionais foram sexo, idade, local/unidade de lotação no hospital e categoria profissional. Já em relação aos afastamentos, extraíram-se as seguintes informações: tipo/motivo do afastamento; dias e horas de trabalho perdidos.

Os dados coletados manualmente foram inseridos em planilhas eletrônicas do Microsoft Office Excel^® e, posteriormente, exportados para o software Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 23.0, por meio do qual foram realizadas as análises estatísticas descritivas e inferenciais/analíticas.

A taxa de absenteísmo foi obtida dividindo o número de horas/homem ausentes sobre o número de horas/homem trabalhadas e, na sequência, multiplicando-se o resultado por 100, conforme metodologia proposta pelo Núcleo de Apoio à Gestão Hospitalar (NAGEH).8 Na instituição pesquisada, os registros de ausência estavam contabilizados em dias, sendo necessário fazer a conversão desse dado para horas. Para tanto, a fim de realizar o cálculo da taxa de absenteísmo, por maior proporção dos contratos de trabalho da enfermagem do hospital, estabeleceu-se a carga horária de trabalho diária de 6 horas, padronizando-se que os meses teriam 30 dias.

A normalidade da distribuição dos dados foi verificada para todas as variáveis quantitativas, por meio do teste de Shapiro-Wilk, sendo rejeitada a hipótese nula em todos os casos. Nas análises descritivas, os resultados foram apresentados pelas frequências absolutas e relativas, bem como pela média, mediana e variabilidade, de acordo com o tipo de cada variável. Após as análises descritivas, compararam-se os resultados de 2019 (pré-pandemia) com os observados no mesmo período de 2020 (pandemia vigente). Para isso, aplicou-se o teste de qui-quadrado às variáveis categóricas e o teste Wilcoxon às variáveis contínuas. Valores de p ≤ 0,05 foram considerados significativos.

Para efeito de comparação, adotou-se como ponto de corte a taxa de absenteísmo de 6,7%, em conformidade à normatização brasileira que menciona esse valor como um parâmetro de ausências não previstas entre trabalhadores de enfermagem,9 além da literatura pertinente ao tema.

Este estudo é um recorte de um projeto matricial que tem como enfoque as boas práticas em saúde e enfermagem. O projeto está em conformidade com as recomendações da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).

RESULTADOS

Em ambos os períodos (pré-pandemia e pandemia vigente), verificou-se maior concentração de mulheres, atuantes em unidades de internação para adultos, e com idade entre 40 e 49 anos. No período pré-pandemia, a categoria profissional que mais se ausentou do trabalho foi a de auxiliar de enfermagem; já durante o enfrentamento da COVID-19 foi a de técnico de enfermagem (Tabela 1).

Tabela 1 -
Caracterização sociodemográfica e laboral dos registros de afastamentos da equipe de enfermagem, antes e durante a pandemia de COVID-19. Sul do Brasil, 2020. (N=1097)

Variáveis	2019 (n=622)				2020 (n= 475)
	n (%)	Média±DP*	Mediana	Intervalo	n (%)	Média±DP*	Mediana	Intervalo	p-valor
Sexo
Feminino	612(98,4)				467(98,3)				0,921**
Masculino	10 (1,6)				8(1,7)
Idade¶		44,4±7,9	43	27 a 68		43,8±7,9	43	24 a 65	0,009**
≤ 30	18(3,0)				29(6,1)
31 a 39	139(22,8)				108(22,7)
40 a 49	292(47,9)				213(44,8)
50 a 59	133(21,8)				115(24,2)
≤ 60	27(4,4)				8(1,7)
Categoria profissional¶¶
Auxiliar de Enfermagem	250(43,2)				172(37,3)				0,073**
Técnico de Enfermagem	224(38,7)				210(45,6)
Enfermeiro	105(18,1)				79(17,1)
Unidade de atuação¶¶¶
Setor Administrativo	93(15)				34(7,2)				0,002**
Ambulatório/Banco de leite	43(6,9)				35(7,4)
‡CC/§CO/Hemodinâmica	80(12,9)				78(16,5)
||CME	54(8,7)				30(6,4)
Enfermaria Adulto	191(30,7)				138(29,2)
Enfermaria Pediátrica	-				01(0,2)
Pronto-Socorro	40(6,4)				37(7,8)
†UTI Adulto	47(7,6)				52(11,0)
†UTI Neonatal e Pediátrica	74(11,9)				66(14,0)
†UTI COVID	-				01(0,2)

• ^*DP: Desvio Padrão; †UTI: Unidade de Terapia Intensiva; ‡CC: Centro Cirúrgico; §CO: Centro Obstétrico; ||CME: Central de Materiais e Esterilização; ¶2019: n=609 e 2020: n=473; ¶¶2019: n=579 e 2020: n=461; ¶¶¶2020: n=472; ^**valor de p obtido pelo teste qui-quadrado.

O tempo de dias e das horas de afastamento foi significativamente maior em 2020 do que em 2019, influenciando para que a taxa de absenteísmo no período de pandemia vigente também fosse significativamente mais elevada do que no período pré-pandemia (Tabela 2).

Tabela 2-
Tipos, dias e horas de afastamentos e taxas de absenteísmo da equipe de enfermagem, antes e durante a pandemia de COVID-19. Sul do Brasil, 2020. (N=1097)

Variáveis	2019 (n=622)				2020 (n= 475)
	n (%)	Média±DP*	Mediana	Intervalo	n (%)	Média±DP*	Mediana	Intervalo	p-valor
Tipo de afastamento									<0,001**
Doença	301(48,4)				228(48)
Declaração	182(29,3)				73(15,4)
Licença saúde (prolongada)	139(22,3)				124(26,1)
Risco de transmissão viral	-				50(10,5)
Dias de afastamento		4,2±7,7	1	1 a 30		5,6±7,5	2	1 a 30	<0,001††
Horas de afastamento		25,1±46,2	6	6 a 180		33,4±44,9	12	6 a 180	<0,001††
Taxa de absenteísmo (%)		13,9±25,7	3,3	3 a 100		18,6±24,9	6,7	3 a 100	<0,001††

• ^*DP= Desvio Padrão; ^**valor de p obtido pelo teste qui-quadrado; ††valor de p obtido pelo teste Wilcoxon.

DISCUSSÃO

Tanto em 2019 como em 2020 houve maior absenteísmo de profissionais de enfermagem do sexo feminino. Por ser uma profissão que possui majoritariamente mulheres no seu corpo de trabalho, a alta taxa de absenteísmo pode ser ocasionada pela sobrecarga diária com outras tarefas paralelas (atividades domésticas e cuidados com os filhos), assim como alterações físicas e emocionais ocasionadas pelo climatério (entre 40 e 65 anos).10 Essas alusões não excluem a necessidade de (re)pensar a posição na mulher na sociedade, clara e historicamente marcada pelo machismo.

A diferença na mediana da idade dos profissionais afastados nos períodos avaliados foi estatisticamente significativa (p-valor=0,009), indicando que em 2020 houve maior número de afastamentos de profissionais mais jovens. Tal achado pode ser explicado, em parte, pelo afastamento compulsório dos funcionários considerados do grupo de risco para COVID-19 (pessoas com mais de 60 anos de idade e portadores de doenças crônicas, logo, com maior risco de manifestações graves da COVID-19), o que favoreceu o aumento do número de afastamentos de colaboradores jovens que estavam na ativa.

Os auxiliares de enfermagem apresentaram a maior frequência de afastamento laboral em 2019 e, em 2020, o absenteísmo foi maior entre os técnicos de enfermagem. Esse achado provavelmente tem relação com a variável idade previamente discutida, uma vez que os auxiliares de enfermagem - cuja formação não é mais recomendada - possivelmente eram mais velhos.

Técnicas e auxiliares de enfermagem representam o maior contingente da força de trabalho da profissão e o absenteísmo dessas categorias desestrutura o processo de trabalho, gera sobrecarga de atividades aos demais trabalhadores e compromete a qualidade do cuidado.10 Ademais, importa destacar que a alta taxa de absenteísmo entre técnicos e auxiliares de enfermagem pode estar relacionada à menor remuneração dessas categorias e à maior necessidade de esforço físico na execução dos cuidados diretos e ininterruptos ao paciente hospitalizado, gerando desmotivação, exaustão e até mesmo adoecimento.10

Outro fator que pode repercutir na elevação das taxas de absenteísmo da equipe de enfermagem de nível médio e na profissão como um todo é a carga de trabalho. Pesquisa bibliográfica de autores canadenses refere que longos turnos e semanas ininterruptas de trabalho aumentam em até cinco vezes o absenteísmo na enfermagem.11 Revisão sistemática de pesquisadores também sediados no Canadá afirmou que elementos de retenção no trabalho, como satisfação, engajamento profissional e apoio organizacional, reduzem o absenteísmo da enfermagem em hospitais, e, em contraponto, o esgotamento e o estresse laboral são preditores para a elevação dos afastamentos de curto prazo.12

No Brasil, trabalhadores de enfermagem de nível médio atuantes em terapia intensiva no enfrentamento da COVID-19 foram foco de pesquisa sobre a síndrome de Burnout. Entre as constatações, o estudo recente refere que a síndrome teve prevalência de 25,5% na amostra (n=94), considerada alta.7 Essa assertiva vai ao encontro da elevação de ausências no período de pandemia vigente verificada no estudo ora descrito, sinalizando que os problemas a respeito da saúde do trabalhador em períodos de crise são, de fato, aguçados.

A diferença no número de afastamentos por setores entre os anos analisados foi estatisticamente significativa (p=0,002). Houve queda considerável no quantitativo de afastamentos no setor administrativo em 2020 quando comparado a 2019. O regime de trabalho remoto adotado em virtude da pandemia do novo coronavírus pode ter sido responsável por essa redução de afastamentos em 2020. No contexto da pandemia da COVID-19 no cenário brasileiro, o trabalho remoto tem perfil predominantemente composto por pessoas brancas, do gênero feminino, com idade entre 30 e 39 anos, na região Sudeste, com escolaridade de nível superior completo, no setor formal e atividade de serviços.13 Apesar do perfil concentrado, sabe-se que a estratégia foi e é importante como um adicional às medidas de contenção da pandemia.

As “Enfermarias Adulto” foram os setores de atuação que registraram as maiores taxas de absenteísmo tanto no período pré-pandemia como no período pandêmico, com diferença significativa entre os demais setores pesquisados. Nessas unidades há um grande fluxo de pessoas (profissionais de saúde, residentes, colaboradores dos serviços de apoio, familiares) em decorrência do elevado número de pacientes internados, o que aumenta a exposição dos funcionários a microrganismos patogênicos.10 Outros aspectos que merecem ser pontuados é que pacientes portadores de germes multirresistentes são frequentemente internados nesses tipos de unidades e que tais setores somam um contingente importante do capital humano de enfermagem do hospital investigado.

Merece destaque o fato da “UTI COVID-19” ter apresentado um dos menores registros de servidores afastados (0,2%). Esse achado pode ser explicado pelo fato de a equipe ter sido formada voluntariamente, havendo maior disposição e espontaneidade dos funcionários para compor a equipe que atuaria no enfrentamento dos casos da COVID-19 naquele local. É prudente problematizar que alguns afastamentos têm relação com o relacionamento interpessoal1 e a dinâmica de líderes-liderados, e não necessariamente com o diagnóstico de doença orgânica ou sofrimento mental.

Outra possível explicação para a proporção reduzida de afastamentos no setor específico para atendimento à COVID-19 seja a maior adesão dos trabalhadores às medidas protetivas, incluindo o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), já que a certeza do contato com clientela infectada pelo vírus pode gerar medo e apreensão. A favor da interpretação exposta, tais sentimentos também foram recentemente verificados entre trabalhadores de enfermagem que atendiam pacientes sob suspeita de COVID-19.14

A adequada adesão dos profissionais de saúde às medidas de prevenção e controle de infecção, a exemplo do uso dos EPI durante o contato com pacientes diagnosticados com COVID-19, também pode ser digna de nota. No atual contexto pandêmico, a norma regulamentadora NR-6 destaca que os EPI auxiliam na proteção laboral dos trabalhadores de saúde e reduzem os riscos de contaminação dos mesmos, sendo eles capacete, capuz, óculos, protetor facial, máscara de solda, protetor auditivo, respirador purificador de ar, respirador de adução de ar, respirador de fuga, luvas, creme protetor, braçadeira, dedeira, calçado, meia, perneira, calça, macacão, conjunto e vestimenta de corpo inteiro.15 Em contraponto a isso, a aquisição e fornecimento de EPI em quantidade e qualidade adequadas tem sido um problema no enfrentamento do vírus SARS-CoV-2,16 o que pode favorecer o absenteísmo daqueles que são a linha de frente de atenção à saúde, emblematicamente representados pela enfermagem.

Em virtude da pandemia, em 2020, além dos afastamentos usuais por atestado médico, declaração e licença, registou-se um novo tipo de afastamento laboral relacionado com o risco de transmissão viral por trabalhadores sintomáticos. Os profissionais que se enquadravam nessa modalidade eram os que apresentavam um ou mais sintomas sugestivos de contaminação viral por SARS-CoV-2, sendo eles febre, tosse, dispneia, mialgia, fadiga, perda do olfato e do paladar.17 Mesmo não havendo confirmação laboratorial da doença, a suspeita de possível contágio já implicava na necessidade de afastamento do trabalho. Tais orientações foram mudando ao longo da pandemia, sendo informadas aos trabalhadores por meio de instruções de serviços com base nos decretos municipais, estaduais e federais.

Houve diferença significativa entre as taxas de absenteísmo nos períodos avaliados (p-valor=0,001). Mesmo apresentando número de ocorrências de afastamentos menor em 2020, o tempo médio de duração foi maior (p-valor=0,001), tanto em dias como em horas, fazendo com que a taxa de absenteísmo fosse maior no período de enfrentamento da COVID-19. O tempo prolongado dos afastamentos em 2020 pode ter sido influenciado pelo fato de o retorno do trabalhador ao serviço depender do resultado negativo do exame laboratorial para COVID-19, que no início da pandemia era encaminhado para análise em grandes centros, atrasando a obtenção dos resultados. Ademais, a contaminação confirmada do trabalhador pelo novo coronavírus exigia um tempo maior, obrigatório, de afastamento das atividades laborais.

Estudo recente comparou as taxas de absenteísmo de 2019 e 2020 entre profissionais que atuavam no atendimento pré-hospitalar (bombeiros) e identificou um aumento na taxa de absenteísmo por infecção respiratória desde o início da pandemia.18 Isso reforça os achados do presente estudo e indica a necessidade de impulso gerencial pró ativo e atento à saúde dos trabalhadores em períodos de crise como a pandemia, o que inclui ações de proteção do trabalhador, além de, possivelmente, contratações adicionais.

Vale destacar que, embora as taxas de absenteísmo tenham sido significativamente diferentes e a taxa tenha sido maior no período de pandemia vigente, em ambos os períodos os índices foram superiores aos valores estimados pelo COFEN.9 Todavia, é prudente assumir que o conselho de classe previu um aumento das taxas de absenteísmo da categoria no enfrentamento da pandemia de COVID-19, inclusive recomendando Índice de Segurança Técnica mínimo de 20%,6 e não o usual de 15%,9 para o processo de dimensionamento de pessoal. Isso denota compromisso da entidade de classe com os trabalhadores, mas, perante o mundo real, nota-se que a atuação dos órgãos regulamentadores não necessariamente garante as melhores condições laborais da enfermagem, uma vez que o cenário almejado depende também da própria profissão enquanto interesses coletivos, das lideranças políticas e da sociedade como um todo na valorização da enfermagem.19

Em contraponto à interpretação explanada, estudo recente realizado em hospital universitário brasileiro verificou taxas de absenteísmo, respectivamente, de 12 e 9% para enfermeiros e técnicos de enfermagem,20 ou seja, se considerada a taxa de absenteísmo de enfermeiros da investigação citada, comparam-se com o presente estudo valores equivalentes (se considerado o período pré-pandemia) e inferiores (no período de pandemia vigente) à investigação ora descrita. Essa discrepância e até mesmo dificuldade interpretativa são, possivelmente, mais um motivo para monitorar esse indicador, pois isso pode facilitar aos gestores a tomada de decisão e a interpretação dos índices de ausências nas organizações.

De forma geral, o absenteísmo laboral sobrecarrega tanto as esferas administrativas quanto assistenciais, visto que, para atender à demanda de cuidados, faz-se necessário rever escalas de trabalho, providenciar coberturas com horas extras, redistribuir a demanda de trabalho por funcionário, o que pode comprometer a segurança do paciente e comprometer a qualidade do cuidado prestado.2^,4 Diante da COVID-19, todo esse cenário parece ser agravado, tanto pelo aumento verificado de afastamento no trabalho como pelo fato de a equipe ter contato com um “tipo” de cuidado pouco elucidado, o que, por si só, pode sobrecarregar os trabalhadores.19

Como limitações do estudo, destaca-se que não é possível a generalização dos achados de pesquisa para os demais meses subsequentes e/ou outros cenários, necessitando da ampliação do escopo de investigação. Vale assumir, ainda, que apesar de ter sido delineada com rigor e o nexo de plausibilidade ser muito forte nesta investigação, pelo contexto social e sanitário de intenso agravamento da pandemia, não há como afirmar contundentemente que o contexto pandêmico foi o fator causal para a elevação do absenteísmo da enfermagem.

Apesar das limitações assumidas, considera-se que o estudo guarda ineditismo e relevância, uma vez que aponta para a clara necessidade do preparo de organizações hospitalares em situações de crise, por exemplo, uma esperada elevação de horas extras e a necessidade de (re)planejar contratações adicionais, em virtude do aumento do absenteísmo da equipe de enfermagem.

Além de possivelmente ser necessário rever a dinâmica de contratação e alocação de pessoal de enfermagem, o estudo sinaliza, indiretamente, que a demora em testar os trabalhadores bem como o processamento para o diagnóstico de doença infecciosa pode ser um fator contribuinte ao aumento das taxas de absenteísmo. Acredita-se também que o tema explanado neste estudo pode auxiliar como registro histórico diante do momento de crise, bem como de parâmetro para análises futuras e benchmarking do absenteísmo da equipe de enfermagem.

CONCLUSÃO

Concluiu-se que apesar de o número de ocorrências de afastamentos no período pré-pandemia ter sido mais elevado, o tempo (em dias e horas) de duração dos afastamentos foi maior durante o enfrentamento da COVID-19, corroborando para que a taxa de absenteísmo também fosse mais elevada nesse período. Portanto, a pandemia impactou na elevação das ausências da equipe de enfermagem.

A adoção de políticas institucionais de promoção da saúde do trabalhador, de prevenção de agravos ocupacionais e de valorização profissional é uma estratégia importante para diminuir a taxa de absenteísmo laboral. Novos estudos sobre essa temática são recomendados para possibilitar a comparação dos achados de pesquisa em diferentes cenários, inclusive aqueles considerados como referência no enfrentamento da COVID-19.

AGRADECIMENTO

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERS), edital de chamada pública nº 06/2020.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da monografia - Comparação das taxas de absenteísmo da equipe de enfermagem antes e após início da pandemia de Covid-19, apresentada ao Programa de Residência em Gerenciamento de Enfermagem em Clínica Médica e Cirúrgica, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, em 2020.

• FINANCIAMENTO

  Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por meio do Programa de Apoio à Pós-Graduação (PROAP).

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, parecer n. 4.030.375/2020, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 50066815.8.0000.0107

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Natália Gonçalves, Monica Motta Lino. Editor-chefe: Roberta Costa .

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  13 Abr 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  27 Jun 2021
• Aceito
  25 Nov 2021